adin 1.842-rj - gestão compartilhada
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Decisão do STJ sobre gestão compartilhada do serviço de saneamento básico.TRANSCRIPT
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03/04/2008 PLENRIO
AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.842 RIO DE JANEIRO
V O T O V I S T A
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Cuida-se de Ao Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, proposta pelo Partido Democrtico Trabalhista-PDT, com fundamento no art. 102, I, a e p, da Carta Magna, em face da Lei Complementar n 87, de 16 de dezembro de 1997, (LC 87/1997/RJ) e da Lei n 2.869, de 18 de dezembro de 1997, (Lei 2.869/1997/RJ), ambas editadas no Estado do Rio de Janeiro.
Em virtude de conexo, continncia e identidade de objeto, apreciam-se conjuntamente as ADI 1826, 1843 e 1906, que impugnam as mesmas normas da presente ao, porm de forma menos ampla (fl. 1.146). Ressalve-se que a ADI 1906 infirma, ainda, o Decreto n 24.631, de 3 de setembro de 1998, do Estado do Rio de Janeiro (Dec. 24.631/1998/RJ).
Desde logo, o Relator, Min. Maurcio Corra, remeteu o mrito das presentes ADI ao Plenrio, dada a relevncia do tema para os estados e municpios da Federao (fl. 1.148).
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ADI 1842 / RJ
Em razo de sua complexidade, pedi vista para melhor
exame da matria. Passo a analisar a questo em tpicos.
1) Sntese da Controvrsia:
No caso, as normas estaduais impugnadas referem-se
instituio da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro (art. 1 da LC
87/1997/RJ) e da Microrregio dos Lagos (art. 2 da LC 87/1997/RJ).
Nesse contexto, as citadas normas estaduais definem o
respectivo interesse metropolitano ou comum como as funes pblicas
e os servios que atendam a mais de um municpio, assim como os que,
restritos ao territrio de um deles, sejam de algum modo dependentes,
concorrentes, confluentes ou integrados de funes pblicas, bem como
os servios supramunicipais (art. 3 da LC 87/1997/RJ). Ademais,
atribuem ao Estado do Rio de Janeiro a qualidade de Poder Concedente
para prestao de servios pblicos relativos ao estabelecido interesse
metropolitano (arts. 5, pargrafo nico, e 7 da LC 87/1997/RJ; e 3 e 12 da
Lei 2.869/1997/RJ).
Os requerentes sustentam que os arts. 1 a 11 da LC
87/1997/RJ e 8 a 21 da Lei 2.869/1997/RJ violam a Constituio Federal ao
transferir ao Estado do Rio de Janeiro funes e servios de competncia
municipal, especialmente quanto ao servio pblico de saneamento
bsico.
Argiu-se afronta ao princpio democrtico e ao equilbrio
federativo (art. 1; 23, I; e 60, 4, I, da Constituio Federal); autonomia
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municipal (art. 18 e 29 da Constituio Federal); ao princpio da no-
interveno dos estados nos municpios (art. 35 da Constituio Federal),
bem como o rol de competncias municipais, discriminadas no texto
constitucional vigente (arts. 30, I, V e VIII, e 182, 1, da Constituio
Federal).
Sustenta-se, ainda, a inaplicabilidade do art. 25, 3, da Carta
Magna espcie, uma vez que as leis estaduais no integraram a
organizao, planejamento e execuo de funes pblicas de interesse
comum, mas usurparam a execuo de polticas pblicas exclusivas dos
municpios que integram Regio Metropolitana e Microrregio.
A Assemblia Legislativa e o Governador do Estado do Rio
de Janeiro, por sua vez, aduzem que o fenmeno da conurbao deve ser
considerado na soluo de problemas de organizao, planejamento e
execuo de funes pblicas de interesse comum, defendendo que a
declarao da existncia de interesse comum ficou reservada
constitucionalmente ao Estado que congregue os Municpios que foram
politicamente considerados como submetidos a tratamento unificado de
certas funes (art. 25, 3, CF/88) (fl. 352).
A Advocacia-Geral da Unio suscitou preliminares de inpcia
da inicial e de perda de objeto, alm de ressaltar que a legislao
impugnada considera um uso eficiente dos recursos pblicos e a
limitao da capacidade financeira municipal, assegurando
representao poltica local no Conselho Deliberativo da Regio
Metropolitana (fl. 1.165).
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ADI 1842 / RJ
Por fim, a Procuradoria-Geral da Repblica opinou pela
improcedncia da presente ao, vez que a transposio total ou parcial
de certas atividades ou servios, antes considerados de exclusivo
interesse do municpio, para alm de sua prpria rbita, tendo em vista
seu tratamento em nvel regional, por razes de ordem dimensional,
social, institucional, geogrfico, natural, econmico ou tcnica, no pode
ser considerada inconstitucional, visto no haver ofensa autonomia
municipal, restrita, to-somente, ao interesse local. (fl. 1.186).
O Relator, Min. Maurcio Corra, rejeitou inicialmente a
preliminar de inpcia da inicial e entendeu que as ADI estariam
prejudicadas quanto ao Dec. n 24.631/1998/RJ, porquanto revogado pelo
Dec. n 24.804/1998/RJ, bem como quanto aos arts. 1, 2, 4 e 11 da LC
87/1997/RJ, em virtude de alteraes legislativas supervenientes que
modificaram sua redao.
Quanto aos demais dispositivos impugnados, o Relator
julgou improcedentes as aes, aduzindo que a instituio de
conglomerados urbanos por atuao legislativa do Estado no afronta
autonomia municipal, minimizada pelo art. 25, 3, da Constituio
Federal.
Nessa linha, o Relator afirma que o agrupamento de
municpios ocorre para cometer ao Estado a responsabilidade pela
implantao de polticas unificadas de prestao de servios pblicos,
objetivando ganhar em eficincia e economicidade, considerados os
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interesses coletivos e no individuais. Ainda complementa:
Sob outra perspectiva, a demanda por servios
pblicos agiganta-se de tal modo que as autoridades
executivas no conseguem, isoladamente, atender s
necessidades da sociedade, impondo-se uma ao
conjunta e unificada dos entes envolvidos,
especialmente da unidade federada, a quem incumbe a
coordenao, at porque o nmero de habitantes de
cada Municpio desses conglomerados compe a
prpria populao do Estado-membro.
Indaga-se, no caso desses aglomerados, o que se
pretende com a delimitao de uma rea de servios
unificados. Busca-se a personificao de um ente para
fins de administrao centralizada, que planeje a
atuao pblica sobre territrio definido e que
coordene e execute obras e servios de interesse
comum de toda a rea, de sorte que a populao seja
atendida com eficincia. Por outro lado, a
complexidade das obras e dos servios metropolitanos,
invariavelmente de altssimo custo, no permite que os
poderes executivos municipais, de forma isolada, os
satisfaam. Como o interesse da sociedade, alis direito
pblico oponvel contra o Estado, de mbito regional
e no apenas local, a Constituio autorizou a
instituio desses aglomerados, sempre por lei
complementar pela relevncia que se revestem.
