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Agenda Libertária Série: Semeando Socioeconomia - nº 5

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Introdução 3

O Ser e a Realidade 5

O mundo que herdamos 8

O direito de discordar 10

Deixemos que o desejo alimente a esperança 13

A face oculta do progresso 17

Agenda para viver de outra maneira 20

Sumário

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Ficha Técnica:

PACS - Instituto de Políticas Alternativas para o Cone SulRua Joaquim Silva, 56 - 8º andar Lapa

Rio de Janeiro, RJ. 20241-110Tefax.: (2xx21) 2252-0366

C.Eletrônico: [email protected]ítio Polo de Socioeconomia Solidária: www.socioeco.org

Série: Semeando SocioeconomiaNº 5 - Agenda Libertária

Equipe Técnica:Marcos Arruda, Sandra Quintela, Ruth Espínola Soriano

e Robson Patrocínio

Autor:Orlando Núñes S.

Tradução para portugês:Elena Pires Ferreira

Projeto Gráfico: Ilustrações: Gabriela Caspary Corrêa André Brito

Apoio:Fundação Ford

Fundação para o Progresso HumanoChristian Aid

Trocaire

Ficha Bibliográfica

N316.323N973 Nuñez Soto, Orlando, 1948-Agenda Libertária. Rio de Janeiro: PACS,

2001.48p. (Semeando Socioeconomia, 5).

1. Sociedade. 2. Economia. 3. Filosofia. 4. Gênero. I. Autor. II. Título.

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"Agenda Libertária" o título é bastante sugestivo.O texto mais ainda!

O autor, o nicaragüense Orlando Núñez, sociólogo edoutor em economia política pela Universidade deParis, elaborou-o a partir de uma série de debatescom estudantes, camponeses, trabalhadores autôno-mos, sindicalistas, etc. e nos brinda com uma desa-fiante agenda para vivermos de outra maneira; talqual o intuito desta série e da própria socioeconomiasolidária.

As questões colocadas de maneira poética e radicalnos inspiram a pensar onde estamos e para ondequeremos ir. A agenda foi escrita no fim do séculopassado. Está sendo publicada no Brasil no segundoano do século XXI,após o 11 de setembro de 2001.Pensamos que é o tempo certo, pois, parece que apósessa data os desafios são, todavia, maiores. Urgerefletir ainda mais profundamente sobre nossas práti-cas e formas de como construir uma sociedade liber-tária; o de como se desprender da herança patriarcal;do grande bazar que virou o mundo; de relações

instrumentalizadas pelos interesses materiais, políti-cos imediatos.

Já não é suficiente fazermos bem o que está postona agenda política progressista. A mudança é de pa-radigmas! Eis o eixo que devemos ter para o debate,para a ação política e para o trabalho de transfor-mação pessoal. Que paradigmas são esses? Que eixo éesse? Vocês não vão encontrar respostas, fórmulasprontas nesta instigante publicação. Encontrarão sim,pistas, indicações, reflexões sobre o mundo que her-damos e, principalmente, na última seção desta pu-blicação uma AGENDA PARA VIVER DE OUTRA MANEIRA,Certamente ela irá inspirá-l@s a - cotidianamente -construir e renovar esses paradigmas.

La lucha continúa!

Sandra Quintela, janeiro de 2002

Introdução

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A tradição libertária anticapitalista e antiburocrática esteve presente nos momentos de crise e de trans-formação ao longo do século recém-terminado. Junto com a política, entendida como gestão do inte-resse comum, aquela tradição levantou a bandeira da ética, entendida como ação solidária, e cultivou

a estética, entendida como a expressão sensível dos sentimentos e o gozo das expectativas. A militância socialdas gerações libertárias foi praticada alternando com a música, o humor e o amor, levando assim a revoluçãoao âmbito da vida cotidiana. Seja esta Agenda uma homenagem a sua tradição e um voto a sua permanênciaem nossas vidas.

Nicarágua, fim do século

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Em seu infinito movimento, o universo cria a simesmo e criou, em seu percurso no tempo e noespaço, a consciência de sua própria evolução: o serhumano. Assim sendo, o que chamamos de consciên-cia só poderia ser a expressão, processada pelo serhumano, da criação do universo à imagem e seme-lhança de si mesmo e em cada momento de suaexistência.

O Ser e a Real idade

Você e eu, nós, vocês, eles e elas, nosso trabalho,nossa percepção, nossa linguagem, nossos sentimen-tos e nossas ações, somos o ser de nossa existência.Nossas relações e o mundo que lhes serve de cenárioconstituem a realidade à qual nós também pertence-mos: matéria-prima e companheira inseparável paradesfrutar e sofrer a nossa existência.

