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REVISTA USP, São Paulo, n.61, p. 128-135, março/maio 2004 128 TV USP: das origens à consolidação de um projeto ADRIANO ADORYAN ADRIANO ADORYAN é diretor de Programação e Produção, além de responder pela gerência executiva do Canal Universitário de São Paulo (CNU). brought to you by CORE View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk provided by Cadernos Espinosanos (E-Journal)

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REVISTA USP, São Paulo, n.61, p. 128-135, março/maio 2004128

TV USP: das origens

à consolidação

de um projeto

ADRIANO ADORYAN

ADRIANO ADORYAN

é diretor de Programação

e Produção, além de

responder pela gerência

executiva do Canal

Universitário de São Paulo

(CNU).

brought to you by COREView metadata, citation and similar papers at core.ac.uk

provided by Cadernos Espinosanos (E-Journal)

REVISTA USP, São Paulo, n.61, p. 128-135, março/maio 2004 129

Resgatar um pouco dos fatos e

dos personagens do processo de

criação da TV USP, fornecendo al-

gumas referências para aqueles

que desejem entender e discutir

um pouco mais sobre o universo

das televisões universitárias bra-

sileiras, é o foco deste texto.

Ao apresentar algumas pistas

das dificuldades encontradas para

conceber e realizar sua programa-

ção, além de algumas das soluções

encontradas e dos processos para

sua viabilização, espero registrar

mais um capítulo da história da

principal e maior universidade pú-

blica da América Latina e mostrar

que esse projeto é, e sempre foi,

tratado com imensa responsabili-

dade, carinho e dedicação.

Ao narrar um pouco dessa his-

tória, da qual também sou espec-

tador e ator desde o começo, espe-

ro estar contribuindo para difundir

um projeto em que acredito e, ao

mesmo tempo, alertar para o fato

de que a TV USP bem como as de-

mais participantes do segmento de

Televisões Universitárias Brasilei-

ras são um projeto em construção

que deverá desenrolar-se por mui-

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tos anos ainda e desde o começo contou como apoio de profissionais experientes com-prometidos com a sociedade brasileira.

Aos que participaram dessa história, es-pero ser fiel neste relato, embora reconheçaque dado o foco do trabalho não poderei daro devido destaque ou a devida dimensão dacontribuição de cada um, além de todos osque nem sequer poderão ser citados.

COMO TUDO COMEÇOU –HISTÓRIA E PERSONAGENS

A história do Canal Universitário de SãoPaulo (CNU) começa já em 1996, com umencontro promovido pela deputada federalIrma Passoni para articular os canais deacesso público, criados por ela dentro daLei do Cabo – lei que regulamentou o fun-cionamento das TVs a cabo, no Brasil – ea partir daí com as articulações promovi-das pelo prof. Cláudio Lembo (Universi-dade Mackenzie) e pelo jornalista GabrielPriolli – já na direção da TV PUC, criadaum ano antes – para tentar organizar o gru-po de universidades que viria a criar o CNUem julho de 1997 (1). Nessa etapa todas asuniversidades sediadas no município de SãoPaulo foram contatadas e convidadas aparticipar de uma série de reuniões quecomeçaram nos primeiros meses de 1997em que se tentava desenhar a constituiçãodo CNU. A USP, de início, designou o prof.Carlos Alberto Barbosa Dantas, na épocapró-reitor de Graduação, para ser seu re-presentante junto a essa comissão. Apósduas ou três participações, o prof. Dantas,cuja origem é o Departamento de Estatísti-ca do Instituto de Matemática e Estatística(IME), solicitou a participação de um pro-fessor do departamento de Cinema, Rádioe Televisão (CTR) da ECA. Foi indicadoentão o prof. Renato Bulcão, professor dasdisciplinas de produção e direção de TV e,nesse momento, membro da Fundação Pa-dre Anchieta, como diretor de Marketingda TV Cultura, além de dono de uma pro-dutora de cinema e televisão – Casa de

Produção –, portanto, não só um professorda área de televisão, mas também um pro-fissional atuante na área e bem relacionadono mercado audiovisual.