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Especificamente quanto ao servio de saneamento bsico, o
voto do Min. Maurcio Corra assenta:
Os incisos I a VII [do art. 3 da LC 87/1997/RJ] no
fogem finalidade e aos limites da permisso
constitucional. Tratam do planejamento integrado do
desenvolvimento econmico e social da regio como um
todo; da questo do saneamento bsico, a includo o
abastecimento de gua, tema de manifesto interesse
regional, dado que, em geral, os mananciais so
comuns a diversos Municpios, afigurando-se
conveniente que sua explorao ocorra de forma
racional e compartilhada (...).
(...)
Por tudo o que foi dito anteriormente, parece-me
claro que as questes de saneamento bsico extrapolam
os limites de interesse exclusivo dos Municpios,
justificando-se a participao do estado-membro.
Com efeito, as guas superficiais ou subterrneas,
fluentes, emergentes e em depsito, nos limites do
territrio do Estado-membro, so bens deste (CF, artigo
26, I), sendo evidente sua competncia supletiva para
legislar sobre o tema, observadas as normas gerais
fixadas pela Unio (CF, artigo 22, IV c/c artigo 25, 1).
A Lei federal 9433/97, que regulamentou o inciso XIX
do artigo 21 da Carta da Repblica e criou o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos,
definiu a gua como bem de domnio pblico,
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dependendo seu uso de outorga do Poder Pblico
federal ou estadual, conforme sejam guas federais ou
estaduais.
Por outro lado, da competncia comum a
responsabilidade com sade pblica, proteo ao meio
ambiente, promoo de programas de saneamento
bsico e fiscalizao da explorao dos recursos
hdricos (CF, artigo 23, II, VI, IX e XI). ainda de
competncia concorrente a faculdade de legislar sobre
conservao da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteo do meio ambiente e controle da
poluio (CF, artigo 24, VI).
Verificado o interesse regional predominante na
utilizao racional das guas, pertencentes
formalmente ao Estado, o que o torna gestor natural de
seu uso coletivo, assim como da poltica de
saneamento bsico cujo elemento primrio tambm a
gua, resta claro competir ao Estado-membro, com
prioridade sobre o Municpio, legislar acerca da
poltica tarifria aplicvel ao servio pblico de
interesse comum.
De outra sorte, os Ministros Joaquim Barbosa e Nelson Jobim
abriram divergncia para (i) declarar como no prejudicado o exame da
constitucionalidade dos 1 e 2 do art. 4 e 1 e 2 do art. 11 da LC
87/1997/RJ; e (ii) julgar procedente a ao quanto (a) expresso a ser
submetido assemblia legislativa do inciso I do art. 5, (b) ao pargrafo
nico do art. 5; (c) aos incisos I, II, IV e V do art. 6; (d) ao art. 7; (e) ao
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art. 10, todos da LC 87/1997/RJ; alm dos (f) arts. 11 a 21 da Lei n
2.869/1997/RJ.
A divergncia, em resumo, sustenta que o estabelecimento de
regio metropolitana no significa simples transferncia de competncias
para o Estado.
Nesse sentido, o voto do Min. Joaquim Barbosa assenta que a
restrio autonomia dos municpios metropolitanos no decorre da
criao individual de cada regio metropolitana, mas da configurao
normativa constitucional, devendo ser preservada sua capacidade de
decidir efetivamente sobre os destinos da regio. E conclui o Min.
Joaquim Barbosa:
Assim, a criao de uma regio metropolitana no
pode, em hiptese alguma, significar o
amesquinhamento da autonomia poltica dos
municpios dela integrantes, materializando no
controle e na gesto solitria pelo estado das funes
pblicas de interesse comum. Vale dizer, a titularidade
do exerccio das funes pblicas de interesse comum
passa para a nova entidade pblico-territorial-
administrativa, de carter intergovernamental, que
nasce em conseqncia da criao da regio
metropolitana.
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Por sua vez, o voto do Min. Nelson Jobim aduziu:
Considerando o contexto da prestao de servio
de saneamento bsico no Brasil, as caractersticas de
indivisibilidade do servio, na maioria das situaes
concretas, as realidades prticas de municpios ditos
deficitrios e outros considerados superavitrios, e
ainda os dispositivos da Constituio Federal que
claramente prevem uma competncia compartilhada
entre Unio, Estados e Municpios nessa temtica,
proferi voto no sentido de reconhecer a competncia
executria do servio de saneamento bsico, no aos
Estados ou aos Municpios, mas a um agrupamento de
municpios.
Nessa linha, concluiu o Min. Nelson Jobim:
(1.1) As REGIES METROPOLITANAS,
AGLOMERADOS URBANOS e MICRORREGIES no
so entidades polticas autnomas de nosso sistema
federativo, mas, sim, entes com funo administrativa e
executria;
(1.2) Tais entes no detm competncia poltico-
legislativa prpria;
(1.3) Sua competncia, bem como suas atribuies,
so, na verdade, o somatrio integrado das
competncias e atribuies dos MUNICPIOS
formadores;
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(1.4) O INTERESSE METROPOLITANO o conjunto
dos interesses dos MUNICPIOS sob uma perspectiva
intermunicipal;
(1.5) As funes administrativas e executivas da
REGIO METROPOLITANA somente podem ser
exercidas por rgo prprio ou por outro rgo
(pblico ou privado) a partir da autorizao ou
concesso dos MUNICPIOS formadores;
(...)
(1.10) Caber aos MUNICPIOS integrantes da
regio decidir, no mbito do CONSELHO
DELIBERATIVO, a forma como prestaro os servios
de natureza metropolitana, especialmente aqueles
referentes ao SANEAMENTO BSICO;
(...)
(1.13) O SANEAMENTO BSICO, por se constituir
em tpico interesse intermunicipal, no pode ser
atribudo ao mbito estadual, sob pena de violao
grave federao e autonomia dos Municpios.
(...)
(1.16) Qualquer legislao que atribua a competncia
executria de REGIES METROPOLITANAS ao
ESTADO ou, de alguma forma, subordine as
deliberaes da AGLUTINAO a um aceite ou
autorizao da Assemblia Legislativa Estadual
inconstitucional.
(1.17) Na mesma linha, inconstitucional a
legislao complementar estadual que, ao criar a
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estrutura de funcionamento da REGIO
METROPOLITANA, vincule a indicao dos
representantes municipais autorizao do
GOVERNADOR DO ESTADO ou de qualquer
autoridade estadual.
