agronegócio no brasil: perspectivas e limitações carlos enrique

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Economia – Texto para Discussão – 186 ISSN 1519-4612 Universidade Federal Fluminense TEXTOS PARA DISCUSSÃO UFF/ECONOMIA Universidade Federal Fluminense Faculdade de Economia Rua Tiradentes, 17 - Ingá - Niterói (RJ) Tel.: (0xx21) 2629-9699 Fax: (0xx21) 2629-9700 http://www.uff.br/econ [email protected] Professor da Faculdade de Economia/UFF. E-mail: [email protected] . Agronegócio no Brasil: perspectivas e limitações Carlos Enrique Guanziroli TD 186 Abril/2006

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Page 1: Agronegócio no Brasil: perspectivas e limitações Carlos Enrique

Economia – Texto para Discussão – 186

ISSN 1519-4612

Universidade Federal Fluminense

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

UFF/ECONOMIA

Universidade Federal Fluminense Faculdade de Economia

Rua Tiradentes, 17 - Ingá - Niterói (RJ) Tel.: (0xx21) 2629-9699 Fax: (0xx21) 2629-9700

http://www.uff.br/econ [email protected]

Professor da Faculdade de Economia/UFF. E-mail: [email protected].

Agronegócio no Brasil: perspectivas e

limitações

Carlos Enrique Guanziroli TD 186

Abril/2006

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Economia – Texto para Discussão – 186

RESUMO O objetivo de projeto do IICA é basicamente o de “efetuar uma descrição do estado atual dos Agronegócios no país com ênfase na determinação de oportunidades de cooperação que colaborem com a inserção dos produtores ao mundo globalizado com propostas para implementar ações considerando sua relação com linhas estratégicas e instrumentos de cooperação.” Neste artigo procura-se atender esse objetivo da seguinte maneira: efetuar uma caracterização do desempenho do agronegócio no Brasil no período recente, avaliar as perspectivas futuras dessa expansão face às limitações em termos de preços, políticas macro econômicas e problemas ambientais, detalhar os fatores que impulsionaram esse boom no passado, como as políticas de desenvolvimento tecnológico, de colonização de áreas novas e de construção de infra-estrutura. Neste particular detalham-se também as políticas de crédito e os novos instrumentos que surgiram nos últimos anos para substituir os mecanismos tradicionais de política agrícola (mercados futuros). Avalia-se também o estado atual da infra-estrutura de estradas, ferrovias e hidrovias assim como os problemas ambientais gerados pelos desmatamentos e pelas novas pragas que apareceram recentemente, não só no Brasil, mas na América Latina como um todo, produto da excessiva atividade de monocultura.

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AGRONEGÓCIO NO BRASIL: PERSPECTIVAS E LIMITAÇÕES1

1-INTRODUÇÃO

Nos últimos 20 anos, os níveis tecnológicos alcançados pelos produtores rurais brasileiros atingiram patamares expressivos que podem ser mensurados pelo aumento da produtividade no campo. Isso explica, por exemplo, o fato de o Brasil ter conseguido dobrar a produção de grãos para os atuais 100 milhões de toneladas, em relação à colheita de 50,8 milhões de toneladas obtida no início da década de 80, com a mesma área plantada. Este desempenho no campo só foi possível graças à utilização de insumos – basicamente sementes, adubo e agrotóxicos – de primeira linha disponíveis para o setor.

Hoje o agronegócio, entendido como a soma dos setores produtivos com os de processamento do produto final e os de fabricação de insumos, responde por quase um terço do PIB do Brasil e por valor semelhante das exportações totais do país.

A soja foi uma das principais responsáveis pelo crescimento do agronegócio no país, não só pelo volume físico e financeiro envolvido, mas também pela necessidade da visão empresarial de administração da atividade por parte dos produtores, fornecedores de insumos, processadores da matéria-prima e negociantes.

A produtividade e o custo de produção das fazendas nacionais demonstram que a soja cultivada consegue ter uma competitividade superior em relação à norte-americana.

A melhoria da competitividade da agricultura e pecuária do Brasil, sobretudo nos últimos dez anos, e o próprio empenho do governo e da iniciativa privada em estimular e divulgar o produto agrícola brasileiro no exterior tem proporcionado aumento das exportações do agronegócio.

Além da maior produtividade do setor, o câmbio permitiu uma maior competitividade aos produtos brasileiros. A partir de 1999, a taxa de câmbio real permitiu que a competitividade do produto brasileiro conseguisse ser repassada ao mercado externo. Também foram importantes na melhoria do desempenho dos embarques os ganhos em logística, com a melhoria na infra-estrutura de rodovias e portos. Além disso, em 1996, foi desonerada a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incidia sobre as exportações de produtos agropecuários.

Para aumentar a participação de mercado dos produtos agrícolas brasileiros, além do trabalho promocional desenvolvido em conjunto pelo governo federal e iniciativa privada, o governo tem atuado junto a OMC (Organização Mundial de Comercio) no sentido da eliminação de barreiras comerciais nos países importadores.

Cabe destacar também que o sucesso do agronegócio forma parte de uma estratégia desenhada nos anos 70 que apontou para a resolução de vários problemas estruturais que entravavam o desempenho da agricultura. O desenvolvimento tecnológico promovido pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é usualmente citado como um dos principais fatores, mas há outros de igual ou maior relevância, como a abertura de

1 Este trabalho faz parte do projeto “Agronegócios en los países que conforman la región sur del Hemisferio: definiendo su estado actual como un proceso para crear una agenda de cooperación técnica regional para el período 2006-2010”, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.

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fronteiras agrícolas nos Cerrados através de programas de colonização dirigida e as inovações introduzidas nos mecanismos tradicionais de política agrícola no Brasil.

Vários fatores contribuem para que haja grandes chances, no longo prazo, do Brasil aumentar sua produção agrícola (principalmente de soja e milho). Pelo lado da oferta cabe destacar que o Brasil possui grandes áreas ainda inexploradas ou deficientemente exploradas que poderão ser incorporadas à produção agrícola no futuro se houver investimentos em produtividade e em meios de escoamento das safras.

Embora as perspectivas de continuação do desempenho do agronegocio continuem promissoras, há problemas tanto conjunturais como estruturais que podem definhar este sucesso. No curto prazo observa-se um declínio dos preços internacionais e domésticos como o avanço de certas pragas que podem afetar a produtividade em algumas regiões (ferrugem asiática). No médio e longo prazo surge o problema da infra-estrutura de transportes, cuja deficiência tanto em termos de extensão como de qualidade ameaça introduzir um vetor de aumento de custos significativo na estrutura de produção.

A questão ambiental, principalmente por causa do desmatamento que vem sendo observado em áreas de expansão da soja, cria um problema sério de sustentabilidade que o país deve enfrentar, sob pena de estar resolvendo um problema por um lado (macro econômico) e criando outro para as gerações futuras de dimensões mais perigosas que o que solucionou.

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2- EVOLUÇÃO RECENTE DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL.

A caracterização do setor agrícola a partir da participação relativa no PIB das atividades de produção estritamente agrícola não dá conta da totalidade e da complexidade do setor em questão. Segundo essa lógica, a agricultura contribuiria apenas com 7,8% do PIB não sendo, portanto, um setor expressivo que valesse a pena ser estudado em profundidade ou incentivado por meio de políticas específicas.

Por este motivo alguns autores vêm trabalhando desde um tempo atrás na caracterização mais abrangente do setor conhecido como agroindústria, “agribusiness” ou agronegócio, mais recentemente.

Berni e Fochezato (2005) apresentam a metodologia de mensuração do Agronegócio de Furtuoso e Guilhoto (2003), incluindo a fração de outros setores da economia que respondem a estímulos para frente e para trás do agronegócio. Computam as seguintes atividades: o valor adicionado da atividade Agropecuária; o das atividades agroindustriais, o dos setores industriais fornecedores da Agropecuária e o dos setores terciários fornecedores da Agropecuária, como os serviços de comercialização, transporte, securitização, etc. dos produtos da Agropecuária e das atividades agroindustriais computadas no valor adicionado do Agronegócio.

Tabela 1 - Participação do Agronegócio no PIB, Brasil, 2002. Variável Agronegócio

(A)

Total da Economia (B)

(A)/(B) %

Valor Adicionado a Preços do Consumidor (R$ bilhões)

350,5 1.340,8 26,14

Emprego Remunerado e Autônomos 16,8 54,3 30,94 Emprego Total 25,9 66,4 39,05 Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Grijó (2005) e cálculos dos autores Berni e Fochezato op cit, pp 9.

Conforme pode ser observado acima, o agronegócio amplifica a importância da agricultura, que passa agora a responder por 26% do valor adicionado e 31% do emprego remunerado.

Embora o PIB da agropecuária, estimado em R$ 102,4 bilhões, participe com apenas 7,8% do PIB brasileiro, cada R$ 1,00 de renda gerada dentro da porteira tem um efeito multiplicador nos demais setores da economia de mais R$ 2,5 de renda, isto é, na indústria de insumos, na indústria de processamento de produtos agropecuários e nos serviços agregados a essas atividades.

Tabela 2 Participação do Agronegocio no PIB do Brasil

Participação Agronegócio Agronegócio

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PIB BR Total Agricultura Pecuária 1994 30,45 21,96 8,48 1995 30,07 21,45 8,62 1996 28,81 20,71 8,10 1997 27,65 20,09 7,56 1998 27,78 19,89 7,89 1999 28,07 19,76 8,31 2000 26,92 18,55 8,37 2001 27,04 18,66 8,38 2002 28,86 20,25 8,61 2003 30,58 21,69 8,90 2004 30,07 21,39 8,68

Fonte: Cepea-USP/CNA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).2006.

Em 2004, segundo o CEPEA (op cit) o agronegócio teria aumentado sua participação no PIB atingindo o valor de R$ 533 bilhões. Desse total, o setor de processamento industrial (agroindústria e indústria da alimentação) contribuiria com 30,07 em valor agregado. A projeção para 2005, segundo o CEPEA, era de que o PIB do agronegócio seria de R$ 520,59 bilhões. Tal resultado reflete a anunciada redução do PIB da atividade primária, especialmente na agricultura ocasionada pela queda dos preços internacionais, conforme será visto adiante.

A indústria de alimentação, de maneira específica, representava (2004) 17,6% do PIB da indústria de transformação do Brasil em valor agregado, o que equivale a R$ 180,6 bilhões (ABIA, 2005)2. Em valor agregado, a indústria da alimentação representa 50,7% do processamento agroindustrial e 41,7% da produção agrícola e agropecuária (ABIA, 2004c in Burnquist 2005).

Verificou-se, entretanto, que a parte agrícola do agronegócio (porteira dentro), também vem se expandindo de forma bastante acelerada nos últimos anos. A área plantada com grãos aumentou 22,8% entre 2001 e 2004. Essa expansão recente difere radicalmente do padrão que prevaleceu durante toda a década de 1990, em que a área agrícola total com lavouras permaneceu constante e todo o aumento da produção agrícola vegetal veio de aumentos de produtividade da terra. Essa expansão recente de área se deu, sobretudo, na soja, que cresceu, somente nesses três anos agrícolas, 39,8% nas regiões Sul e Sudeste e nada menos que 66,1% na região Centro-Oeste. (Rezende, Brandão e Marques, 2005).

A Tabela 3 que segue mostra, também, que o crescimento recente da área plantada com soja, em todas as regiões do Brasil, implicou expansão da área total ocupada com lavouras, uma vez que não ocorreu redução da área das culturas competidoras (ou seja, das culturas também de verão, como milho 1ª safra e arroz), em nenhuma região.

Rezende (op cit) destaca que o aumento acelerado da área cultivada, no caso da soja, é um fenômeno relativamente recente. Entre 1990/91 e 1996/97 a área colhida manteve-se relativamente estável, com média de 10,7 milhões de hectares e os extremos foram 9,6 e 11,7 milhões de hectares nas safras 1991/92 e 1994/95, respectivamente. Da safra 1997/98 até a 2000/2001 elevou-se para a casa dos 13 milhões de hectares com taxa média de crescimento de 5,3% a.a. Daí em diante passou a crescer aceleradamente, à taxa média de 12,4% a.a., resultando na previsão de colher 22,3 milhões de hectares na safra 2004/2005. Considerando-

2 Ver site www.ABIA.br 2006. Associação Brasileira de Indústria da Alimentação.

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se os extremos da série, a área cultivada com soja foi acrescida em 129% enquanto o crescimento da produtividade foi de 74% (Carvalho et al, 2005)

O efeito conjunto do aumento da área cultivada e dos ganhos de produtividade resultou que entre 1990/91 à 1997/98 a produção dobrou, e triplicou entre 1990/91 e 2002/03. Essa evolução foi puxada pelas exportações, cujo valor praticamente foi multiplicado por quatro entre 1991 e 2003 e elevou a participação brasileira no mercado externo (market-share) de aproximadamente 15,7% do valor das exportações mundiais para 26,4% grão (Carvalho op cit).

Gasques et al (2004) mostram que efetivamente a produtividade da terra foi o principal componente associado ao acréscimo da Produtividade Total dos Fatores (PTF) ao longo do período 1975-2002. Como se sabe, a produtividade da terra é influenciada principalmente por Pesquisa e Desenvolvimento, a cargo de instituições públicas como Embrapa e instituições privadas, o que relaciona o ponto da produtividade com a tecnologia, conforme será analisado em capítulo posterior deste artigo. Os efeitos da produtividade da mão-de-obra e do capital sobre a PTF também foram expressivos, como revela o estudo citado que calcula as taxas de crescimento destes fatores em 3,37% e 2,69%, respectivamente.

Tabela 3: Variação da área plantada Brasil e Regiões 1990-2003.

Variação acumulada

Produtos

Área plantada (em 1.000 ha.) Entre 1990/91 e 2000/01

Entre 2000/01 e 2003/04

1990/91 2000/01 2003/04 (1000 há.) (%) ( 1000 há.) (%)

Soja 9.743 13.970 21.244 4.227 43,4 7.274 52,1 Centro Oeste 2.946 5760 9568 2813 95,5 3808 66,1 Sul/Sudeste 6.507 7156 10006 649 10,0 2850 39,8 Milho 1ª safra 12.652 10546 9457 -2106 -16,6 -1089 -10 Centro Oeste 1.519 1206 758 -313 -20,6 -448 -37,2 Sul/Sudeste 8.000 6482 5573 -1518 -19,0 -909 -14,0 Feijão 1ª safra 1.881 1285 1371 -595 -3,7 86 6,7 Centro Oeste 40 55 61 16 39,7 6 11,2 Sul/Sudeste 1.473 859 896 -614 -41,7 37 4,3 Algodão 1.939 868 1069 -1070 -55,2 200 23,0 Centro Oeste 171 542 605 371 216,9 64 11,8

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Sul/Sudeste 935 173 167 -762 -81,5 -6 -3,2 Arroz 4.233 3249 3598 -984 -23,3 349 10,7 Centro Oeste 777 631 862 -146 -18,8 231 36,6 Sul/Sudeste 1.821 1323 1392 -494 -27,1 66 4,9 Total das lavouras acima 30.446 29918 36738 -528 -1,7 6820 22,8 Centro Oeste 5.452 8193 11854 2741 50,3 3660 44,7 Sul/Sudeste 18.736 15996 18034 -2740 -14,6 2038 12,7 Milho 2ª safra 800 2426 3668 1627 203,5 1242 51,2 Trigo 2.146 1710 2727 -436 -20,3 1017 59,5 Feijão 2ª e 3ª safras 3.624 2594 2886 -1030 -28,4 293 11,3 Total dos grãos de inverno*

7.447 7929 10525 482 6,5 2595 32,7

Total das Lavouras 51.800 51600 60640 -200 -0,4 6781 13,1 Tabela extraída de Rezende, Brandão e Marques, op cit, pp10. Fontes: Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e IBGE

A fase de alta dos preços internacionais, a partir de 2002, reforçada pelo estímulo cambial da desvalorização de 1999, resultou num grande dinamismo para a agricultura brasileira, principalmente nos últimos três anos agrícolas.

Antes disso tinha havido uma fase decrescente dos preços internacionais de soja (1998-2001) coincidindo com uma fase de elevados estoques mundiais do produto.

Rezende (op cit.) mostra que internamente o preço real dos insumos esteve predominantemente abaixo da média em função da valorização da moeda nacional que tornava os insumos importados mais baratos, enquanto inibia a receita das exportações em reais, mas colaborou em preparar as condições para o posterior incremento da produção.

Este autor destaca que foi a quebra posterior das safras americanas de soja em 2002 e 2003 que permitiu que o aumento da produção de soja no Brasil e na Argentina, ocorrido, a partir de 1999, não redundasse em queda significativa dos preços mundiais da soja.

Tabela 4: Levantamento da Safra 2004/2005 e comparação com a safra 2003/2004

Área Plantada

(1000 há.)

Quantidade

(1000 t)

Cultura 2003/2004 2004/2005 Var(%)

2003/2004

2004/2005

Var(%)

Algodão 1.100 1.167 6,1 1.309 1.388 6,0 Arroz 3.654 3.857 5,5 12.829 13.198

2,9 Feijão Total 4.287 3.719 -13,3 2.978 2.896 -2,8 Feijão 1ª Safra 1.371 1.028 -25,0 1.235 1.099 -11,0 Feijão 2ª Safra 2.024 1.829 -9,6 1.036 1.035 -0,1 Feijão 3ª Safra 892 862 -3,4 707 762 7,8 Milho Total 12.822 12.149 -5,2 42.128 35.989 -14,6 Milho 1ª Safra 9.465 9.106 -3,8 31.554 27.869 -11,7 Milho 2ª Safra 3.357 3.043 -9,3 10.574 8.120 -23,2 Soja 21.284 23.104 8,6 49.793 50.195 0,8 Trigo 2.464 2.756 11,9 5.851 5.846 -0,1 Outras Lavourasa

1.758 1.711 -2,7 3.435 3.343 -2,7

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Brasil 47.370 48.462 2,3 119.114 113.688 -4,6 Fonte: Freitas, Fossati e Bacha 2004.

Já na safra de 2004/5 comparativamente com a anterior, registram-se quedas na produção de milho, feijão e uma posição de estagnação na produção de soja (0,8%) como pode se observar na tabela 4, acima. Esta queda estaria associada à queda de preços dos commodities internacionais (ver próximo capítulo) que foi ocasionada pelo crescimento dos estoques de cereais durante o final da safra americana de 2004/2005.