Pouco depois que começou a participardas reuniões, o prof. Renato Bulcão procu-rou por sua colega de departamento, a profa

Marília Franco. Nesse momento a profes-sora era a coordenadora do Univídeo (2) eestava dirigindo a produção de dois vídeosinstitucionais (3) para a Reitoria da USP –que estavam sendo realizados com equipa-mento do Univídeo e do Videofau (Labo-ratório de Vídeo da FAU) por bolsistas –alunos do curso de Rádio e TV da ECA –,funcionários do Videofau e freelancers. Naconversa, o prof. Bulcão contou sobre oandamento das negociações, com a previ-são de início das atividades para logo esolicitou à profa Marília o material catalo-gado (4) pelo Univídeo. Foi esse materialque permitiu viabilizar o início da progra-mação da TV USP, como veremos adiante.

Em março de 1997 a Reitoria da USPdefiniu que a TV USP deveria ser instaladana Coordenadoria de Comunicação Social(CCS ), então coordenada pelo prof. Celsode Barros Gomes, que foi oficialmente in-dicado para representar a USP no CNU emais tarde tornou-se seu primeiro repre-sentante titular no Conselho Gestor do ca-nal. Do ponto de vista organizacional a TVUSP é criada como um setor da Rádio USP,com a designação de uma coordenaçãoacadêmica. Para essa coordenação foi indi-cada a profa Marília Franco que, com acolaboração de Luís Bargmann (diretor doVideofau), redigiu o projeto inicial da TVUSP, apresentado e aprovado em julho da-quele ano. Quando assume a CoordenaçãoAcadêmica da TV USP a profa Marília Fran-co passa a freqüentar as reuniões do CNU,sendo logo indicada como suplente do prof.Celso no Conselho Gestor e titular da Dire-toria Executiva do CNU quando de suacriação em julho, após a assinatura do“Acordo Institucional Provisório” e do“Regimento Interno do Conselho Gestor”.

Resolvida essa articulação política einstitucional, bem como detalhes operacio-nais, a estréia do CNU foi marcada para o

1 O CNU foi formalmente criadoem julho de 1997 através daassinatura do “Acordo Institu-cional Provisório” pelas seguin-tes universidades paulistanas:Mackenzie, USP, PUC, Unifesp,Unip, Uniban, Unicsul, Univer-sidade São Judas e Unisa.

2 Setor criado dentro da Coorde-nadoria Executiva de Coope-ração Universitária e de Ativi-dades Especiais (Cecae) paraorganizar e apoiar a produçãode vídeos na USP.

3 Institucional da USP e Fique porDentro da USP.

4 Uma das primeiras atividadesrealizadas pelo Univídeo foi olevantamento e a catalogaçãodo material audiovisual dispo-nível na Universidade.

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dia 10 de novembro daquele mesmo ano.Começou ali a corrida para viabilizar aprogramação de estréia.

A ESTRÉIA – O DESAFIO DAPRIMEIRA PROGRAMAÇÃO

“Insistimos em destacar o caráter inédi-to e especial da construção do Projeto daTV USP em função da necessidade deadequá-lo ao ritmo e à estética de TV semtrair a busca do aprofundamento, da exce-lência e da responsabilidade que emanamdas atividades acadêmicas, de um modogeral, e que, antes de tudo, construíram econsolidaram a respeitável imagem que estaUniversidade tem em âmbito nacional e in-ternacional” (5).

