ai no kusabi - vol. 01 cap. 02

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Midas. Cidade do pecado. Um Calígula menosprezando o silêncio da passagem tranquila das horas à meia-noite. Ou talvez um Mefistófeles mais mal do que qualquer soberano ardiloso. Ou um incorporado Shangri-La caminhando pelas camadas de suas bainhas, com um quimono de néon brilhante, seduzindo almas enquanto derrama um riso lascivo a partir do canto de sua boca. A vontade de Midas apodrecendo e seu coração e intelecto recolhidos aqui e ali em conjuntos estagnados governando sem questionar sobre uma escuridão em dívida com ninguém. Por todas estas razões, foram chamados de Distrito do Prazer de Midas. A cidade infame foi um satélite urbano da metrópole central de Tanagura, governado por Lambda 3000, o gigante computador principal, conhecido como “Júpiter”. Suas instalações virtuais eram servidas com todos os modos imagináveis de diversões, respondendo aos desejos e necessidades do corpo mortal. Lá se encontravam cassinos, bares, bordéis, e todas as facetas da indústria do entretenimento. Dentro dos limites de Midas, não existiam morais e tabus. Somente a noite cheia de obscenidades, suspeitas, e um esplendor condescendente. Aqui, as horas barulhentas e extravagantes definhavam até o amanhecer. Mas por baixo da sua aparência de exterior deslumbrante se escondia outra face, ainda mais repugnante: o rosto grotesco de Midas ceava em uma mesa de banquete interminável de prazer, sem restrições, onde instintos básicos entrelaçavam com desejo

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Midas. Cidade do pecado. Um Calígula menosprezando o silêncio da passagem tranquila das horas à meia-noite. Ou talvez um Mefistófeles mais mal do que qualquer soberano ardiloso. Ou um incorporado Shangri-La caminhando pelas camadas de suas bainhas, com um quimono de néon brilhante, seduzindo almas enquanto derrama um riso lascivo a partir do canto de sua boca. A vontade de Midas apodrecendo e seu coração e intelecto recolhidos aqui e ali em conjuntos estagnados governando sem questionar sobre uma escuridão em dívida com ninguém. Por todas estas razões, foram chamados de Distrito do Prazer de Midas. A cidade infame foi um satélite urbano da metrópole central de Tanagura, governado por Lambda 3000, o gigante computador principal, conhecido como “Júpiter”. Suas instalações virtuais eram servidas com todos os modos imagináveis de diversões, respondendo aos desejos e necessidades do corpo mortal. Lá se encontravam cassinos, bares, bordéis, e todas as facetas da indústria do entretenimento. Dentro dos limites de Midas, não existiam morais e tabus. Somente a noite cheia de obscenidades, suspeitas, e um esplendor condescendente. Aqui, as horas barulhentas e extravagantes definhavam até o amanhecer. Mas por baixo da sua aparência de exterior deslumbrante se escondia outra face, ainda mais repugnante: o rosto grotesco de Midas ceava em uma mesa de banquete interminável de prazer, sem restrições, onde instintos básicos entrelaçavam com desejo

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28 humano despojado. Os feixes de luz ilimitadamente promíscuos e sedutores flutuavam na escuridão, e ao pé deste gigantesco e fluorescente mata-mosquito, multidões repletas se tornam lentas e a brisa morna. A respiração agarrada de Midas bobinando sobre os membros cansados de um homem, não era nada se não um afrodisíaco, a racionalidade entorpecendo e transformando o coração e a mente em geleia. Mas atravessando viadutos longe dos dois anéis concêntricos que formavam o núcleo de Midas — Área 1 (Lhassa) e Área 2 (Labareda) — essas sensações estupefatas desaparecem. No tempo que levou para o ar frio da noite dissipá-las, a paisagem urbana mudou completamente. Os arredores de Midas. Área Autônoma Especial 9. Ceres. O desprezado “Gancho de Midas”. As favelas. Mesmo os proprietários do Distrito do Prazer franziram as sobrancelhas em desgosto e não abordaram suas fronteiras. Não havia muros altos isolando-a das áreas adjacentes, nenhum laser prevenindo intrusões ou transgressões. No entanto, as avenidas que separavam aqui e lá marcaram uma mudança abrupta no cenário, óbvia para todos, exceto aos cegos. Nenhum sinal de habitação humana podia ser visto sobre os escombros e ruas repletas de lixo. É desnecessário dizer que a inundação de néon extravagante colorindo as noites de Midas era um mundo distante, definindo as paredes em ruínas dos edifícios iluminados com um luminescente marrom encardido. Sua aparência estranha e dissoluta sugeriu que o passar do tempo indiferente subitamente refratou a si mesmo, o passado e futuro entortando em uma direção inesperada.