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A cada dia, em cada século e em cada milênio, oser se defronta com a realidade que o cerca, prontoa enriquecer a si mesmo enriquecendo-a, ou impo-tente e subordinado à petrificação de seu ponto dechegada nesta longa viagem planetária. Este últimoparece ser o signo do século que se apaga e doseguinte que apenas se atreve a nos mostrar algumascentelhas de seus próximos incêndios.

Em cada geração encontramos seres dominados eamargurados pelos pecados das gerações anteriores,nos martelando os ouvidos com as preces do fim domundo, da história ou das esperanças, chamando-nosao arrependimento pela insensatez de nossosantepassados: Adão e Eva, Sodoma e Gomorra, omundo Dionisíaco ou carnavalesco, os jogos proibidosde crianças e adolescentes, as ingênuas utopias e asinsurreições sangrentas, as emancipações temeráriase as aventuras perdidas, os intercâmbios inúteis e odesperdício dos carnavais.

Novos pastores e novos filósofos, inventando novaslinguagens empenham-se em sufocar os antigos eteimosos impulsos libertários das novas gerações, cla-mando aos gritos ou em silêncio as fórmulas restau-radoras e a obediência cega às instituições herdadas:a família patriarcal, o individualismo possessivo, acompetição e o lucro, a ansiedade consumista, a

domesticação escolar, a erudição especializada, ademocracia liberal, a economia de mercado, a domi-nação individual e a subordinação social, a incomuni-cação urbanística e a comunicação alcoolizada, aarte suicida e a solidão deprimida, a pós-moder-nidade filosófica e a amargura literária, as religiõessolteiras e os partidos passivos, enfim, o mundo doseleitos e o mundo dos marginalizados, dentro de umasociedade onde todos vivemos condicionados.

Em cada momento de sua jornada o ser se ilude como brinquedo herdado, pretendendo que ele seja eterno,sem se dar conta de que tal descuido o transforma emum renegado que resiste em continuar acomodadocomo está à servidão ou à prisão que lhe serve de lar.

Os outros mandamentos de uma realidade entro-nizada1 são os preconceitos contra as outras pessoase nossos complexos individuais, a segurança dodogma que orienta nossa conduta, a insegurançatravestida de vaidade e de soberba, a megalomaniadisfarçada de erudição, a censura que disciplina odesejo insatisfeito, o ciúme possessivo ou a imagemculpada diante do cônjuge, o medo da emancipaçãoe o horror ao desencanto, os lares fabris encarrega-dos de reproduzir soldados, trabalhadores e valorespara um sistema que a todos devora e engole, enfim,o vazio lacerante da emoção reprimida .

1- entronizada: no trono

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O nível mais externo da realidade cidadã nos obri-ga a sobreviver em cidades muradas e casasgradeadas, em ruas sem calçadas e pedestres semproteção, em bairros sem parques e praças semdiversão, sufocados em transportes que andam àvelocidade da violência e da poluição, amontoadosem quartos promíscuos onde o barulho se alterna como rádio e a televisão, sofrendo as conseqüências deleis e dispositivos que administram a injustiça, afraude e a corrupção, impotentes diante umaimpunidade revestida de imunidade, nos auto-explo-rando com horários prolongados e direitos diminuí-dos, enfim, todos os dias empenhados e todos os diasdecepcionados, sem poder nem sequer imaginar quepoderíamos viver de outra maneira.

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Quando o ser se asfixia, as lembranças boas e a au-tonomia da memória o levam a tratar com despeitouma realidade que não reconhece como sendo sua.Não importa quanto tempo aquela realidade tenhasobrevivido e quanto dano tenha causado.

Neste momento, a família continua sendo a célula demaior coesão entre todos os tecidos sociais, mas aomesmo tempo também a molécula mais egoísta entre

aqueles coletivos de natureza afetiva (etnia, religião,nação) que competem pela felicidade de seus mem-bros, evitando o olhar além de suas paredes e corações.Enquanto isso, o amor que tudo gera e multiplica, senega, após uma lua-de-mel, a seguir colaborando eempreende vôo à medida que a rotina cotidiana cor-rompe os amantes e o lar se transforma em empresareprodutiva.

O mundo que herdamos

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O mundo se transformou em um Grande Bazar ondereligiões e ideologias, filosofias e discursos, imagens evalores, desejos e projetos são vendidos, mas feliz-mente para nós e lamentavelmente para seus nego-ciantes, cada vez a vontade e o dinheiro para comprartanta mentira diminuem mais. Deixemos então queseus artesãos e publicistas consumam sua própria mer-cadoria e continuem provando o sabor de seu fracasso.