Apesar da queda a produção total de grãos está ainda na casa dos 113 milhões de toneladas dobrando assim a produção de 20 anos atrás.

Em termos estruturais pode-se perceber que o crescimento da soja e de outras commodities se enquadra numa tendência iniciada nos anos 70 de privilegio das culturas de exportação. As culturas de exportação – como é o caso da soja, da laranja e da cana-de-açúcar, por exemplo – receberam um impulso muito maior, em razão das políticas agrícolas que as beneficiavam mais diretamente; em detrimento das culturas voltadas ao mercado interno, como o arroz, mandioca e milho, por exemplo. A Tabela 5 mostra as taxas de crescimento anuais da produção, nas décadas de 70, 80 e 90, para algumas culturas selecionadas destinadas ao mercado interno e ao mercado externo. Fica evidente que as culturas destinadas ao mercado interno tiveram, realmente, crescimento da produção bem inferior ao apresentado pelas culturas destinadas ao mercado externo. Tabela 5 : Comparativo entre culturas de exportação e de mercado interno

Produto 70-80 80-90 90-2000 Mercado Interno

Arroz 2,61 -0,26 1,78 Batata 2,04 1,43 1,58 Feijão -1,1 3,09 1,18 Mandioca -2,25 0,40 0,69 Milho 3,66 1,40 3,49 Mercado Externo

Cacau 4,94 0,04 -5,27 Café 3,47 3,35 2,49 Cana Açúcar 6,43 5,24 2,51 Fumo 5,19 0,19 3,83 Laranja 13,39 5,14 1,35 Soja 25,95 -0,13 9,14

Fonte: Fossati, Bacha 2004, pp3.

Este crescimento verifica-se não apenas no caso da soja (o mais significativo), mas também para suco de laranja, fumo e café que são produtos tradicionais da pauta de exportações brasileira. Brum et al (2005) afirmam, nesse sentido, que a soja foi uma das principais responsáveis pela introdução do conceito de agronegócio no país, não só pelo

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volume físico e financeiro envolvido, mas também pela necessidade da visão empresarial de administração da atividade por parte dos produtores, fornecedores de insumos, processadores da matéria-prima e negociantes.

A soja é, dentre elas, a cultura de exportação com maior demanda no mercado internacional, estimada em 180 milhões de toneladas. Os Estados Unidos ocupam a primeira posição entre os países produtores, respondendo por 78 milhões de toneladas, o Brasil, é o segundo maior produtor de soja, na safra 2003, produziu cerca de 50 milhões de toneladas. (Silva, Bernardo, 2005).

Segundo Sanches e Roessing (2005) a geração de tecnologias teria sido um dos fatores fundamentais para que o Brasil aumentasse sua produção de soja, passando a ocupar o segundo lugar entre os maiores produtores de soja do mundo. A evolução do plantio e da produção de soja são bastante acentuadas e rápidas no Brasil: em 1975 a produção brasileira não passava de 10 milhões de toneladas ao ano, mas em 2003, o país já estava produzindo cerca de 50 milhões de toneladas.

A expansão de área implicou em mudança de padrões regionais de localização. Os Estados do Centro-Oeste, que em 1980 tinham 14% da área brasileira ocupada com soja, contra 77% da região Sul, em 1998 passaram a 36%, enquanto que a região Sul diminuiu sua área para apenas 48%. Por sua vez, a soja do Cerrado, que representava 16% da área total plantada em 1980, passou a ocupar 45% em 1998 (Brum et al, 2005).

Segundo Brum (op cit) a soja tem sido o elemento indutor do desenvolvimento da região do Cerrado, não só ocupando áreas antes improdutivas e avançando sobre regiões de bovinocultura extensiva, mas também fixando atividades ligadas à produção, comercialização e industrialização da oleaginosa. Acompanhando seu desenvolvimento, outras culturas têm se expandido consideravelmente, sobretudo a safrinha de milho. A “safrinha” de milho foi de 4,1 milhões de toneladas em 1997, representando 11,8% da safra deste cereal e cerca de 5% de toda a safra brasileira de grãos.

Vieira e Almeida (2005) com base em dados de Lovenstein et al, 1995, revelam as vantagens comparativas da Região Centro-Oeste para a produção de soja:

1) Elevado número de horas com radiação solar (insolação), cuja porção fotossinteticamente ativa é superior a 1.000 ì mol.cm -2 .min -1 , fatos que a caracterizam como privilegiada à produção agrícola .

2) Temperaturas médias anuais próximas a 25ºC.A., temperatura máxima diurna, ao redor de 35º C entre novembro a fevereiro, adequada à produção dos produtos agrícolas protéico-oleaginosas a exemplo de soja, feijão e mamona; amiláceas, a exemplo de milho, arroz e mandioca; fibrosas a exemplo de algodão e rami, além de café, cana-de-açúcar, flores tropicais e várias espécies olerícolas.

3) Precipitação anual varia entre 800 a 1600 mm, dividida em duas estações. A estação chuvosa, entre outubro a março, apresenta precipitações mensais superiores a 250 milímetros, que, associada às evaporações mensais inferiores a 120 milímetros, permite a produção dos produtos citados sem irrigação suplementar.

4) Relevo predominante variado entre plano a ondulado, portanto, adequado à agricultura mecanizada.

Essas vantagens relativas se refletem na função de produção da soja no Centro Oeste que, como se demonstra à continuação é mais eficiente que a de outras regiões do Brasil e dos Estados Unidos:

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Tabela 6: Desempenho do Sistema de Produção Custo de produção da soja (us$/há.) SOJA

USA Meio-Oeste2003/04

Brasil Paraná2003

Brasil Mato Grosso2003

Argentina Pampa Úmida2002

Custos Variáveis

187,5 328,7 262,4 222,9

Custos Fixos 404,7 193,3 172,6 253,6 Custos de Produção

592,1 521,9 435,1 476,5

Produtividade h/kg

2910 3000 3000 3000

Custos por tonelada

203,5 174,0 145,0 158,8

(Dados Extraídos de Tavares, 2005, página 3).

Tavares et al (2005) mostram também que o custo total de produção do Paraná é inferior quando comparado ao de Illinois, em torno de 28% (Tabela 6). No que se refere aos custos variáveis, estes são maiores no Brasil (Mato Grosso e Paraná), em conseqüência do uso intensivo de fertilizantes (U$ 119 contra U$22 por há.). Por outro lado, os custos de sementes dos Estados Unidos são maiores, em função do uso de sementes transgênicas. Contudo, os custos fixos americanos são muito superiores quando comparados aos brasileiros (Mato Grosso e Paraná), sendo o custo da terra o principal responsável por esse resultado (U$224 em usa contra U$8 em MT por há.).

Tavares et al (op cit) revelam também que no Mato Grosso, no entanto, a rentabilidade dos produtores rurais é prejudicada pela localização geográfica do Estado em relação às plataformas exportadoras.,“a soja plantada no Mato Grosso demonstra ótimo desempenho, mas por necessitar de grande movimentação, apresenta menor valor de venda.” (op cit pág 9). A produtividade e o custo de produção das fazendas nacionais demonstram que a soja cultivada, principalmente no Paraná, consegue ter uma competitividade superior em relação à norte-americana. Praticamente é igual a rentabilidade de Illinos-EUA e Paraná-BRA (op cit, pág 8).

Principalmente pela localização do Estado do Mato Grosso, observa-se que os custos de logística referentes às despesas de transporte são extremamente elevados quando comparados aos dos Estados Unidos e Argentina. No próximo capítulo se mostra como a malha rodoviária, tradicionalmente empregada pela falta de outra forma de deslocamento mais eficiente para grandes distâncias, faz com que os produtos mato-grossenses percam parte do ganho obtido no sistema produtivo, com a utilização de tecnologia moderna e baixo custo da terra.

Outros autores encontraram vantagens ainda mais pronunciadas para a soja de Mato Grosso. Rezende et al (op cit) mostram que o custo de produção de soja por hectare nos Estados Unidos (estado de Illinois) seria de US$ 798 por ha., enquanto em Mato Grosso é de apenas US$ 386 por ha. O custo fixo no Brasil também seria muito menor do que nos Estados Unidos, a principal diferença residindo no custo da terra, que lá é de US$ 286 por ha contra apenas US$ 37 por ha em Mato Grosso.

Tabela 7: Comparação do Custo de Produção de Soja entre Brasil e Estados Unidos (em US$ por hectare)

Itens de custo Estados Unidos Brasil

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1. Custos variáveis 239,7 267,4 2. Custos fixos 271,8 81,7 Mão-de-obra 81,5 9,7 Juros sobre investimento 69,2 7,7

3. Terra 286,6 37,2

4. Total 798,1 386,2 Fonte: Rezende et al. op cit.,pp 8.

Outro produto fundamental na pauta de exportações do agronegocio brasileiro é a cana de açúcar. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de cana-de-açúcar e também o maior exportador mundial de açúcar, com participação crescente no mercado livre nos últimos anos (23,3% ver tabela 12) . De acordo com Herrera, V et al (2005) baseado em dados da Copersucar (2004), as exportações brasileiras de açúcar demonstraram um desempenho marcante durante os anos 90, passando de um volume próximo a 1,7 milhões de toneladas no início da década, para 14,5 milhões de toneladas na safra 2003/2004. No presente, o país se prepara também para ser um dos maiores fornecedores globais de álcool anidro.

De acordo com a UNICA (apud Herrera, op cit.) os números do setor na safra 2002/2003 dizem que há no país 324 unidades de usinas que geram 1 milhão de empregos diretos e 3 milhões de empregos indiretos. Produção no período de 22,5 milhões de toneladas de açúcar e 14,4 bilhões de litros de álcool. Exportações no período de 12,9 milhões de toneladas de açúcar e 650 milhões de litros de álcool, gerando receita de US$ 2,14 bilhões em 2003, com vendas em maior volume para a Rússia e o Oriente Médio. Obteve participação de 2,20% no Produto Interno Bruto.

Herrera (op cit ) mostra que “A alta vantagem competitiva no mercado internacional se dá pelo fato dos produtores nacionais gozarem de menores custos de produção em relação a outras nações. Altos investimentos em tecnologia, desenvolvimento de variedades mais produtivas, baixos preços da terra e condições edafoclimáticas favoráveis são os fatores que permitem ao Brasil essa vantagem”.

De acordo com Pinazza e Alimandro (apud Herrera, op cit) as usinas da região Centro-Sul conseguem produzir açúcar a US$ 180 por tonelada (em São Paulo o custo cai para US$ 165 por tonelada) ao passo que na Austrália e Tailândia, outros grandes produtores mundiais, as despesas atingem US$ 335 por tonelada. Na União Européia, o custo de produção chega a US$ 710 por tonelada, com a beterraba como matéria-prima.

Fora o açúcar propriamente, o Brasil produz o álcool etílico combustível. A produção atual de álcool no mundo é de aproximadamente 35 bilhões de litros, dos quais 60% destinam-se ao uso combustível. O Brasil e os Estados Unidos são os principais produtores e consumidores. Herrera (op cit) revelam que a região sudeste do Brasil é a maior produtora, onde na safra 2003/04 produziu um total de 9.248.100 milhões de litros. A região nordeste é a segunda maior produtora e o norte a menor região produtora do país.

O desenvolvimento do Proálcool, que levou o Brasil à condição de único país do mundo a utilizar largamente o álcool em substituição aos combustíveis fósseis nos anos 70, trouxe para o país não apenas uma solução para a crise do petróleo, mas também incentivo à produção, desenvolvimento de tecnologia de cultivo, colheita e transporte da cana. Nos

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últimos anos estão sendo construídos centros de excelência em açúcar e álcool, com a industria mais avançada, potente e competitiva do mundo.

A terceira atividade do agronegocio em ordem de importância é a pecuária bovina. A pecuária nacional, atualmente, é uma das maiores e mais rentáveis atividades do agronegócio brasileiro. Machado, L et al (2005) baseados em dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostram que esta atividade participou com R$ 64,94 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) em 2003. Além disso, o Brasil possui o maior rebanho do mundo, em termos comerciais, com cerca de 168 milhões de cabeças, segundo dados preliminares da FNP Consultoria para 2003. A disponibilidade de terras a baixo custo permitiu expandir a produção, para atender a demanda mundial crescente pelo produto brasileiro.

O cenário internacional favorável às exportações brasileiras de carne bovina contribuiu para aumentar a parcela de mercado do país no mercado internacional, mesmo numa época em que as exportações mundiais apresentavam taxas modestas de crescimento. A conquista de novos mercados como Chile, Egito e Rússia mais o aumento do volume negociado para aqueles países com os quais o Brasil já comercializava contribuiu para o enorme crescimento do volume exportado. Machado, et al (op cit) revelam também que “há alguns anos a carne bovina brasileira era vendida para não mais do que 20 países, sendo que atualmente o número de clientes chega a mais de 110 países”.

No Brasil, a produção de carne bovina teve um aumento de 21,5% no período de 1995 a 2003, passando de 6 milhões para 7,3 milhões de toneladas. O aumento da produção tem possibilitado abastecer o mercado doméstico, reduzindo a dependência das exportações para complementar o abastecimento interno, bem como gerar excedentes exportáveis. O crescimento na produção brasileira de carne se deve a fatores como investimentos em novas tecnologias da genética, sanidade, manejo, gerenciamento e nutrição.

O Brasil que até 1997 ocupava a 6ª posição, atrás da Argentina, tornou-se o terceiro maior exportador mundial em 2001 e ocupa atualmente a primeira posição. Em 2001, houve uma redução de cerca de 55% nas exportações da Argentina em função dos casos da febre aftosa detectados naquele país.

Machado et al (op cit) mostram que o enorme crescimento das exportações de carne in natura (refrigerada e congelada) contribuiu para que o Brasil se tornasse o maior exportador de carne bovina. Esse crescimento se deve, principalmente, à conquista de novos mercados consumidores e ao aumento do volume exportado para os países com os quais o Brasil já comercializava.

As exportações brasileiras de carne bovina enfrentam limitações de acesso ao mercado externo em quase todos os países, relacionadas às barreiras sanitárias e barreiras comerciais não-tarifárias. Apesar disso o Brasil conseguiu elevar o seu market share de 0,92% no período inicial para 8,34% no período final (Machado, 2005, op cit).

2.1 Papel da Agricultura Familiar:

A maior parte da literatura sobre o tema do agronegócio atribui o avanço da soja e da produção agrícola, em geral, ao modelo de produção patronal. No entanto os dados do IBGE, tabulados de forma especial pelo convênio FAO/INCRA3, demonstraram que parte desse 3 FAO/INCRA: Guanziroli et al (2001). INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A metodologia utilizada baseou-se na seguinte equação: Caracterização dos agricultores familiares: Direção dos trabalhos do

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sucesso deve também ser creditado ao segmento dos produtores familiares. A continuação a análise desenvolvida no âmbito deste convênio a respeito da agricultura familiar no Brasil. Segundo o Censo Agropecuário 1995/96, existiam no Brasil, nesse ano, 4.859.864 estabelecimentos rurais, ocupando uma área de 353,6 milhões de hectares. De acordo com a metodologia adotada, desse total 4.139.369 são estabelecimentos familiares, ocupando uma área de 107,8 milhões de ha. Os agricultores patronais são representados por 554.501 estabelecimentos, ocupando 240 milhões de ha. 4

Apesar de possuírem poucos recursos produtivos, os agricultores familiares são responsáveis por um percentual significativo do valor da produção agropecuária brasileira. Mesmo possuindo apenas 30,5% da área, e contando somente com 25% do financiamento total obtido, os estabelecimentos familiares são responsáveis por 37,9% por toda a produção nacional. 5

O percentual do VBP (Valor Bruto de Produção) produzido pela agricultura familiar, quando consideradas algumas atividades, demonstra a sua importância em produtos destinados ao mercado interno e também entre os principais produtos que compõem a pauta de exportação agrícola brasileira. Na pecuária, os agricultores familiares produzem, em relação ao percentual do VBP nacional, 24% da pecuária de corte, 52% da pecuária de leite, 58% dos suínos e 40% das aves e ovos produzidos.

Gráfico 1

Fonte: Guanziroli et al, 2001.

Em relação a algumas culturas temporárias, a agricultura familiar produz 32% da soja, 33% do algodão, 31% do arroz, 72% da cebola, 67% do feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca, 49% do milho, e 46% do trigo nacional. É responsável ainda, no caso de culturas

estabelecimento é do produtor e UTF > UTC e Área total do estabelecimento ≤ área máxima regional Unidade de Trabalho Familiar (UTF) Pessoal ocupado da família de 14 anos e mais + (Pessoal ocupado da família de menos de 14 anos) / 2. Para mais informações ver capítulo 2 do trabalho citado, Delimitação dó Universo dos Agricultores Familiares. 4 A diferença de área com relação a área total refere-se a instituições pias e religiosas e de instituições de governo. 5 O estudo da FGV mostra dados menos positivos para caracterizar o universo da Agricultura Familiar. Ver para isso: "Quem produz o que no campo: quanto e onde", produzido pela FGV e a IBRE, 2004. Neste estudo, a agricultura familiar atinge apenas 30,8 % do valor da produção agropecuária do Brasil.

Brasil: Perc. do VBP de produtos selecionados produzido nos Estabelecimentos Familiares

25% 31%

67%

97%84%

49%32% 24%

52% 58%40%

CaféArro

zFeij

ãoFumo

Mandioca

Milho

Soja

Pec. c

orte

Pec. le

ite

Suínos

Aves/o

vos

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permanentes, por 58% da banana, 27% da laranja e 47% da uva, 25% do café e 10% da cana-de-açúcar.

Entre as cinco regiões, os agricultores familiares da região Sul são os que mais se destacam pela sua participação no VBP regional, sendo responsáveis por 35% da pecuária de corte, 80% da pecuária de leite, 69% dos suínos, 61% das aves, 51% da soja 83% da banana, 43% do café, 81% da uva, 59% do algodão, 92% da cebola, 80% do feijão, 98% do fumo, 89% da mandioca, 65% do milho e 49% do trigo produzido na região.