Segundo os votos divergentes, o parmetro para aferio da
constitucionalidade das normas que estipulassem a regio metropolitana
residiria no respeito diviso de responsabilidade entre municpios e
estado.
Por esse motivo, a posio divergente entendeu como
inconstitucional os dispositivos da LC 87/1997/RJ e da Lei n
2.869/1997/RJ que regulam a tarifa, inclusive reajuste e reviso, e o servio
de saneamento bsico.
Dessa forma, duas orientaes despontam quanto
possibilidade de transferncia aos estados dos servios de interesse
metropolitano, em especial dos servios de saneamento bsico: (i) a
posio do Ministro Maurcio Corra, que permite a alterao da
titularidade para os Estados, inclusive atuando como poder concedente
desses servios; e (ii) o entendimento dos Ministros Joaquim Barbosa e
Nelson Jobim, que no a admitem.
Destaque-se, no entanto, que os votos divergentes dos
Ministros Joaquim Barbosa e Nelson Jobim no coincidem quanto
titularidade das funes pblicas de interesse metropolitano.
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Enquanto o r. voto do Min. Nelson Jobim ressalta que as
funes administrativas e executivas da REGIO METROPOLITANA
somente podem ser exercidas por rgo prprio ou por rgo (pblico ou
privado) a partir da autorizao ou concesso dos municpios
formadores, o entendimento do Min. Joaquim Barbosa assenta que a
titularidade do exerccio das funes pblicas de interesse comum passa
para a nova entidade poltico-territorial-administrativa, de carter
intergovernamental, que nasce em conseqncia da criao da regio
metropolitana.
Ademais, ressalte-se que, concomitantemente ao presente
julgamento, o Plenrio aprecia a ADI-MC 2077/BA, Rel. Min. Ilmar
Galvo, a qual cuida de questo semelhante.
Na ADI-MC 2077/BA, discute-se a constitucionalidade dos
arts. 59, V; 228; 230, 1; e 238 da Constituio do Estado da Bahia, com
redao dada pela Emenda Constitucional n 7/1999, que, em termos
gerais, definiam restritivamente o interesse local e outorgavam ao Estado
da Bahia a titularidade dos servios de saneamento bsico.
Nesse caso, o Relator, Min. Ilmar Galvo, votou pela
concesso da medida cautelar, entendendo pela inconstitucionalidade das
disposies da Constituio do Estado da Bahia que afastam a
possibilidade de os municpios organizarem e prestarem servios
pblicos de interesse local, alm de utilizarem de instrumentos como
convnios para servios pblicos gerados ou concludos fora de seu
territrio.
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Na ocasio, o Min. Nelson Jobim reiterou seu entendimento,
reconhecendo a competncia executria do servio de saneamento
bsico, no aos Estados ou aos Municpios, mas a um agrupamento de
municpios.
No mesmo sentido, manifestou-se o Min. Eros Grau,
defendendo que a competncia para a prestao dos chamados servios
comuns permanece sob a titularidade dos Municpios; a eles incumbe a
delegao entidade da Administrao Indireta ou a outorga de
concesso a empresa privada, quando a sua prestao for empreendida
no diretamente por eles.
Frise-se que no mbito da ADI-MC 2077/BA, no se cuidava
de regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies. No
entanto, tambm nesse caso, o entendimento de que a titularidade do
servio de saneamento bsico permaneceria com os municpios
despontou nos trs primeiros votos colhidos, restringindo os Estados ao
papel de instituir os agrupamentos de municpios, sem participar
efetivamente na execuo ou prestao dos servios comuns.
Para melhor examinar a controvrsia, pedi vista de ambos os
casos. Passo a examin-los separadamente.
2) Anlise das Preliminares
No que tange s preliminares argidas na ADI 1842/RJ,
acompanho os votos que me precederam para afastar a alegao de
inpcia da inicial, uma vez que os requisitos pertinentes foram
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plenamente atendidos na espcie. Com efeito, verifica-se que os autores
das ADI cumpriram o dever bsico de oferecer razes para as
impugnaes.
No que tange perda de objeto, verifico que o Dec.
24.631/1998/RJ foi revogado pelo Dec. 24.804/1998/RJ (fl. 1.188) e que a LC
87/1997/RJ teve sua redao alterada pelas Leis Complementares 89/1998;
97/2001; e 105/2002, todas do Estado do Rio de Janeiro.
Destaco que restaram alterados de forma superveniente os
arts. 1, caput e 1; 2, caput; 4, caput e incisos I a VII; 11, caput e incisos I
a VI; e 12 da LC 87/1997/RJ. Conseqentemente, as presentes ADI
somente mantm seu objeto quanto ao art. 3; 1 e 2 do art. 4; arts. 5 a
10; e 1 e 2 do art. 11 da LC 87/1997/RJ, alm dos arts. 8 a 21 Lei
2.869/1997/RJ.
Nesse particular, acompanho a divergncia para julgar
prejudicada a ao quanto aos arts. 1, caput e 1; 2, caput; 4, caput e
incisos I a VII; 11, caput e incisos I a VI; e 12 da LC 87/1997/RJ.
3) Autonomia Municipal e Integrao Metropolitana
Na espcie, a questo centra-se na preservao de dois
importantes valores constitucionais: a autonomia municipal e a
integrao por meio das regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e
microrregies.
Relativamente autonomia municipal, a Constituio
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Federal conferiu nfase ao mencionar os municpios como integrantes do
sistema federativo (art. 1 da CF/1988) e ao fixar sua autonomia junto com
os Estados e Distrito Federal (art. 18 da CF/1988).
Observe-se que o texto constitucional de 1988, na linha da
tradio brasileira (CF de 1946, art. 7o, VII , e; CF de 1967/1969, art. 10,
VII, e), manteve a autonomia municipal como princpio sensvel (CF,
art. 34, VII, c).
Alguns contornos institucionais permitem fornecer alguma
densidade para o parmetro de controle da autonomia municipal. Por
exemplo, reconheceu-se ao municpio competncia para legislar sobre
assuntos de interesse local, suplementar a legislao federal e estadual no
que couber, instituir e arrecadar os tributos de sua competncia (taxas,
imposto predial e territorial urbano, transmisso inter vivos, por ato
oneroso, de bens imveis, servios de qualquer natureza) (art. 30 e 156).
Previu-se, ainda, a aprovao de uma lei orgnica municipal,
com a observncia dos princpios estabelecidos na Constituio (eleio
de prefeito, vice-prefeito e vereadores, nmero de vereadores, sistema
remuneratrio dos agentes polticos, iniciativa popular, inviolabilidade
dos vereadores por suas opinies, palavras e votos no exerccio do
mandato e na circunscrio do Municpio, limites de gastos do Poder
Legislativo Municipal, sistema de prestao de contas e de controle
externo), a teor dos arts. 28 e 29 da Carta Magna.