A fome e a peste, a guerra e a morte, multiplicamapocalipticamente seus cadáveres e a competiçãodos defuntos acelera o crescimento e democratiza acarniça. Felicidades! Aí nós permitimos de fato que ovírus da degeneração ganhe o jogo e povoe os campose jardins, aqueles mesmos que hoje transformamosem túmulos e desertos. A religião e a moral, a políti-ca e a ciência, a indústria e o mercado nasceramcomo espaços e artefatos humanos para gerar o bemcomum em benefício de um bem individual genera-lizado. Com o passar do tempo, a civilização compe-titiva e patriarcal os transformou em administradoresprivados da força e da riqueza, desta vez em benefí-cio do poder e do capital.

O crescimento incessante aborta o bem estar e oconsumo tardio devora a reprodução da vida. Para queo Produto Interno Bruto (PIB) cresça, o crescimento sus-tentado da produção e do lucro tira o pão da boca decada criatura recém-nascida. A crise recorrente delegitimidade, governabilidade e desequilíbrio finan-

ceiro, os problemas gerados pelo crescimento e pelaconcentração excludentes, mas sobretudo a crise deidentidade que aflige as velhas gerações desgastam diaapós dia as reservas materiais e ideológicas da ordemherdada e asfixiam sua própria reprodução.

Tanta utopia ensaiada e tanta coragem esbanjadanão merecem ser lembradas se o Ter, o Tomar e oPoder continuam sendo a bússola de nossos instintose a ética dos civilizados. Tanta paz e tanta tranqüili-dade não merecem ser reproduzidas se as vítimasperderam o direito de lutar pela erradicação de seuscarrascos.

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Até agora o ser foi um macho enjaulado ou um vio-lador violento que, pretendendo impregnar a realidadecom sua morfina multiplicadora, acabou por subordinara humanidade inteira. Seduzir não tem sido seu ofícionem sua virtude, tampouco o gênero masculino de tan-tos deuses a seu favor conseguiu melhorar sua compor-tamento. Terá que ser a mulher das próximas gerações

quem que nos ajudará a discordar da realidade patriar-cal. Uma mulher com rosto de criança indígena, demarginalizado sem terra, de trabalhador sem emprego,de povoados saqueados e culturas arrasadas.

Discordar da realidade herdada é nos emanciparmosde nós mesmos e nos entrosar com o espaço e o tempo

O direito de discordar

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que esperam servir de barro para construir e escalaroutros momentos de uma nova realidade. Discordar éser fiel ao mandamento primitivo de continuar a dançalibertária da existência navegando entre ritmos musi-cais, grávidos de assombro e de novas sensações.

Aos meninos e meninas, nosso sorriso para que conta-giem com a sua brincadeira a atitude de cada habitanteda terra, transformando a competição em turnos defantasia para viver de outra maneira. Meninos e meni-nas que viverão grande parte de sua infância comendo,bebendo e dormindo nas escolas de sua comunidade,brincando, estudando e trabalhando com suas mãos esua imaginação.

Às mulheres, nossa confiança para derrotar o reino docapricho fálico2 e para fazer com que a ternura se filtrepor entre todas as pernas, humanizando nossa espécie.Mulheres que decidirão sobre seu corpo, gerando ouabortando, em consenso com seu amante, a vida desuas entranhas; mulheres que registrarão na lista deseus direitos, o direito ao orgasmo compartilhado.

Aos jovens, nossa esperança para que construam emcada bairro uma casa para encontros, usufruindo porum tempo de um idílio3 sem projeto e de mil poses semcensura, uma relação sem hábito, um amor sem vio-lência, entregando à sua comunidade a energia exce-

dente para construir lares coletivos onde a adolescên-cia desfrutará a infância da nova humanidade.

Aos trabalhadores, o poder e a sabedoria para que osvalores de troca se transmutem em valores de uso,através da gestão democrática das empresas. A cadageração, o compromisso de redistribuir a terra e a ri-queza evitando sua concentração.

À arquitetura, a visão para desenhar a transformaçãodessas celas urbanas onde hoje as colméias familiaresse reproduzem sem sabor convertendo-as em espaçosabertos de convivência jovial. À ecologia, o ânimo pararejuntar a biodiversidade e encher de frutas e flores aterra perfurada pelas máquinas do produtivismo lucra-tivo. Aos poetas, a sensibilidade para incinerar oveneno que impede o prazer e a glória.

