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1 Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 Niterói Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3 Arte e invisibilidade no Peru: três leituras históricas Patricia Corrêa * É constitutivo do campo da história da arte o interesse temático, conceitual e metodológico sobre a visualidade, que pode ser brevemente definida como os modos de ver, interpretar e produzir o visível, histórica e culturalmente condicionados. Central à disciplina sempre foi, portanto, o estudo das chamadas artes visuais, sobretudo a pintura, a escultura, a arquitetura, o desenho, a gravura e a fotografia, bem como outros meios e práticas contemporâneas que lidam com poéticas da visão. Cabe ao historiador da arte apreciar as qualidades do visível, suas dinâmicas de experiência e significação 1 . Logo a ênfase na invisibilidade seria estranha às orientações mais básicas da disciplina, mesmo que, como condição dialética do visível, sua abordagem tenha sido sempre explícita ou implicitamente importante. Mas essa ênfase pode ganhar relevância crítica ao tornar-se vetor de questionamento dos pressupostos de clareza, ordem, valor e racionalidade que, pelo menos desde a codificação da perspectiva e da verossimilhança na Renascença, marcaram o desenvolvimento da visualidade na arte ocidental 2 . A ênfase na invisibilidade pode ser um caminho sensível e estratégico hoje em dia, quando há um crescente interesse em historiografias da arte descentradas com relação a modelos e tradições europeias, ou em processos de transculturação e hibridização, através dos quais se torna possível construir percepções mais amplas e complexas da produção de ex-colônias e suas heranças multiétnicas. Suponho ser esse o caso de alguns estudos recentes da arte andina, ou mais especificamente peruana, em que se exploram dificuldades ou impossibilidades visuais que se mostram, no entanto, esclarecedoras de valores e processos históricos dessa região. Nos trabalhos de três historiadoras da arte a peruana Natalia Majluf e as norte-americanas Carolyn Dean e Esther Pasztory , o que não se viu na arte do Peru torna-se tão ou mais significativo do que aquilo que se viu. Pretendo apresentar aqui uma aproximação entre essas três leituras históricas que identificaram algum tipo de ligação entre arte e invisibilidade no Peru, esperando

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Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro

ISNB 978-85-66056-01-3

Arte e invisibilidade no Peru: três leituras históricas

Patricia Corrêa*

É constitutivo do campo da história da arte o interesse temático, conceitual e

metodológico sobre a visualidade, que pode ser brevemente definida como os

modos de ver, interpretar e produzir o visível, histórica e culturalmente

condicionados. Central à disciplina sempre foi, portanto, o estudo das chamadas

artes visuais, sobretudo a pintura, a escultura, a arquitetura, o desenho, a gravura e

a fotografia, bem como outros meios e práticas contemporâneas que lidam com

poéticas da visão. Cabe ao historiador da arte apreciar as qualidades do visível,

suas dinâmicas de experiência e significação1. Logo a ênfase na invisibilidade seria

estranha às orientações mais básicas da disciplina, mesmo que, como condição

dialética do visível, sua abordagem tenha sido sempre explícita ou implicitamente

importante.

Mas essa ênfase pode ganhar relevância crítica ao tornar-se vetor de

questionamento dos pressupostos de clareza, ordem, valor e racionalidade que, pelo

menos desde a codificação da perspectiva e da verossimilhança na Renascença,

marcaram o desenvolvimento da visualidade na arte ocidental2. A ênfase na

invisibilidade pode ser um caminho sensível e estratégico hoje em dia, quando há

um crescente interesse em historiografias da arte descentradas com relação a

modelos e tradições europeias, ou em processos de transculturação e hibridização,

através dos quais se torna possível construir percepções mais amplas e complexas

da produção de ex-colônias e suas heranças multiétnicas.

Suponho ser esse o caso de alguns estudos recentes da arte andina, ou mais

especificamente peruana, em que se exploram dificuldades ou impossibilidades

visuais que se mostram, no entanto, esclarecedoras de valores e processos

históricos dessa região. Nos trabalhos de três historiadoras da arte – a peruana

Natalia Majluf e as norte-americanas Carolyn Dean e Esther Pasztory –, o que não

se viu na arte do Peru torna-se tão ou mais significativo do que aquilo que se viu.

Pretendo apresentar aqui uma aproximação entre essas três leituras históricas que

identificaram algum tipo de ligação entre arte e invisibilidade no Peru, esperando

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com isso sugerir um caminho de reflexão sobre os limites e o próprio processo de

construção de uma história da arte peruana.