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Em reforo autonomia municipal, estabelece a Constituio
sistema de transferncia de recursos do Estado-membro e da Unio para
os Municpios (arts. 158, IV, e 159, I, a).
Tradicionalmente, a autonomia municipal tem importante
relevo na histria brasileira, sendo inclusive anterior autonomia
estadual e prpria instituio do Federalismo no Pas [cf. GARCIA,
Maria. O Modelo Poltico Brasileiro: Pacto Federativo ou Estado
Unitrio in MARTINS, MENDES & TAVARES (coord.). Lies de Direito
Constitucional em Homenagem ao Jurista Celso Bastos. So Paulo: Saraiva,
2005. pp. 778 (791-792)].
Nada obstante a extensa discusso doutrinria acerca da
natureza, ou no, dos municpios como entes federados (a propsito, cf.
MENDES, COELHO & BRANCO. Curso de Direito Constitucional. So
Paulo: Saraiva, 2007, pp. 769-770; CASTRO, Jos Nilo de. Direito Municipal
Positivo. 4 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. pp. 53 e ss.), possvel
caracterizar o ncleo essencial da autonomia municipal consoante as
diretrizes constitucionais supracitadas.
De forma geral, a autonomia demanda a pluralidade de
ordenamentos e a repartio de competncias. Em seu clssico estudo, o
Prof. Baracho bem assentou que a autonomia pressupe poder de direito
pblico no soberano, que pode, em virtude de direito prprio e no em
virtude de delegao, estabelecer regras de direito obrigatrias (cf.
BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de
Janeiro: Forense, 1986. p. 85).
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Especificamente quanto autonomia dos municpios, a
doutrina destaca quatro atribuies ou capacidades essenciais: a) poder
de auto-organizao (elaborao de lei orgnica prpria); b) poder de
autogoverno, pela eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos
vereadores; c) poder normativo prprio, ou de autolegislao, mediante a
elaborao de leis municipais na rea de sua competncia exclusiva e
suplementar; e d) poder de auto-administrao: administrao prpria para
criar, manter e prestar os servios de interesse local, bem como legislar
sobre seus tributos e aplicar suas rendas (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Municipal Brasileiro. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2006, p. 93).
Dessas atribuies, caracterizam-se os elementos da
autonomia municipal, quais sejam, autonomia poltica (capacidade de
auto-organizao e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de
fazer leis prprias sobre matria de sua competncia), a autonomia
administrativa (administrao prpria e organizao de servios locais) e a
autonomia financeira (capacidade de decretao de seus tributos e
aplicao de suas rendas, que uma caracterstica da auto-
administrao). (SILVA, Jos Afonso da Silva. O Municpio na
Constituio de 1988. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, pp. 8-9).
Em sentido semelhante, o art. 28 (2) 1 da Constituio Alem
garante a autonomia municipal nos seguintes termos: Aos Municpios
deve ser garantido o direito de regular todos os interesses da comunidade
local, nos moldes das leis, com responsabilidade prpria. (Den
Gemeinden mu das Recht gewhrleistet sein, alle Angelegenheiten der rtlichen
Gemeinschaft im Rahmen der Gesetze in eigener Verantwortung zu regeln).
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ADI 1842 / RJ
A propsito dessa garantia, o Prof. Otto Gnnenwein ensina:
El derecho a la autonoma administrativa no es ningn derecho fundamental em el sentido de um derecho pblico subjetivo de los Municipios, ninguna libertad del Municipio fundamental como aquella de que hablaba la Constitucin de 1848. A la autonoma administrativa se le concede ms bien una garanta institucional. Est protegida contra qualquier posible supresin por parte del legislador. Pero el todava discutido artculo 91 de la Ley del Tribunal de Constitucionalidade concede a los Municipios una proteccin jurdica immediata em la figura de la queja constitucional por la cual, en caso necessario, pude declararse nula una norma legal que contravenga el artculo 28.
En la pratica, la garanta institucional se aproxima as, nuevamente, a una concesin de una esfera de libertad fundamental. De modo indirecto se reconoce tambin con ello el derecho del individuo a desarrollar en la comunidad local, juntamente con los dems ciudadanos, una administracin independiente del Estado. Al Municipio se le conceden derechos de defensa contra el Estado, cuando el poder legislativo o el ejecutivo violan el derecho a la autonomia administrativa, institucionalmente garantizado. (...).
En cuanto al alcance de la garanta institucional, la sentencia del 10-11 de diciembre de 1929 del Tribunal del Estado del Imperio Aleman ha perdurado como modelo. No slo es inadimisible la supresin total de la competencia del Municipio, sino que el legislador tampoco debe coartala de tal forma que su autonoma administrativa quede interiormente vaca, pierda la posibilidad de actuar firmemente y slo pueda llevar una existencia ficticia; es decir, que se realice lo que se ha llamado um bloqueo de esencia. Las tareas del
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Municipio no deben contraerse a los retazos de asuntos pblicos no reclamados por el Estado. Al juzgar el problema de si existe una intromisin contra la esencia de la autonoma, hay que atender a lo que queda de esa autonoma despus de esa intromisin. En la determinacin del concepto de autonoma administrativa no es la historia lo menos importante.
Habra que considerar ficticia la existencia de los Municipios si el legislador del Estado separara la administracin comunal partes de su ncleo y de su centro, por ejemplo, si al igual que los Estados principescos absolutos, quisiera arrebatar a los Municipios la administracin de su patrimonio, e hiciera nombrar los rganos y los funcionarios de los Municipios por las autoridades del Estado, y tambin cuando quisiera configurar la inspecin del Estado segn las lneas histricas de la tutela y, por ejemplo, declarara ejecutables ls decisiones de los Municipios nicamente cuando, despes de ser sometidas a las autoridades de inspeccin, no suscitaran objeciones. Tambien existira una falta de contenido em la autonoma administrativa cuando el Estado convirtiera gran parte de las tareas de la comunidad local em tareas del Estado, y confiara su desempeo a los Municipios slo em carcter delegado. Las tareas importantes de la comunidad local no pueden sustraerse al desempeo por los Municipios, bajo su propria responsabilidad, cosa que ocurrira si existiera una administracin delegada.(GNNENWEIN, Otto. Derecho Municipal Alemn. Trad. Miguel Saenz-Sagaseta. Madrid: Instituto de Estudios de Administracion Local, 1967. pp. 46/50).
Dessas consideraes, depreende-se que a essncia da
autonomia municipal contm primordialmente (i) auto-administrao, que
implica capacidade de decisria quanto aos interesses locais, sem
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delegao ou aprovao hierrquica; e (ii) autogoverno, que determina a
eleio do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Poder
Legislativo (cf. BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do
Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 93).