Aos professores e estudantes, a responsabilidade dediscutir e propor soluções para os problemas da reali-dade que afligem seus contemporâneos. Aos jornalis-tas, intelectuais e artistas, a coragem para informar edesmascarar, democratizar o debate e cultivar ainteligência emocional.

Aos policiais, o trabalho remunerado pelos impos-tos de cada comunidade, para registrar o surgimentodas novas relações, para informar sobre o andamento

2 - fálico: representação gráfica do pênis adorado por antigos como símbolo da fecundidade da natureza.3 - idílio: amor poético; suave, entretenimento amoroso, galanteio.

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das novas situações, para velar pelo respeito dosnovos cidadãos.

Você e eu podemos dar início à estocada final e àcelebração, preparando com os demais companheiros aúltima tragédia da primeira comédia: a agonia, o funer-al e o sepultamento da civilização dominante, repressi-va, alienante, depredadora, espoliadora da vida e deseus amantes. Comecemos, então, este diálogo, semreservas nem vergonha, sem mentir para nós mesmosnem nos culpar, sem nos ferir nem aborrecer, aceitan-do perder a razão mas não a calma, a pele mas não adignidade, o corpo mas não a alma, a paixão mas não ocarinho, as bandeiras compartilhadas mas não aamizade, a juventude mas não o entusiasmo, a vida defato é necessária, mas não a calamidade de desertardos ideais que amenizaram a festa para a qual todos etodas fomos convidados.

Não importa que nos julguem ou nos condenem àmorte como dissidentes empedernidos4 da ordem, doprogresso e do desenvolvimento, que enterraram tan-tos guerreiros; superemos o medo e empreendamos amãe de todas as batalhas: a guerra sem quartel con-tra o passado que alimenta o inconsciente de nossasdebilidades; revisemos nossos velhos e retorcidos dis-cursos até perdê-los de vista; reneguemos os símbo-los inumanos, até seu desconhecimento total. Vamos,pois, celebrar nossa última jornada contra a apatiaherdada e o egoísmo ferrenho, contra a insensível

impotência de chorar pela infelicidade ou regozijar--se pela felicidade de um sentimento alheio, semtemor de confessar perante quem quiser saber que aluta diante do poder será uma luta sem quartel con-tra toda forma de poder.

4 - empedernidos: petrificados, endurecido.

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ideais, que sua crítica inconseqüente nos aborreça aoextremo; mas não deixemos que as próximas ilusõesdividam o nosso coração. Não comecemos, portanto,nem você nem eu, a nos render tão cedo; a velhatoupeira não parou de arar o futuro e, em cada gera-ção, a brincadeira e a música, a festa e a amizade, apoesia e o amor, a arte e a paixão continuam em eter-

Abandonar o debate e a ação política é refugiar-sena atomização do mercado e entregar às cúpulas reli-giosas, políticas ou intelectuais o patrimônio do tra-balho comum e das iniciativas sociais. Aí, de fato,eles deixam que a doutrina se transforme em dogmanas mãos da igreja, que os aparatos políticos trans-formem as velhas ideologias em responsos de seus

Deixemos que o desejo al imente a esperança

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na confrontação, encontrando muitas outras razõespara viver de outra maneira.

Como nos velhos tempos da humanidade, a identi-dade de cada nova geração se bate na busca, na cria-ção e no exercício do impulso primitivo de emanci-pação: energia sem conteúdo formado, informaçãoque se arrasta comendo as migalhas de herançasancestrais, formas de adaptação disseminadas aosabor das sucessivas complexidades. Não poderemosnos abstrair; todos estamos envolvidos: a civilização,o sistema e os regimes aguardam a estocada final.Agucemos, então, aquele modo festivo de pensar,sentir ou trabalhar e bailemos ao som da liberdade,da igualdade e da fraternidade. Reabilitemos os vín-culos afetivos, sejamos sérios sem hipocrisia eempreendamos o mandamento eterno de mudar, noslivrando do peso institucional que nos oprime.Desencadeemos de novo o entusiasmo e vamos tentara sorte no combate; logo veremos quem sairá ilesodas próximas batalhas: nós, ou as instituições.