No artigo “Rastros de un paisaje ausente: fotografía y cultura visual en el área

andina” a atual diretora do Museu de Arte de Lima (MALI), Natalia Majluf, discute a

inexistência de uma tradição de pintura de paisagem peruana.3 Ao longo do século

XIX, os pintores do Peru não se interessaram por registrar seu entorno, como se não

vissem suas cidades, montanhas, vales e rios. Na Europa, esse foi o século em que

o gênero da pintura de paisagem ganhou autonomia artística e se desenvolveu

plenamente a partir de artistas ingleses, como John Constable e William Turner, e de

franceses como Camille Corot e a chamada Escola de Barbizon, vindo a culminar na

operação modernista do Impressionismo. Nos Estados Unidos, o século XIX trouxe o

florescimento da Escola do Rio Hudson e as imponentes vistas da paisagem

americana criadas por artistas como Thomas Cole, Frederic Church e Albert

Bierstadt. De fato, observa Majluf, apenas no final do século a representação visual

e literária do entorno natural surge no Peru, desenvolvendo-se marginalmente, sem

relevância ou autonomia4.

Essa particularidade5 da história cultural peruana – que podemos aqui chamar

de invisibilidade da paisagem – chama atenção pela importância do gênero, que

cumpria um papel fundamental para a formação da ideia de nação na arte

acadêmica. Os exemplos dos norte-americanos Frederick Church e Albert Bierstadt,

nesse sentido, são clássicos: o primeiro é autor do primeiro quadro com o tema do

Manifest Destiny, Hooker and company, de 1846; o segundo traduz em pinturas

altamente impactantes o processo de expansão para o oeste do Rio Mississipi,

tendo efetivamente integrado expedições entre 1858 e 1863, como em The Rocky

Mountains, Lander's Peak, de 1863 (Figura 1). Nos dois casos, um nacionalismo

romântico se apoia em ideais de unidade territorial, racial e cultural, promovidos

Figura 1: Albert Bierstadt. The Rocky Mountains, Lander's Peak, 1863. Óleo sobre tela, 187 x 307 cm. The Metropolitan Museum of Art, New York. Fonte: HUGHES, Robert. American Visions. The Epic History of Art in America. New York: Knopf, 2006, p. 195.

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através de imagens poderosas de uma América virgem6.

Entre os pintores acadêmicos peruanos raramente se encontra um interesse

específico pela paisagem. Artistas como Ignacio Merino, Francisco Laso e Luis

Montero, que tiveram formação europeia como os acadêmicos estadunidenses,

foram indiferentes ao gênero. Evidentemente, a grandiosidade dos Andes e de seu

entorno não era desinteressante para a pintura do século XIX, tanto que foi

interpretada por artistas estrangeiros em viagem pela região, como o alemão Johann

Rugendas e o próprio Church (Figura 2)7. Portanto, as razões para a ausência de um

olhar paisagista na cultura visual peruana e, especialmente, de um olhar para os

Andes, traço marcante da região, estariam em algumas particularidades da

construção nacional peruana, que podem ser percebidas desde que concordemos

que paisagem não é apenas um gênero de pintura ou um recorte da própria

natureza, mas um complexo conjunto de práticas sociais e convenções culturais que

atuam nos campos discursivos da memória, da história e dos projetos nacionais.

Para a autora, essa ausência ou invisibilidade deixa ver as contradições da

modernização incipiente promovida sob as orientações de um nacionalismo criollo.

Primeiramente, há que se levar em conta a herança artística colonial, que

seguiu marcante no desenvolvimento do Peru independente. Produzida basicamente

sob o mecenato da Igreja Católica e quase exclusivamente com temáticas sacras, a

arte do Vice-Reino do Peru estava toda baseada em fontes iconográficas vindas da

Europa, como gravuras, livros de oração ou pequenas imagens votivas. Nesse tipo

de produção, centrada nos aspectos narrativos das figuras, os elementos de

paisagem normalmente tinham caráter secundário e, quando estavam presentes,

eram copiados pelos artistas locais do mesmo modo que se copiavam os

personagens bíblicos8. Ou seja, montanhas, rios e construções tinham quase

Figura 2: Frederick Edwin Church. Heart of the Andes, 1859. Óleo sobre tela, 168 × 303 cm. The Metropolitan Museum of Art, New York. Fonte: HUGHES, Robert. American Visions. The Epic History of Art in America. New York: Knopf, 2006, p. 160.

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sempre aspectos convencionais na pintura colonial, sem representação naturalista

ou conexão com o entorno dos artistas. Mesmo no caso da famosa temática da

Virgen del Cerro (Figura 3), a forma da montanha é percebida de acordo com o

corpo convencional das virgens triangulares de origem europeia, em sintonia com a

visão mística indígena da montanha como Pachamama9.