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29 Como fez o entusiasmo incansável irrompendo dos Distrito do Prazer. Como fizeram as vozes provocantes, sufocadas com a lisonja, espalhadas pelo vento. Nada chegou a esta terra devastada, exceto em rendição à confusão de cores sinistras e medonhas. Ceres era o lar do solo da noite deixado para trás na poeira da era. Qualquer determinação para limpar os montes fumegantes há muito havia se esgotado. E qualquer capacidade de auto-renúncia e purificação que poderia ter ressuscitado a comunidade como comunidade tinha morrido há muito tempo. O único som que chegava aos ouvidos eram as agitações ocasionais de ressentimento profundo enraizados e suspiros depravados, de dia e de noite o cheiro semeado de podridão e morte. Nada poderia prosperar nesta terra envenenada, nem pessoas e nem uma cidade. Crescer acostumados com a garoa constante de desprezo, sonhos de um homem apodrecido e morto nas favelas. Para os cidadãos de Ceres, a metrópole central de Tanagura (onde tudo era e estaria em perfeita ordem para o fim dos tempos), foi um longo, longo caminho de distância. Um mundo inimaginavelmente diferente. Aqui eles não foram ainda autorizados a lamber as botas de Midas, aqueles vaidosos tiranos da noite. Eles viviam em Ceres, com as realidades dolorosas do presente e os sonhos de fantasmas do passado destruídos. Ninguém lhes prometeu um jardim de rosas. Naquele dia, as pesadas nuvens de chumbo atravessaram os céus com uma rapidez

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30 inesperada. O tempo, de alguma forma, se manteve bom ao longo da manhã, fechando apenas ao meio-dia. No espaço de dez minutos, uma chuva repentina tornou-se uma violenta tempestade. A chuva caia incessantemente no chão, como se tentasse tirar a existência das favelas. Os esgotos nas ruas carregadas de lixo entupiram e transbordaram. Com nenhum outro lugar para ir, o escoamento se transformou em um rio furioso que lavou tudo fo ra com ele. Então, veio a noite. Logo após causar o caos, a tempestade recuou, deixando para trás um céu salpicado de estrelas. Esta noite solitária, escura e monótona, estava estranhamente, e agradavelmente, clara. O ambiente da noite solitária se provou refrescante. Em honra à chuva da tarde, os jovens das favelas passaram as horas isolados em seus barracos. Agora eles diligentemente expeliram todo aquele calor armazenado. Mates derramou o álcool e correu através das lutas obrigatórias de sexo auxiliadas por grandes porções de drogas. Não havia nada de incomum em gangues rondando este pequeno território, caindo de cabeça e causando problemas. O equilíbrio de poder na Área 9 mudou com as estações do ano. O que dizer, apesar da generosa aplicação de herbicida, algumas novas espécies de ervas daninhas acabariam por ganhar vida depois que a chuva foi embora. No entanto, na maioria das vezes eles possuíam tão pouca saliva e fogo, que até fofocas sobre tráfico e rivalidades internas eram raramente levados a sério. Estes conflitos de gangues mal podiam ser

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31 denominados uma “rivalidade dos senhores da guerra”. O lugar fedia aos céus com homens desonestos e animais de carga, mas ninguém tinha a força de personalidade para arrastá-los em linha e começar a conquistar. No final, porém, não havia como negar essas guerras territoriais que estavam a acontecer, cuja violência poderia, em grande parte, ser culpada pela deterioração da ordem pública nas favelas. Recentemente, a luta pela supremacia na Área 9 tinha surgido entre os Jeeks (uma das novas gerações de “Super Garotos”), e os Mad Dog Maddox, lutando para treinar sua base de poder perdido. Foi dito que se tratava de uma batalha entre os novos e antigos regimes, e todo o tempo, poderosos grupos de terceiros recuaram para as sombras, esperando o momento certo para atacar. Foi assim que, por quase quatro anos, ao invés de colocar suas próprias vidas e credibilidade na linha e simplesmente pegar o que eles queriam para si, foi a disputa — a garantia de contenção mútua por meio de covardia mútua — que se tornou uma prática comum. No mesmo dia, Bison liderou a zona de combate da Área 9, também conhecida como “Hot Crack”. Mas no auge de seu sucesso eles, de repente, se separaram, e um sucessor ainda não havia sido decidido. Agora isso surgiu tanto para tanto os Jeeks quanto para os Maddox. “Todos os ruinas são o momento do golpe de misericórdia”, vangloriaram-se as grandes bocas. Mas, para fazer aquilo, um elemento decisivo faltava: a força de vontade que iria encantar os seguidores e multiplicar o poder coletivo de cada um de seus pontos fortes.