Com efeito, a caracterstica do autogoverno traduz (a)
independncia da administrao municipal em relao a outras estruturas
organizacionais e (b) o direito reflexo dos administrados de participarem
no processo decisrio quanto aos interesses locais, como bem apontou o
Prof. Gnnenwein, elegendo o poder executivo (prefeito e vice-prefeito) e
poder legislativo (vereadores) locais. Por sua natureza, o autogoverno
compreende a autonomia poltica e normativa.
De outra sorte, a auto-administrao demanda (a) mnimo de
competncias materiais - incluindo a gesto de seus servidores,
patrimnio e tributos (b) executadas por autoridade, isto sem
delegao, e com responsabilidade prprias.
Evidentemente, o mnimo de competncias materiais
municipais depende do contexto histrico e circunscreve-se ao interesse
predominantemente local, ou seja, aquele interesse que no afeta
substancialmente as demais comunidades.
Como bem apontado pelo Prof. Alar Caff Alves, razes de
ordem tcnica, econmica, ambiental, social, geogrfica etc. podem
transpor certas atividades e servios do interesse eminentemente local
para o regional e vice-versa, sem constituir qualquer violao
autonomia municipal [ALVES, Alar Caff. Regies Metropolitanas,
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ADI 1842 / RJ
Aglomeraes Urbanas e Microrregies: novas dimenses constitucionais
da organizao do Estado brasileiro in Revista de Direito Ambiental Vol.
21. Ano 6. jan-mar 2001. p. 57 (77)]
Ademais, o controle da estrutura e do financiamento na
gerncia de interesses locais indispensvel para que o municpio possa
implementar suas decises sem necessidade de autorizao ou referendo
dos estados e da Unio.
Logo, a auto-administrao engloba a autonomia
administrativa e financeira.
Em resumo, assegura-se a autonomia municipal desde que
preservados o autogoverno e a auto-administrao dos municpios.
No que se refere integrao metropolitana, por sua vez, a
Constituio Federal acolheu expressamente a possibilidade de criao de
regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies, nos
termos do art. 25, 3, verbis:
3 Os Estados podero, mediante lei complementar,
instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas
e microrregies, constitudas por agrupamentos de
Municpios limtrofes, para integrar a organizao, o
planejamento e a execuo de funes pblicas de
interesse comum.
Assim, a Carta Magna no ignorou os fenmenos da
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ADI 1842 / RJ
concentrao urbana e da conurbao, ou seus desafios, que extravasam
interesses locais de modo a atingir diversas comunidades e a situar-se sob
diferentes autoridades municipais. O prprio crescimento das estruturas
urbanas conecta municpios limtrofes de forma to acentuada que, por
vezes, no possvel discernir e precisar responsabilidades e interesses
locais.
Em especial, duas dificuldades agravam-se nessa nova
estrutura urbana: (i) a inviabilidade econmica e tcnica de os municpios
implementarem isoladamente determinadas funes pblicas e (ii) a
possibilidade de um nico municpio obstar o adequado atendimento dos
interesses de vrias comunidades.
Desde a Constituio de 1937, dispe-se sobre o
agrupamento de municpios para instalao, explorao e administrao
dos servios pblicos comuns, inclusive atribuindo-o personalidade
jurdica limitada a seus fins. (art. 29, CF/1937). A constituio e
administrao de tais agrupamentos deveriam ser reguladas pelo Estado,
nos termos do pargrafo nico do art. 29, CF/1937.
Relativamente Constituio de 1946, permitiu-se ao Estado
to-somente a criao de rgo de assistncia tcnica aos Municpios
(art. 24, CF/1946) para auxiliar no fenmeno metropolitano.
No tocante Constituio de 1967 (art. 157, 10), inclusive
com a Emenda Constitucional n 1/1969 (art. 164), o tema foi tratado no
mbito da Ordem Econmica, dispondo que a Unio, mediante lei
complementar, poder para a realizao de servios comuns, estabelecer
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ADI 1842 / RJ
regies metropolitanas, constitudas por municpios que,
independentemente de sua vinculao administrativa, faam parte da
mesma comunidade scio-econmica.
Com amparo nessa disposio, a Lei Complementar federal
n 14/1973 criou as regies metropolitanas de So Paulo, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belm e Fortaleza.
De outra sorte, a atual Carta Magna no s devolve a
competncia da instituio das regies metropolitanas aos Estados
federados, como inaugura outros institutos similares, quais sejam as
aglomeraes urbanas e microrregies. O Prof. Jos Afonso da Silva
diferencia os referidos agrupamentos municipais:
Regio Metropolitana constitui-se de um conjunto de
Municpios cujas sedes se unem com certa
continuidade urbana em torno de um Municpio plo.
Microrregies formam-se de grupos de Municpios
limtrofes com certa homogeneidade e problemas
administrativos comuns, cujas sedes no sejam unidas
por continuidade. Aglomerados urbanos carecem de
conceituao, mas, de logo, se percebe que se trata de
reas urbanas, sem um plo de atrao urbana, quer
tais reas sejam cidades sedes dos Municpios, como na
baixada santista (em So Paulo), ou no. (SILVA, Jos
Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed.
So Paulo: Malheiros, 2001. p. 649).
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ADI 1842 / RJ
Para estas formas de integrao, a Constituio Federal de
1998 estabelece como requisitos: (i) lei complementar estadual; (ii)
agrupamento de municpios limtrofes; (iii) o objetivo de integrar a
organizao, o planejamento e a execuo; (iv) no mbito de funes
pblicas; e (v) de interesse comum.
Evidentemente, a integrao metropolitana passa
necessariamente pela autonomia municipal para dar solues que vo
alm do que cada municpio pode realizar (cf. BARACHO, Jos Alfredo
de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p.
141).
De forma geral, o saudoso Hely Lopes Meirelles assim
equaciona o equilbrio entre autonomia municipal e integrao
metropolitana:
O essencial que a lei complementar estadual contenha
normas flexveis para a implantao da Regio
Metropolitana, sem obstaculizar a atuao estadual e
municipal; oferea a possibilidade de escolha, pelo Estado, do
tipo de Regio Metropolitana a ser instituda; torne
obrigatria a participao do Estado e dos Municpios
interessados na direo e nos recursos financeiros da Regio
Metropolitana; conceitue corretamente as obras e servios de
carter metropolitano, para que no se aniquile a autonomia
dos Municpios pela absoro das atividades de seu interesse
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ADI 1842 / RJ
local; e, finalmente, se atribuam Regio Metropolitana
poderes administrativos e recursos financeiros aptos a
permitir o planejamento e a execuo das obras e servios de
sua competncia sem os entraves da burocracia estatal. Sem
estas caractersticas a Regio metropolitana no atingir
plenamente suas finalidades (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Municipal Brasileiro. 14 ed. So Paulo:
Malheiros, 2006, p. 83).