Com a República, a tendência a uma visão esquemática e retórica da

montanha, agora especificamente em referência aos Andes como traço nacional

característico, se atualiza em medalhas, moedas e escudos. Majluf vê na

continuidade desse tipo de abordagem convencional dos Andes, muitas vezes

reduzido a uma única montanha ou cadeia simplificada, a marca da relação que a

elite criolla continuará a ter com seu entorno natural, especialmente as montanhas

distantes do litoral mais desenvolvido. Por um lado, essa relação estava pautada na

percepção da serra peruana como “terra indígena”10, culturalmente alheia às

ambições cosmopolitas da costa; por outro lado, aproximações à serra eram

determinadas por uma perspectiva utilitária, “pelo discurso das ciências naturais e

pela prática da prospecção capitalista”.11 Tudo isso talvez tenha impedido a elite de

Lima, que afinal alimentava a produção dos artistas acadêmicos peruanos12, de

relacionar-se estética e culturalmente com os Andes, apreendendo sua paisagem de

um modo mais profundo – essa terra não era vista como virgem, pura ou destinada

como nos Estados Unidos do século XIX, mas sim como terra pertencente a outro

Figura 3: Anônimo, Escuela Potosina. La Virgen del Cerro, séc. XVIII. Óleo sobre tela. Casa de la Moneda, Potosí, Bolívia. Fonte: SCOBRY-LEACEY, Dominique. Simbología Andina en el Arte Precolombino y Colonial. Medellín: AMTEX, 1999, p. 59.

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mundo cultural, resistente à marcha do progresso, uma verdadeira barreira13 a ser

superada pela civilização.

Portanto a invisibilidade dos Andes na pintura peruana refletia a dicotomia

costa/serra, que opunha a sociedade burguesa voltada para o mar e seus

intercâmbios comerciais ao arcaísmo rural das tradições indígenas, seus antigos

cultos e enraizamento à terra, às montanhas – dicotomia que apenas se ampliou ao

longo do século XIX com a centralização do poder e das atividades econômicas em

Lima, acompanhada pelo declínio de cidades serranas que haviam sido importantes

no período colonial, como Cuzco e Huamanga. No entanto, através de uma série de

projetos de exploração, de programas de infraestrutura e integração nacional, o

Estado Peruano buscava “vencer” os Andes. E é esse o contexto em que surgem

algumas das primeiras imagens em que as montanhas andinas têm papel decisivo.

Abordadas por um olhar mais pragmático, elas aparecem em uma série de

fotografias realizadas durante a construção de dois grandes empreendimentos

estatais da década de 1870: as linhas férreas do Ferrocarril Central, unindo Lima à

região mineira de La Oroya, e as do Ferrocarril del Sur, unindo o porto de Mollendo à

cidade de Puno – ou seja, em ambos os casos partindo da costa e penetrando os

Andes (Figuras 4 e 5). Feitas por fotógrafos peruanos profissionais, contratados pela

Companhia Férrea, essas imagens inserem as montanhas em discursos de

progresso e superação tecnológica. Pontes elevadas, túneis e cortes abruptos dão

noção da escala e dos desafios vencidos, registrados por Eugenio Courret e Ricardo

Villalba. Para Majluf, materializam os anseios da elite criolla em ver seu domínio

Figura 4: Eugenio Courret. Ferrocarril Central. Viaducto de Chaupichaca, c. 1875. Fotografia em albumina, 27 x 20,5 cm. Figura 5: Ricardo Villalba. Ferrocarril del Sur. Mundo Nuevo, c. 1875. Fotografia em albumina, 25 x 20,5 cm. Fonte: MAJLUF, Natalia. “Rastros de un paisaje ausente: fotografía y cultura visual en el área andina” in Caiana. No 3, 2013, http://caiana.caia.org.ar

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político e econômico legitimado naquelas terras inassimiláveis e de outro modo

invisíveis.

No texto da historiadora peruana, a paisagem andina e as montanhas

encarnam a inacessibilidade do mundo indígena ao pensamento burguês, de matriz

europeia, do século XIX – o caráter refratário dos valores e das visões nativas aos

valores e visões ocidentais. De fato, para se compreender mais profundamente essa

dicotomia seria necessário tentar entender o significado das montanhas dentro dos

sistemas de significação nativos, ainda bastante ativos em meio ao processo

transcultural, desde o início da colonização à atualidade. Essa é a proposta da

professora da University of California/Santa Cruz, Carolyn Dean, no livro de sua

autoria, A Culture of Stone – Inka perspectives on rock, publicado em 201014. A seu

modo, Dean também caracteriza como um modo de invisibilidade o desencontro

entre os conceitos e práticas vigentes na arte ocidental e aqueles vigentes no mundo

indígena andino. Baseando-se em crônicas da Conquista e da colonização, em

estudos modernos e em fontes orais, a historiadora norte-americana procura

identificar, discutir e comparar os sentidos atribuídos às montanhas e, por

consequência, mais especificamente às pedras, no pensamento inca e em seus

desdobramentos atuais.