Tabela 8 - Agricultura Familiar: Percentual do VBP em relação ao VBP Total do produto

Culturas Temporárias REGIÃO % Área

s/ total Algodão Arroz Cana Cebola Feijão Fumo Mand. Milho Soja Nordeste 43,5 56,3 70,3 7,5 57,0 79,2 84,5 82,4 65,5 2,7C. Oeste 12,62 8,9 23,4 2,7 2,2 21,8 84,3 55,6 16,6 8,4Norte 37,5 83,6 52,6 43,8 31,1 89,4 86,5 86,6 73,3 3,5Sudeste 29,3 23,5 51,3 8,6 43,9 38,3 74,2 69,8 32,8 20,3Sul 43,8 58,8 21,3 27,2 92,1 80,3 97,6 88,9 65,0 50,8BRASIL 30,5 33,2 30,9 9,6 72,4 67,2 97,2 83,9 48,6 31,6

Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 – IBGE Elaboração: Convênio FAO/INCRA

Alguns desses produtos estão concentrados em determinadas regiões, sendo muito pouco produzidos nas demais regiões, como é o caso da uva, cebola, café, algodão, fumo e soja. Como a produção desses produtos é muito pequena nestas regiões, qualquer produção, por menor que seja, aparece com destaque tanto para a agricultura patronal como familiar.

O forte desempenho do agronegocio não se correlaciona, entretanto, com um crescimento do emprego agrícola. Conforme mostra Silva, Graziano, Grossi e Campagnola (2005) as atividades estritamente agrícolas têm diminuído sua capacidade de empregar trabalhadores, frente às atividades rurais não agrícolas, que vem avançando significativamente no setor rural. Segundo dados das PNADs (Pesquisas de Amostras de Domicílios) a PEA agrícola morando em domicílios rurais cai de 10, 7 milhões de pessoas em 1981 para 8,8 milhões em 2003. A PEA agrícola morando em domicílios urbanos, no entanto, aumentou no mesmo período, passando de 2,6 milhões em 1981 para 3,8 milhões em 2003. Este aumento, não compensa, entretanto, a diminuição do emprego, em valores absolutos, constatada anteriormente. Parte desta diminuição somada ao crescimento demográfico, foi engrossar as fileiras das chamadas atividades rurais não agrícolas (Graziano, op cit).

As novas atividades agrícolas, de modo geral, substituem outras de tipo tradicional, que empregavam mais gente, como os consórcios de milho/feijão/mandioca no Nordeste ou a agricultura canavieira de colheita manual que está sendo substituída pela colheita mecanizada, entre outras.

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3-TENDÊNCIAS E OPORTUNIDADES DE MERCADO PARA O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO:

Vários fatores contribuem para que haja grandes chances, no longo prazo, do Brasil aumentar sua produção agrícola (principalmente de soja e milho). Pelo lado da oferta cabe destacar que o Brasil possui grandes áreas ainda inexploradas ou deficientemente exploradas que poderão ser incorporadas à produção agrícola no futuro se houver investimentos em produtividade e em meios de escoamento das safras. Segundo Sanches e Roessin (op cit) o Brasil ainda disporia de 106 milhões de hectares de terras para incorporar ao mapa agrícola, o que permitiria prever que a produção de soja, que hoje está em 50 milhões de toneladas, pudesse atingir o nível das 75 milhões de toneladas em 2010.

Pelo lado da demanda, de acordo com dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) citados por Sanches e Roessing (op cit), haveria uma tendência ao seu aumento sustentado, em função, basicamente, do crescimento econômico dos países do terceiro mundo, principalmente da Ásia que nos próximos anos deverá ser da ordem de 6% a 7% ao ano, em média. “O crescimento econômico de um continente onde vivem em torno de 55% dos habitantes do planeta, associado a uma elasticidade-renda da demanda de alimentos bastante elástica, possui uma influência decisiva no que se refere à demanda” (op cit pp...).”O aumento da renda per-capita nos países mais pobres indicam pressão de demanda de alimentos como no caso da China cuja procura de soja é uma demanda derivada da demanda de carnes, principalmente de aves e suínos”. (pp.9)

Cálculos de Vantagens Comparativas Reveladas (VAR), realizados por Souza (2005) e que são transcritos na tabela embaixo, mostram que o país possui vantagens comparativas reveladas para três produtos selecionados (soja, carne bovina e carne de frango) que são justamente os produtos com maior demanda no mercado internacional. Esse comportamento ocorre pelo fato destes commodities terem um maior crescimento das exportações frente aos demais produtos exportados pelo Brasil, relativamente ao crescimento das exportações mundiais

Tabela 9: Índice de Vantagens Comparativas Reveladas (VCR) ANO Soja em grãos Carne bovina Carne de Frango

1992 13,30 3,66 11,71 1993 13,80 3,75 13,22 1994 17,94 3,36 11,47 1995 11,49 3,11 11,22 1996 11,47 3,38 12,64 1997 22,58 3,06 13,31 1998 25,67 4,33 11,45 1999 24,50 5,93 15,81 2000 27,47 5,89 14,55 2001 27,62 7,90 17,90 2002 29,93 7,79 20,87

Fonte: Souza , 2005 a partir de dados IPEA (Instituto de Planejamento Econômico) DATA, FAO e SECEX.

Observa-se também que os três produtos apresentaram, em média, valores crescentes ao longo do tempo, o que indica que as exportações brasileiras vêm ganhando espaço no mercado mundial.

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Esta tendência, no entanto, sofre solavancos de curto prazo, em função da conjuntura do mercado mundial que varia em função de fatores tais como clima, estoques, taxas de crescimento econômico e distribuição de renda.

Rezende e Silva (2005) apontam à existência de grande volatilidade dos preços internacionais a partir do segundo semestre de 2004, o que poderia atingir, muito adversamente, o comportamento do setor agrícola brasileiro nos próximos anos.

Fonte: Gráfico Produzido por Rezende, 2005, página 10.

Isto se reflete nos preços internos dos principais commodities como pode se observar na tabela que segue:

Tabela 10: Preço e produção de arroz, milho e soja

Arroz-RS Milho-PR Soja-MT

Anos Preço R$/50

Kg

Produção (Mil t)

Preço R$/50

Kg

Produção (Mil t)

Preço R$/60

Kg

Preço R$/60

Kg

Produção (Mil t)

2001 19,86 5.190,5 10,69 9.445,7 27,20 22,27 9.640,8 2002 21,65 5.464,8 16,21 7.380,0 32,39 27,75 11.636,7 2003 36,78 4.696,4 18,04 8.140,2 40,45 33,84 12.949,4 2004 36,06 6.301,7 21,26 7.522,8 50,50 44,55 15.008,8 2005a 22,54 6.045,7 17,18 6.625,4 31,04 22,92 16.927,7

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), 2005.

Conforme pode se perceber, os preços de 2005 da soja estão muito baixos, quando comparados com os preços vigentes na comercialização das safras de 2003 e 2004, mas, na realidade, encontram-se iguais a seus patamares históricos, como se nota no gráfico acima que mostra o comportamento do preço e da produção de soja no mercado internacional.

Rezende (op cit) mostra também que “A queda de preços tem sido muito diferenciada, dependendo da natureza do produto, da evolução dos seus preços no mercado internacional e da valorização do real. Café, açúcar e álcool, por exemplo, não sofreram queda porque seus preços externos compensaram a valorização cambial. Entre setembro de 2004 e agosto de

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2005, o preço real do café arábica passou de R$ 232 por saca de 60 quilos para R$ 262, registrando um aumento real de 13%, enquanto os do açúcar e do álcool permaneceram constantes. Esses importantes produtos concentram-se no estado de São Paulo, cuja agricultura terá, portanto, menores problemas”. (op cit, pp.18) .Especialmente nos casos dos grãos e oleaginosas, essa diminuição dos preços domésticos teve a ver com uma queda similar nos preços internacionais. Além disso, ocorreu, nesse período, a valorização cambial, que também contribuiu para essa redução de preços no mercado doméstico.

Rezende e Silva (2005) dão destaque especial ao caso da pecuária bovina, cujos preços passaram por uma fase de redução persistente, desde o final do ano passado, com o mercado refazendo para baixo, continuamente, suas expectativas quanto aos preços relativos a outubro deste ano. O gráfico abaixo de autoria de Rezende (op cit, pp3) mostra a queda de preços referida. 6

6 De fato essa queda foi neutralizada pela valorização cambial ocorrida entre agosto de 2004 e agosto de 2005 (de aproximadamente 20%). Os produtores pecuaristas, no entanto, guiam-se pelos preços internos, que de fato caíram. Os preços internacionais em dólar implicam também numa redução de seus ganhos quando o produto é exportado.

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Gráfico 2Evolução dos Preços Domésticos do Boi Gordo,

Agosto de 2004 a Agosto de 2005

50

55

60

65

70

75

ago-

04

set-0

4

out-0

4

nov-

04

dez-

04

jan-

05

fev-

05

mar

-05

abr-

05

mai

-05

jun-

05

jul-0

5

ago-

05

R$/

arro

ba

Contratos para Outubro de 2005

Preço À Vista

Contratos para Outubro de 2006

Fonte: BM&F. Elaboração: IPEA/DIMAC

(Em valores nominais)

2,74%

Esta crise conjuntural, entretanto, está gerando protestos de vários setores do setor do agronegócio, tendo havido “tratoraços” em 2005 e reivindicações de renegociação de empréstimos tomados junto ao BNDS e Banco do Brasil pelos agricultores nas épocas de bonança e que, supostamente, agora não estariam em condições de reembolsar.

O setor também pediu a prorrogação da parcela das dívidas securitizadas com vencimento previsto para dezembro de 2005. Pelos cálculos da bancada ruralista, são R$ 240 milhões em jogo. No total, os débitos do programa de recuperação das cooperativas seriam prorrogáveis R$ 600 milhões. O Ministério da Fazenda se opõe frontalmente à medida.

Outras medidas solicitadas incluem, ainda, o remanejamento de R$ 2 bilhões do orçamento do programa de renovação da frota de tratores e colheitadeiras (Moderfrota - Programa de Modernização da Frota de maquinarias Agrícolas) para o crédito de custeio da atual safra, 2005/06. (Jornal Valor Econômico, /agronegócios. Edição 1213, caderno 305. Dezembro 2005)

Apesar dos protestos usuais, cabe indagar em que medida essa queda dos preços agrícolas – com a única exceção de algumas lavouras importantes, como o café e a cana de açúcar - irá afetar negativamente o comportamento da oferta agrícola no próximo ano.

Rezende (op cit, pp7) diz que “A situação este ano (por 2006), entretanto, é completamente diferente. Em primeiro lugar, os agricultores tiveram que comercializar sua safra de grãos a preços muito inferiores aos do ano passado, no que resulta que a renda gerada

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no ano agrícola 2004/2005 está sendo muito inferior. A pecuária bovina, como se viu, também está atravessando um período de queda de renda, devido à diminuição dos preços. Em tal contexto, a disponibilidade de crédito ganha mais importância na determinação do plantio, e revela que os agricultores estão, de fato, enfrentando restrições de crédito. Dessa forma, pode-se concluir que os baixos preços de vários produtos agrícolas, ao lado de condições financeiras adversas atravessadas pelo setor atualmente, deverá levar, com toda a certeza, a uma redução ou, no máximo, manutenção da área plantada e uma queda significativa no uso de insumos para a próxima safra de verão”( pp 8).

As previsões de safra de grãos da companhia nacional de abastecimento (CONAB) e do IBGE confirmam quedas na área de algodão (entre 28,6% e 34,9%), arroz (entre 11% e 15%), soja (entre 4,8% e 7,8%) e trigo (14,4%). Além do feijão 1ª safra, só o milho aumenta. (entre 3,8% e 6%). Tabela 11: Prognóstico da produção agrícola nacional

Área Plantada Produção de grãos

Cultura 2005 2006 Var(%) Safra 2005 2006 Var(%) (Mil ha) (mil t) Algodão 1.249 898 -28,1 3.672 2.786 -24,10Arroz 4.009 3.354 -16,3 13.253 11.949 -9,80Feijão 1ª Safra 2.205 2.263 2,6 1.431 1.768 23,60Milho 1ª Safra 8.941 9.471 5,9 27.104 33.928 25,20Soja 23.400 21.905 -6,4 51.090 58.741 15,00Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)

Além dos problemas conjunturais, o Brasil vem enfrentando os problemas decorrentes das distorções geradas no mercado mundial em função de subsídios e barreiras técnicas, o que permite que haja diminuições do preço de mercado internacional e perdas financeiras na balança comercial.

As exportações de agro alimentos processados 7 dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos são afetadas pela proteção instituída por determinados países, visando assegurar padrões de segurança e qualidade para os produtos importados.

Em algumas áreas o Brasil possui vantagens competitivas importantes. Herrera, V (2005) acredita que existe para o Brasil uma enorme oportunidade de expansão no setor sucro-alcooleiro, haja vista a enorme competitividade que o país possui, com produtos de alta qualidade e preço competitivo no mercado não apenas doméstico, mas também mundial. “Contudo, para que isso realmente ocorra e para que o país continue a desfrutar a posição de maior exportador mundial de açúcar, faz-se necessário esforço para suplantar algumas barreiras ainda existentes, tais como as fortes restrições e medidas protecionistas para a entrada do açúcar e do álcool em determinados países e os desafios tecnológicos na produção do álcool etanol, já que alguns países obtêm o produto com matéria-prima como o milho, com os mesmo índices de produtividade que o brasileiro” (pp 17).

7 Enquanto o agronegócio cresceu 11,8% em 2005 nos produtos processados, as vendas externas de produtos com

maior valor agregado cresceram o triplo do agronegócio em 2005, cerca de 34%”. Produtos tais como carne de peru industrializada, cerveja de malta, manteiga e gorduras lácteas, carne de frango , açúcar cristal e outros cresceram a taxas superiores a 50% em relação ao ano anterior. Jornal O Globo, 23 Janeiro 2006, página 14.

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Em produtos nos quais o Brasil não é competitivo são estreitados os laços de comércio com países vizinhos. É o que acontece com o trigo, cujo custo de produção em termos médios, no Rio Grande do Sul chega a US$ 9,34/saco , contra US$ 13,36/saco no Paraná e apenas cerca de US$ 7,00/saco na Argentina. (Brum et al, 2005). Nestas condições, a competitividade do trigo argentino é muito superior, fato que explica o interesse do Mercosul, e particularmente da Argentina, na liberalização dos mercados agrícolas quando da constituição dos acordos da ALCA e da União Européia-Mercosul.

Embora seja correto que o Brasil continue a se empenhar nas negociações internacionais, buscando remover os subsídios e as barreiras dos países desenvolvidos, deve se também ter em conta que os efeitos de uma liberalização não são tão relevantes como comumente se pensa. Gurgel (2005), com base num modelo de equilíbrio geral, estima que os ganhos para o Brasil de uma completa remoção de todas as formas de proteção comercial seriam de cerca de 0,6% de aumento no bem-estar, ou de cerca de US$ 3 bilhões de dólares ao ano. “A maior parte desses ganhos seria conseqüência da remoção multilateral das tarifas às importações, que sozinhas levariam a um ganho de bem-estar de cerca de US$2,32 bilhões ao ano. Ao contrário do esperado e discutido nas rodadas de negociações da OMC, a remoção de subsídios às exportações e à produção doméstica traria pequenos ganhos para a economia brasileira, inferiores a 0,04% de aumento no bem-estar” (pp 9).

Esta informação devia ser levada em conta, sobretudo quando se deposita tanta esperança nas negociações internacionais sem pensar nas concessões que Brasil vai ser obrigado a realizar em setores estratégicos como serviços, proteção industrial e patentes.

Os dados que seguem mostram a participação atual do agronegócio no mercado internacional:

Tabela 12: Participação Brasileira nas Exportações Mundiais em 2004

Produto Brasil Mundo Participação % (em USS 1000) Soja 5.395 15.575 34,6 Açúcar 2.640 11.323 23,3 Café 1.759 9.117 19,3 Algodão 406 9.673 4,2 Cacau 162 4.176 3,9 Carne bovina 2.522 18.580 13,6 Carne aves 2.708 8.547 31,7 Carne suína 744 22.174 3,4

Fonte: Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e FAO 2005.

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Esses dados embora reflitam a performance do agronegócio brasileiro nos últimos anos, não deveriam segundo Belik (2005) gerar uma sensação de excessiva superioridade. Ele destaca várias limitações do modelo agro exportador, entre elas:

1) O peso do mercado agrícola está relacionado à relativa “letargia” do mercado interno, por causa da renda interna estagnada em função da política recessiva do atual governo.

2) Baixa geração de emprego do modelo exportador. 3) Oferta excessiva de produtos brasileiros tem como conseqüência o aviltamento dos

preços internacionais. 4) Os níveis de produtividade brasileiros são baixos em comparação com outros países

do mundo, tanto na parte agrícola como na agroindustrial.

Em suma, segundo este autor “Não basta apenas se fixar nos baixos salários brasileiros e nos recursos naturais para garantir a competitividade. Ao longo das últimas décadas, verificaram-se através de diversos estudos que estímulos decorrentes de aumento de renda provocaram significativos aumentos na demanda doméstica chegando inclusive a redirecionar a atuação de empresas para esse segmento. Essas conclusões demonstram a necessidade de trabalhar as políticas sociais e de transferência de renda para as famílias mais pobres com a mesma importância de outras políticas de características mais produtivas” (pp 14)

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4- POLÍTICAS AGRÍCOLAS E AGRÁRIAS QUE EXPLICAM O SUCESSO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL.

Nos capítulos anteriores resumiram-se as principais tendências do agronegócio no Brasil, tanto no que diz respeito à produção como aos preços e oportunidades de mercado.

Neste capítulo mostrar-se-ão os dados e argumentos que permitem explicar os fatores que motivam este sucesso, numa conjuntura caracterizada por restrição fiscal, diminuição de subsídios agrícolas e abertura ao mercado externo do Brasil. Para isso serão descritos os novos instrumentos de política agrícola adotados pelo Governo nos últimos anos para se adaptar às exigências da OMC e às restrições da conjuntura.

Como se sabe, uma parte substancial dos subsídios ao crédito rural e aos preços agrícolas fora removida já nos finais da década de 80 (Guanziroli, 1990). A despeito disso, (Guanziroli, 1994) constatou-se que a oferta agrícola vinha crescendo bastante, passando de 50,9 milhões de toneladas em 1979/80 para 76,2 milhões de t em 1993/1994. O crédito agrícola, no entanto, tinha evoluído de forma contrária, encolhendo-se de R$ 23,03 bilhões em 1979 para R$ 6,.8 bilhões em valores constantes em 1993. Face aos juros mais altos, o comportamento da agricultura foi diferenciado: os grandes produtores encontraram financiamento através dos adiantamentos das exportações e das compras antecipadas e ou empréstimos das indústrias de transformação e cooperativas. Os agricultores familiares fugiram também do crédito institucionalizado, que cobrava indexação alta (Taxa de Referência), mas ficaram mais expostos aos mecanismos informais de acesso ao financiamento.