Em sentido semelhante, o Prof. Alar Caff Alves ensina:
Pela funo da referida lei complementar [que institui
agrupamento de municpios], deduz-se que tais regies
devero ter tratamento constitucional a nvel do
Estado, perfazendo as bases institucionais de sua
criao e funcionamento em face da existncia de
municpios delas integrantes. Quer dizer tambm que,
uma vez constitudas por lei complementar, a
integrao dos municpios ser compulsria para o
efeito de realizao das funes pblicas de interesse
comum, no podendo o ente local subtrair-se figura
regional, ficando sujeito s condies estabelecidas a
nvel regional para realizar aquelas funes pblicas de
interesse comum. Esta peculiaridade, singular em
nosso direito, define os limites da autonomia
municipal no mbito urbano-regional metropolitano.
[ALVES, Allar Caff. Regies Metropolitanas,
Aglomeraes Urbanas e Microrregies: novas
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ADI 1842 / RJ
dimenses constitucionais da organizao do Estado
brasileiro. in Revista de Direito Ambiental. Ano 6. Jan-
Mar 2001. p. 57 (61-62)].
Destaque-se que ponto fundamental na constituio da
integrao metropolitana o interesse comum, que no se confunde com o
simples somatrio de interesses locais.
Com efeito, a partir de fenmenos como a conurbao, o
desatendimento de determinadas funes pblicas pode afetar no s
aquela comunidade, mas pode atingir situaes alm de suas fronteiras,
principalmente considerando os municpios limtrofes. Ou seja, a falta de
determinado servio ou atividade que normalmente s diz respeito a uma
nica comunidade, pode eventualmente neutralizar o esforo de vrios
municpios ao redor.
Da que a integrao metropolitana surja no s como
condio de viabilidade para determinadas polticas pblicas, mas como
forma de exigir a execuo das decises tomadas coletivamente.
Nesse ponto, destaque-se que o mencionado interesse comum
no comum apenas aos municpios envolvidos, mas ao Estado e aos
Municpios do agrupamento urbano (cf. SILVA, Jos Afonso da. Direito
Urbanstico Brasileiro. 4 ed. So Paulo: Malheiros, 2006. p. 164).
Ressalte-se que o carter compulsrio da participao dos
municpios em regies metropolitanas, microrregies e aglomeraes
urbanas j foi acolhido pelo Pleno deste STF, ao julgar inconstitucional
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ADI 1842 / RJ
tanto a necessidade de aprovao prvia pelas Cmaras Municipais (ADI
1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002) quanto a exigncia de
plebiscito nas comunidades interessadas (ADI 796/ES, Rel. Min. Nri da
Silveira, DJ 17.12.1999).
Na verdade, tais aspectos da integrao metropolitana
(interesse comum e compulsoriedade) no so incompatveis, em tese,
com o ncleo essencial da autonomia dos municpios participantes.
Com efeito, a deciso e a execuo colegiadas so aptas a, por
um lado, garantir o adequado atendimento do interesse comum e
vincular cada comunidade e, por outro lado, preservar o autogoverno e a
auto-administrao dos municpios.
Assim, determinados os elementos essenciais da autonomia
municipal e da integrao metropolitana, passo a analisar sua relao
com a funo pblica de interesse comum em discusso, qual seja, o
saneamento bsico.
4) Agrupamentos Municipais e Saneamento Bsico
Como bem apontado pelo Min. Maurcio Corra, a
competncia para promover a melhoria das condies de saneamento
bsico comum da Unio, dos Estados e Municpios (art. 23, IX, CF/1988).
Recentemente, a Lei Federal n 11.445/2007 - em atendimento
ao comando do art. 21, XX, da Carta Magna fixou diretrizes sobre o
saneamento bsico, definindo-o nos seguintes termos:
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ADI 1842 / RJ
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - saneamento bsico: conjunto de servios, infra-
estruturas e instalaes operacionais de:
a) abastecimento de gua potvel: constitudo pelas
atividades, infra-estruturas e instalaes necessrias ao
abastecimento pblico de gua potvel, desde a
captao at as ligaes prediais e respectivos
instrumentos de medio;
b) esgotamento sanitrio: constitudo pelas atividades,
infra-estruturas e instalaes operacionais de coleta,
transporte, tratamento e disposio final adequados
dos esgotos sanitrios, desde as ligaes prediais at o
seu lanamento final no meio ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resduos slidos:
conjunto de atividades, infra-estruturas e instalaes
operacionais de coleta, transporte, transbordo,
tratamento e destino final do lixo domstico e do lixo
originrio da varrio e limpeza de logradouros e vias
pblicas;
d) drenagem e manejo das guas pluviais urbanas:
conjunto de atividades, infra-estruturas e instalaes
operacionais de drenagem urbana de guas pluviais,
de transporte, deteno ou reteno para o
amortecimento de vazes de cheias, tratamento e
disposio final das guas pluviais drenadas nas reas
urbanas;
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ADI 1842 / RJ
Por outro lado, o art. 3, II, da LC 87/1997/RJ, inclui no
conceito de saneamento bsico o abastecimento e produo de gua
desde sua captao bruta dos mananciais existentes no Estado, inclusive
subsolo, sua aduo, tratamento e reservao, a distribuio de gua de
forma adequada ao consumidor final, o esgotamento sanitrio e a coleta
de resduos slidos e lquidos por meio de canais, tubos ou outros tipos
de condutos e o transporte das guas servidas e denominadas
esgotamento, envolvendo seu tratamento, decantao em lagoas para
posterior devoluo ao meio ambiente em cursos dgua, lagos, baas e
mar, bem como as solues alternativas para os sistemas de esgotamento
sanitrio.
No h dvida quanto complexidade e importncia da
prestao de servios de saneamento bsico.
Por um lado, as prprias circunstncias naturais e o elevado
custo para a adequada prestao do servio pblico e, principalmente,
para instalao e manuteno da infra-estrutura necessria - como canais
e tubos em paralelo para amplo abastecimento de gua e recolhimento de
esgoto, estruturas de drenagem de guas pluviais, estaes de tratamento
etc. - demandam expressivos aportes financeiros, alm de condies
tcnicas, que nem sempre esto ao alcance da grande maioria dos
municpios brasileiros.
Alm disso, o servio de saneamento bsico constitui
monoplio natural, pois os custos fixos de implantao e manuteno do
sistema so to elevados que uma nica fornecedora pode atender a toda
demanda com custo menor que mltiplas fornecedoras (cf. COOTER &
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ADI 1842 / RJ
ULEN. Law and Economics. 5 ed. Boston: Pearson, 2007. p. 35 e ss.
POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7 ed. New York: Aspen,
2007. p. 367 e ss.).