Essa “cultura de pedra” foi pressentida pelos conquistadores, depois pelos

colonizadores, pela burguesia republicana e pelos turistas, que hoje visitam Machu

Picchu e Cuzco, no coração dos Andes. Mas não foi por eles compreendida,

tampouco assimilada e, talvez, nem sequer realmente vista, apesar da infinidade de

fotografias feitas pelos atuais visitantes. Sua base material, em boa parte destruída

pelos extirpadores de idolatrias que atuaram na região no período colonial, ainda

sobrevive nas rochas modificadas ou intocadas dessas montanhas. Dean, então,

parte da seguinte pergunta: mas por que essa cultura de pedra escapou e em muito

ainda escapa à percepção ocidental?

Em busca de respostas, a autora procurou mapear e discutir alguns dos

conceitos que podem ser extraídos do culto andino às pedras – em geral expressões

quéchuas transcritas em espanhol, como os conceitos de huaca e kamay. Huaca se

aplica ao sagrado e pode ser um elemento natural, um objeto, uma construção, um

lugar, um ser vivo ou um espírito. Um afloramento rochoso (Figura 6), uma fonte,

uma plataforma construída com blocos talhados ou uma múmia poderiam ser

huacas, através dos quais “os homens encontram e interagem com poderosos

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numina”15. Portanto, uma huaca não pode ser imediatamente identificada por sua

aparência, composição material ou localização física. Kamay, por sua vez, é

normalmente traduzido como essência, em oposição à aparência. O kamay é

intangível, inapreensível pelo olhar, e pode estar contido nos mais variados objetos e

elementos, pois não está intrinsecamente ligado a qualquer forma ou material

específicos. Assim, o kamay é transubstancial, pode ser transferido e incorporado

por diferentes meios e procedimentos, dentre os quais a reprodução mimética

parece ser muito pouco valorizada, pois pedras brutas foram frequentemente

escolhidas para corporificar a essência sagrada de chefes falecidos ou para

transmitir a essência sagrada de uma huaca mais antiga a outra nova. Dean

comenta que a transferência do kamay de uma múmia poderia acontecer através do

tecido antes usado para envolvê-la e que passasse a envolver um outro objeto, e a

transferência do kamay de um afloramento rochoso poderia ser feita pela retirada de

um pedaço, colocado em seguida no local onde outra huaca passaria a existir como

metonímia material da primeira. Esse tipo de transubstanciação do kamay sem

qualquer vinculação icônica foi importante, inclusive, no processo de expansão

territorial inca, pois permitiu que o Vale de Cuzco, base do Tahuantinsuyu, fosse

espiritualmente recriado em locais muito distantes16.

Bem amplos e ambíguos, os dois conceitos sempre perturbaram os esforços

de categorização ocidental da cultura material andina e apenas recentemente

passaram a ser abordados por estudiosos e especialistas. Tudo o que tal

ambiguidade implica em termos de experiência visual, estética e religiosa teria

tornado essa cultura de pedra por tanto tempo quase inacessível. Quando os

espanhóis travaram contato com os incas, ao notar o sentido sagrado das huacas,

Figura 6: Centro cerimonial Kenko, Cuzco, Peru, c. 1450-1530. Fotografia de autoria própria.

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tenderam a compreendê-las como ídolos, o que na iconofilia ocidental significava

imagens de divindades. Muitos cronistas, porém, relataram sua consternação pela

incongruência entre o que esperavam de ídolos e aquelas pedras, rochas, cavernas

e fontes17. Ídolos deveriam ser antropozoomorfos, feito com materiais preciosos e

artesania cuidadosa, mas eram muitas vezes acidentes ou materiais naturais pouco

ou nada modificadas pelo homem. Como vimos, o processo envolvido na criação ou

identificação de uma huaca era normalmente mais valorizado do que a aparência

resultante, pois a ênfase sagrada estava no próprio lidar com o kamay e não

propriamente numa forma visual.

Os incas cultuavam, alimentavam, vestiam e conversavam com certas pedras,

que podiam ser talhadas em blocos, modificadas com grandes cortes (Figura 7) ou

pequenas incisões, usadas em construções, cercadas com outras pedras (Figura 6)

ou apenas mantidas sem qualquer modificação em seu lugar original. Algumas

montanhas são grandes pedras, portanto grandes interlocutores e agentes do

sagrado. Narrativas tradicionais andinas estão cheias de pedras que recebem vidas

em sacrifício, de personagens que viram pedras e de pedras que viram

personagens18. Livre da morte e da decrepitude, a pedra era vista como vida

imobilizada, vivacidade pausada por um período específico, que o culto e a memória

podiam mobilizar. Os significados da pedra no mundo indígena andino superam a

distinção natureza/cultura tão cara ao mundo ocidental e foram historicamente

obliterados por categorias como “ídolo”, mas também por categorias artísticas como

“escultura” e “arquitetura”.