As tarefas prioritárias de um projeto alternativo aomercado capitalista, ao monopólio do poder e aomachismo mantêm ainda a inércia dos velhos valorese dos velhos objetivos. A democracia política iniciadacom a Revolução Francesa no século XVIII, hoje é umademocracia para destruir a corrupção governamen-tal, o oportunismo dos aparatos políticos, o cinismodas igrejas, enfim, a frase alugada da filosofia que

coloca a linguagem antes do silêncio da vida. Hojeem dia, a teimosa democracia política se envergonhade suas velhas infantilidades e se enriquece com anova democracia cotidiana no interior da família edas relações pessoais. Tampouco a insolente e, paramuitos, incômoda democracia econômica, iniciadacom as revoluções socialistas do século passado,perdeu força ou energia, a qual, abandonando osaparatos caducos da burocracia senil ensaia, aindaque timidamente, o empoderamento dos traba-lhadores e de suas organizações econômicas, fazendoo seu caminho através de cada elo do circuitoeconômico e empenhando-se na captura do exce-dente que lhe escapa através do mercado.

E para aqueles que ainda sentem necessidade deprolongar eternamente sua existência e que desejamgozar em vida o sabor doce e amargo da transcen-dência, os convidemos a provar, como nas geraçõesprimitivas, a gratificação espiritual através darelação afetiva com o outro e os demais, tal comofizeram nossos antepassados com a comunhão, aamizade, a simpatia, a ternura, o respeito e a devo-ção, enfim, a convivência comunitária que conduz anosso favor o prazer e a dor, a alegria e a tristeza, aluta e a reconciliação.

Qualquer programa de ação que se queira fazerdeveria levar em consideração as experiências acu-muladas dos velhos combatentes em sua longa bata-

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lha, suas contradições externas e suas fraquezasinternas; e sem deixar-se impressionar pelos arrepen-didos de sempre ou pelas reformas restauradoras dosvelhos renegados.

Os esforços revolucionários do século passado,baseados no poder dos aparatos, foram recuperadospela cultura patriarcal, burguesa, burocrática,desenvolvimentista e etnocêntrica, mas foram tam-bém abortados por não reciclar a tempo sua própriadegeneração. O controle social na União Soviética, aautogestão na Iugoslávia, ou o sindicalismo social-democrata na Europa foram derrotados ou neutrali-zados pelo mercado capitalista mundial, pelo buro-cratismo excludente e pela discriminação étnico-cul-tural, mas também pelo medo e por comodidade pes-soal de muitos de seus dirigentes.

Sabemos que as novas revoluções serão cada vezmais difíceis; umas com novas agendas, outras comagendas desconhecidas e algumas sem agenda; acada dia que passa as bandeiras serão mais abun-dantes e os revolucionários mais escassos. As emanci-pações serão cada vez mais complexas, mas cada vezmais integrais e terão que conquistar o direito detransitar pela história descendo de seus pedestaispolíticos e incorporando-se à vida cotidiana.

Uma infinidade de valores que as revoluções ante-riores não puderam agendar no seu devido tempo,encontram-se hoje nos arquivos da cultura subversivados povos. Sobressai em primeiro lugar, escolhida porseu impacto e sua promessa, a rebelião do corpo, es-pecialmente o feminino, contra seus carrascos desempre. Marcando o passo encontra-se a música ou aaceleração do movimento rítmico, sacudindo as re-servas neurocerebrais, confinadas nas memóriasprimárias de festas e bacanais. Longos dias e longasnoites de festa onde, junto com a pólvora da guerra,também brilharam os fogos artificiais.

Sem competir com a política nem distrair-se com otrabalho, a beleza esteve igualmente presente, semoutro sentido que o do gozo reservado à reproduçãoda alegria. Objeto hoje de incursões subversivas coma intenção de provocar a afloração de velhas e ame-nas reminiscências5 ou a seduzir apetites clandesti-nos, capazes de contagiar as almas mais recatadascom sua força e sensualidade, essa mesma belezamantém em sua memória a marca legendária de suasmais proibidas maneiras de viver.

Todas estas manifestações que desafiam a ordemcarregam o selo do ócio6 que desterra o produtivismoutilitário, do prazer que disputa com os pecados capi-

5 - reminiscências: aquilo que se conserva na memória; lembrança vaga.6 - ócio: 1) descanso do trabalho, folga, repouso; 2) tempo que se passa desocupado, lazer; 3) preguiça, moleza; 4) trabalho men-

tal ou ocupação suave.

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tais, da luz que desafia o conteúdo das sombras, dossons que reproduzem os movimentos caóticos, daconfiança entre corpos que não conhecem outro códi-go a não ser a melodia compartilhada.