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32 As favelas uma vez conheceram um homem dotado com um extraordinário carisma. O rapaz deixou o orfanato Guardian com 13 anos, sem nenhuma posição especial ou privilégios, ainda em um tempo surpreendentemente curto que ele havia criado um nome para si mesmo nas favelas. Não pela sua aparência impressionante. Tampouco bajulações desnecessárias, nem era rápido para se ajoelhar, nem era a sua confiança facilmente conquistada. Todos que o conheciam concordavam que era por causa da natureza de sua personalidade superior que desmentia seus meros 13 anos. “Ele é um Varja humano”, diziam. “Contemplando a ninguém”. Todos os moradores de Midas conheciam o animal místico, Varja, também conhecido como Ragon, deus demônio do submundo, ou Grendel, o destruidor de alm as. Um animal de rapina que poderia esmagar do membro aos ossos com uma única mordida de suas mandíbulas de aço e presas afiadas. Uma quimera desdenhosa voando com quatro asas em suas costas, seu pelo com um negro brilho sedutor. De um lado, ele foi comparado com Varja devido ao seu cabelo negro e olhos de obsidiana, únicos mesmo nas favelas que o desprezaram como um vira-lata e um mestiço. Por outro lado, foi devido à ferocidade calculada que nunca poderia ser imaginada por trás de uma aparência tão delicada. Se a “sobrevivência do mais apto” era a lei da selva, em seguida, os fracos procuram o patrocínio do forte e aproximar-se deles era um truque particular do comportamento humano.

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33 No entanto, ele não prestou atenção nos elogios sem sentido sobre ele. E apesar de ser bem conectado, não pediu nada em retorno. Isso porque sempre teve ao seu lado um “pairing partner”, alguém que poderia ser chamado de sua “cara-metade”. Não era exagerado algum dizer que ele só tinha olhos para aquele jovem. Supondo que uma pessoa amadurece ao longo dos anos, conforme as provações da vida se acumulam, há também aqueles cujo caráter superior não rende nem à idade, nem ao sexo. Cada movimento que ele fez foi estudado com um quase flagrante interesse e curiosidade, e, ainda assim, deu toda a atenção a este pequeno pensamento no percurso de sua vida do dia-a-dia. No entanto, não houve restrição nem piedade na mão que de forma modesta afastou a faíscas pousando sobre sua própria pessoa. Mesmo assim, o círculo de pessoas encantadas com seu carisma continuou a expandir-se, e com ele a comandar as tropas, era lógico que Bison deveria ter subido de repente a proeminência. Mas então, aquele dia. De repente e sem aviso, Bison se desintegrou no ar. Acabou, daquele jeito. Não havia dúvida. O que foi dito era que Riki tinha se aposentado da Bison. Por quê? Quais os motivos? Um choque extraordinário correu pelas favelas, acompanhado por uma enxurrada de obscenidades e rumores exagerados disfarçados de conjectura. A verdade sobre a

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34 dissolução de Bison permaneceu envolto em mistério. Só ele poderia levá-los. Independentemente da verdade por trás de morte de Bison, Bison não possuía o centro de gravidade feroz de Riki e simplesmente deixou de existir. E assim, deixou para trás apenas seu folclore urbano berrante. Quase quatro anos passaram desde então. Os membros originais da Bison tinham firmemente restabelecido-se à sua própria maneira (seria difícil dizer que eles haviam feito um bom uso disso), e a vizinhança cresceu inquieta. Naturalmente, ao longo destes quatro anos um grande número de aspirantes tentaram convencê-los à vencê-los e aumentar a credibilidade na rua de seus próprios grupos. Bison pode ter dissolvido, mas a sua forte presença continuava a ser sentida, e sangues jovens ansiosos para agarrar até mesmo partes mais ínfimo de glória faziam tentativas transparentes para conquistá-los. Enquanto houve aqueles que tanto pública e privadamente se proclamavam remanescentes dos marginais da Bison, antigo parceiro de Riki e do resto dos veteranos da Bison resistiram ao impulso, não importando quão solícito as lisonjas se tornaram. Depois de provar a emoção de estar lado a lado com Riki e correr com seu bando, nada poderia tomar seu lugar. Água parada estraga, as qualidades dos conflitos mudaram com o tempo. Aqueles que não podia montar a maré da época estavam destinados a ficar para trás e beijar a bunda de alguém. Vendo naquela luz, a escolha dos ex-membros da Bison era cordial. Suas glórias