De fato, uma resposta possível à pergunta inicial seria: o culto andino às

pedras escapou à percepção ocidental porque as categorias religiosas e artísticas

do pensamento europeu por muito tempo trataram mais de ocultar do que de revelá-

lo. Resistentes ao enquadramento como ídolos sob o olhar dos religiosos e

administradores coloniais, depois as pedras andinas continuaram resistentes ao

Figura 7: Intihuatana, Machu Picchu, Peru, c. 1450-1530. Fotografia de autoria própria.

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enquadramento como arte sob o olhar de historiadores, artistas e outros estudiosos.

Plataformas e portais retilíneos, poliedros simples ou irregulares, cortes elementares

e materiais brutos estavam longe dos parâmetros clássicos vigentes no mundo

ocidental até o início do século XX e só se tornaram visíveis como arte tardiamente.

Dean menciona o primeiro historiador a fazê-lo, o estadunidense George Kubler, em

1962. Com a publicação de seu livro Art and Architecture of Ancient America19,

Kubler atribuía valor estético e artístico às pedras talhadas incas, sendo depois

seguido por vários outros estudiosos que trataram de começar a construir um campo

com esses interesses específicos.

Tomando como base muitos desses autores, Dean porém observa que

grande parte da bibliografia desde então produzida sobre as pedras incas tende a

reduzir ou ocultar sua complexidade e estranheza ao tematizá-las segundo

“perspectivas não-andinas”20, ora privilegiando os monolitos talhados como

esculturas21, ora isolando aspectos da cantaria dos muros como arquitetura22 – em

ambos os casos, partes significativas da produção e do mundo inca são ignoradas.

Assim, os Andes seguiriam de certo modo invisíveis ao olhar e às concepções

ocidentais – seu livro justamente aborda a ambiguidade e a dificuldade de se

categorizarem os diversos elementos dessa cultura de pedra e procura contribuir

para uma visão mais aberta e aderente às perspectivas andinas.

Nesse ponto, podemos conectar os argumentos de Dean aos de outra

historiadora da arte pré-colombiana, Esther Pasztory, professora da Columbia

University, em Nova York. Um dos interesses de Pasztory é estudar a recepção

artística e historiográfica de uma “arte andina”, virtualmente inventada na segunda

metade do século XX. No texto Andean Aesthetics, incluído em seu livro Thinking

with things. Toward a new vision of Art, de 200523, ela considera as razões dessa

recepção tardia, enfatizando a importância das transformações trazidas pelo

modernismo na arte ocidental, quando pintores, escultores, arquitetos e teóricos se

distanciaram da iconicidade, explorando a abstração plástica e a linguagem

geométrica. A particularidade da proposta de Pasztory é sua leitura de como o

modernismo, a abstração e, depois, o minimalismo, o conceitualismo e a land art

fomentaram a invenção da arte andina – uma leitura em direção contrária, porém

complementar, à interpretação já consolidada de como as artes ditas primitivas ou

exóticas fomentaram a invenção do modernismo.

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Isso explicaria porque as talhas abstratas das pedras incas, seu vocabulário

plástico elementar, sua relação com a paisagem, seus sistemas e processos

invisíveis não foram apreciados com a mesma rapidez com que se admiraram os

templos monumentais, as pinturas murais, as estelas figurativas e os códices

ilustrados das culturas mesoamericanas, especialmente a maia. Já em textos do

século XVI se menciona o esplendor de objetos astecas24 e, a partir do século XVIII,

antiquários e colecionadores europeus aproximam francamente os baixos-relevos

maias aos baixos-relevos da antiguidade greco-romana, dando início à ideia de que

houve uma civilização clássica na América, por isso chamada de “maia clássica”25.

De certo modo, o classicismo europeu inventou o classicismo maia e não podia ver

as pedras aparentemente cruas dos incas, que tiveram que esperar as

transformações do século XX para serem vistas.

1962, a data indicada por Dean para a primeira sugestão de um caráter

artístico andino, feita por Kubler, um historiador estadunidense, é bastante relevante.

O final da década de 1950 e os anos 1960 foram marcados por mudanças radicais

na arte, especialmente nos Estados Unidos. Plataformas, portais, poliedros simples

ou irregulares aparecem na produção de artistas minimalistas como Robert Morris e

Antony Smith; sistemas e processos invisíveis são investigados por conceitualistas

como Hans Haacke e Robert Barry; cortes, linhas ou simplesmente direções

aplicadas à paisagem passam a ser chamados de land art, praticada por artistas

como Robert Smithson e Michael Heizer (Figuras 8 e 9). Quase ao mesmo tempo, a

pobreza de imagens, as formas extremamente simples e esquemáticas e o jogo

entre visível e invisível da produção andina passam a constituir uma problemática

específica e atraente, agora inserida na nova lógica artística que emerge com o

pensamento crítico e teórico que acompanha as neovanguardas norte-americanas26.