Assim, a configurao de monoplio natural revela no s ser
inexeqvel o estabelecimento de concorrncia na prestao de servio de
saneamento bsico, como tambm indica que a reunio da demanda de
municpios limtrofes pode reduzir custos e tornar o servio mais atrativo
para concessionrios privados.
Notoriamente, poucos so os municpios que por si ss tm
condies de atender adequadamente funo pblica de saneamento
bsico. Normalmente, o prprio acesso aos recursos hdricos depende da
integrao das redes de abastecimento entre diversos municpios.
Captao, tratamento, aduo, reserva, distribuio e,
posteriormente, recolhimento e conduo do esgoto, bem como sua
disposio final indicam vrias etapas que usualmente ultrapassam os
limites territoriais de um dado municpio.
Ademais, raras comunidades compreenderiam isoladamente
poder aquisitivo suficiente para atrair o interesse de concessionrios
privados ou para custear diretamente a prestao dos servios inerentes
ao saneamento bsico.
Por outro lado, a inadequao na prestao da funo pblica
de saneamento bsico enseja problemas ambientais e de sade pblica
que afetam comunidades prximas, principalmente nos casos em que se
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ADI 1842 / RJ
verifica o fenmeno da conurbao.
O vnculo entre saneamento bsico e sade pblica to
estreito que a prpria Constituio Federal atribuiu competncia ao SUS
para participar na formulao da poltica e da execuo das aes de
saneamento bsico (art. 200, IV, CF/1988).
Dessa forma, a funo pblica do saneamento bsico
freqentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de
interesse comum, apta a ensejar a instituio de regies metropolitanas,
aglomeraes urbanas e microrregies, nos termos do art. 25, 3, da
Constituio Federal.
Com efeito, a integrao do planejamento e execuo do
saneamento bsico de agrupamento de municpios no s privilegia a
economicidade e eficincia de recursos naturais e financeiros - por
exemplo, aproveitando estao de tratamento e redes de distribuio e
coleta para diversas comunidades como permite subsdios cruzados,
isto , a compensao de deficit na prestao de servio em determinadas
reas com o superavit verificado nas reas de maior poder aquisitivo.
Registre-se que esta integrao pode ocorrer tanto
voluntariamente, por meio de gesto associada, empregando convnios
de cooperao ou consrcios pblicos, consoante os arts. 3, II, e 24 da Lei
Federal n 11.445/2007 e 241 da Constituio Federal, como
compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar
estadual que institui as aglomeraes urbanas.
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ADI 1842 / RJ
No direito comparado, discutem-se vrios modelos que
permitam a integrao de comunidades locais para a prestao da funo
de saneamento bsico.
Por exemplo, na rea metropolitana de Nova Iorque (NYC)
ocorreu verdadeira incorporao de diferentes municpios (Bronx,
Brooklin, Manhattan, Queens e Staten Island) para concentrar a execuo
dos servios de saneamento bsico sob a autoridade do prefeito do
municpio plo. Assim, o New York City Departament of Environmental
Protection controla todo o servio de abastecimento de gua e
recolhimento de esgoto.
A anexao de municpios menores pelos municpios plos
foi a primeira soluo promovida para atender interesses comuns
(MARTIN MATEO, Ramon. Problematica Metropolitana. Madrid:
Montecorvo, 1974. p. 233).
Tal modelo ainda empregado atualmente, como demonstra
o caso da Cidade de Toronto, em que foram incorporados 6 municpios de
seu entorno (cf. BURNS, Daniel. A recente reforma municipal do Canad
com ateno particular ao caso de Toronto in O Desafio da Gesto das
Regies Metropolitanas em Pases Federativos. Braslia, Cmara dos
Deputados, 2004. p. 27-29).
Na Alemanha, destaca-se o modelo dos Kreise, que institui
associao distrital, com regime de competncias de interesse comum. A
propsito, Andreas J. Krell explicita a natureza e caractersticas das
circunscries municipais:
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ADI 1842 / RJ
Nesse ponto, cabe fazer um excurso para uma instituio famosa da administrao pblica na Alemanha, o Kreis, cuja traduo adequada crculo ou circunscrio municipal. A competncia dos Kreise baseada no princpio da subsidiariedade, quer dizer: somente aquelas funes que os prprios municpios no conseguem exercer sozinhos de maneira satisfatria, devem ser cumpridos pelo respectivo Kreis, que, na mdia, integra de 20 a 30 municpios menores e rurais.
O Kreis exerce funes genuinamente supra-municipais como a construo e a manuteno de estradas regionais, a gesto de parques naturais, o controle de qualidade do ar ou o transporte coletivo regional. Ao lado dessas, ele desenvolve tambm medidas de compensao para reduzir as diferenas de capacidade administrativa dos seus membros e cumpre a funo de complementao, oferecendo servios que os municpios no seriam capazes de resolver sozinhos, como por exemplo, o abastecimento de gua, o tratamento de esgotos ou a manuteno de escolas secundrias. A execuo da maioria das tarefas obrigatrias dos municpios so de responsabilidade dos Kreise (autorizao de construes, porte de armas, licensiamento de automveis, servios de estrangeiros, defesa civil).
Ao lado dessas atividades, o Kreis exerce tambm funes da esfera governamental superior, isto , dos governos dos estados federados. Verificamos, portanto, uma funo dupla do Kreis, como comunidade territorial supralocal e grmio ou microrregio municipal e, por outro lado, como direito administrativo estadual. (KRELL, Andreas Joachim. Perspectivas dos Municpios, in Livro de Teses da XVI Conferncia Nacional de Advogados, Braslia: OAB, s.d.,
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ADI 1842 / RJ
p.44).
Ainda a respeito dos Kreise, Aspsia Camargo asseverou em
estudo comparativo entre os federalismos alemo e brasileiro:
Os mecanismos de cooperao horizontal entre municpios [alemes] so muito mais eficazes, em torno do Kreis, e correspondem a unidades microrregionais de planejamento, e as aes estratgicas de conjunto, a mecanismos de controle e execuo nas quais se aplica o princpio da subsidiariedade em favor dos mais fracos, sempre de maneira complementar e respeitando o espao de autonomia das comunas. (CAMARGO, Aspsia Federalismo Cooperativo e o Princpio da Subdisiariedade: Notas sobre a Experincia Recente do Brasil e da Alemanha, in HOFMEISTER & CARNEIRO, Federalismo na Alemanha e no Brasil. So Paulo: Fundao Konrad Adenauer, 2001, p. 82).
Na Espanha, aplicou-se modelo na regio metropolitana de
Bilbao em que havia um conselho geral, com representantes dos
municpios perifricos, e uma comisso executiva, presidida pelo prefeito
do Municpio plo. Todavia, no se estabeleceram competncias claras
que diferenciassem o papel da organizao metropolitana e dos
municpios que a compunham (cf. MARTIN MATEO, Ramon.
Problematica Metropolitana. Madrid: Montecorvo, 1974. p. 234/235).