O primeiro material a ser exibido pare-cia ser a parte mais fácil: uma fala de 5 mi-nutos de cada um dos 9 reitores das univer-sidades participantes, apresentando o CNUe oficialmente inaugurando esse espaço,seguido de um institucional da universida-de. Além das falas dos reitores, a DiretoriaExecutiva do canal organizou a gravação deuma apresentação com os jornalistas FlávioPrado (então diretor da TV São Judas) eHeliana Nogueira (diretora da TV Unifesp)para serem os mestres de cerimônia televisi-vos dessa inauguração. A partir daí, come-çou a funcionar a grade de programaçãodefinida para o CNU: estrutura de blocosde 30 minutos de duração para cada pro-grama, sendo o primeiro conjunto de horá-rios sorteado entre as 9 universidades eentão repetida a seqüência até o final dastransmissões (o CNU estreou com 18 horasdiárias de programação, das 6h às 24h). Nodia seguinte a estrutura se repetia, porémcom cada universidade entrando 30 minu-tos mais tarde e assim sucessivamente aolongo de toda a semana. Para preencheresses horários (28 por semana) ficou defi-nido na Norma Técnica do CNU que cadauniversidade deveria exibir no mínimo 2programas inéditos por semana.

Para dar conta desse volume de produ-ção, no prazo estabelecido para a estréia, esem contar ainda com uma infra-estruturatécnica e funcional apropriada, a soluçãoadotada foi precisamente a montagem deblocos de exibição de vídeos existentes noacervo da USP, intercalados por apresenta-dores que falavam um pouco sobre o con-teúdo e a realização do vídeo e, às vezes,recebiam algum entrevistado para falar doproduto ou de seu conteúdo. Esse materialsó pôde ser viabilizado através de umaparceria com o Departamento de Cinema,Rádio e TV da ECA, em cujos estúdios osprogramas foram sendo gravados, por qua-se dois anos, até a TV USP ter suas própriasinstalações adequadas aos seus trabalhos.Além dos estúdios, estabeleceu-se tambémum diálogo com a disciplina de Direção eProdução de TV, ministrada pelo prof.Bulcão, em que os alunos da disciplina, emparceria com os técnicos do CTR, gravavamos programas no horário da aula. Já a produ-ção desse conteúdo era feita pela equipe daTV USP, nesse momento composta pelaprofa Marília Franco, um funcionário e trêsestagiários. Completando essa parceria, alu-nos da Faculdade de Arquitetura e Urbanis-mo (FAU) foram contratados para concebere produzir o cenário utilizado.

Como programação de estréia, essa pro-posta cumpria um dos papéis estabelecidospara a TV USP, que era o de difundir aprodução audiovisual da Universidade paraa sociedade. Agora, o esforço de produçãode vídeos na USP ganhava um novo impul-so e uma nova justificativa, “uma janelaaberta para a sociedade” (6), que passou acontar desde aquela data com um novo canalde acesso ao conhecimento e às reflexõesproduzidas e organizadas pela comunida-de acadêmica. Outro passo importante nes-sa estratégia de estréia foi o embrião deuma política de relacionamento com asdiversas unidades, departamentos e núcleosda USP, em particular a ECA, como par-ceira na produção dessa programação, des-de seu início, o que criou bases sólidas paraque essa relação fosse mantida e mesmoestreitada até hoje.

Mas o acervo de vídeos era limitado. A

5 Marília Franco, Projeto de Im-plantação da TV USP, 1997.

6 Idem, ibidem.

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história da produção audiovisual na USP,como bem relatou Bargmann (7) em suadissertação de mestrado, não muito dife-rente da universidade brasileira de maneirageral, mostra que essa produção como su-porte de apoio, expressão e difusão da pro-dução acadêmica nunca possuiu uma polí-tica, nem tampouco uma atividade consis-tente e regular, dependendo de iniciativasque, embora fossem constantes, eram mui-to mais um empenho pessoal dos interessa-dos. Bargmann demonstra ainda que nãosó não existe uma política como também aexpressão audiovisual foi assumindo, aolongo dos anos, um caráter cada vez maissecundário. A qualidade dos vídeos exis-tentes bem como seu estado de conserva-ção ou mesmo sua catalogação eram abso-lutamente irregulares e muitas vezes im-próprios, revelando que, apesar dos altosinvestimentos na criação de estruturas, nãohouve uma continuidade nem uma transfe-rência da competência desenvolvida nes-sas experiências. Ainda assim a produçãoexistente catalogada e em condições míni-mas foi suficiente para sustentar a progra-mação completa da TV USP até abril de1998, totalizando mais de 40 horas/progra-mas, sem que esse material fosse esgotado.