A partir do início da década de 1960, o objeto artístico passa a ser concebido e

discutido em termos mais amplos e complexos: começa a ser possível pensá-lo para

além dos critérios disciplinares que distinguiam pintura, escultura e arquitetura e

concebiam-no como resultado material de uma série fechada de procedimentos27.

Os artistas dessa geração propõem, ao contrário, que a experiência artística

também se dê através de sistemas de relações instáveis e não imediatamente

disponíveis ao olhar, esquemas conceituais, conjuntos de índices ou

desdobramentos de processos.

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É a partir desse momento que cresce a admiração ocidental pelos santuários

incas talhados em afloramentos rochosos, singelos degraus que selavam a relação

harmônica entre os homens e a montanha através do respeito aos contornos

originais da pedra, delicadamente modificados, e encarnavam uma forma de

transição entre patamares espirituais, como também o faziam as janelas e os portais

(Figura 10)28. É a partir desse momento que as linhas de grandes dimensões

traçadas no deserto de Nasca, que não podem ser visualizados do solo, apenas do

céu, passam a chamar a atenção dos artistas. Alguns deles, inclusive, chegam a

empreender viagens ao Peru para visitá-las, como fez Robert Morris em 1975,

atraído pela fenomenologia perceptiva do lugar e a experiência de desorientação

visual (Figura 11)29.

Figura 8: Robert Morris. Portal, Frame, Column e Slab, 1961-64. Compensado de madeira pintado, dimensões variáveis. Foto da exposição Black, White and Gray, 1964, The Wadsworth Atheneum, Hartford. Fonte: MEYER, James. Minimalism: art and polemics in the sixties. New Haven: Yale University Press, 2001, p. 76. Figura 9: Michael Heizer. Dissipate, 1968. Madeira, 1400 x 1500 x 30 cm. Black Rock Desert, Nevada, EUA. Fonte: TIBERGHIEN, Gilles. Land Art. New York: Princeton Architectural Press, 1995, p. 245.

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É também quando alguns sistemas andinos expressos em redes de relações

imateriais, que parecem ter sido muito importantes para a experiência estética e

religiosa desses povos, passam a ganhar um sentido estético aos olhos de

historiadores, como é o caso do Ceque. O sistema do Ceque dividia o espaço da

antiga Cuzco através de 41 linhas virtuais que partiam do templo Coricancha, no

centro da cidade, em direção a pontos distantes da paisagem ao redor. Visualmente

inaprensível porém intensamente vivido, o Ceque conduzia o olhar da capital inca a

pontos de observação ou devoção, relacionados a orientações astronômicas e ao

calendário de cultos, como huacas localizadas em montanhas afastadas ou eixos

para observação de solstícios e equinócios30.

Para Pasztory, apesar das mudanças introduzidas na arte pelos movimentos

dos anos 60 estarem plenamente inseridas na dinâmica de ruptura e renovação do

século XX, ligadas à própria superação do modernismo, elas também teriam

participado de uma mudança de sensibilidade a favor dos Andes, que nos fizeram

ver sentido em sua visualidade elusiva, contida, resistente à apreensão. Para a

autora, seria possível pensar uma história da arte andina, ou da arte pré-colombiana,

não como sucessão de estilos e seus significados intrínsecos, mas como processo

de assimilação e ressignificação dessas culturas pela produção estética ocidental,

que ao absorvê-las também foi refazendo seus próprios paradigmas e métodos.

Nessa via de mão dupla, novos antecedentes e imprevistas continuidades se criam –

o tecido da história americana ganha novas camadas. Isso é o que sugere Pasztory

no título de seu livro, Thinking with things: que as coisas – como as pedras e linhas

andinas tão difíceis de se ver – fazem a história pensar e repensar seu limites – algo

Figura 10: Templo Suchuna no complexo de Sacsayhuamán, Cuzco, Peru, c. 1450-1530. Fonte: PASZTORY, Esther. Pre-Columbian Art. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 1998, p. 158.

Figura 11: Geoglifos entre as atuais cidades de Palpa e Nazca, Peru, c. 200-800. Fonte: LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Barcelona: Folio, 2006, p. 195.

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que, aliás, também é sugerido por Majluf em um texto ligado a sua experiência com

o acervo do MALI, onde a historiadora peruana insiste na salutar força perturbadora

de certos objetos andinos diante dos critérios e conceitos vigentes no mundo da

arte31.