Esperemos que estes âmbitos, o social (político eeconômico) e o lúdico (festivo e sensual), se aproxi-mem um pouco mais e consigam em seu nobre afã7

emancipatório completar no outro os vazios involun-tários ou temerosos de suas próprias limitações. Se aarte perdeu a inspiração para ser esperança de felici-dade, que não seja nostalgia de um mundo morto quenão tem porquê carregar. Se a coruja perdeu a forçapara continuar tentando voar, que não impeça que asgaivotas possam voar em bando. Se a ejaculação virilnos deixou o vazio, não deixemos que o prazeresqueça o erotismo de seus doces anos de mocidade.

7 - afâ: 1) vontade, ânsia, entusiamo; 2) ambição; 3) pressa; 4) cansaço, fadiga.

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Na verdade, ninguémtem obrigação de utilizar esta agendanem de repetir este decálogo; sua pretensão é ape-nas suscitar o debate. Se alguém quer divertir-se cri-ticando cada item, seja bem-vindo, sempre e quandoo fizer com bom humor, sem envenenar a alma eperder a compostura.

1. O ódio do macho envenena a vida cotidianaTodos e todas carregamos um lastro cultural que se

entranhou nos principais valores e em todasas instituições do poder estabelecido, começandopela monogamia patriarcal, lugar onde o pai faz edesfaz do coração e das tripas da mulher e da prole,e termina na moral da culpa e no sacrifício subordi-nado. Não somos contra a família, mas preocupadoscom essa escola de pequenos ditadores treinados naviolação e na impunidade, na castração e no ressen-timento, exatamente onde o amor bebe na fonte dodomínio e da subordinação.

A face oculta do progresso

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2. A política transformou-se no monopólio do poder, a economia no monopólio dos recursos e a cultura no monopólio do conhecimento

O burocrata monopoliza o cargo, o macho monopo-liza o prazer, o intelectual monopoliza os símbolos, oempresário monopoliza os recursos materiais e opolítico monopoliza os princípios. A hierarquia econô-mica, política e cultural transformou-se na ditadurasobre os ingênuos e no suplício cotidiano das pessoashumildes. A autoridade do cargo e o monopólio legalsobre os aparatos converteram-se em prisão para asalmas livres, soberanas e independentes

3. A sociedade civil apenas resiste, seduzida pelas instituições que negam suas potencialidades

A sociedade civil sofre os embates do egoísmofamiliar, do lucro empresarial, do hegemonismo daclasse política e dos valores da resignação e do opor-tunismo. Os poderes transnacionais se propuseram aprivatizar o governo nacional, os partidos, as agre-miações, os sindicatos, as cooperativas, as ONGs e asdemais associações. A participação cidadã transfor-mou-se em colaboração cidadã exercida por fun-cionários na folha de pagamento dos órgãos de con-sulta e e de mediação. O discurso político transfor-mou-se no verdadeiro ópio que os dirigentes, mora-listas e apologistas do jargão pós-moderno utilizampara domar essa força de mil cabeças que a todosexplora e humilha. Quanto mais escrevemos, maisexistem analfabetos que não nos lêem.

4. O mercado, o capital e o desenvolvimento debilitam as pessoas, as nações e a natureza

No reino do mercado, a religião, a ética, a política,a economia e as relações sociais em geral são reguladaspela mão invisível do capital. Na sociedade capitalista,desenvolvimento é crescimento, crescimento é acumu-lação, acumulação é concentração, concentração éexclusão. Portanto, o desenvolvimento realmente exis-tente, entendido como crescimento, enriquecimento,empobrecimento e depredação reina sobre a resig-nação dos condenados e o deserto da natureza.

5. A privatização do Estado e da NaçãoA privatização do Estado e de todas as suas insti-

tuições, assim como a privatização da Nação e detodas as suas organizações, é o resultado do culto àglobalização. A mercantilização de todos os serviçose de todas as responsabilidades está acompanhadapela maior investida colonial das empresas transna-cionais. A classe político-empresarial, com a bençãodo clero católico mais reacionário, rompeu o pactosocial original, constitutivo do Estado, transformandoa administração em um aparato repressivo a serviçodo mais forte, do mais rico e do mais hábil.

6. Os trabalhadores continuam produzindo a riqueza,enquanto a classe especulativa organiza o saque e reproduz a pobreza

Neste momento, os trabalhadores, os camponeses, asmulheres e os pobres geram e reproduzem os exce-

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dentes que outros consomem. Mais de 90% da riquezaatual são produto de todo o trabalho acumulado pelahumanidade ao longo da história. A civilização do tra-balho converteu-se em uma fraude para iludir os tra-balhadores e enriquecer os exploradores.