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35 do passado tinham sido cruelmente reduzidas à escombros. Evitar a humilhação de se tornar a puta de outra pessoa poderia ao menos ser considerado uma realização. E ainda agora surgiram aqueles que realizaram a sua presença em puro desprezo. Apegando-se à asa conservadora, estavam os Jeeks e os Maddox. Jeeks dos Super Garotos e os Mad Dog Maddox. Não importava o quanto estendiam seu poder e influência nas favelas, os outros grupos davam-lhes os ombros. “Eles não são nada como a Bison!” “Posers! Nada além de aspirantes!” Chamando-os e comparando-os com a Bison — sempre o mesmo, odioso, reação instintiva. Bison! Bison! Bison! Sem dúvida, aqueles que viam a si mesmos como os dois agentes do poder das favelas, haviam se enchido com o som desse nome. Eles não sentiriam nenhum orgulho em enfrentar as pretensões de uma lenda que agora era uma sombra do que costumava ser. E foi por isso que prometeram de uma vez por todas que iriam destruir os restos podres do o nome “Bison” e tudo associado a ele. As duas luas circulando nunca haviam estado tão bonitas, tingindo o céu noturno em um relevo brilhante. “Haa—haa—haa—” Ofegante, Kirie pressionou o rosto contra uma parede em ruínas em um beco

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36 baldio e tomou um longo, duro fôlego. Ele deixou seu quarto e foi para o ponto de encontro habitual, com a intenção de se encontrar com seus companheiros. Então, o que diabos estava acontecendo? Filhos da puta! Bando de imundos, bem baixos— O ataque surpresa veio do nada. Ele, de alguma forma, desviou do golpe primeiro, e depois, saiu correndo como um louco, tentando livrar-se de seus perseguidores. Agora, ele não tinha a menor ideia de onde estava. Merda! Seu coração batia como um tambor e seu suor escorria pela testa. Tudo o que escapou da armadilha de ferro de sua boca foram foles abafados de raiva. Merda! Merda! Merda! Xingar era a única coisa que ele poderia fazer em seu atual estado. Kirie enxugou o suor que escorria. Foi então que, enquanto olhava aos arredores, um ponto de chama vermelha inesperadamente apoiou-se na escuridão, longe do alcance de sua visão. Ele abaixou a cabeça instintivamente, assustado. Assim que abaixou, lançou um olhar rápido para além do muro e observou alguém sentado sobre os escombros do edifício destruído à frente. O beco corroído foi pintado nos tons da noite, iluminado apenas pela luz azul precária das duas luas girando em cima. O ponto de luz vermelho era provavelmente de um cigarro aceso. Que diabos esse cara está pensando, acendendo um cigarro em um lugar como este? Quando levantou as sobrancelhas para a questão, o som de passos que se aproximavam ecoaran pelo corredor.

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38 “Ele tá aí?” “Não. Parece que fugiu.” “Te disse que não deveriamos chutado o bichano daquele jeito. Deveríamos ter ido diretamente nele.” “Que porra você disse? Aquele merdinha era rápido.” O registro alto de suas vozes sugeriu que eram jovens o suficiente para que suas vozes ainda não tivessem engrossado. “O que vamos fazer agora? Ele nos viu.” A atmosfera em torno deles estava espessa de medo e ódio. Kirie estava em desvantagem numérica. Se fosse descoberto aqui, suas possibilidades eram de cerca de um em dez para sair sem danos de batalha consideráveis. Consciente das realidades ao seu redor, ele se afundou ainda mais na escuridão, só agora havia conseguido recuperar o fôlego. “Grande coisa. Acendeu um fogo sob sua bunda. Isso deve ser bom o suficiente, né? Na próxima vez, não vamos ficar adivinhando. Vamos bater nele pra caralho.” Kirie encolheu os punhos e cerrou os dentes ao som destas declarações. Crianças espertinhas. Kirie mesmo era um garoto do terceiro ano, mas as palavras da rua diziam que os membros da gangue Jeeks eram todos adolescentes com menos de quinze anos de idade. Em outras palavras, eram crianças destemidas apenas começando a se acostumar com as diferenças entre a vida no centro adotivo e a vida nas favelas. Pelas mesmas razões, Bison em seu auge tinha sido ainda mais precoce e extrema do que os Jeeks. Com treze anos, gostando ou não, os garotos da Bison foram cortados do Guardian.