Ao lidar com o tema da invisibilidade, Majluf, Dean e Pasztory apontam alguns

dos limites que uma perspectiva historiográfica eurocêntrica pode encontrar diante

da arte e da visualidade do Peru. Por um lado, tais limites indicam desajustes ou

incompatibilidades entre paradigmas ocidentais e esses objetos e práticas; por outro

lado, estimulam a própria renovação dos olhares e discursos que constituem o

campo da história da arte, tanto nas Américas, quanto na Europa. A identificação e

assimilação de uma “estética andina” responderia, assim, à própria necessidade de

dinamização e ampliação desse campo. Novos ou estranhos objetos são

importantes para o pensamento da arte porque atravessam-no de forma

problemática, perturbadora e produtiva, impondo desvios, cortes, inversões e

relativizações a suas operações correntes. As três historiadoras mostram que

interessa estudar coisas que são ou foram difíceis de ver, que em algum momento

funcionaram negativamente dentro de processos de conhecimento, mapeamento ou

colonização. Talvez mais do que os aspectos evidentes, os pontos cegos sejam

capazes de revelar os limites da compreensão do que foi se constituindo como a

visualidade transcultural peruana.

* (EBA/UFRJ) Contato: [email protected]

1 Para uma apresentação e discussão introdutória do campo da história da arte, sua especificidade,

seus problemas, recursos e métodos, ver: ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. 2 Para um panorama crítico dos fundamentos racionalistas e normatizadores da visualidade ocidental

e, especialmente, do perspectivalismo cartesiano como modelo epistemológico, ver a coletânea: FOSTER, Hal (org.). Vision and Visuality. New York: Dia Art Foundation, 1988. 3 MAJLUF, Natalia. “Rastros de un paisaje ausente: fotografía y cultura visual en el área andina” in

Caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA), No 3, 2013. http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=articles/article_2.php&obj=126&vol=3 4 Majluf menciona como um dos raros autores peruanos a abordar a ausência de representação da

paisagem local o escritor e ensaísta Mirko Lauer, em: LAUER, Mirko. “¿Por qué no nos vimos?” in La Imagen, suplemento de La Prensa, Lima, 13 de marzo de 1977. Seu argumento é retomado em: LAUER, Mirko. Andes imaginarios. Cuzco e Lima: Centro de Estudios Regionales Andinos Bartolomé

de Las Casas/SUR, 1997. 5 Para a autora, na verdade, a ausência de uma tradição pictórica da paisagem marca

especificamente a área andina. Na América Latina, exemplos contrários se encontram no Brasil, com Félix Émile Taunay (1795-1881), e no México, com José María Velasco (1840-1912), dois pintores

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que legaram visões fundamentais da paisagem de seus países, como as vistas do Rio de Janeiro do primeiro e as do vale central mexicano do segundo. Mesmo assim, argumenta Majluf, elas não se comparam à enorme produção europeia ou estadunidense. 6 Para um panorama histórico mais amplo da arte estadunidense: HUGHES, Robert. American

Visions. The Epic History of Art in America. New York: Knopf, 2006. Para uma análise específica da relação entre paisagem e retórica nacionalista: BOIME, Albert. The Magisterial Gaze. Manifest Destiny and American Landscape Painting, c. 1830-1865. Washington & London: Smithsonian

Institution Press, 1991. 7 Sobre a importância da pintura de artistas viajantes estrangeiros na América Latina do século XIX,

ver: ADES, Dawn. Arte na América Latina. A Era Moderna, 1820-1980. São Paulo: CosacNaify, 1997. 8 Sobre o papel fundamental do mecenato da Igreja e a prática da cópia de fontes iconográficas

europeias na arte do período colonial, ver: GUTIÉRREZ, Ramón (org.). Pintura, escultura y artes útiles en Iberoamérica, 1500-1825. Madrid: Cátedra, 1995. 9 SCOBRY-LEACEY, Dominique. Simbología Andina en el Arte Precolombino y Colonial. Medellín:

AMTEX, 1999, p. 56. 10

MAJLUF, 2013, op. cit., p. 8. 11

Ibidem, p. 2. 12

A partir da independência do Peru, o ensino acadêmico da arte vai se estabelecendo em Lima através de uma série de iniciativas e instituições: Sociedad de Bellas Artes em 1872, Academia Concha em 1893 e Escuela Nacional de Bellas Artes em 1918. 13

A imagem dos Andes como barreira corresponde ao resultado de levantamentos geográficos feitos no século XIX sob encomenda do governo Peruano, que descreveram a Cordilheira como barreira entre a costa desenvolvida e as riquezas inexploradas da selva amazônica. Como referências, Majluf cita os trabalhos de Mariano Felipe Paz Soldán: Geografía del Perú (Paris: Fermin Didot Frères, 1862) e Atlas geográfico del Perú (Paris: Fermin Didot Frères, 1865). 14