A produção agrícola, entretanto, não sofrera conseqüências significativas em função desta mudança na política agrícola, ao contrário, não parara de crescer, superando em 2004/2005 o patamar dos 113 milhões de toneladas. Este fenômeno foi interpretado, por alguns autores, como produto do amadurecimento da matriz produtiva do setor agrícola, após muitos anos de modernização impulsionada pelo Estado, e por outros como resultado da aplicação de programas especiais de crédito que continuavam vigorando para setores específicos (Cacau, açúcar, etc) . Há quem considere que a taxa de cambio sobrevalorizada entre 1994 e 1998 teria barateado artificialmente o preço dos insumos agrícolas, cujo uso mais abundante teria gerado aumento da produtividade dos principais grãos (sobretudo soja e milho).

Este processo, no entanto, gerara uma segmentação pronunciada do setor agrícola entre as chamadas culturas de exportação como é o caso da soja, da laranja e da cana-de-açúcar que já vinham recebendo um impulso muito maior, em razão das políticas agrícolas que as beneficiavam mais diretamente e as culturas voltadas ao mercado interno, como o arroz, mandioca e milho, por exemplo. Estas últimas tiveram, realmente, crescimento da produção bem inferior ao apresentado pelas culturas destinadas ao mercado externo.

É evidente que a preocupação do Governo, ao priorizar algumas culturas em detrimento de outras, era gerar divisas que seriam utilizadas para cobrir parte do déficit em transações correntes do país, o qual foi agravado pela crise do petróleo na década de 70. Por trás de todo o processo de modernização da agropecuária no país, ao longo dos anos 60 e 70, estavam as políticas agrícolas, tais como: o crédito rural subsidiado e a política de garantia de preços mínimos, principalmente.

Vejamos a seguir a evolução de cada um dos instrumentos aplicados no Brasil recentemente para incentivar sua agricultura e o agronegócio de maneira geral. Trata-se de mostrar de que forma diferentes mecanismos de intervenção estatal tais como crédito rural, política de preços mínimos, mercados futuros, Moderfrota, tributação e PRONAF (Programa

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de Fortalecimento da Agricultura Familiar) incentivaram e estimularam o setor do agronegócio brasileiro a se modernizar e expandir.

a) Crédito Rural Subsidiado:

Sabe-se que o principal instrumento de política agrícola, ao longo dessas duas décadas e início dos anos 80, foi o crédito rural subsidiado, ou seja, as taxas de juros reais relacionadas aos empréstimos se mantiveram sistematicamente negativas (Goldin & Rezende, 1993 citado por Fossati et al 2004).

Tabela 13: Crédito Rural de Custeio, Investimento e Comercialização, Anos Agrícolas 1995/96 a 2004/05 em milhões de reais.

Custeio Investimento Comercialização Total Safra Valor D% Valor D% Valor D% Valor D%

95/96 4.534 - 1.525 - 703 - 6.762 -96/97 5.642 24,4 1.562 2,4 644 (8,3) 7.848 16,1 97/98 6.634 17,6 2.334 49,4 1.151 78,7 10.118 28,9 98/99 7.291 9,9 1.940 (16,9) 1.588 38,0 10.818 6,9 99/00 8.555 17,3 2.636 35,9 2.166 36,4 13.356 23,5 00/01 9.790 14,4 3.628 37,7 2.937 35,6 16.355 22,5 01/02 10.759 9,9 5.617 54,8 3.467 18,1 19.843 21,3 02/03 16.031 49,0 7.048 25,5 4.963 43,1 28.041 41,3 03/04 19.282 20,3 9.715 37,8 6.236 25,7 35.233 25,6 04/05 23.307 20,9 10.477 7,8 9.482 52,1 43.266 22,8

Fonte: Banco Central do Brasil – Anuário Estatístico do Crédito Rural Elaboração: MAPA/SPA/DEAGRI.

Na década de 80, esse setor vinha enfrentando um cenário econômico desfavorável em razão, basicamente, da queda da disponibilidade de crédito rural subsidiado entre outros fatores.

Na década de 90, há uma recuperação, mas não se atingem os níveis de crédito dos anos 70. A retomada do crédito no novo milênio começa a acontecer sob um novo formato. O Estado está deixando de utilizar os mecanismos tradicionais de financiamento da produção agropecuária, como a política clássica de garantia de preços mínimos. Diante disso, Fossati (op cit) citando vários autores argumentara que: “... as novas alternativas para o financiamento da agricultura são os recursos da caderneta de poupança, os recursos externos e os recursos livres do sistema financeiro e os novos mecanismos desenhados pela iniciativa privada, como Certificado de Mercadorias com Entrega Garantida – CMG, Cédula de Produto Rural – CPR e Contrato de Compra e Venda de Soja Verde. Tais recursos implicam a cobrança de taxa de juros real positiva.”(In Fossati, 2004, pp 17)

Apesar de não se ter uma política agrícola tão ativa como no passado, a produção agrícola manteve uma tendência de alta até meados da década de 90 que se retoma de 2001 em diante. Foi somente a partir de 2000 que o crédito rural, em valores nominais atinge de novo patamares superiores aos 20 bilhões de reais, como acontecia na década de 70.

b) Política de Preços Mínimos: A outra política agrícola que teve influência decisiva no desempenho do setor foi a

política de suporte de preços que no Brasil adquiriu significado especial em meados da década

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de 80, em função das pressões do Banco Mundial e do FMI para a contenção do crédito rural e eliminação do subsídio nele embutido. Visando compensar os agricultores por tal mudança, os níveis dos preços mínimos sofreram aumentos apreciáveis em termos reais e, a partir de 1985, o governo passou a adquirir volumes expressivos de produtos agrícolas. As aquisições beneficiaram, principalmente, produtores das áreas mais remotas, especialmente os do Cerrado. 8

Rezende (2000) mostra como em 1995/96, o Governo, face a enorme acumulação de estoques nas mãos da CONAB e a ineficiência deste sistema de preços mínimos iniciou a reforma dessa política. “Novos instrumentos de garantia de preços foram criados - Contratos de Opção de Venda e Prêmio de Escoamento do Produto - que reduzem os custos para o Governo associados à PGPM (Política de Preços Mínimos) e são mais consistentes com uma economia aberta. Além disso, fomentam o desenvolvimento de mecanismos privados de financiamento da comercialização agrícola e retiram a garantia que o Banco antes tinha na concessão do crédito de custeio (graças à conversão automática em EGF (Empréstimos do Governo Federal-COV), forçando o agente financeiro a selecionar melhor o tomador” (op cit pp 3)

Bacha e Del Bel Filho (2004) explicam como funcionam os novos mecanismos implementados pelo Governo. O AGF (Aquisições do Governo Federal) é um procedimento no qual o Governo Federal, estabelecido um preço mínimo, se compromete a adquirir o produto caso o preço de mercado esteja abaixo deste preço mínimo. Há duas modalidades de AGF: a AGF direta, que é a aquisição à vista dos produtos que se encontram na pauta de preços mínimos; e a AGF indireta, que ocorre quando há a transferência a CONAB de produto vinculado a EGF-COV vencido. O EGF é um instrumento em que o Governo Federal viabiliza recursos ao produtor para que ele estoque seu produto durante a safra podendo vendê-lo na entressafra (período em que os preços se situam em patamares maiores).

Segundo os mesmos autores (Bacha e Del Bel Filho,página 2) o AGF e EGF teriam caráter abrangente e são oferecidos sem custos expressivos aos produtores, mas envolvem significativas despesas por parte do Tesouro Nacional. A partir de 1997, o Governo Federal implementou o programa Prêmio de Escoamento de Produto (PEP) e o programa de Contratos de Opções de Venda de Produtos Agrícolas (COVPA). O PEP consiste em um subsídio dado pelo Governo Federal que visa o escoamento do produto com excesso de oferta em uma região para uma outra região onde há a escassez da oferta ou excesso de demanda desse produto. O Governo Federal paga a diferença entre o preço mínimo do produto em questão e o preço pago pelo arrematante junto ao produtor. O arrematante (uma agroindústria, um exportador, por exemplo) será aquele que oferecer o menor deságio monetário ao governo em relação ao preço mínimo.

Ao final do processo, o produtor vende seu produto ao preço mínimo estabelecido, o arrematante paga o preço acertado em leilão e o governo cobre a diferença entre o preço mínimo e o preço pago pelo arrematante ao produtor. Já o COVPA é um seguro de preços adquirido pelo produtor rural. É um título emitido pela CONAB, no qual a mesma se compromete a comprar uma quantidade determinada de produto a um preço estabelecido

8 Outra medida que o Governo tomou em 1995, como reação à crise agrícola, foi a securitização, fruto da Lei Nº

9.138 de 30/11/95. Ela consistiu no alongamento da dívida dos produtores, dando a opção ao produtor de entregar, em produto, o valor equivalente ao refinanciamento do débito. O valor máximo que poderia ser refinanciado por mutuário era de R$ 200 mil, atingindo 193 mil produtores somente no Banco do Brasil.

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(chamado de “preço de exercício”) em uma determinada data.( Bacha e Bel filho, op cit pagina 3).

A tabela 13 abaixo mostra como o AGF foi bastante utilizado para culturas importantes na composição da cesta de alimentos do brasileiro, caso do arroz e feijão, com o objetivo de formar estoques estratégicos.

O COVPA, por sua vez, foi mais utilizado nas culturas que apresentam maior capacidade de pagamento por parte do produtor, caso do milho e café, já que este instrumento incorre em custos ao produtor. O PEP, como era esperado, foi mais comercializado por culturas que apresentam grandes distâncias entre os centros produtores e centros consumidores, caso do algodão.

Embora se trate de instrumentos novos e que podem se converter em esquemas de importância significativa no futuro, ainda são bastante incipientes no que diz respeito ao volume de produção comercializada por meio deles, como revela a tabela que segue:

Tabela 14: Percentagem de Produção Agropecuária transacionada pelos mecanismos de preços mínimos e de crédito a comercialização. Produto 1985 a 1989 1990 A 1996 1997 a 2004 AGF EGF AGF EGF AGF EGF PEP COVPAAlgodão 6,3 47,6 N N 0,76 0 7,33 1,52 Arroz 17,8 26,6 4,66 14,82 2,02 0 0 2,22 Café N N N N 0 0 0 1,46 Feijão 6,9 4,7 N N 0,87 0 0 0 Milho 13,9 10,5 2,1 9,47 2,29 0 0,41 2,53 Soja 5,1 16,4 0 4,98 0 0 0 0 Trigo N n N N 6,22 0 10,3 3,6 Fonte: Egmar Del bel filho e Bacha Carlos, pp 61, Revista Agronegócio, vol 3 n1 2005

A soja, por exemplo, praticamente não utilizou nenhum recurso proveniente destes instrumentos, de modo que em 1998, ano que apresentou maior relação entre quantidade amparada e quantidade produzida nesta cultura, apenas 0,01% de sua produção foi alvo desta política, sendo esta quantia adquirida pelo governo através do programa de Aquisições do Governo Federal (AGF). A soja se financia com contratos com grandes empresas, como BUNGE , tradings e grandes cooperativas.

c) Letras de Crédito, Mercados Futuros e Derivativos na Agricultura. A medida em que os instrumentos tradicionais de sustentação de preços na agricultura

e de crédito foram ficando sem fôlego, novos instrumentos baseados no conceito de mercado futuro começaram a progredir.

Segundo Souza (2005) uma das principais estratégias para reduzir a volatilidade de preços comumente usada nos EEUU por produtores, cooperativas, processadores e traders, é o hedge com contratos futuros. Por meio dessa estratégia, os produtores e cooperativas vendem contratos futuros para se defenderem de eventuais quedas de preços, ao passo que os agentes que buscam proteção contra aumento de preços compram contratos futuros.

O produtor obtém, desta forma, recursos de custeio e/ou comercialização negociando os títulos à vista com os fundos de investimentos, que por sua vez fazem hedge no mercado

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futuro fixando suas posições e dando liquidez às operações desse mercado, atuando também como a ponta vendedora.

No Brasil esta estratégia foi oficializada em 1991 com a criação da BMF (Bolsa de Mercadorias e Futuros), mas para a agricultura começou de fato a funcionar a partir do ano de 1994, quando foi estabelecido um mecanismo de acerto financeiro para o gado, que até então era somente físico. Em 1999 também se passou a permitir a entrada de investidores estrangeiros o que deu mais força ao mercado futuro, principalmente de café (Souza, 2005).

Em 2001 entrou a funcionar o mercado eletrônico para gado e açúcar, sendo que a partir desse momento mais de 50% das transações foram feitas eletronicamente. No caso de café ainda predomina o mercado físico (Souza, 2005).

Finalmente a Lei n o 11.076, de 30 de dezembro de 2004, regulamentou cinco novos títulos de crédito para o financiamento do agronegócio brasileiro. Segundo Souza (2005) estes novos instrumentos de financiamento deverão aumentar a participação do setor privado no financiamento do agronegócio brasileiro, aumentar a disponibilidade de recursos para o setor e proporcionar um maior giro de capital dentro do próprio sistema.

Os novos instrumentos de financiamento do agronegócio são denominados de:

Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Warrant Agropecuário (WA), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) (Souza 2005).

A implantação de fundos de financiamentos da agricultura juntamente com a criação de títulos visam vincular a agricultura com o mercado financeiro, sem a necessidade de recorrer ao sistema de crédito rural, aliviando a pressão sobre os recursos financeiros para a agricultura. Estimula-se assim à captação de recursos e a comercialização de produtos agrícolas através de bolsa.

Estes instrumentos estão ganhando espaço no agronegócio brasileiro principalmente na comercialização de café e de gado, com importância secundária em soja, milho, arroz e álcool, como revela tabela que segue: Tabela 15:Volume de negócios agrícolas feitos com mercado futuro a BMF. Ano/Produto Álcool Açúcar Algodão Gado Café Milho Soja 2000 48973 49281 306 147496 386929 8018 2243 2001 67527 93904 15 92365 475034 3379 83 2002 62896 48326 75 152939 446115 16472 624 2003 49158 40257 172 113473 478544 43902 2917 2004 20819 24376 60 118265 330431 32935 2022 % sobre volume de negócios

7% 5% 0% 15% 65% 6% 0%

Fonte: Danilo Aguiar. In competitividade do agronegócio brasileiropp 30 (trad. nuestra), Moura A e Galvão Aziz. UFV (Universidade Federal de Viçosa). 2004.

Existem duvidas sobre e a efetividade deste sistema para a soja por causa da grande concentração do mercado comprador e pela volatibilidade dos preços.

Segundo Martins e Aguiar (2005) “para os agentes do complexo soja brasileiro, a adoção de estratégias de hedge é problemática porque o contrato futuro de soja em grão, da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), tem apresentado baixíssimo volume de comércio,

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chegando mesmo a ficar quase sem negociação em 2001 e 2002. No final de 2002, uma versão reformulada do contrato de soja foi lançada pela BM&F, mas os resultados não têm sido os esperados. Como o volume de comércio é incipiente, o mercado tende a ser ineficiente, e os investidores correm o risco de não fecharem suas posições por diferença, a um preço justo, no momento que desejarem” (página 451).

Em 2003 foram negociados, no total, 2.917 contratos na BM&F (BM&F, 2004), valor insignificante se comparado aos contratos negociados na Chicago Board of Trade (CBOT), que totalizaram um número superior a 17 milhões de contratos, no mesmo ano (CBOT, 2004). A alta liquidez dos contratos na CBOT é tida como o principal fator que leva os grandes agentes do mercado de soja a atuarem nessa bolsa (Martins e Aguair, 2005).

d) Crédito de Modernização da Frota de Maquinária Agrícola No primeiro capítulo deste trabalho foi visto que houve um aumento da área plantada

bastante substancial entre 2001 e 2004. Uma das políticas que viabilizou esta expansão da área plantada com soja e demais produtos nesse período mais recente foi a entrada em operação do MODERFROTA, que viabilizou uma grande expansão no estoque de máquinas e implementos agrícolas no Brasil.

Esta linha de crédito financia aquisição de tratores agrícolas, colheitadeiras e implementos associados e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café com taxa de juros de 9,75% a.a., incluída a remuneração da instituição financeira credenciada de 2,95% a.a., para clientes com renda agropecuária bruta anual inferior a R$ 150.000,00, e de 12,75% a.a. para clientes com renda agropecuária bruta anual igual ou superior a R$ 150.000,00. O Prazo total de pagamento varia entre 60 meses e 72 meses dependendo do equipamento financiado. Trata-se, como pode se apreciar, de taxas de juros muito inferiores às do mercado interbancário e bancário.

O MODERFROTA tem possibilitado o aquecimento do mercado de máquinas agrícolas. Desde a sua criação, em março de 2000, as vendas de tratores agrícolas cresceram 36,6% e as de colheitadeiras 54,8%. Por outro lado, este desempenho vem estimulando as indústrias a novos investimentos, como a produção de equipamentos mais modernos e competitivos. O volume de máquinas produzido no país passou de aproximadamente 28 mil unidades, em 1999, para 52 mil unidades em 2003 (Rezende, 2005)

e) Isenção do imposto de renda sobre atividades agrícolas

Durante bastante tempo vigorou no Brasil a famosa Cédula G do Imposto de Renda que permitia ao contribuinte deduzir de seus lucros industriais supostos prejuízos com a atividade rural. Essa quase total isenção de imposto de renda sobre atividades agropecuárias no Brasil tem estimulado a ocupação de terras e a retirada de sua cobertura vegetal para o plantio de pastagens. Ao isentar as atividades agrícolas do pagamento de imposto de renda, a rentabilidade da terra seria artificialmente ampliada, aumentando-se a demanda e o preço da terra, incentivando-se sua ocupação em áreas de fronteira, onde a terra é mais barata.

Determinadas áreas do Cerrado foram, em maior ou menor grau, atingidas por políticas e programas governamentais de incentivo fiscal. Estes programas e políticas criaram condições para a expansão de frentes de agricultura comercial contribuindo para a abertura, a ocupação e, em alguns casos, para a intensificação da atividade econômica.

e) Crédito a Agricultura Familiar: PRONAF.