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39 do Guardian. Deixados por conta própria, eles não tinham escolha a não ser obter suas merdas juntos, e rápido. Foi por essa razão que os membros sobreviventes da gangue se tornaram um pé no saco para os Jeeks. Ele nunca deixou passar a oportunidade de humilhar a ressuscitada Bison como uma pálida imitação de si mesma, porque enquanto Bison existiu, tudo o que os Jeeks faziam era comparado àquela “imagem adorada”. Riki não ser um ídolo caído só piorava as coisas. Curvar-se para fora em um traço ininterrupto vencedor, fez dele um fantasma com referências e um currículo. Mas, independentemente do que haviam sido até então, sair apenas com a Bison nestes dias significou uma facada nas costas em um beco escuro, e Kirie estava sendo alimentado com o atual estado das coisas. Apesar disso, ele sabia fazer desculpas esfarrapadas sobre que canto pintou apenas para passar o tempo. As crianças que andavam com os Jeeks não iriam descansar até que arregaçar com qualquer um associado com a Bison. Um dos estressados garotos dos Jeeks finalmente percebeu o cara iluminando em cima da pilha de tijolos. “Ei, filho da mãe! O que está fazendo?” A insolência e arrogância em questão foram maneira do garoto de descarregar. Mas a resposta não era o que ele esperava. “Este não é lugar para crianças ficarem vadiando até essa hora da noite. Então caiam fora e voltem pra casa.” O rapaz respondeu inesperadamente em um tom de comando, e foi uma vantagem

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40 seu tom esportivo ter parecido ainda mais sarcástico para aquelas crianças sem medo. Kirie encontrou-se rosnando baixinho. “Algum tipo de idiota, aquele cara é.” Ele sabia que aquelas crianças lá na frente andavam com os Jeeks. Se aquele cara estava procurando por briga, então ele deveria ter algum metal do tamanho de âncoras de barcos. Caso não, seria o maior idiota do planeta. “Se você soubesse quem você está falando, meu velho, você pensaria duas vezes antes de abrir essa sua boca grande.” O garoto continuou, tentando salvar sua honra ferida como um membro da gangue Jeeks. “Se não sabe, então ficarei feliz em lhe ensinar. Tente não se molhar.” Obviamente ele estava se sentindo humilhado, o garoto estava indo dar o dobro do que lhe foi dado. “É tarde demais para ir chorar pra mamãe.” Agora eles estavam determinados a pegá-lo. Parecendo que iria explodir vapor, o cara teria sido o alvo perfeito, “Sim, é isso mesmo. Você está falando com a gangue Jeeks.” “Jeeks?” o cara atirou de volta com uma falta de afeto que beirava a decepção. “Foi mal, não conheço. Então, é ele quem trocar suas fraldas toda noite?” Mesmo através do sarcasmo, sua maneira de falar sugeriu que aquela não era uma brincadeira de mau gosto, e Kirie não podia deixar de ficar boquiaberto. Ele tem que estar mal da cabeça, pensou. As palavras quase saindo num suspiro de descrença. “Não conhece? Você não conhece a gangue Jeeks? O quão estúpido você é?”

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41 “Tudo bem. Se ele não conhece, então vamos ensiná-lo.” “Maldição. A um passo de sua vida de merda.” As crianças já haviam começado a se irritar. E o cara falou ainda outra vez. “Você acha que conhece as favelas. Isso é diferente.” Ele estava levando as coisas no seu próprio ritmo, até o fim. “Vem cá, velho. Nós vamos ferrar essa sua boca e trocá-la por uma nova.” “Ok, ok. Vamos brincar, então. Tempo está sendo desperdiçado.” O cara desceu do monte de entulho. Uma faca a laser rasgou através da escuridão. Em vez de cambalear para trás em pânico, ele afastou-se agilmente, agarrou o braço do garoto e deu um golpe sólido em troca. Então, o pegou sem equilíbrio, e deu um chute sem piedade contra seu corpo. A estranha sombra caiu em torno deles. Sem chance. Puro espanto. De jeito nenhum! Eles deviam estar sonhando. Não foi uma simples diferença na constituição física. Aquele tipo de precisão desviando-se e atacando pegou a todos de surpresa. Eles cambalearam para trás e ficaram boquiabertos. O jeito dos “Jeeks” de fazer as coisas era rastrear e encurralar suas presas, então partir para cima e bater onde era mais vulnerável. Eles não perdiam tempo. Devido aos seus defeitos físicos com números e entregues à dor, eles suplicaram por misericórdia, chorando como bebês, engatinhando para longe do acidente disforme, eram sempre a presa. Mas este plano bem ensaiado tinha sido facilmente virado ao avesso por um único cara—