PRODUÇÃO PRÓPRIA – PRIMEIROSPASSOS

Embora desde o início das operações aequipe da TV USP tenha feito a coberturade alguns eventos que estavam acontecen-do na Universidade, visando gerar uma pro-gramação própria, foi a partir de janeiro de1998 que a equipe debruçou-se firmemen-te em discussões sobre conteúdos e forma-tos de programas próprios a serem produ-zidos, bem como na maneira de viabilizarsua produção nos prazos determinados comas condições disponíveis. Assim, as primei-ras produções originais da TV USP foram2 vídeos, exibidos no início das aulas da-quele ano como programação de recepçãoaos calouros.

“O papel de uma universidade como aUSP é desencaminhar as pessoas” (8). Essafrase meio gauche é o depoimento que re-sume o conteúdo do primeiro programa, odocumentário Profissional do Séc. XXI, umvídeo em que diversos professores e alunosda Universidade foram convidados a darentrevistas em que refletiram sobre asmudanças em curso na sociedade, seu im-pacto no mercado profissional e, portanto,na formação dos profissionais; como a USPestava lidando com esse contexto e que tipode preparação estava fornecendo aos seusestudantes. A importância desse primeiroprograma pode ser entendida em váriosníveis. Primeiro, como um laboratórioquanto às condições de trabalho disponí-veis e, portanto, uma avaliação quanto àcapacidade de produção instalada. No ní-vel estético e de linguagem este é o pro-grama-pai da TV USP. Não apenas por sero primeiro integralmente produzido em seucontexto, mas porque nele estão desenha-das as linhas-mestras que definem as pro-duções da TV USP até hoje. Temática, fo-tografia, ritmo e estilo de edição, aborda-gem dos temas, seleção dos entrevistados,nível de reflexão e compromisso com opúblico espectador e sua inteligência. Quemassistir a esse programa verá que as basesde absolutamente tudo produzido desdeentão estão lá. Mas é no nível político einstitucional que esse programa se destaca.Pela primeira vez a TV USP pôde mostrarpara o seu público, interno e externo, a queveio. Essa primeira produção própria foium marco também para o CNU ao ser aplau-dida e usada como referência por váriasoutras universidades que perceberam quepoderiam, e deveriam, ter um compromis-so com a qualidade de suas produções aci-ma da que estavam entendendo até então.

O segundo programa, Bixos na USP, foiquase uma brincadeira, na verdade um tipode institucional mais descontraído. A idéiaera simplesmente apresentar a USP para oaluno ingressante. Mostrar as dependênciase os serviços à disposição dos alunos, comoo Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp),o bandejão, a moradia, as bibliotecas, oHospital Universitário, o serviço de ônibus

7 Domingos Luiz BargmannNetto, Produção Audiovisual naUniversidade de São Paulo,São Paulo, 2000.

8 Paulo Blikstein, Profissional doSéc. XXI, videodocumentário,TV USP, 1998.

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circular, etc. Para isso a equipe contou como apoio do Videofau para ter duas ENGs –equipe de jornalismo de rua, em geral for-mada por três pessoas: repórter, operador decâmera e produtor, além de equipamentosde captação de áudio, vídeo e iluminação –circulando pelas diversas unidades no dia damatrícula. Além de cenas das brincadeirasde recepção aos “bixos” a equipe entregou otexto do programa para ser lido pelos calou-ros. Compôs-se, com isso, um videojogralem que o texto de apresentação da USP, lidopelos “bixos” cobertos de guache, era inter-calado por entrevistas com os diretores dasunidades responsáveis, imagens dos respec-tivos espaços e depoimentos dos veteranosusuários. Sua importância, além das ques-tões mesmas de produção do primeiro, este-ve em mostrar o potencial lúdico da produ-ção universitária, abrindo caminho para quetambém se experimentasse nos formatos dosprogramas, arriscando-se fora dos padrõesconsagrados pela televisão comercial.