7. A escassez de valores de uso e a abundância de mercadoriasNão há dúvida de que não só de pão vive o homem,

mas sem pão se morre. Levamos quinhentos anos pro-duzindo mercadorias para a metrópole e cada vezproduzimos menos alimentos para nós. A mercadoriaenriquece um pedacinho do mundo, mas empobrecea maior parte restante. Quanto mais produção demercadorias, maior a exploração. Quanto mais crescea economia, mais fome a nossa população sofre emais os nossos filhos se desnutrem.

8. A desvalorização de nossos valores espirituaisOs valores se desvalorizam e se transformam no dis-

curso da farsa que tudo permite, comprando-os e ven-do-os ao preço do dia. Os mandamentos foram aprendi-dos para compensar seu não-cumprimento e o discursosobre os valores converteu-se em instrumento paralegitimar o desprezo pelo outro. A repetição dos dog-mas alimenta as crenças e agora somos mutantes quepensamos sem sentir, agimos sem pensar e vivemos semsermos afetados pelo que se passa à nossa volta. Todasas referências axiológicas8 morreram, só resta incó-lume9 o fetichismo e o consumismo que nos embeleza eque droga a nossa classe média.

9. Um governo policial e tributárioDo governo só resta a polícia para proteger os ban-

cos e cobrar os impostos. As instituições públicastornaram-se independentes da sociedade e os fun-cionários transformaram-se em parasitas, queenriquecem às custas do saque tributário. A vidapública continua emaranhada e manipulada pelos fiosdo voto sem sentido em que cada geração repete adivisão eleitoral de seus antepassados, em meio a umbloco a fantasia onde a maquilagem dos candidatossubstitui o conteúdo dos programas.

10. Só restam as fábricas-nações endividadasPrimeiro separaram o homem da mulher, o bem do

mal, a história da geografia, para melhor nos subor-dinar; depois nos dividiram em classes e nações paramelhor nos explorar e governar. Agora as nações con-verteram-se em propriedades ou fábricas onde ocapital da metrópole extrai grande parte da mais-valia mundial gerada pelas populações proletarizadasda periferia globalizada. Quinhentos anos exportandoouro, "cultivando" a sobremesa que a metrópolenecessitava (café, açúcar, rum, banana e cacau) eentregando, como tributo à civilização que nos con-voca através dos programas da televisão colonial,cotas periódicas em troca de interesses financeiros eganhos comerciais.

8 - axiológicas: relatico aos estudos dos valores.9 - incólume: livre do perigo; são e salvo.

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O direito de viver de outra maneira é o principaldireito humano; seu ponto de partida é o bem-estare a felicidade e seu único indicador, ao mesmo temposubjetivo e objetivo, é o grau de generalidade noqual o bem-estar e a felicidade reinem em cadacomunidade.

1. Erradicar as relações de domínio, subordinação, culpa e agressividade, tanto no pensar quanto no sentir e no agir

a) Impedir toda relação possessiva no seio da família,as relações de casal ou as relações de amizade. Seja-mos fiéis ao sentimento e não ao pensamento do outro;

b) Substituir sentimentos de culpa e agressividade

Agenda para viver de outra maneira

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por sentimentos de respeito e camaradagem. Se nãoaprendemos a chorar sozinhos, aprendamos a chorarem grupo;

c) Pensar, sentir e agir de forma alegre e conse-qüente, em um mundo onde as obras coletivas sejamgratificantes para os indivíduos.

2. Desprezar, questionar e erradicar todo monopólio, democratizando ao mesmo tempo todas as relações

a) Discutir e aprender a conjugar nossos interessescom os interesses gerais;

b) Discutir, exercitar e incorporar os princípiosdemocráticos no seio de nossas famílias e organiza-ções;

c) Sensibilizar-nos e motivar-nos todos os dias pelaliberdade, justiça e bem-estar do maior número depessoas, onde os jovens participem da discussãosobre o uso e distribuição do tempo e da riqueza denossa sociedade.

3. Disputar a hegemonia do sistema dominante através da defesa e da gestão comunitária dos direitos humanos

a) É nossa responsabilidade liberar-nos do medo edefender de forma crítica e permanente os direitoshumanos (civis, políticos, econômicos, sociais e cul-turais) contra os abusos do governo e do sistema queele representa;

b) É nossa responsabilidade disputar espaços einfluenciar a opinião das pessoas, dos centros esco-lares até os meios de comunicação e a opinião públi-

ca em geral divulgando valores de cooperação e soli-dariedade entre nós;

c) É nossa responsabilidade fomentar a associativi-dade política, econômica e cultural em torno danecessidade das pessoas e não da necessidade docapital, do dinheiro e dos aparatos institucionais.