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O Ministério da Agricultura, criou em 1995, um programa chamado PRONAF (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que instaurava várias linhas de crédito rural, com taxas diferenciadas de subsídio.

Antes do PRONAF havia poucas facilidades de crédito para os pequenos produtores, mas este setor, o dos agricultores familiares, mesmo assim conseguira manter seu lugar na produção agropecuária a taxas bastante razoáveis: Conforme se viu anteriormente, os dados do projeto FAO/INCRA mostram que os agricultores familiares contribuíram em 1995/96 com 37,9 % da produção total, apesar de ter apenas 30,5 % da terra e receber somente 25,3% do crédito rural total (Guanziroli, 2001). Isto demonstra que os agricultores familiares, com menos crédito e em menor superfície, produzem mais que os grandes ou, em outras palavras, são mais eficientes no uso da terra e do capital. Essa vantagem vem do uso abundante de mão-de-obra (o que gera muito emprego, porém de baixa produtividade) e pelas características especiais do trabalho familiar.

A incorporação dos agricultores como público específico da política agrícola (PRONAF) resultou num aumento significativo do crédito rural alocado a este setor e da quantidade de agricultores beneficiados, como pode se observar na tabela seguinte:

Tabela 16: Valor do crédito PRONAF (custeio, investimento)

Ano Número de Contratos

Valor (R$ )

1995 S/i 89.961.000 1996 S/i 558.895.000 1997 S/i 1.408.067.000 1998 S/i 1.371.787.000 1999 802.000 1.830.554.000 2000 969.700 2.188.000.000 2001 910.400 2.153.000.000 2002 953.247 2.404.000.000 2003 1.138.000 3.806.000.000 2004 1.610.000 5.600.000.000 2005 1.454.000 5.370.000.000

Fonte: Internet. Site do MDA/SAF. 2006. Também foram aplicadas outras políticas tendentes ao fortalecimento da agricultura

familiar, como a própria política fundiária, que entregou terras a aproximadamente 600.000 assentados entre 1996 e 2004, e o crédito de infra-estrutura do PRONAF que beneficiou a aproximadamente 1000 municípios caracterizados como de baixa renda e de predominância da agricultura familiar. 9

Este aumento significativo dos recursos e das atividades do Estado em apoio a um segmento específico dos agricultores reacendeu o debate, novamente, sobre o papel dos subsídios no desenvolvimento rural.

Cabe assinalar, que os créditos do PRONAF tanto de custeio como de investimento embutem certo subsídio: no caso do PRONAF “A” que é o crédito aos assentados da reforma agrária, existe um rebate de 40% sobre o valor do capital, sempre que se efetuem os

9 Para uma avaliação de estas políticas consultar: Guanziroli, Buainain, Romeiro, Bitencourrt, Sabbato (2001) Agricultura Familiar e Reforma Agrária no século XXI. Garamond. Rio de Janeiro.

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pagamentos das prestações em dia, e nas outras linhas cobra-se um interesse nominal positivo que varia de 1% ao ano para os de menores rendas, até 7,25% para os do grupo E que têm rendas maiores. Esta taxa se transforma usualmente em negativa ao se descontar a taxa de inflação do ano e deve ser equalizada através de um subsídio específico que compara os rendimentos com os juros cobrados e a taxa SELIC vigente.

Deve ser lembrado, entretanto, que parte expressiva dos subsídios à agricultura dos países desenvolvidos tem como objetivo sustentar a agricultura familiar, manter as ocupações rurais e impedir o aumento dos fluxos migratórios para as cidades, e que este tipo de subsídio foi aceito pela OMC dentro das cláusulas que regulam a Caixa Verde da política agrícola dos países membros.

No Brasil, num contexto no qual a reforma agrária ainda não se efetivou, e os agricultores familiares ainda estão em fase de estruturação, os subsídios parecem necessários.

Não se deve descartar, no entanto, a possibilidade de introduzir algumas modificações na política agrícola de apoio à agricultura familiar, como por exemplo, a substituição dos rebates e subsídios por um “lump sum” a fundo perdido para desenvolvimento de infra-estrutura em regiões necessitadas. Isto pode ser mais inteligente e apropriado, já que separa o que é crédito do que é doação, deixando vigorar regras claras para cada um dos casos, evitando-se assim o papel não educador e distorcido do rebate no crédito. (Buainain, 1999).

Os clubes de poupança e/ou as cooperativas de crédito podem ser incentivadas a usar fundos oficiais e a gerar poupanças próprias como acontece no caso das cooperativas de crédito do grupo CRESOL (Crédito Solidário do Sul) atualmente funcionando no Sul do Brasil.

As normas para a concessão dos créditos passaram por importantes ajustes ao longo da implementação do programa, sendo a mais significativa a criação em meados de 1999 de grupos diferenciados de acesso aos créditos do PRONAF, permitindo que fossem adotados encargos financeiros diferenciados, com bônus e rebates para aqueles de menor renda. A classificação foi a seguinte: (i) Grupo A: assentados da reforma agrária (primeiro crédito para estruturação de suas unidades produtivas); (ii) Grupo B: agricultor familiar até então excluído das linhas de financiamento, com renda bruta anual familiar de até R$ 1.500, sem utilização de qualquer tipo de mão-de-obra não familiar; (iii) Grupo C: agricultor familiar com renda bruta anual entre R$ 1.500 e R$ 8.000 e podendo utilizar mão-de-obra de empregados temporários; e Grupo D: agricultor familiar com renda bruta anual entre R$ 8.000 e R$ 27.500 e podendo dispor de empregados temporários e até dois empregados permanentes.

Essa classificação sofreu alterações recentes incluindo o estabelecimento de novos grupos e mudanças nos limites para crédito diferenciado de custeio e investimento, para cada grupo. Com a nova classificação, permaneceram os grupos A, B, C e D, sendo que esses três últimos tiveram aumentados os limites de renda familiar anual bruta para acesso aos créditos: até R$ 2 mil, de R$ 2 mil a R$ 14 mil e de R$ 14 mil a R$ 40 mil, respectivamente. Foram criados mais dois grupos: o Grupo A/C refere-se ao primeiro crédito de custeio para as famílias assentadas da reforma agrária que já receberam financiamento do Grupo A, e o Grupo E (Proger Familiar Rural), abrange os agricultores com renda familiar anual bruta entre R$ 40 mil e R$ 60 mil, que passam a ter direito às linhas de crédito.

Houve ainda uma diversificação das atividades financiáveis, que passaram a incluir pequenas agroindústrias familiares, artesanato e turismo rural. Em outras palavras, orientou-se a concessão do crédito para atender às demandas da exploração familiar como um todo e não apenas às demandas para o exercício de uma única atividade, como normalmente ocorre no crédito rural. Atualmente, as linhas de crédito do Programa abrangem o estímulo à produção

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de alimentos básicos (PRONAF Alimentos); a construção de pequenas obras hídricas pelos agricultores da região do semi-árido (PRONAF Semi-Árido); crédito às mulheres agricultoras (PRONAF Mulher); crédito aos jovens que estiverem cursando o último ano em escolas técnicas agrícolas de nível médio, com idade entre 16 e 25 anos (PRONAF Jovem Rural); linhas de investimento para pescadores artesanais com renda familiar anual bruta até R$ 40 mil (PRONAF Pesca); plantio de espécies florestais e apoio à implementação de projetos de manejo sustentável de uso múltiplo, reflorestamento, sistemas agroflorestais e produção agroecológica pelos agricultores familiares (PRONAF Florestal e PRONAF Agroecología); aquisição de animais destinados à pecuária de corte (PRONAF Pecuária Familiar); recursos para o desenvolvimento de projetos de turismo em propriedades rurais (PRONAF Turismo); e PRONAF Máquinas e Equipamentos.

GRÁFICO 2PARTICIPAÇÃO DOS GRUPOS NO MONTANTE DO CRÉDITO RURAL DO PRONAF

BRASIL - 1999-2004

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

Grupo A Grupo A/C Grupo B Grupo C Grupo D Grupo E ExigibilidadeBancária

(semenquadramento)

1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: BACEN (Somente Exigibilidade Bancária), BANCOOB, BANSICREDI, BASA, BB, BN E BNDES. Dados inflacionados pelo INPC de dezembro de 2004.

Conforme foi visto acima, no Brasil foram acionadas uma série de políticas

modernizadoras que permitiram um desempenho excelente do setor do agronegócio. Existe ao mesmo tempo ainda uma dicotomia entre as políticas ligadas ao agronegócio patronal e as relacionadas com a agricultura familiar.

Na Europa segue-se um modelo semelhante de diferenciação entre os mesmo tipos de explorações: as comerciais (Pilar 1 da PAC - Política Agrícola Comum) e as familiares (Pilar 2 da PAC). A primeira corresponde às explorações viáveis economicamente e se associa às explorações de grande dimensão modernizadas e geridas para o mercado. A segunda é formada por pequenas e medianas explorações de tipo familiar que carecem de viabilidade econômica e cuja principal missão é a preservação da paisagem e de recursos naturais e que para sobreviver tem que estar fortemente subsidiada.

A estratégia deveria ser no sentido contrário, a de integrar as duas formas de produção. Sergio Sepúlveda do IICA (2005) aponta neste sentido, quando diz que a estratégia deveria ser a formulação de políticas que consigam que a agricultura e seus atores sociais se incorporem a processos de acumulação e desenvolvam, a partir de empresas integradas em

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cadeias de valor, vinculando à micro, pequena e media empresa rural em economias de localização e aglomeração.

Essa formulação implica em introduzir inovações na estruturação de mecanismos que facilitem a organização das pequenas e medias empresas para que alcancem relações favoráveis no mercado e que possam reter, no território, o máximo do excedente gerado. Isso fortaleceria tanto os vínculos entre a produção e a distribuição, como entre o rural e o urbano.

Segundo Sepúlveda (op cit) deve-se “promover a inovação para a inserção produtiva da agricultura familiar, através de processos de desenvolvimento tecnológico que articulem a geração de conhecimentos com a demanda da agricultura familiar, ao longo das cadeias; desconcentrar a propriedade fundiária e melhorar o acesso da população rural á terra, com políticas flexíveis, adaptadas às particularidades locais, garantindo o acesso a ativos produtivos em combinações que respondam à diversidade nacional, regional e local e financiar os negócios rurais, criando condições especiais de acesso para os pequenos e micro empresários, por meio de mecanismos institucionais que aproxime a oferta à demanda e de financiamento que vai alem do fomento da produção” (pp 6.)

Em síntese, a proposta consiste num conjunto de políticas orientadas a cadeias, territórios, instituições e atores sociais, que sistematicamente articuladas, gerem as sinergias necessárias para melhorar significativamente o emprego, a renda e os outros componentes da prosperidade rural.

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5- DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E AGRONEGÓCIO No Brasil até 1970, só era possível plantar soja no Sul, por ser um cultivo de climas

temperados e subtropicais. A tecnologia cumpriu um papel determinante no progresso do agronegócio no Brasil, com particular ênfase no caso da soja, permitindo que este produto se espalhe atualmente ao longo de estados da região Norte e Nordeste do país.

O Governo Brasileiro interessado na expansão da produção da soja criou em 1975, o Centro Nacional de Pesquisa de Soja, hoje Embrapa Soja que patrocinaria a instituição do Programa Nacional de Pesquisa de Soja, cujo propósito foi o de integrar e potencializar os isolados esforços de pesquisa espalhados pelo Sul e Sudeste.

Em pouco tempo, os cientistas da Embrapa Soja não só criaram tecnologias específicas para as condições de solo e clima do País, como conseguiram criar a primeira cultivar genuinamente brasileira, desenvolvendo germoplasma adaptado às condições tropicais e viabilizando o seu cultivo em qualquer ponto do território nacional. Isto permitiu que a soja produzisse em regiões tropicais (Cerrados), onde antes a planta não se desenvolvia. (Sanchez Roessing, 2005)

Além dos cultivares de soja a EMBRAPA Soja (2004) também desenvolveu as seguintes tecnologias:

• Técnicas de manejo integrado de invasoras e de pragas que possibilitaram redução sensível na quantidade de agrotóxicos utilizados no seu controle.

• Estudos sobre a nutrição da soja que resultaram em melhores manejos da adubação e da calagem e, a seleção de estirpes eficientes de Bradhyrizobium spp. Enriqueceram os inoculantes, substituindo completamente a adubação nitrogenada.

• Pesquisas com micronutrientes que indicaram a necessidade de sua utilização, particularmente nos Cerrados, para obterem-se máximos rendimentos.

• Trabalho sobre manejo de solos e rotação de culturas que resultaram na substituição quase total da semeadura convencional pela direta, com reflexos positivos na sustentabilidade dos sistemas produtivos.

• O zoneamento agroclimático da cultura desenvolvido pela Embrapa Soja que permitiu indicar as áreas mais aptas para a produção de soja no país.

• Novos cultivares que geraram sementes graúdas com alto teor de proteína, tonalidade clara do hilo e que confere boa qualidade organoléptica aos produtos de soja(QO); ausência das enzimas lipoxigenases (AL), conferindo sabor mais suave aos produtos de soja; teor reduzido do inibidor de trispsina Kunitz (KR), o que permite a redução de tratamento térmico e dos custos de processamento; e tamanho, coloração e textura de semente idéias para a produção de “natto”(PN-alimento fermentado japonês). Dentre as cultivares desenvolvidas para esse fim e que apresentam algumas das características citadas, destacam-se: BR-36(QO), BRS 155(KR), BRS 213(AL), BRS 216(PN),IAC PL-1(QO), UFVTN 101(AL), UFVTN 102(AL), UFVTN 103(AL), UFVTN 104(AL), UFVTN 105(AL), UFVTNK 106(AL,KR).

• Mais recentemente, diversas instituições vêm dedicando parcela considerável das suas atividades ao desenvolvimento de cultivares geneticamente modificado para tolerância a herbicidas pós-emergentes. Embora já estejam registradas no MAPA 41 cultivares tolerantes ao glyphosate, denominadas “Roundup Ready”(RR), tal registro é de caráter provisório, não as credenciando `a produção e comercialização, dado o impedimento legal de uso de organismos geneticamente modificados no Brasil

O tripé formado por sementes de soja rr (transgênicas), mais plantio direto e uso de

glifosato vêm sendo apresentado como a mais nova das inovações tecnológicas do século XXI

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na agricultura. Existem, no entanto, grandes dúvidas sobre os efeitos ambientais do uso das sementes transgênicas e questões pendentes de solução no que diz respeito ao impacto das mesmas nos custos de produção e na rentabilidade dos produtores.

Essa diminuição dos custos seria dada pela possibilidade de que a planta uma vez crescida deverá receber o glifosato, o que permite substituir os pesticidas pós emergentes e pós plantio por uma aplicação única de Roundap. Isto viabiliza também a utilização no plantio direto, já que não se aplica o pesticida pós emergente, reduzindo significativamente o trabalho de preparo e aração da terra. A princípio, portanto, haveria uma diminuição de uso de agrotóxicos (de duas para uma aplicação) e do custo de arar a terra.

Por outro lado, ao se comparar os herbicidas usados nas produções de soja transgênica e convencional, verifica-se uma situação ambígua: aparentemente apresentam maiores riscos de danos os agrotóxicos usados na soja convencional (fitotoxicidade), podendo afetar a produtividade.

Estes argumentos são questionados pelos ambientalistas, que dizem que a produtividade da soja rr começa a cair a partir do quarto ano de uso dessa tecnologia e que os custos também começariam a crescer anulando totalmente os ganhos obtidos nos primeiros anos. Um dos motivos estaria no pagamento dos royalties a Monsanto pelo uso das sementes.

Roesling e Lazzaroto num artigo recente (2005) fornecem dados de pesquisa de campo em alguns municípios típicos da atividade de cultura da soja que podem ajudar a clarificar essa questão. Comparando-se o custo variável por hectare da soja geneticamente modificada, no curto prazo, em relação ao da convencional, Roesling e Lazaretto (op cit) verificaram que ele tende a ser menor, com variações de -6,46%, em Palmeira das Missões, até 2,84%, em Sinop.

O custo variável da soja transgênica de médio prazo, em comparação com o convencional, na maior parte dos municípios estudados, também tendeu a ser menor, registrando-se diferenças que variaram entre -5,95%, em Palmeira das Missões, e 3,61%, em Sinop.

A soja transgênica de médio prazo tenderia a propiciar melhores retornos na maior parte dos municípios estudados pelos autores citados. Na média ponderada do País, a renda líquida da produção transgênica teria sido aproximadamente de 6,1% maior (US$194,8/há. contra US$183,6/há. ou US$4,0/sc contra US$3,8/sc).

Com base nos resultados econômicos, que podem ser obtidos nas produções de soja geneticamente modificada e convencional, os autores citados fazem as seguintes observações:

a) as estimativas demonstram que a adoção da soja transgênica pode trazer resultados econômicos distintos para as diversas regiões do Brasil. Além disso, apesar da soja geneticamente modificada, de modo geral, apresentar custo total ligeiramente menor, quando comparados os custos e a renda líquida decorrente das produções transgênica e convencional, estimou-se que não existem grandes diferenças entre esses dois tipos de produção de soja no Brasil;

b) as pequenas diferenças nos custos e na renda líquida, entre os dois tipos de produção citados, especialmente no médio prazo, ocorrem em virtude do pagamento da taxa tecnológica e da utilização de duas aplicações de herbicidas pós-emergentes na maior parte dos sistemas de produção de soja do País;

c) as despesas com herbicidas pós-emergentes são menores na produção transgênica pois, considerando o plantio de soja geneticamente modificada, na média ponderada brasileira, a redução no custo desses defensivos ficou estimada em 64,1% .

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Além dos fatores técnicos, têm entrado no debate, fatores de ordem política e econômica. Uma das principais críticas políticas à liberação dos transgênicos refere-se ao fortalecimento do monopólio da Monsanto no Brasil. Segundo a Greenpace (2003) esta empresa começou a penetrar o mercado de agrotóxicos no Brasil nos anos 50, e começou a sintetizar agrotóxicos no País duas décadas mais tarde. Em meados dos anos 90, a empresa se estendeu para o ramo de sementes através da aquisição de unidades de pesquisa e de processamento de soja, milho, sorgo e girassol de várias empresas brasileiras (por exemplo, a Agroceres e a FT/Monsoy) e norte-americanas (Cargill, DeKalb e Asgrow). A aquisição da Agroceres, da Cargill e da Braskalb deu à Monsanto uma participação de 60% no mercado brasileiro de sementes de milho híbrido em 1999.