Finalizados esses dois programas, eramais que hora de discutir uma programaçãosemanal, que não poderia ser de documen-tários. Pensando na diversidade da Univer-sidade e no público ao qual o CNU estavadisponível (todos os assinantes de televisãoa cabo do município de São Paulo), a opçãofoi a de criar uma série de quadros, comduração entre 5 e 10 minutos, para seremexibidos regularmente e de forma alternada,compondo o programa de uma das meiashoras da programação da semana. Essesprogramas iniciais tinham uma pauta focadaem extensão e cultura, apresentando as ati-vidades que a USP disponibilizava ao públi-co, como mostras em museus, cinema, pro-gramações especiais na Rádio USP, teatro,etc. Essas pautas eram acompanhadas nosquadros “Museus” e “Na Faixa”. Os outrosquadros davam conta de: orientaçãovocacional – apresentando as carreiras degraduação da USP no Qual É o Curso?;análise geopolítica – o editorial “Mundo”com comentários do jornalista José ArbexJúnior (então aluno de doutorado do Depar-tamento de História da FFLCH); e ativida-des estudantis – com a apresentação doscentros acadêmicos no “C.A.”. Assim nas-

ceu a “revista eletrônica da USP” (9), oPanorama, que mais tarde recebeu outrosquadros como o “Em Tese”, sobre pesquisa,que apresentava trabalhos de mestrado edoutorado defendidos, explicando tambémo processo de realização de um trabalho depós-graduação. Após diversas reformu-lações o programa continua sendo produzi-do até hoje sob o nome de Pgm.

No segundo semestre desse mesmo anoforam criados os programas de debate eopinião Delta Pi – produzido até 2001 – eOlhar da USP – ainda em produção –, vol-tados, respectivamente, ao público estudan-til e docente. O programa Delta Pi foi tam-bém a primeira co-produção do CNU, sen-do realizado com a TV PUC, o que permi-tiu a primeira experiência do canal em pro-gramas com 1 hora de duração. Nesse mes-mo período criou-se um outro programa,com o objetivo de abordar os núcleos depesquisa da USP, chamado Sinapse, nãomais em exibição.

Nesse início, em que todas as universi-dades estavam tateando esse universo daprodução televisiva, foi muito interessanteobservar como alguns formatos e temáti-cas replicavam-se ao longo da programa-ção em roupagens e participações segmen-tadas de cada universidade. Assim, haviana TV Unicsul o programa Mix Cola bas-tante aproximado do Delta Pi e na TV Unipsurgiu o Jornal da Profissões, com a mes-ma temática do Qual É o Curso?, entrevários outros. Outra marca desse momentoinicial foi uma espécie de competição entreas TVs das universidades com pouca cola-boração e troca de experiências – o quetorna a iniciativa de co-produzir o Delta Pimuito mais significativa (10).

2 APÊS – UM ATO DE OUSADIA

Em meados de 1999 um grupo de estu-dantes de diversos cursos da USP, entre osquais muitos dos estagiários da TV USP,reuniu-se para realizar uma oficina de ro-teiro que se estendeu até o final do ano. Oresultado foi o projeto de um seriado, uma

9 Slogan do programa Panora-ma, atual Pgm.

10 Atualmente toda a programa-ção produzida pela TV USP estásendo digi tal izada edisponibilizada em seu web sitepara consulta. Também é pos-sível, através desse site –www.usp.br/tv – comprar có-pias desses programas.

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comédia de situações para ser preciso. Atemática: a vida do estudante universitário.Daí o título 2 Apês, já que o seriado retra-tava duas repúblicas vizinhas, o apartamen-to dos meninos e o das meninas. Os ofi-cineiros apresentaram o projeto para a profa

Marília Franco que, corajosamente, propôsproduzi-lo através da TV USP. O desafiofoi aceito, com o compromisso de realizar10 episódios de meia hora.