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42 Envolto na escuridão, Kirie murmurou para si mesmo. “Que vaca maldita.” “Olho por olho, essa é a lei das favelas. E enquanto estamos nela, a mesma coisa vale para músculo e osso.” O cara entrou calmamente embaixo da luz do poste sujo, como se pisasse fora das asas escuras e sob os holofotes. “É o mesmo para mim de qualquer maneira. Se está pensando em fugir, agora é a hora.” Ele enrolou levemente os cantos da boca. “Ou então, que tal irmos até ele até que estejamos nos cortando?” ele perguntou, rindo alegremente. Sexta à noite. Um estranho arco-íris lunar formou um arco no céu do abismo, ainda era noite. Eles usavam uma sala num edifício destruído como sua casa segura e sede, os agora membros lendários da Bison ociavam as longas e tediosas horas. Certa vez, esses bandidos fizeram nomes para si, correndo selvagem pelas favelas, virando o lugar de cabeça pra baixo. Mas por enquanto eles tinham provocação. Ou pelo menos era assim que o observador casual agora os via. A taxa de emprego era miserável para as crianças que passavam a manhã e a noite puxando brigas de gangues, deixando as favelas cronicamente com falta de mão de obra para o trabalho. Deixando de lado a real qualidade dos postos de trabalho, colocar comida na mesa, como “pessoas normais” não era um problema. Reconheço que, como moradores de favelas, eles não tinham ideia do que as

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43 “pessoas normais” esperavam em termos de padrões de vida. Mesmo sem sonhos ou desejos, trabalhando sob o peso de importância e estagnação, os seres humanos tinham que comer. Fome constitui a base na hierarquia das necessidades do homem. Ninguém nas favelas desejava refeições servidas e seis pratos no jantar, mas ninguém queria morrer de fome e nem ter a mesma morte de um cão. Os alimentos não eram distribuídos igualmente, mas sim de acordo com o trabalho duro, e só quando batiam seus trinta anos, quando os espíritos elevados de jovens tinha crescido velho, que começavam a lidar com esta realidade dolorosa. Embora este ajuste de contas sem dúvida veio à eles mais rápido do que jamais esperavam. Passando em torno da garrafa de “tripper”, um forte, duro alucinatório, Kirie parou e falou de repente o pensamento que lhe ocorreu, “Você ouviu? Há um mercado aberto em Mistral.” “Um mercado?” Sid perguntou, a surpresa evidente em seus olhos. “Um Leilão de Pets, você quer dizer?” Kirie assentiu secamente. “Dizem que desta vez são Pets manufaturados da Academia. Eles estão pulando para cima e para baixo com entusiasmo, incluindo os novos tipos de dinheiro em Kahn e Regina. Há boatos que os preços dos lances serão 10 vezes mais alto que o normal.” Onde no mundo ele ouviu isso? Todos eles se consideravam malandros, mas Kirie era sempre o primeiro a saber. “Sangues-puros com pedigree, hein?” Guy disse para si mesmo. “Não têm nada a ver conosco”, Lukes ricocheteou.

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44 “Não estou nos comparando a esses Pets manufaturados da Academia nem nada, mas com tempo e dinheiro, um pouco de cuspe e uma polida, e não ficaríamos nada mal. Com a exceção de um pouco de problema de atitude. Uh, Riki?” Kirie virou seus incompatíveis olhos cinza e azul para Riki, e riu. Como se para expressar sua falta de interesse no assunto, Riki tomou um gole de cerveja preta. Essa exibição ostensiva de atitude fez Kirie curvar as sobrancelhas. Afinal, ser ignorado na frente de todo mundo era mais irritante do que ser discordado. Mesmo quando a Bison havia deixado-o de lado como um estranho precoce, eles nunca o humilharam como Riki fez. O comportamento de Riki para com ele era como um tapa na cara. Filho da— Rangendo os dentes de trás, Kirie recordou-se da noite em que Guy inesperadamente trouxe Riki aqui ao seu ponto de encontro habitual. Eles ficaram muito surpresos para dizer qualquer coisa por um longo segundo ou dois, e depois, no instante seguinte, todos estavam repetindo seu nome numa voz quente e estranhamente elevada. “Riki—!” “Riki?” “Eles disseram Riki? Sério mesmo?” Kirie o conhecia. Ali, diante de seus olhos estavam o cabelo e olhos pretos que sugeria a atual qualidade dos manufaturados da Academia. Esse era o homem que uma vez fora chamado de o “Carisma” das favelas. Kirie podia mesmo agora recordar-se da inexpressível, quase intoxicante