Este espaço vem se ampliando em função do contrato de parceria firmado com a EMBRAPA em 2005 que permite a esta empresa incorporar ao seu produto a tolerância ao herbicida Roundup, da Monsanto.

Produto desta situação, segundo a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), a Monsanto aumentará para R$ 0,88 por quilo de semente transgênica, a título de royalties e pretende instituir uma taxa adicional por saca de grão produzida com sementes geneticamente modificadas. Com esse acréscimo, a cobrança aos produtores poderia chegar a R$ 1,20 por saca., ou seja o dobro da safra passada quando pagaram R$ 0,60 por saca produzida com sementes transgênicas.

A Monsanto informou a CNA que as cobranças serão feitas de forma independente e têm objetivos diferenciados. A taxa de R$ 0,88, segundo a empresa, é referente aos royalties cobrados por quilo da semente adquirida e será exigida pela primeira vez no Brasil. Já a “taxa de indenização” pelo uso não autorizado da tecnologia RR (Roundup-Ready), já aplicada na safra passada a um custo de R$ 0,60 por saca, será de 2% sobre o valor da saca no ano agrícola 2005/2006.

No entanto e apesar dos protestos de certos setores, o Governo legalizou o plantio de soja no Brasil através do Decreto nº. 5.591, publicado no dia 23 de novembro de 2005 no Diário Oficial da União. Com isso, o governo brasileiro afirma ter institucionalizado normas de segurança e fiscalização para a pesquisa, cultivo e comercialização de organismos transgênicos e reestruturado a CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – chegando ao final de um dos seus mais polêmicos conflitos políticos.

A pesar disto é grande o interesse de amplo número de agricultores brasileiros em adotar essa moderna tecnologia. A Fundação Mato Grosso Visionário estima que pelo menos 500 mil hectares foram plantadas em 2005/2006, o equivalente a cerca de 10% da área total com a soja transgênica (site FMT).

Esse interesse deve-se, em muito, às possibilidades vislumbradas pelos produtores em obter duas importantes vantagens adicionais em relação à produção convencional: maior facilidade na condução do sistema produtivo, especialmente no controle de plantas daninhas, e ganhos econômicos na produção.

Sempre que surgem tecnologias modernas ocorrem resistências de parte a parte, que devem ser levadas em consideração, mas em nossa opinião, não deveriam deter os esforços que vem sendo feitos, especialmente pelas instituições oficiais de pesquisa como a EMBRAPA, no sentido de buscar sua adaptabilidade e residência às condições brasileiras.

Deve se lembrar também que a EMBRAPA não trabalha exclusivamente sobre soja rr, e que está desenvolvendo biotecnologias para combate a pragas, novas variedades resistentes à seca, entre outras, que senão forem freadas, podem vir a transformar também a realidade da região Semi-árida do Brasil.

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6- PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO DOS CERRADOS E DA REGIÃO CENTRO - OESTE.

Conforme foi visto no capítulo 1 a região Centro Oeste possui características naturais em termos de relevo, temperatura, precipitações e exposição ao sol muito favoráveis ao desenvolvimento do agronegócio e, em particular, da soja. Essas características, entretanto, não seriam suficientes para garantir o desenvolvimento espontâneo da agricultura na região, sem a implementação de políticas específicas que permitissem “preparar” a região para a modernização agrícola. Tratava-se basicamente de “construir” solos aptos à soja substituindo-os por outros solos, com níveis de acidez aceitáveis. Precisava-se também adaptar os cultivares de soja as condições tropicais e gerar uma estrutura fundiária capaz de abrigar o novo modelo de produção.

Segundo a EMBRAPA (2004) a Região Central do Brasil foi favorecida pelos seguintes fatores:

- Construção de Brasília, gerando diversas melhorias na infra-estrutura da região; - Incentivos fiscais para abertura de novas áreas e para compra de equipamentos; - Estabelecimentos de agro-indústrias na região; - Baixo valor da terra na região nas décadas de 1960 a 1980; - Desenvolvimento de um bem sucedido conjunto de tecnologias para o cultivo da soja

em baixas latitudes com destaque especial para as novas cultivares adaptadas a essas condições

- Condições físicas e climáticas favoráveis ao cultivo da soja na região, dentre outros.

Nesta seção dar-se-á importância aos fatores relacionados aos incentivos fiscais ligados, deixando para uma seção posterior a análise das questões logísticas envolvidas.

Prevendo o boom que aconteceria décadas depois com a soja, em função da demanda crescente por este produto, vinda dos países asiáticos, o Governo Brasileiro, em cooperação com a agência de desenvolvimento japonesa JICA (Japan International Cooperation Agency), decidira transformar uma região clássica de latifúndio/minifúndio, dedicada a pecuária extensiva e leiteira, numa região de agronegócio, com base na cultura da soja e milho, principalmente.

Para isso era necessário transformar essa fronteira agrícola, que estava ocupada por outros modos de produção, numa região na qual pudessem atuar produtores de soja oriundos do Sul e de colônias Nissei que cultivaram soja com sucesso previamente a sua fixação na região tropical e que tivessem, portanto, um bom nível econômico e tecnológico.

Um dos instrumentos utilizados para atrair os agricultores foi o crédito ao investimento e custeio agrícola, com estímulos à incorporação de novas áreas ao processo produtivo, juntamente com a política de preços mínimos adotada entre 1970 e 1980 privilegiando com compras maiores via AGF e EGFs esta região.

Mas a principal atuação do Estado nesta região foi através dos diversos programas de colonização financiados e/ou incentivados desde o Ministério de Agricultura até os Governos Estaduais.

O primeiro responsável pela exploração agrícola intensiva no Cerrado foi o Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba - PADAP, implantado em 1973 pelo Governo do Estado de Minas Gerais, numa área de 60000 hectares, englobando municípios do Alto Paranaíba, onde foram formados 4 núcleos de colonização.

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O Governo mineiro gastou cerca de US$ 200 milhões na construção de estradas, centros rurais, armazéns e habitações; linhas de transmissão de crédito. (Silva, Leandra, 2000). Nessa época surgiram pólos de colonização (privados e públicos do INCRA) que depois viraram cidades importantes, como SINOP e Alta Floresta, por exemplo.

Dando seqüência a este programa, o Governo Federal criou em 1975 o POLOCENTRO como parte da ação regional do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) (1975-79). O objetivo era incorporar de forma produtiva aproximadamente 3,7 milhões de hectares de Cerrados (entre lavouras, pecuária e reflorestamento) nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e nas regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Alto e Médio São Francisco e Vão do Paracatu, todas nos estado de Minas Gerais (Silva, L, 2000).

Essas áreas receberam recursos para investimentos em melhoria da infra-estrutura, e créditos subsidiados. Tratava-se de linhas de crédito fundiário, de investimento e de custeio a taxas de juros fixadas em níveis muito reduzidos e sem correção monetária. Com a alta da taxa inflacionaria, e com os longos períodos de carência e prazos de pagamento, o crédito do POLOCENTRO tornou-se uma virtual doação aos seus mutuários (Silva, L op cit).

O POLOCENTRO foi bem sucedido em induzir a expansão da agricultura comercial no Cerrado. Estima-se que entre 1975 e 1980, o programa tenha sido responsável pela incorporação direta de cerca de 2,4 milhões de hectares à agricultura.

Silva (op cit) esclarece que foram beneficiados principalmente fazendeiros, proprietários de médios a grandes estabelecimentos. No período entre 1975 e 1982, no qual o programa esteve em vigor, foram aprovados 3.373 projetos, num montante total equivalente a cerca de US$ 350 milhões. Dos beneficiários, 81% operavam fazendas com área que variava entre 200 hectares e 1000 has, absorvendo 88% do volume total de crédito do programa. O programa teria fixado como meta que 60% da área explorada pelas fazendas fossem cultivadas com lavouras, sendo o restante destinado ao plantio de pastagens.

Para substituir este programa, que foi desativado em 1979, foi criado o PRODECER no início dos anos 80. O Programa é resultante do acordo de cooperação entre os governos brasileiro e japonês estabelecido em 1976, pelo então Presidente Geisel com a Japan International Cooperation Agency - JICA. No ano de 1979 foi criada a Companhia de Promoção Agrícola - CAMPO, uma empresa mista de capital público e privado, tanto brasileiro quanto japonês, que tinha como objetivo planejar, assistir e coordenar o PRODECER (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados) (Silva, L 2000)

Segundo dados do próprio programa (www.prodecer.gov.br) o montante de empreendimentos do PRODECER (Fases I, II e III) é de US$ 570.000.000,00 e o objetivo inicial era o de incorporar ao processo produtivo uma área aproximada de 350.000 hectares de Cerrados nos 7 (sete) Estados brasileiros: MG, GO, BA, MS, MT, TO e MA. Tabela 17: Áreas e valores destinados ao PRODECER em suas 3 fases. Estado Projetos Área Total Investimento Observações Minas Gerais 11 Projetos + 3 empresas 151.250 ha 239.000.000 P-I, P-II/P, P-

II/E M. Grosso Sul 1 Projeto 22.000 ha 26.000.000 P-II/E Mato Grosso 2 projetos 35.320 ha 50.000.000 P-II/P Goiás 3 projetos 30.000 ha 50.000.000 P-II/E Bahia 2 projetos 31.430 ha 67.000.000 P-II/P

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Tocantins 1 projeto 40.000 ha 69.000.000 P-III/P Maranhão 1 projeto 40.000 ha 69.000.000 P-III/P TOTAL 21 projetos 350.000 ha 570.000.000 OBS: P-I = Prodecer - I; P-II/P = Prodecer II - Piloto; P-II/E = Prodecer II - Expansão; P-III/P = Prodecer III – Piloto

O público beneficiário constituía-se de médios produtores rurais, com tendências associativas, capacidade de adoção tecnológica, tanto de produção quanto gerencial, espírito empreendedor e inovador, com condições de conduzir os projetos específicos à consecução dos objetivos estabelecidos para o Programa. A área média financiada ficou em 500 ha. aproximadamente, o que assemelha este sistema ao que vigora no Mid West americano (family farm).

Os Acordos de Projetos encerraram-se em 29/03/01, enquanto os de Empréstimos têm seu cronograma de amortização previsto para o PRODECER II até 2005 e para o III até 2014.

Foram implementados de fato os 21 (vinte e um) projetos nos estados de MG, GO, MS, MT, BA, MA e TO totalizando 353.748 (trezentos e cinqüenta e três mil e setecentos e quarenta e oito) hectares, beneficiando 758 (setecentos e cinqüenta e oito) colonos, nas culturas de Soja, Milho, Feijão, Algodão, Arroz, Trigo, Café, Frutíferas e Olerícolas. Existem 16.182 (dezesseis mil cento e oitenta e dois) hectares irrigados e 20.093 (vinte mil e noventa e três) irrigáveis. O Programa ocorreu em três fases distintas:

PRODECER I – 1979 a 1984 – MG

PRODECER II – 1985 a 1993 – MG, MT, MS, GO e BA

PRODECER III – 1995 a 2001 – MA e TO

A partir dos pólos iniciais surgiram novos assentamentos de agricultores, apoiados por cooperativas da região de fronteira agrícola do Cerrado, visando à formação de agricultura de médio porte com competitividade internacional.

Devido à topografia plana dos chapadões, que permitiam a mecanização, foi difundido um modelo intensivo de produção. As áreas das chapadas e chapadões no Cerrado antes dos Programas de Desenvolvimento possuíam menor valor, assim como as áreas de campos, ambas utilizadas para a pecuária extensiva.

O Triângulo Mineiro foi uma das áreas mais beneficiadas pelos recursos de infra-estrutura aproveitando as terras das chapadas da região que foram extremamente valorizadas. Tal fato propiciou o deslocamento das pequenas propriedades para as áreas de vertentes, uma vez que muitos proprietários das chapadas venderam suas terras a CAMPO e outros investidores da agricultura moderna (Silva, L, 2000).

Com isso, “a produção de grãos passa a ocupar a grande maioria das áreas de chapadas, implantando um modelo tecnológico de produção intensiva, interligando a agricultura às agroindústrias, à montante e a jusante, que passa a fazer parte do cenário da região...”, (Silva, 2000, pp 32).

Com a implantação do cultivo de grãos, intensifica-se o uso dos insumos agrícolas, aliados às tecnologias desenvolvidas, especialmente as áreas de Cerrado, tais como: o uso de máquinas e sementes selecionadas, a correção das deficiências químicas dos solos, além da utilização intensa dos herbicidas e inseticidas, agrotóxicos organofosforados e carbamatos. A chapada Uberlândia-Uberaba insere-se neste contexto. Atualmente o cultivo de soja e milho predomina na área no sistema de plantio direto - PD. Também é utilizado, mas em menor escala, o sistema de plantio convencional, Silva, L (2005)

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Como decorrência do desenvolvimento agrícola, tem ocorrido um forte crescimento da agroindústria. A evolução da indústria de óleo de soja incentivou a agroindústria pecuária, que utiliza o farelo da soja, associado ao milho, como seu principal insumo. Surge também a integração avícola que passa a se beneficiar da grande fornecimento de grãos dentro da região.

Como se pode observar, houve ação intencional do Governo Brasileiro (estadual e federal) de promover, incentivar e monitorar o desenvolvimento de uma região até então sumamente atrasada. Houve um custo para o governo brasileiro que se transformou em dívida com a agencia Japonesa e para os produtores beneficiados, que em parte se encontram inadimplentes em função das dificuldades financeiras enfrentadas nos anos 80.

Mas assim como outros pólos desenvolvidos pelo Governo, como por exemplo, o Pólo de Fruticultura de Petrolina Juazeiro, o resultado tem sido bastante satisfatório, tanto pelos empregos criados como pela expansão do agronegócio que foi possível graças a esta política deliberada de intervenção no desenvolvimento regional.

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7-IMPACTO DA LOGÍSTICA DE TRANSPORTES PARA O AGRONEGÓCIO. Conforme foi visto em capítulos anteriores a produção agrícola tem crescido para o

interior do país, para as regiões Norte e Centro-Oeste e algumas áreas do Nordeste, distanciando-se dos portos para acessarem os mercados externos. Por este motivo a questão da logística de transportes passa a ser de importância fundamental para viabilizar o prosseguimento da expansão do agronegócio no Brasil.

Martins (2005) destaca o impacto da deficiência na provisão da infra-estrutura no Brasil e extrema carência da logística pública brasileira nos indicadores de desenvolvimento regional.

O desenvolvimento dos sistemas de transportes não teria acompanhado as necessidades de infra-estrutura para apoiar os investimentos produtivos no Brasil. Segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) há 80 anos, o País conta com a praticamente a mesma malha ferroviária; pequena parcela (apenas cerca de 10%) das rodovias seria segundo essa fonte, pavimentadas, e destas, a maioria (mais de 80 %) estaria em precário estado de conservação; o potencial hidroviário é prejudicado pela localização geográfica dos rios, fora dos principais eixos econômicos e sem comunicação direta com o mar, e pela disseminação de hidroelétricas; o sistema portuário é bastante defasado tecnologicamente, implicando serviços caros e de baixa produtividade.

Segundo Caixeta filho, J.V. ( In Mora .et al 2004) o transporte rodoviário representa 60% das cargas, 20% é ferroviário e 15 hidroviário, existindo 160.000 km de rodovias pavimentadas contra apenas 30.000 de ferrovias. Mesmo assim a densidade é muito baixa, 19km de rodovias por 1000km2 versus 397 km por cada 1000 km2 em USA e 1491 na França . São Paulo teria a mais alta densidade com 109 km por cada 1000 km2. Na região Norte do país existem apenas 3,20 km de rodovias para cada 1000 km2.

Tabela 17 Matriz de transporte de Carga no Brasil (%) Modais 1996 1997 1998 1999 2000Hidroviário 11,5 11,6 12,7 13,2 13,9Ferroviário 20,7 20,7 20 19,6 20,9Rodoviário 63,7 62,9 62,5 62,3 60,4Outros 4,1 4,8 4,8 4,9 4,8Fonte: Ojima e Ramos, (2005) pp 7

Isto se reflete no chamado “Custo Brasil” que nos EEUU é, na parte portuária, de U$ 2 por t enquanto no Brasil é de U$ 7 por t. No transporte rodoviário varia dependendo do ponto de origem da mercadoria: Sorriso a Paranaguá: U$ 39,90 /t Balsas a São Luis: 17,26 e Cascavel a Paranaguá: 11,61 (Martins, op cit)

Isto faz com que seja necessária a utilização do modal rodoviário para o transporte de grande parte da produção de soja brasileira, mesmo quando se trata de longas distâncias. O problema desta predominância também se dá pelo baixo aproveitamento do transporte, pois um caminhão carrega cerca de 150 vezes menos soja do que uma composição ferroviária e cerca de 600 vezes menos do que um comboio de barcaças numa hidrovia como a do Rio Madeira. (Ojima e Ramos, 2005).

No modal ferroviário, o uso de vagões inadequados, somado à baixa qualidade e a pequena oferta de material rolante podem ser considerados as principais deficiências na infra-estrutura (Ojima, op cit)

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Já para o modal hidroviário o problema residiria, segundo Caixeta e filho (op cit) na baixa capacidade de intermodalidade e comboio, além de oferecer pouca atratividade de investimentos devido às barreiras ambientais. A demanda por transporte em hidrovias é freada também pela baixa disponibilidade de estruturas de armazenagem e oferta irregular do serviço, aliadas a condição imposta pela natureza, que se refere à localização geográfica de nossas bacias hidrográficas.

Os principais corredores de exportação segundo Martins (op cit) são os seguintes:

• Corredor do Rio Madeira: Mato Grosso por rodovia até Porto Velho, depois pelo rio Madeira até Itacoatiara e depois de navio.

• Ferronorte ferroviário: Mato Grosso pela Ferronorte até Santos. • Centro Norte corredor: Rio Araguaia (Goiás, Para) até Xambioa em Tocantins, depois

por estrada até Maranhão e finalmente pela estrada de Carajás até Itaquí em São Luiz. • Cuiabá Santarém: de Pará e MT até porto de Santarém.

Paraná Paranaguá: corredor hidroviário de MT até Cáceres em MT e depois para Argentina.

• Rio São Francisco, hidroviário de Juazeiro até Salvador e Petrolina e depois a o Suape.