Os oficineiros organizaram-se então paraviabilizar todas as necessidades de produ-ção. A colaboração de alguns profissionaisde alto gabarito foi importantíssima paraoferecer um início sólido: o projeto de ceno-grafia foi concebido pelo prof. Cyro DelNero, do Departamento de Artes Cênicas daECA, e o desenho de luz ficou a cargo dofotógrafo profissional Carlos Ebért. Os ob-jetos de cena e a mobília foram quase todospatrocinados por lojas ou doados por paren-tes e amigos, além da própria equipe.

Para a seleção dos atores, a equipe orga-nizou um grande teste, divulgado nas prin-cipais escolas de atores da cidade. Com maisde 100 inscritos a equipe procedeu com umaseleção em etapas. Primeiramente fez umatriagem dos currículos procurando identifi-car pelo perfil e aparência dos candidatosqual seria o papel mais adequado. Feita essadivisão, escolheram algumas cenas já escri-tas para cada um dos personagens e distribu-íram o texto, acompanhado de uma descri-ção dos personagens, para os candidatosestudarem. Organizaram então uma escalade gravação de dois dias inteiros para ostestes e agendaram com os candidatos. As-sistindo todos juntos aos testes gravados, aequipe fez suas escolhas que foram entãochecadas pelo diretor em uma entrevista.Coincidência, ou atestado de qualidade, osatores selecionados eram, na quase totalida-de, alunos de Artes Cênicas da ECA e acei-taram trabalhar por cachês simbólicos.

Resultado: a TV USP produziu e exibiua primeira sitcom (comédia de situações)universitária do Brasil com ótima reper-cussão e sucesso. A estréia contou comoutdoor na Cidade Universitária, flyersdistribuídos em bares e outros estabeleci-mentos da cidade e matéria no caderno Ilus-

trada de sexta-feira do jornal Folha de S.Paulo. Muita gente assistiu, muita gentecomentou e quem viu tornou-se fã. Nomomento em que o CNU completava ape-nas dois anos de existência e carecia aindade ser conhecido pela população, esse seria-do, com toda a repercussão que gerou, di-vulgou todo o canal trazendo-lhe um novopúblico e garantindo-lhe uma espécie decertificado de qualidade. Mesmo hoje, trêsanos depois da realização do programa,ainda encontro com pessoas que comen-tam sobre ele. Também os atores contamque continuam sendo abordados na rua porpessoas que perguntam “você não era o‘fulano’ do 2 Apês?”.

Toda essa experiência encontra-se do-cumentada nos arquivos da TV USP.

MATURIDADE PROFISSIONAL –UM PROCESSO PERMANENTE

A outra marca que o 2 Apês deixou foia prova de que, apesar de ser uma usina decriatividade em todos os aspectos da pro-dução televisiva e contar com pessoas muitocompetentes nas diversas atividades desen-volvidas, a TV USP ainda carecia de matu-ridade profissional. Na verdade, conversan-do com os diretores de todas as TVs uni-versitárias do CNU todos eles irão concor-dar que essa falta de maturidade era – e emcerta medida ainda é – um problema co-mum daquele período. Não que as pessoasenvolvidas no processo não soubessem o queestavam fazendo, muitos eram – ou são –profissionais competentes do mercado; aquestão é que as dificuldades em produziruma televisão universitária são enormes eé preciso tempo para que essa mudança decultura dentro da universidade se opere epermita que essas dificuldades sejam supe-radas. É aliada à superação dos problemas ecom a aquisição de experiência nesse novosegmento da televisão brasileira e mundial– já que o modelo de televisão universitáriaexistente no Brasil difere de todas as outrasexperiências existentes até então – que essa

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maturidade está se desenvolvendo (11).Voltando-nos de novo para a TV USP e

os reflexos práticos dessa situação, a reali-zação do seriado 2 Apês mostrou o quãofrágil era a estrutura de produção, pois pararealizá-lo houve uma série de problemasem manter a regularidade de todos os ou-tros programas – alguns em processo deconsolidação, outros já consolidados – ealguns deles deixaram de ser produzidos,como Qual É o Curso? e Sinapse e, maistarde, também o Delta Pi. Ficou claro quenaquele momento não havia uma infra-es-trutura dimensionada para dar conta de tudoo que se desejava fazer e, ainda pior, nãohavia condições de dimensionar correta-mente o impacto dos novos projetos antesde iniciá-los de modo a fazer os ajustesnecessários para viabilizar tudo, ou mesmodecidir, a princípio, pela substituição de umprojeto por outro.