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45 sensação que veio à ele, e tudo por causa daquela noite há três dias. Ele havia se transformado em suas retinas, seja por acaso ou destino inevitável: o homem que liderou a Bison foi o único capaz de lutar de igual para igual com as crianças que chamavam os Jeeks de seu líder — os mesmo Jeeks que se denominavam os exterminadores da Bison — e subconscientemente chicoteado suas bundas. “Irônico”, ele chamou isso. Não, uma dádiva de Deus. Ver esta lenda viva uma segunda vez, esta lenda que acreditava que nunca encontraria novamente, Kiria estava emocionado até o fundo de sua existência de uma forma diferente dos outros membros da Bison. Mas eu não tinha feito um grande coisa sobre o que aconteceu naquela noite em frente de todos. Então, por que Riki virou o ombro frio apenas para ele? Era porque, de todos os membros da gangue, o rosto de Kirie era o único que ele não conhecia? Talvez a lenda não estivesse confortável tendo uma discussão muito familiarizada logo em seu primeiro encontro. Mas, mesmo depois de levar esses fatores em consideração, Kirie não se tranquilizou. Como resultado, cavou em seus calcanhares e também saiu da conversa. Porém, ele não entendia isso. Talvez Riki tivesse pegado desgosto dele; Kirie teve essa sensação desde a primeira vez em que se encontraram. Ou talvez alguém tivesse sussurrou algo em seu ouvido. Ninguém disse nada diretamente na sua cara. A severidade do olhar de Riki não poderia ter deixado outra impressão. Um comentário mordaz ou sarcástico teria sido mais bem vindo, porque, nesse caso, um

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46 retorno teria sido possível. Mas Riki não lhe deu uma abertura. Longe disso. Kirie estava sendo completamente desprezado, na verdade ele achou bem deprimente. Ele estreitou os olhos de raiva. Aparentemente indiferente a tudo isso, Riki fez nenhuma tentativa de diminuir seu olhar, enquanto passava a se distanciar. Kirie fez uma careta enquanto considerava um destilador, ainda mais chateado. Logo em seguida, como se estivesse esperando exatamente pelo momento certo, Guy falou baixinho. “O que você tem, Kirie? Quer sua própria coleira personalizada?” Kirie levemente estalou a língua com a oportunidade perdida. Ele respirou fundo para recobrar seus sentidos e respondeu com uma risada forçada. “Sim, claro. Adicione à um proprietário que possa me manter com cerveja Dublin e lamberei a sola dos seus pés.” Aquele comentário alcançou a pele de Riki em algum lugar. Sua expressão indiferente de repente ficou tão fria que Kirie inconscientemente cerrou os punhos enquanto se retraia. Por razões que não se podia entender, o olhar de aço de Riki fez seu sangue gelar. Sentindo todo o peso do descontentamento do Riki, suas frustrações reprimidas estavam a ponto de explodir em chamas. Qual é a desse filho da mãe! Kirie foi preso por aquele gélido, silencioso olhar, e simplesmente não conseguia encontrar sua voz, apesar da sensação sufocante de indignação. Tudo o que restava era o desprezo pessoal por sua própria falta de jeito, e ele estava queimando um buraco na boca do estômago. Naquele ponto, sentado à sua direita, Luke falou com o sussurro de um sorriso vincando seus lábios. “Ei, acorde, seu bastardo mudo. Não está pensando mesmo em se

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47 tornar algum Pet mestiço e das favelas, está?” Ninguém riu. Porque era pura verdade de Deus, não algo sobre o que as pessoas brincavam ou faziam comentários sarcásticos. Em um óbvio esforço para dissipar a atmosfera desagradável, Norris interrompeu em um tom de voz irritado. “Pro o inferno com isso. Qual era a dos Jeeks e aquelas pestes deles?” “Sim, sim. Nem imagino o por quê, mas ultimamente eles tem enchido bastante o saco.” “Mas ouvi que outro dia um sujeito bateu tanto neles que nem deu para reconhecer seus rostos.” Chamando isso de boato, Kirie relacionou a informação despreocupadamente enquanto roubava um olhar de Riki. Riki tão pouco reagiu. “Bem, essa seria uma dádiva de Deus. Em todo caso, devíamos aproveitar a oportunidade para bater numas cabeças. Pra começar, resolver as coisas por aqui.” Sem indicar se estava ouvindo ou não, Riki baixou os olhos e tomou o último gole da garrafa. O álcool tocou sua boca com uma amargura particular que esfaqueou sua língua, mas desta vez a sensação ardente Riki de uma forma diferente do habitual. Desta vez, foi cruel, pesada e escura, de uma forma difícil de descrever. Deve ser só minha imaginação. Riki lentamente engoliu e tirou o pensamento de sua mente. Quando chegou a aquecer seu peito, era melhor embriagar-se de forma mais suave, mas este era o melhor que ele poderia esperar por aqui.