Esses corredores ainda estão em fase de implementação ou de planejamento não tendo se convertido em algo real ainda, principalmente na parte hidroviária. “Restrições no que diz respeito à falta de investimentos na ampliação dos sistemas de transporte e falta de logística nos terminais e armazéns acumulam-se e favorecem a predominância do transporte rodoviário, caracteristicamente, de produtos de baixo valor agregado e para grandes distâncias, afrontando princípios da economia dos transportes no que diz respeito à matriz de transporte para países de tal dimensão territorial e especificamente de cargas com as características de commodities agrícolas”. (Martins op cit).

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8- MERCADOS DE TERRA E BOLSAS DE ARRENDAMENTO Os preços da terra influenciam, sem dúvida, o processo de expansão do agronegócio

no Brasil. Foi visto, neste sentido, que o custo da soja por hectare era mais baixo no Brasil que nos EEUU (Illinois) devido fundamentalmente aos baixos preços da terra que ainda vigoram em algumas partes do Brasil, principalmente nas regiões de fronteira.

Uma das formas de viabilizar a compra de terras no passado foi o crédito agrícola subsidiado. Devido à presença de subsídios no crédito rural, os bancos elevaram substancialmente as exigências de garantia para a concessão de empréstimos.

Uma dessas exigências era a de que o agricultor que pleiteasse empréstimos fosse o proprietário da terra. Esse fato, juntamente com a rápida expansão na disponibilidade de crédito agropecuário no período, fez com que aumentasse a demanda por terra agrícola e seu preço em termos reais. Criou-se também uma espiral especulativa ascendente no preço da terra (Santos, L, 2003)

A recessão dos anos 80, associada às pressões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, levou à redução na disponibilidade real de crédito rural, bem como, à eliminação gradual dos seus subsídios implícitos. Por conseguinte, amorteceu-se a tendência ascendente do preço real da terra agrícola.

Gráfico 3

Brasil: Evolução dos Índices de Preços de Venda de Terra de Lavoura em Junho e Dezembro de cada Ano - 1980 – 2001

(Base: Média 1980 - 1984 = 100 In Rezende 2003, página 25.

Rezende explica com base neste Gráfico que apresenta o comportamento dos preços de terra de lavoura para o Brasil no período de junho de 1980 a dezembro de 2001 exibindo “grande variação do preço da terra no Brasil nas conjunturas macroeconômicas em que o risco percebido das aplicações financeiras sofreu mudanças significativas, piorando (fazendo o preço da terra subir) ou melhorando (fazendo o preço da terra cair). Praticamente, todas essas conjunturas macroeconômicas coincidiram com os planos heterodoxos de combate à inflação: Cruzado (1986), Verão (início de 1989), Planos Collor I e II (inícios de 1990 e 1991) e Plano Real (1994)” (Rezende op cit, página 25)

A aceleração inflacionária ocorrida no país após 1973 e as dificuldades enfrentadas pelo governo nas suas tentativas de estabilização da economia transformaram a terra (tanto

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rural, quanto urbana) em importante reserva de valor. Via de regra, o valor da terra, em termos reais, aumentara com a inflação, o que resulta na ampliação da demanda por terra num ambiente inflacionário.

No momento atual a valorização está relacionada com a rentabilidade do produto. Vemos assim que entre junho de 2002 e junho de 2005 o preço médio das terras no país registrou taxa de crescimento de 63%, acima da inflação acumulada de 49% no mesmo período, pelo IGP-DI (Fonte: Folha de São Paulo, 27/07/2005).

A valorização crescente dos preços das terras agrícolas no Brasil pode levar à formação de uma "bolha" nos próximos anos. O valor médio das terras brasileiras em novembro de 2001 era de R$ 1.673 por hectare. No primeiro bimestre deste ano, a cifra passou para R$ 2.296, um aumento de 27%. No oeste da Bahia, na região de Barreiras, essa elevação atingiu 400% (Folha de São Paulo, op cit).

O lado negativo da alta do valor da terra é que ela pode aumentar a escala das propriedades e levar os pequenos e médios produtores a abandonar as regiões agrícolas favorecendo os grandes plantadores de soja e pecuaristas.

Segundo Rezende (2003) o aumento da produção de soja através do arrendamento temporário de terras tem sido uma saída razoável vis a vis o aumento tendencial dos preços da terra após 2001.

O arrendamento de terras de fato já acontece em estados como Rio Grande do Sul (arroz) e no Nordeste desde muito tempo atrás. Na região dos Cerrados, no entanto trata-se de uma atividade bastante recente.

Uma iniciativa pioneira na região que depois se espalhou pelo resto do país foi a Bolsa de Terras de Uberaba. Em l985 foi instalada a Bolsa de Arrendamentos de Terras, sistema que começou a integrar extensas áreas antes destinadas principalmente à exploração pecuária com base no trabalho de agricultores vindos, sobretudo do Sul do país.

O sistema funciona da seguinte forma: são identificados os proprietários que pretendem arrendar e um funcionário da bolsa caracteriza o tipo de terra, sua topografia etc. Basta que o candidato ao arrendamento se apresente na bolsa e esta propõe determinados tipos de contratos entre as partes. Mesmo assim, a negociação é livre. O preço do arrendamento pode variar muito entre regiões: na Alta Mogiana (SP) cobra-se, por exemplo, 12 sacas de soja por hectare, contra 6 em Uberaba (site da Bolsa de Uberaba).

Nas terras de cerrado, brutas, que exigem maiores esforços de desmatamento e de aplicação de calcário o arrendatário é costumeiramente dispensado de qualquer pagamento no primeiro ano. No segundo ano, o proprietário geralmente cobra o equivalente a 5% da produção obtida, passando para 10% no terceiro ano e 15% nos dois anos restantes (Fonte: Dinheiro Verde vol. 1 - número 5 nov. de 1989).

A idéia foi impulsionada pelo fiscal da Carteira de Crédito Agrícola da agência do Banco do Brasil em Uberaba, José Humberto Guimarães, hoje assessorando a Diretoria de Operações do banco em Brasília, a Bolsa de Arrendamentos começou a alterar os perfis agrícola, econômico e social do município. Em 85, Uberaba utilizava apenas 22% de seus 270 mil hectares de terras agricultáveis; com o advento da bolsa, hoje já são utilizados 105 mil (38%), com um incremento significativo principalmente na cultura da soja, como também nas culturas de milho e arroz (Fonte: Internet: bolsa de arrendamento de Uberaba). O sistema traz vantagens tanto para os proprietários arrendatários, como a limpeza de gleba, redução das despesas de manutenção e dos impostos incidentes sobre as áreas inexploradas, como para os

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parceiros ou arrendatários, que vem viabilizando sua permanência no processo produtivo sem ter que imobilizar recursos na aquisição de terras.

Além da Bolsa de Uberaba funcionam sistemas eletrônicos, com base no mesmo princípio, no Banco do Brasil e na Fundação Getúlio Vargas permitindo expandir a experiência a outros estados da federação.

Outras formas de acesso a terra para pequenos produtores e arrendatários estão sendo dadas pelo Sistema Nacional de Crédito Fundiário (ex Cédula da Terra) que funciona no MDA e pelos assentamentos de sem terra do INCRA.

Os sistemas de acesso a terra “via mercado” (Cédula da Terra e Crédito Fundiário) foram criados após se constatar que a desapropriação por interesse social, por exemplo, na maioria das vezes apresenta um percurso demorado e oneroso aos cofres públicos, sem contar que ela só pode ser aplicada em propriedades com mais de 15 módulos fiscais..

Esse mecanismo de aquisição de terras ganhou grande aceitação pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) especialmente com a implantação do Banco da Terra em 1998. Até o fim de seu mandato foram destinados cerca de um bilhão de reais para a implantação desse programa. O Banco da Terra teve suas atividades suspensas no início de 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) tomou posse como presidente da República. (Camargo, Cazella et al, 2005).

Após receber o financiamento, o beneficiário teria até 20 anos para saldar sua dívida, incluídos três anos de carência, com juros que variavam de 6 a 10% ao ano. Os agricultores que pagassem em dia suas prestações teriam o direito a rebates (descontos que incidem sobre os juros), sendo que seriam dados 50% de rebate aos financiamentos em regiões tidas como mais pobres (como o Nordeste, por exemplo) e 30% nas demais regiões.

Por meio deste crédito foram distribuídos, em seus quatro anos de aplicação, cerca de 955 milhões de reais para quase 55 mil famílias em todo o Brasil. Desse total, a maior parte foi destinada à região Sul do Brasil, que acabou ficando com 46% dos recursos totais (Camargo, et al op cit).

E dos três estados do sul, Santa Catarina recebeu mais do que os outros dois estados juntos, o que dá uma noção do que este programa representou neste estado. Por essa razão serão apresentados na seqüência alguns dos resultados da aplicação do Banco da Terra em Santa Catarina.

O novo programa de Crédito Fundiário traz muitas semelhanças com o Banco da Terra, dentre elas: o prazo do financiamento, que também é de 20 anos, com três anos de carência, o limite de crédito de 40 mil reais, a propriedade continua sendo garantia, o público a quem se destina (exceto que não especifica que os participantes de ocupação ilegal estejam excluídos do programa), entre outras. Mas o que mais chama atenção são as diferenças entre eles, a começar pela estrutura.

No entanto a diferença mais significativa fica a cargo das condições de financiamento. Enquanto que no Banco da Terra o agricultor arcava com todas as despesas, no Crédito Fundiário os recursos para implantação da infra-estrutura e dos projetos produtivos (habitação, energia, rede de água, perfuração de poços, assistência técnica, financiamento para implantação inicial da atividade rural a ser explorada, bem como a manutenção da família durante os primeiros seis meses do projeto, entre outros) não são reembolsáveis.

Camargo (op cit) mostra que as taxas de juros cobradas também foram reduzidas variando de 3 a 6,5% a.a. Apenas com essa mudança um agricultor que obtivesse o empréstimo de R$ 30.000,00 pagaria em 20 anos o equivalente a R$ 46.427, 74, ou seja, cerca

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de R$ 9.087,00 a menos do que pagaria com o Banco da Terra (R$ 55.514, 83). Esse valor fica ainda mais reduzido com os bônus de adimplência conferidos aos que efetuarem os pagamentos até os respectivos vencimentos. Também na proposta do Banco da Terra havia esse benefício, concedido de acordo com a região do País, porém incidia apenas sobre os encargos financeiros (juros). No caso do Crédito Fundiário, incide também no principal de cada parcela, barateando ainda mais o valor das parcelas.

O financiamento pode ser coletivo ou individual, de acordo com a linha de crédito específica. No caso das linhas Combate à Pobreza Rural e Nossa Primeira Terra, os recursos para os projetos de infra-estrutura e comunitários não são reembolsáveis. O prazo de pagamento é de até 17 anos com taxas de juros entre 3,0 e 6,5% a.a., de acordo com o valor financiado. Esse valor pode chegar a R$ 40 mil por beneficiário, dependendo da linha de crédito.

No Brasil, estima-se que, apenas nas áreas inferiores a 15 módulos fiscais, existam atualmente mais de 40 milhões de hectares ociosos, que podem ser transferidos a agricultores familiares por meio do Programa Nacional de Crédito Fundiário.

Entretanto há algumas restrições para o financiamento da compra da terra. As áreas não podem estar situadas em reservas indígenas ou em áreas protegidas por legislação ambiental e que estejam em situação regular. Também devem ter preços condizentes com os de mercado e apresentarem condições que permitam o seu uso sustentável.

A descentralização é outro eixo do Crédito Fundiário. O programa é da União, mas Estados, Municípios e sociedade civil têm participação efetiva, através de organizações não governamentais, conselhos e outras formas de organização social. A descentralização garante a integração com as ações de programas locais de desenvolvimento, como infra-estrutura, educação, saúde, saneamento, combate à pobreza e ação social. (MDA, 2005)

O Programa Nacional de Crédito Fundiário, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), atendeu em 2005 quase oito mil famílias que conseguiram crédito para comprar a própria terra. Desde 2003, o programa já beneficiou 23 mil famílias de pequenos agricultores.

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9- IMPACTO DO AGRONEGÓCIO NO MEIO AMBIENTE. Existe nos meios governamentais e não governamentais uma preocupação crescente

com o avanço da soja em cima da fronteira agrícola, e em particular de regiões da Amazônia Legal. Como vimos anteriormente e é de domínio geral, a soja, que começara no sul do país (Rio Grande do Sul e Paraná) vem se expandindo de forma acelerada. No início dos anos 80 estava sendo plantada em Goiás e Mato Grosso, seguiu depois para o município de Barreiras na Bahia, avançou na década de 90 por todo Mato Grosso e Tocantins chegando inclusive a Maranhão (Balsas) e Piauí. E mais recentemente, entre 2000 e 2004 entrou no estado de Pará, pela região sul deste estado.

Além da expansão territorial a soja comprime as áreas de floresta dos estados onde já estava sendo plantada, limitando-as a sua mínima expressão, acontecendo freqüentemente o plantio até nas margens dos rios que assim são ameaçados de assoreamento. Ao encostar-se à região amazônica (Pará e Mato Grosso) começam a se acirrar os questionamentos sobre o risco que pode vir a existir no sentido de agravar o processo de desmatamento já em curso da floresta amazônica, como revela a tabela que segue:

Tabela 18: Desmatamento da Amazônia Estados Da Amazônia 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99 99/00 00/01 01/02 02/03(*)Acre 1208 433 358 536 441 547 419 727 549Amapá 9 18 30 7 4Amazonas 2114 1023 589 670 720 612 634 1016 797Maranhão 1745 1061 409 1012 1230 1065 958 1330 766Mato Grosso 10391 6543 5271 6466 6963 6369 7703 7578 10416Para 7845 6135 4139 5829 5111 6671 5237 8697 7293Rondônia 4730 2432 1986 2041 2358 2465 2673 3605 3463Roraima 220 214 184 223 220 253 345 54 326Tocantins 797 320 273 576 216 244 189 259 136Amazônia 29059 18161 13227 17383 17259 18226 18165 23266 23750Fonte: INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) 2005 (www.inpe.gov.br)

O dado de desmatamento para 2004 é 26.1300 km2. Essa área corresponde aproximadamente à metade do tamanho do estado de Rio de Janeiro. Ou seja, cada ano se desmata meio Rio de Janeiro na Amazônia.

A derrubada de árvores da floresta tropical na região Norte em 2004 é alarmante. De acordo com estudo do Sistema de Proteção da Amazônia (Sivam), o desmatamento é crescente, tendo havido um aumento de 16% na área desmatada no sul do estado do Amazonas no ano passado. O desflorestamento saltou de 6.926 para 8.238 quilômetros quadrados. Na Amazônia Legal como um todo — que engloba, além de todos os estados da região Norte, ainda o Maranhão e o Mato Grosso —, teria havido aumento de 6% na área desmatada. O estudo do Sivam revela, contudo, que em todos os municípios situados ao Sul do Amazonas o desmatamento cresceu. Apenas dois deles, Pauini e Eirunepé, tiveram taxa abaixo da média da região. (Correio Brasiliense, 2/07/2005). Uma das teorias sobre este desmatamento diz que é causado por atividades especulativas, ou seja, compra de terras para fins de valorização, como reserva de valor. Mas essa teoria vem sendo refutada recentemente com base no argumento que os ganhos produtivos seriam maiores que os especulativos. Se for assim, temos que expansão da pecuária na Amazônia e as outras atividades produtivas como a soja, algodão, arroz e milho seriam as causadoras do desmatamento recente, via queimadas, o que pode ser mais perigoso.

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Os autores desta linha de pensamento (Rezende 2005), no entanto, dizem que “o crescimento da produção de soja não deve, de qualquer maneira, ser visto como antagônico à política ambiental, especialmente no que se refere à floresta amazônica porque a expansão da área plantada teria acontecido, preponderantemente, com base em conversão de pastagens, é possível dizer, afinal de contas, que essa expansão recente de área plantada “intensifica” ainda mais o processo de crescimento agrícola brasileiro, ao contrário do que parece à primeira vista”. (Rezende 2002, pp2).

Este argumento desconhece que a pecuária e as pastagens que se instalaram previamente cumpriram a função de desmatar e preparar a terra para o posterior ciclo agrícola. Sendo assim, o processo de desmatamento tem que ser visto como um sistema que tem fases diferentes e não como algo antagônico (pecuária versus agricultura). A pequena produção que se instalara de forma espontânea na região amazônica nos anos 70 cumprira também um papel pioneiro de abertura da fronteira, criando pastos para a posterior instalação da pecuária.

A influência do processo migratório sobre os desmatamentos ocorridos no Norte brasileiro, no período em análise, também, pode ser vista através da relação com o aumento da lavoura temporária, que entre 1970 a 1975, duplicou (97%). Bentes (2005) com base nas estimativas populacionais do IBGE, mostra a face invisível do desmatamento, na Amazônia, a uma taxa de 14,5% ao ano, coincidindo com a maior intensidade do fluxo migratório para a região. Foi o desmatamento feito por pequenos agricultores para lavouras temporárias. Esse período de grande acréscimo nas áreas de lavouras temporárias traduziu-se em maior utilização dos recursos naturais de forma predatória, na qual predominam as queimadas e o desmatamento.

O desmatamento para uso produtivo acarreta o uso intensivo de agrotóxicos nas áreas desmatadas. A grande dificuldade é que, para a utilização dessas áreas desmatadas, representadas, sobretudo, por capoeiras em diversos estádios, torna-se indispensável a aplicação de insumos modernos e de mecanização, o que leva a um aumento nos custos de produção agrícola, a curto prazo (Rezende, G, 2002).

Silva L(2002) revela que estudos científicos realizados no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, áreas de atuação direta do POLOCENTRO e PRODECER, teriam demonstrado os efeitos nocivos da agricultura intensiva ao meio ambiente através das contaminações químicas provocadas pelos defensivos agrícolas nos solos e nas águas dos córregos e rios que cortam as chapadas, e que em muitos casos são as fontes de abastecimento de água das cidades dessa região. (Silva, L, 2002).

Rezende (op cit), no entanto traz uma contribuição importante quando ele sugere que a gestão do território deveria contar com zoneamento econômico-ecológico, como instrumento de planejamento do uso dinâmico do território, a partir da identificação de diferentes níveis de sustentabilidade e vulnerabilidade que permitem prognosticar sobre comportamentos futuros diante das diversas alternativas do uso do território. (Rezende, 2002).