Mas aprendeu-se a lição e um longoprocesso de reestruturação iniciou-se emjulho de 2001, após o término da produçãodo programa Delta Pi e saída de váriosestagiários e profissionais da equipe. Areestruturação foi justamente no sentido dedar maior estabilidade às produções reali-zadas e daí poder aumentar o volume e adiversidade de produção. Para isso houve,num primeiro momento, uma diminuiçãono volume de produção da TV USP, mas,a partir do ano seguinte, foi possível esta-belecer uma ascendente com relação nãosó ao volume de produções como tambémquanto à sua qualidade. Para essareestruturação contribuiu, e muito, a iden-tificação dos principais problemas de infra-estrutura que, com o aporte de investimen-tos da Universidade, puderam ser sistema-ticamente trabalhados e, se não completa-mente sanados, ao menos minimizados.

TV UNIVERSITÁRIA PÚBLICA – UMBEM EM CONSTRUÇÃO

Ao longo dos seus seis anos de produ-ção e pelo menos sete de história – se consi-

derarmos o início como as primeiras arti-culações para a criação do CNU –, a TVUSP vem traçando um caminho que, ape-sar de todas as dificuldades enfrentadas, éde sucesso. Criar e manter uma televisãonão é uma tarefa fácil, tampouco barata.Muitos grupos empresariais faliram ten-tando. Por outro lado, compatibilizar asparticularidades da televisão com as dauniversidade pode parecer, à primeira vis-ta, impossível. Principalmente quandoestamos falando da televisão brasileira,com seus quase 55 anos de história, suaqualidade internacionalmente reconheci-da – para não falar de suas bizarrices –, etodo um hábito construído junto aos es-pectadores brasileiros, particularmente noeixo Rio-São Paulo, onde está concentra-da a produção audiovisual nacional, emquantidade e em qualidade contrapondo-se, do outro lado, a USP, uma universida-de que completa agora 70 anos, mas que écomposta por diversas instituições cente-nárias, carregadas de tradições; uma uni-versidade que responde pela maior parteda produção da pesquisa brasileira, que édestaque e referência internacionalmentee que, além de tudo, é pública, financiadapela sociedade paulista e sujeita a todas aspeculiaridades da administração de umauniversidade estadual.

Frente a esse desafio, reitero que estahistória está sendo possível graças a umprojeto bem-nascido, que nutre o ideal deuma TV universitária pública, comprome-tida com o desenvolvimento da sociedade,com a difusão e a democratização do co-nhecimento, em particular aquele produzi-do pela própria USP com financiamentopúblico; comprometida com o apoio e aparceria com a pesquisa, consciente de quepode e deve contribuir com o desenvolvi-mento de modelos para a comunicaçãomidiática brasileira, tornando-se um refe-rencial para os profissionais da área e paraos espectadores. Tornar a TV USP possívele realizá-la é mais uma forma de prestar-mos nossas contas a uma sociedade quenão só a financia, mas a respeita e admira,depositando sobre ela a responsabilidadepor construir um futuro melhor.

11 Para um panorama da televi-são universitária brasileira eseus principais desafios ver:Gabriel Priolli, Televisão Univer-sitária: TV Educativa em Tercei-ro Grau, http://www.abtu.org.br/arquivos_TV_educativa_3grau.asp. Texto publicadooriginalmente na revista Verso& Reverso, da Universidade doVale do Rio dos Sinos, em julhode 2003.