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48 Entre os ataques de lutas de gangues, ele recuou e manteve certa distância entre ele e as crianças de olhos selvagens que rondavam o Distrito do Prazer atrás de emoções e lucros. Mas aquilo não quer significava que ele havia abandonado “a causa” e passado a ganhar seu pão de cada dia com o suor de seu rosto. Todos os anos mais sangue jovem era derramado na Área 9, mas as favelas, correndo como artérias através do coração de Ceres, já haviam endurecido e nenhum deles possuía a força de vontade para rasgar o peito e drenar a infecção de seus órgãos vitais. Sem um doce pai generoso não havia ninguém de quem furtar dinheiro. Aquelas caras, que eram dificilmente capazes de extrair qualquer tipo de apreciação de sua própria juventude, descobriram que a luxuosa e alucinatória cerveja, era nada além de um sonho. Um sonho. Mesmo a cerveja preta que estavam tomando agora. Três dias antes, Luke havia se deparado com um estoque de supostos “bens de classe” em algum lugar, mas isso não queria dizer que ele tinha mostrado a mercadoria primeiro para verificar seu verdadeiro valor. A cerveja preta era fabricada como uma droga estimulante. Era bebida contrabandeada. Derrubar uma lesma num tiro em vez de trabalhar, era um negócio arriscado. Se um cara de sorte estivesse correndo contra ele, estaria longe de ser uma mera “viagem ruim”: depois de uma boa dose de lixo e contorcer de dor, o resultado final era a morte por asfixia. Aquilo representou má reputação da cerveja preta entre as bases entorpecentes de alcaloide, e, sem dúvida, foi o motivo o pior motivo da marca se adequar tão bem às favelas.

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49 Ainda assim, uma vez que um colega ficou completamente perdido, era uma viagem sem pedágio e sem rampa. Ele fica lá sentado em uma euforia fantasmagórica, seus lábios os lábios tensos soando como brita sob os pés. A cerveja preta empurrou o peso de crianças de favelas que não tinham outras intenções a não ser frustrá-los. Mesmo falando a verdade ao poder, suas almas permaneceram inextinguíveis. E sempre, havia o problema de ser levemente deixado de lado, de ser resumido na simples frase: “Esse é só o jeito que a porra do mundo é.” A cerveja os libertou, ainda que temporariamente, daquela existência. Ninguém lhes disse que um rapaz não deve usar medicamentos ilegais apenas porque “pode ser perigoso”. A conversa os esgotou, os silêncios vazios que se seguiram lentamente começaram a barrar se os espaços entre eles. Nesse ponto, zumbiram em seu ouvido, Lucas levantou-se e voltou os olhos para Riki. “O que você tem, cara? Sentado aí na sua bunda, fazendo essa cara de merda. Quer dizer, você tá patético.” Algo parecia estar escondido no olhar turvo de Luke que arrastou seus olhos pelo corpo de Riki como a língua de um gato lambendo sua pele. “Mesmo assim, não quer dizer que você se transformou num velhote dizendo as mesmas velhas histórias de guerra todo o dia.” Ele sempre foi assim. Houve uma crueza na voz e um olhar nos olhos que foi o .

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50 suficiente para queimar o cabelo. Riki tomou sua cerveja e não prestou atenção nele. As batidas do coração lentamente mediram o tempo, a virilidade gradualmente voltando com força fluía de volta para os membros com um ritmo estranho e ondulante. Sentando de volta contra o sofá de uma forma descontraída, Riki esticou os braços e pernas, e deu um suspiro profundo. Ele fechou os olhos. Não podia ver nada, ouvir nada. Ele sentiu apenas o despertar fraco de algo semelhante ao sono. Seu corpo e alma se encantaram pelas sensações hipnotizantes, e se distraíram ainda mais alegremente com cada respiração. A escuridão no negro de seus olhos se agitou. Como um caleidoscópio de cores saltando em sua visão, Riki perdeu todo o interesse em tudo, a não ser o entorpecimento agradável que o encheu. E então Guy, olhando para ele por cima de seus ombros, parecia dar um leve sorriso tendo um vislumbre desses três anos perdidos, e baixou os olhos.

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