4. Substituir o Modelo Capitalista de Desenvolvimento por um Modelo Associativo de Bem-Estar, através da regulamentação democrática do mercado

a) Estabelecer normas a partir do Legislativo e dis-cutir, nos centros de educação, políticas em favor dobem-estar individual e social: acesso geral aos ali-mentos, serviços básicos (água, luz, saúde, educação,moradia, transporte e vias públicas), atividades cul-turais e recreativas;

b) Estabelecer normas a partir do Legislativo e dis-cutir, nos centros de educação, políticas em favor daprodução direta e da economia local e nacional;

c) Estabelecer normas a partir do Legislativo e dis-cutir, nos centros de educação, políticas em favor dademocracia econômica (políticas fiscais, alfan-degárias, financeiras e orçamentárias) e da economiapopular, associativa e de autogestão.

5. Descentralizar a gestão dos recursos e eliminar os aparatos burocráticos

a) Tributação progressiva (taxa maior para os maisricos) e maior alocação de recursos para os municípiosmais pobres;

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em detrimento dos interesses transnacionais.

8. Construir uma cultura onde cada um(a) sofra com a dor do outro e se regozije com a felicidade alheia

a) Exercitemos a crítica contra o patriarcado, o capi-talismo, o mercado, os aparatos burocráticos,começando com a nossa própria autocrítica;

b) Levemos a democracia política, econômica e cul-tural até suas últimas conseqüências, transformandotodas as nossas relações;

c) Desmascaremos a cultura do progresso e a civi-lização do poder colocando à prova nossos sentimentoscom as pessoas mais próximas com as quais convive-mos.

9. Ter acesso ao governo através de um programa sustentado poruma maioria política, ou por uma coalizão que governe com base nahegemonia e não com base na força ou na manipulação

a) Formar e consolidar uma clientela ideológica quelute por um programa e uma vida alternativa, antes,durante e depois de qualquer processo eleitoral apren-dendo a governar a partir de baixo;

b) Aproveitar qualquer atividade política para pro-gredir na educação de uma civilização emancipada detodos os aparatos e de todos os tiranos;

c) Criar uma estratégia de alianças ou um governo decoalizão voltado para a defesa dos interesses nacionaise populares.10. Progredir na integração setorial, regional e federativa

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b) Regular a participação organizada das comuni-dades na discussão e programação orçamentária dasprefeituras;

c) Articular as funções e atividades das prefeiturascom o trabalho das associações locais, estimulando,em todas as oportunidades, a formação de gruposassociativos.

6. Organizar o empoderamento econômico dos trabalhadores, das cooperativas e das identidades sociais em geral

a) Implementar uma reforma agrária com as me-lhores terras do país e organizar a aplicação da legis-lação agroecológica e ambiental existente;

b) Fomentar uma cultura cooperativa a favor doscamponeses e dos trabalhadores urbanos autonomo;

c) Institucionalizar a organização gremial dos pro-dutores, as cooperativas, o movimento sindical e asempresas associativas e de autogestão em geral,onde toda empresa e todo centro sejam reguladospor seus trabalhadores.

7. Priorizar a segurança alimentar e estimular o mercado interno

a) Priorizar a produção alimentar no campo para oautoconsumo familiar e o auto-abastecimento na-cional;

b) Diversificar a agricultura e fomentar a agroin-dústria alimentar;

c) Substituir importações e estabelecer equilíbriosmacroeconômicos que priorizem o mercado interno

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a) Defender e promover a autonomia e as relaçõeshorizontais entre homens e mulheres, etnias e iden-tidades culturais, nações e regiões;

b) Estabelecer acordos de integração entre asforças sociais da região, fomentar mercados internoslocais, nacionais e regionais, empreender obrascomuns de caráter setorial e regional;

c) Construir uma Federação Centro-Americana, aComunidade Latino-Americana e a Nova OrdemEconômica Internacional com o objetivo de recuperaros excedentes que o mercado mundial tira de nósatravés do comércio e do crédito.

Provocar a discussão desta agenda sem medo nem obrigação. Isto viria a compensar os esforços eenriquecer os momentos agradáveis de sua elaboração: nas escolas, colégios, universidades, bares ecentros recreativos, festas públicas e privadas, casas de família, centros de trabalho, organizaçõescomunitárias, políticas, sindicais, gremiais, religiosas, artísticas e culturais. Produzir assembléiaspara promover agendas semelhantes constituiria em si um exercício para começar a viver de outramaneira.

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