Nesse sentido pode se observar que o incentivo a cultivos permanentes (pimenta do reino, cacau, etc) aliado a uma produção leiteira, pode viabilizar o desenvolvimento econômico da população da região através de atividades que respeitam a floresta (Romeiro, et al 1996). Da mesma forma, a atividade de seringa, que é extrativista, não afeta a floresta e gera rendimentos consideráveis para seus produtores.

A monocultura desenvolvida de forma persistente sobre o mesmo território acaba aumentando a resistência das pragas aos praguicidas existentes e desenvolvendo novas pragas para as quais não existem venenos suficientemente poderosos. A monocultura da soja gerou

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nematóides e outros fungos em Mato Grosso, onde já se percebe o aparecimento de áreas degradadas e abandonadas após longos períodos deste plantio.

Nos últimos anos houve o surgimento de uma nova e agressiva doença na soja: a ferrugem asiática, causada pelo fungo Phakopsora packyrhizi, que tem se tornado um dos mais relevantes problemas para o agronegócio dos principais países produtores de soja da América do Sul, onde se destaca o Brasil. Isso porque pode acarretar acentuadas perdas técnicas e econômicas, refletindo negativamente na rentabilidade do produtor e na própria economia local.

A primeira constatação da ferrugem asiática foi no Paraguai e no Estado do Paraná, em 2001. Nos anos seguintes, disseminou-se rapidamente por todo o Brasil, Paraguai, Bolívia e partes da Argentina, causando, assim, grandes prejuízos ao agronegócio desses países (EMBRAPA, 2004).

A Embrapa (2004) diz que inicialmente foi considerada uma doença de final de ciclo e ignorada por técnicos e produtores. Mas na safra de 2002/2003, observaram-se sintomas de ataque da ferrugem asiática no meio do desenvolvimento da cultura em grande parte das regiões produtoras do Mato Grosso. A manifestação do fungo foi favorecida pela condição de alta umidade. Além disso, o descaso no controle do fungo nas safras anteriores também favoreceu a manifestação do fungo nas lavouras. Everaldo e Osaki (com dados de Yorinori) estimaram uma perda de 3,4 milhões de toneladas de soja e o custo de controle da ferrugem em US$ 1,16 bilhão em 2002/2003. Já na safra 2003/2004, Everaldo e Osaki constatam que a ferrugem atingira 70% da área brasileira cultivada. (Everaldo Jr e Osaki, 2005).

O Sistema de Alerta da Embrapa Soja já recebeu cerca de 250 confirmações de focos de ferrugem feitas por laboratórios integrantes do Consórcio Antiferrugem, iniciativa público-privada capitaneada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA.

A ferrugem asiática da soja é uma doença bastante agressiva, mas se manejada adequadamente tem controle. “Com monitoramento e precisão no diagnóstico, é possível evitar redução de produtividade, elevação do custo de produção ou mesmo aplicações desnecessárias de fungicidas no meio ambiente”, explica o pesquisador Ademir Henning, da Embrapa Soja.

No entanto a verdadeira causa das pragas, que é a falta de diversificação, não é sequer citada nos documentos da Embrapa.

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9- PAPEL DAS GRANDES EMPRESAS E COOPERATIVAS NO AGRONEGÓCIO: Embora não se pretenda realizar um estudo aprofundado e completo da estrutura de

produção e comercialização da soja no Brasil, cabe alinhavar alguns dados que ilustram como funciona o sistema.

A estrutura fundiária gerada pela sojicultura é menos concentrada que a tradicional no Brasil. Para se ter uma idéia, na década de 1980, o percentual de propriedades que plantavam soja no Rio Grande do Sul e que possuíam menos de 50 hectares era 67% do total. Este percentual que é bastante alto se comparado com outros produtos, diminui em 1990 para 59,5% do total. As propriedades médias também recuaram, mas ainda representam uma parcela bastante expressiva tanto da área plantada como da produção. (13%) (Brum et al 2005). Ou seja, houve um aumento de escala de produção horizontal, isto é, via aumento da área cultivada, o que indica que a região tendeu a se especializar na produção de grãos, apesar da introdução da diversificação agropecuária, mas a base da estrutura de produção de soja no Brasil permite a coexistência de médios e grandes produtores com certo número de pequenos também, quase todos eles do tipo familiar.

A concentração maior, no entanto não se registra na produção, mas na comercialização e processamento do produto que é o que rende os maiores lucros.

Embora exista certo espaço para as cooperativas, Brum (2005) mostra que, mesmo neste setor, está em marcha um processo de concentração. Na década de 1980, havia 28,5% das cooperativas que comercializavam entre 5.001 e 10.000 toneladas anuais. Outros 21,5% foram encontrados na faixa entre 50.001 e 100.000, e também na faixa acima de 100.000 toneladas. Nos anos de 1990, já havia 23,5% comercializando no mercado interno acima de 100.000 toneladas de soja anuais enquanto que as que vendiam entre 5.001 e 10.000 toneladas se reduzem a 17,6% do total.

Essas cooperativas se dedicam em sua maioria ao mercado interno sendo que apenas 5 cooperativas vendiam ao exterior na década de 1990.

De fato, a maior parte da comercialização tanto doméstica como para o exterior, vem sendo operada por empresas privadas, que são as que concentram de fato o negócio da soja e seus subprodutos no Brasil.

A integração vertical e horizontal de empresas agropecuárias começa a caracterizar de forma definitiva o agronegócio no Brasil. Segundo Farina (2003) três forças interligadas – consolidação, multinacionalização e concorrência crescente, têm marcado o mercado de alimentos no Brasil. A tabela que segue mostra isso claramente:

Tabela 18: Rateio de Concentração no setor de agronegócio no Brasil: faturamento bruto da empresa/ faturamento total do grupo

1994

1996

1999

2000

2001

Nestlé 5.42

Nestlé 5.25 Nestlé 6.04 Nestlé 5.45 Bungea 7.59

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Copersucar

5.00

Copersucar 3.22 Cevala 4.03 Bungea 5.20 Nestlé 6.03

Ceval 3.53

Ceval 2.70 Sadia 4.03 Sadia 3.69 Cargilla 4.78

Santistaa 3.28

Santistaa 2.45 Cargilla 3.91 Cargilla 3.52 Sadia 3.85

Sadia 2.89

Sadia 2.38 Perdigão 2.49 Perdigão 2.20 Copersucar

3.75

Frigobrás 1.68

Cargilla 1.92 Parmalata 1.98 RMBa 1.68 Perdigão 2.99

RMBa 1.68

Perdigão 1.49 Santistaa 1.98 Parmalata 1.55 Unilevera,b 2.54

Perdigão 1.62

Parmalata 1.47 Kraft Lactaa

1.33 Kraft Lactaa

1.09 Coamo 1.67

Yalota 1.51

Sadia Frigobrás

1.43 Ariscoa 1.31 Fleishmanna

1.08 Parmalata 1.44

Cargilla 1.50

RMBa 1.29 Nabiscoa 1.21 Aurora 0.87 Fleishmanna

1.24

Total (CR10) 28.08

Total 23.60

Total 28.28

Total 26.32

Total 35.89

Fonte: Extraído de Farina (2003) página 6

Pode se verificar na tabela anterior que o grupo das 10 maiores empresas de alimentos no Brasil, que em 1994 obtinham 28,08% do faturamento bruto do setor, passaram em 2001 a concentrar 35,89% do mesmo. Fica evidenciado também o acelerado crescimento de uma empresa como Bunge, que em 1999 era de pouca expressão no Brasil, e já em 2001 passa a controlar 7,59 % do mercado de alimentos.

Segundo site da empresa BUNGE “A Bunge Alimentos manteve a liderança na originação de soja (compras do produtor), seu processamento e a exportação em 2003, garantindo a posição de maior exportadora do agronegócio brasileiro.”

Essa concentração se expande a outros setores da economia. Segundo informações da própria empresa (site da empresa) “a soma das exportações das controladas da Bunge Brasil – Bunge Alimentos e Bunge Fertilizantes, empresas líderes nos setores em que atuam – representaram 2,75% das exportações brasileiras. Com esse volume de exportações, a Bunge Brasil pode ser considerada a terceira maior exportadora do País, com vendas externas superiores a R$ 7,1 bilhões, 54% em relação a 2002, tendo sido o crescimento de vendas para a China como um dos principais fatores”.

O impacto do crescimento do agronegócio se reflete na posição conquistada pelas grandes empresas agrícolas no contexto das maiores empresas brasileiras de todos os setores.

A BUNGE passou a ser em 2004 a quarta empresa brasileira em termos de faturamento atrás somente da PETROBRAS, Vale do Rio Doce e EMBRAER. Em seqüência entre as grades figuram várias outras empresas agrícolas como a Cargill (6a) , Aracruz Celulosa (9a) , SADIA (13%) e Perdigão (20%).(Revista Exame: as maiores e melhores).

Na região Sul do país as empresas relacionadas ao agronegócio ocupam diretamente as 4 primeiras posições entre as maiores empresas (Bunge, Sadia, Perdigão e COAMO).

Na fruticultura também se registra concentração semelhante. Na região do Pólo Fruticultor de Petrolina Juazeiro, onde se destaca a produção de manga e uva para exportação várias indústrias/empresas dominam o mercado. Dentre as principais indústrias, destacam-se: Agrovale (açúcar, álcool e manga); Fruitfort e Curaçá Agrícola (manga); Carrefour – Labruinier, Vale das Uvas e Orgânica Vale (uva); Grupo Queiroz Galvão – Fazenda

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Timbaúba (uva e manga) e CAJ (uva e manga); Grupo Special Fruit – Sueme (uva e manga); Fazenda Brasiuvas (uva); e, Fazenda Nova Fronteira Agrícola (manga). (Ortega, 2005).

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10- CONCLUSSÃO Foi possível verificar, neste trabalho, o avanço notável dos principais sistemas de

produção agrícola no Brasil entre 1980 e 2004. Conformou-se um setor de produção com indústrias a jusante e a montante, e de produção dentro das porteiras que é responsável por 26% do PIB Brasileiro. As estatísticas mostraram um forte crescimento da soja, do milho, algodão e da produção de carnes, que são produtos que possuem vantagens comparativas internacionais relativamente grandes. Superou-se, na última safra, o patamar dos 110 milhões de toneladas de grãos, sendo que soja produzida atingiu os 50 milhões de toneladas.

Os dados do IBGE revelam também que, parte desse sucesso, deve ser creditada ao segmento dos agricultores familiares, que é responsável por 37,9% do PIB agropecuário do Brasil.

No período recente (2001-2004), a diferença da década anterior, o crescimento da produção se deu mais por aumento da área plantada do que por aumento de rendimentos físicos. Houve expansão de plantios de soja, por exemplo, em Estados não tradicionais em cereais como Bahia, Piauí, Maranhão e inclusive Pará, no Amazonas Legal. O Centro Oeste e Mato Grosso em particular foram às áreas com maior expansão absoluta entre 1980 e 2004.

Entre os fatores que geraram as condições prévias necessárias para que se concretizasse o boom do agro negocio nos anos 90 no Brasil cabe destacar os seguintes:

a) Papel da intervenção de setor público na geração de tecnologia apropriada aos Cerrados Brasileiros: cabe citar as variedades de soja adaptadas aos climas tropicais desenvolvidas pela EMBRAPA-Soja, as tecnologias de recuperação de solos com grande acidez dos Cerrados , as variedades de frutas tropicais (manga e outras) adaptadas ao semi-árido nordestino brasileiro que permitiram que alguns produtos, como a manga, entrassem nos Estados Unidos na contraestação do México (exemplo), a erradicação do bicudo nos cerrados, etc.

b) Papel do setor público na criação de condições de infra-estrutura, geração de recursos humanos e adaptação de recursos naturais na região dos Cerrados: i) Plano chamado POLOCENTRO e depois PRODECER (CERRADOS) Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso nos anos 70 e 80 para destinar terras, de forma subsidiada, a colonos gaúchos e descendentes de japoneses, que serão os que, posteriormente, produzirão a transformação dos cerrados por meio de módulos médios de tipo “family farm” (500has, em média). Desenvolvimento de um sistema de Bolsa de Terras para arrendamento na região de Cerrados, com centro em Uberaba, que permitiu continuar o processo de incorporação de terras e produtores ao setor do agronegócio.,ii) Financiamento a fundo perdido de estradas ligando o Centro Oeste com os Portos e de infra-estrutura de adutoras e barragens no Rio São Francisco nos anos 70 o que permitiu a instalação dos perímetros irrigados para plantio de espécies frutíferas (Nilo Coelho, Bebedouro, etc) na região do semi-árido Nordestino.

c) Redesenho do sistema de crédito em função da necessidade de adaptar o país a crise fiscal e aos “constraints” gerados pelas exigências das organizações internacionais de comércio (OMC, Mastrich, etc). Cabe destacar: i) A evolução do processo de mudança do sistema de crédito subsidiado e

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preços mínimos com estoques de governo para um sistema de letras (PEP, CPVA, Cédulas, CDA e Letras), com ou sem entrega de produto, reguladas por mercados futuros, ii) Resolução da crise de endividamento de finais dos anos 80 que tinha sido criada pelas diferenças entre as taxas de inflação e as taxas de juros cobradas aos agricultores. A solução encontrada foi a de um sistema de securitização que alongou os prazos e condições de financiamento das dívidas dando seguridade ao setor privado para que este pudesse se aventurar no novo boom de agronegócio, iii) Criação de uma linha de financiamento de máquinas agrícolas com subsídio nos juros (MODERFROTA) que permitiu introduzir milhares de colheitadeiras e tratores de última geração na região dos Cerrados e linhas de financiamento para a agroindústria, outorgadas pelo BNDES com juros de longo prazo, iv) Implantação de um sistema de financiamento da agricultura familiar (PRONAF) que permite fortalecer setores fracos da agricultura familiar com capacidade empresarial, etc.

d) Aumento da concentração empresarial no segmento de comercialização e processamento de alimentos com o surgimento de grandes empresas privadas e conglomerados, nos setores de produção de aves, carnes bovinas e grãos como a BUNGE e BORN, SADIA, PERDIGAO, CARGILL, FAZENDAS REUNIDAS, etc, algumas de capital nacional e outras estrangeiras. As empresas do setor aviário introduziram formas modernas de organização da produção, entre elas, a integração vertical com agricultores familiares, o que permitiu reduzir riscos e aumentar a lucratividade dos empreendimentos.

e) Avanços nas negociações internacionais, devendo-se destacar o triunfo brasileiro no pleito do algodão junto a Estados Unidos, o que abre um mercado promissor para Brasil nesta área.

f) Sobrevalorização cambial que permitiu, num momento, o barateamento dos insumos químicos importados (entre 1994 e 1998) com o que se conseguem aumentos de rendimentos significativos nesta época, e desvalorização cambial entre 1999 e 2003 que incentiva uma expansão importante da área plantada (com crescimento menor da produtividade). Os agricultores brasileiros buscaram aproveitar os lucros extraordinários dados pelo aumento do valor da moeda local (real) em relação ao dólar e pelo aumento dos preços internacionais dos grãos em função do aumento da demanda proveniente de China. Houve também um cambio no perfil da demanda dos consumidores brasileiros (e dos países asiáticos) ocasionado pelo aumento da renda nos anos 90 dos setores de renda mais baixa em função do fim da inflação. Isto ocasiona um aumento de demanda de artigos de consumo baseados em carnes que antes eram menos consumidos. Inaugura-se, de alguma forma, nos anos 90 um novo período na economia brasileira, caracterizado por um viés menor contra a agricultura, e por um abandono gradual da política de substituição de importações e de industrialização forçada do país, que vinha sendo aplicado até então. Isto viabiliza uma ênfase maior no apóio a agricultura, seja pela via cambial ou pelas outras citadas antes.

g) Incentivos diretos e indiretos ao aumento da produção nos anos 90 ocasionados pela queda do preço da terra. Em função do fim da inflação (antes o fator terra era usado como hedge antiinflação), o preço da terra cai, viabilizando a entrada de novos agricultores. A pressão dos movimentos sociais e a ameaça de desapropriação para fins de reforma agrária por parte do

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Governo Federal (INCRA) se a terra se mantivesse ociosa e improdutiva fez com que muitos fazendeiros vendessem, arrendassem ou colocassem suas terras em produção. Tudo isto induz a um aumento de produção. A diminuição dos subsídios ao crédito produto da crise fiscal os anos 80, provocou uma virada maior no sentido de produzir e um abandono progressivo das atividades especulativas na agricultura (caso Cana de Açúcar no Nordeste e Norte Fluminense com o fim do subsídio ao álcool e pecuária extensiva nos cerrados) uma vez que estas atividades não podiam subsistir num cenário de crédito escasso e falta de liquidez monetária.

Este modelo, no entanto, não está isento de problemas e limitações que podem frear a expansão do agronegócio no futuro. Cabe citar, entre elas as seguintes:

a) Problemas ambientais gerados pela expansão exagerada e desordenada das plantações de soja junto a rios, lagoas e florestas no Centro Oeste, e desmatamento de regiões de fronteira com Amazônia para implantar pastagens visando desenvolver a pecuária. Novas pragas surgidas (ferrugem asiática) em função da persistente atividade monocultora, e novos pesticidas a serem aplicados para combatê-las.

b) Preços agrícolas internacionais que começam a cair e cambio no Brasil sobrevalorizado, permitem prever colheitas menores em 2006 e 2007.

c) Desemprego na agricultura apesar do boom do agronegócio: trata-se de modelo que emprega pouco e que ocasiona um esvaziamento das áreas rurais. A pobreza rural diminui pouco apesar do boom enorme das exportações agrícolas, o que não gera expectativas de desenvolvimento rural positivo e sustentável.

d) Pouca ou nula integração dos modais de transporte formado por hidrovias, ferrovias e rodovias, ocasionando uma excessiva dependência do transporte rodoviário. Infra-estrutura de estradas e armazenamento em estado muito precário o que complica o escoamento das safras, principalmente do centro Oeste e , Norte e Nordeste.

Em suma, foi possível perceber que o desempenho do agronegócio no Brasil está longe de ser um mero produto das forças de mercado, pelo contrário, foi o Estado Brasileiro que se antecipou a este boom e criou as condições necessárias para o mesmo acontecesse. Foram construídos novos solos na região dos Cerrados, desenvolveram-se variedades especiais e substituiu-se o sertanejo tradicional da região por colonos com profissionalismo e know how capazes de dar conta do modelo integrado produção de soja e aves que está sendo implantado na região.

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