DEAN, Carolyn. A Culture of Stone – Inka perspectives on rock. Durham and London: Duke

University Press, 2010. 15

Ibidem, p. 2. 16

Ibidem, p. 62. Sobre a transubstanciação dos incas em pedra ver: MAARTEN, Van de Guchte. “Sculpture and the concept of the double among the Inca Kings” in Res 29-30, 1996, pp. 256-68. Para uma síntese da história do Império Inca, já clássica: ROSTWOROWSKI, María. Historia del Tahuantinsuyu. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1988. 17

Alguns dos agentes coloniais que se dedicaram a identificar as huacas andinas, referências para Dean: ALBORNOZ, Cristóbal de. “Instrucción para descubrir todas las guacas del Pirú y sus camayos y haziendas” [1584] in: URBANO, Henrique; DUVIOLS, Pierre (orgs.). Fábulas y Mitos de los Incas. Madrid: Historia 16, 1988, pp. 161-98; ARRIAGA, Pablo Joseph de. La extirpación de la idolatría en el Pirú [1621]. Cuzco: Centro de Estudios Regionales Andinos Bartolomé de Las Casas, 1999. 18

Muitas dessas narrativas foram recolhidas por cronistas, como: MURÚA, Martín de. Códice Múrua: Historia y Genealogía de los Reyes Incas del Perú [1590]. Madrid: Testimonio Compañía Editorial,

2004. 19

KUBLER, George. Art and Architecture of Ancient America. New Haven: Yale University Press,

1962. 20

DEAN, 2010, op. cit., p. 17. 21

Seu exemplo: PATERNOSTO, Cesar. The Stone and the Thread: Andean roots of abstraction.

Austin: University of Texas Press, 1996. 22

Seu exemplo: GASPARINI, Graziano; MARGOLIES, Luise. Inca Architecture. Bloomington: Indian

University Press, 1980. 23

PASZTORY, Esther. “Andean Aesthetics” in Thinking with things. Toward a new vision of Art.

Austin: University of Texas Press, 2005, pp. 197–207. 24

Idem. “Still Invisible: The problem of the Aesthetics of Abstraction for Pré-Columbian Art and its Implications for Other Cultures” in Thinking with things, op. cit., p. 119. Pasztory menciona o caso do pintor Albrecht Dürer que em 1520 viu alguns dos objetos trazidos do México para a Europa pelo conquistador Hernán Cortés e os descreveu como objetos maravilhosos, que alegraram seu coração e o impressionaram.

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Idem. Jean Frederic de Waldeck: Artist of Exotic Mexico. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2010. Através desse estudo, Pasztory relaciona a criação do “maia clássico” aos desenhos feitos no início do século XIX, no sítio arqueológico de Palenque, México, pelo artista e antiquário francês Jean-Frédéric de Waldeck, que dizia ter sido aluno do pintor neoclássico Jacques-Louis David. Waldeck ajudou a difundir imagens “classicizadas” dos baixos-relevos maias, que foram muito apreciadas na Europa. 26

Alguns dos debates e textos fundamentais produzidos paralelamente ao experimentalismo dos anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos foram reunidos em coletâneas: ALBERRO, Alexander; NORVELL, Patricia (orgs.). Recording Conceptual Art. Berkeley: University of California Press, 2001; BATTCOCK, Gregory (org.). Minimal Art - A Critical Anthology. Berkeley: University of California Press, 1995; SANDFORD, Mariellen (org.). Happenings and Other Acts. London: Routledge, 1995. No Brasil há uma importante coletânea de traduções de alguns desses textos, além de produções nacionais: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (orgs.). Escritos de Artistas – Anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2006. 27

Um exemplo básico da ultrapassagem dessas categorias, através do conceito de campo ampliado aplicado à escultura, é: KRAUSS, Rosalind. “Sculpture in the Expanded Field” in October 8, Spring 1979, pp. 30-44. 28

PASZTORY, Esther. Pre-Columbian Art. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 1998, p. 158. 29

Morris descreve suas experiências no deserto de Nasca, em busca das famosas linhas quase invisíveis em: MORRIS, Robert. “Aligned with Nazca” in Continuous Project Altered Daily: The Writings of Robert Morris. Cambridge: The MIT Press, 1993. Originalmente publicado em: Artforum,

vol. 14, no 2, outubro de 1975.

30 O estudo referencial sobre o sistema Ceque é: ZUIDEMA, Tom. The Ceque System of Cuzco.

Leiden: E.J.Brill, 1964. 31

MAJLUF, Natalia. “Working from objects: andean studies, museums and research” in Res: Anthropology and Aesthetics, 52, Fall 2007, pp. 65-72.