Ressalte-se que aps a nova Constituio espanhola de 1978,
os modelos regionais foram reformulados de acordo com cada Comunidad
Autonoma. Assim, enquanto na regio metropolitana de Madri os servios
de saneamento bsico so executados exclusivamente por meio da
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empresa pblica Canal de Isabel II, na regio de Barcelona a adeso
Entidade de Meio Ambiente da rea Metropolitana no compulsria.
Na ndia, a responsabilidade pelas reas metropolitanas no
dos governos locais ou da Unio, mas dos governos estaduais, que em
geral criam instituies especializadas.
A exceo a regio metropolitana de Nova Delhi, pois na
qualidade de capital da ndia, constitui territrio da Unio, com Poder
Legislativo prprio. Formada em 1957, a Grande Delhi amalgamou 11
municpios ao Municpio de Delhi, que s abrange 10% da rea
metropolitana.
A partir de ento, a responsabilidade pelos servios bsicos
de construo, manuteno e limpeza de drenos e trabalhos de
drenagem; limpeza, remoo e disposio do lixo e outros materiais
poluidores; (...) melhorias de bueiros (...); servio de gua; limpeza de vias
pblicas; entre outros restou transferida dos municpios anexados para a
Municipal Corporation of Delhi (cf. MARTHUR, Om Prakash. ndia:
arranjos financeiros e estruturas de gesto da regio metropolitana de
Nova Delhi. in O Desafio da Gesto das Regies Metropolitanas em Pases
Federativos. Braslia, Cmara dos Deputados, 2004. p. 29-31).
Na Frana, criaram-se comunidades urbanas, atribuindo ao
mbito metropolitano os servios sanitrios e de saneamento. Tambm na
Inglaterra, definiram-se competncias semelhantes entre a Autoridade
Metropolitana e os Conselhos de Distrito metropolitano (cf. BARACHO,
Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro:
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Forense, 1986. p. 133).
Por bvio, modelo funcional de saneamento bsico no deve
ignorar as indispensveis fontes de recursos hdricos [cf. BARROSO, Luis
Roberto. Saneamento Bsico: Competncias Constitucionais da Unio,
Estados e Municpios in Revista Dilogo Jurdico n 13 abr/mai 2002,
Salvador, disponvel em www.direitopublico.com.br. Acesso em
5.12.2007, p. 5].
No Brasil, a Lei federal n 9.433/1997 estipulou como
fundamento da Poltica Nacional a administrao dos recursos hdricos
em funo das bacias hidrogrficas (art. 1, V, da Lei n 9.433/1997).
Com efeito, a bacia hidrogrfica deve ser o ncleo da
unidade de planejamento e o referencial para toda ao de
aproveitamento de recursos hdricos, inclusive de saneamento bsico,
uma vez que consiste no elemento determinante para viabilidade e
racionalidade do sistema.
Ressalte-se que o art. 1, VI, da Lei n 9.433/1997 tambm
prev como fundamento a gesto descentralizada dos recursos hdricos
com a participao do Poder Pblico, dos usurios e das comunidades.
Dessa forma, a integrao metropolitana em funo de
saneamento bsico surge como imperativo da prpria Poltica Nacional
dos Recursos Hdricos e deve pautar-se no uso racional dos recursos
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ADI 1842 / RJ
hdricos, alm de promover o adequado atendimento do interesse comum
e resguardar a autonomia dos municpios.
De acordo com o relatrio do Seminrio Desafio da Gesto
das Regies Metropolitanas nos Pases Federativos promovido pela
Cmara dos Deputados, ao menos 26 reas metropolitanas, que agregam
cerca de 439 municpios, j foram institudas no Pas (cf. MOURA, Rosa.
A situao socioeconmica das Regies Metropolitanas: desigualdades e
diversidade regional in O Desafio da Gesto das Regies Metropolitanas em
Pases Federativos. Braslia, Cmara dos Deputados, 2004. p. 34).
Nesse contexto, preciso garantir, por um lado, que um
municpio isoladamente no obstrua todo o esforo comum para
viabilidade e adequao da funo de saneamento bsico em toda regio
metropolitana, microrregio e aglomerado urbano.
Por outro lado, tambm deve se evitar que o poder decisrio
e o poder concedente concentrem-se nas mos de um nico ente, quer o
estado federado, quer o municpio plo.
Nesse sentido, a instituio de regies metropolitanas,
aglomeraes urbanas ou microrregies pode vincular a participao de
municpios limtrofes, com o objetivo de executar e planejar a funo
pblica do saneamento bsico, seja para atender adequadamente s
exigncias de higiene e sade pblica, seja para dar viabilidade
econmica e tcnica aos municpios menos favorecidos. Repita-se que este
carter compulsrio da integrao metropolitana no esvazia a
autonomia municipal [cf. ALVES, Alar Caff. Regies Metropolitanas,
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Aglomeraes Urbanas e Microrregies: novas dimenses constitucionais
da organizao do Estado brasileiro in Revista de Direito Ambiental Vol.
21. Ano 6. jan-mar 2001. p. 57 (77); e VASQUES, Denise. Instituio de
Regies Metropolitanas e Competncias Constitucionais Luz do
Supremo Boletim de Direito Municipal n 05, Ano XXI, maio 2005, p. 368
(373)].
Alm disso, a integrao da funo pblica de saneamento
bsico implica necessariamente a concentrao da regulao, do controle,
do planejamento e da superviso do servio do saneamento bsico, de
forma a uniformizar sua execuo. No entanto, tal concentrao no viola
a autonomia municipal nos casos em que a titularidade do interesse
comum seja de rgo em que os representantes eleitos das comunidades
locais (autogoverno) participem de deciso colegiada (auto-
administrao).
Na verdade, o problema surge no momento em que deve se
arbitrar, de acordo com os atuais padres constitucionais, que ente tem a
responsabilidade de atender ao saneamento bsico nos casos de
aglutinaes urbanas. Em outras palavras, quem detm o poder
concedente quanto ao servio de saneamento bsico: os municpios, o
estado, o municpio plo? a prpria entidade metropolitana?
Conforme exposto, o voto do Relator, Min. Maurcio Corra,
admite a possibilidade de o Estado-membro regular e executar funes e
servios pblicos de interesse comum, cometendo-lhe a
responsabilidade pela implantao de polticas unificadas de prestao
de servios pblicos.
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Esse entendimento tem amplo suporte doutrinrio [cf.
BARROSO, Luis Roberto. Saneamento Bsico: Competncias
Constitucionais da Unio, Estados e Municpios in Revista Dilogo
Jurdico n 13 abr/mai 2002, Salvador, disponvel em
www.direitopublico.com.br. Acesso em 5.12.2007, p. 21; TANAKA, Snia
Yuriko Kanashiro. O Poder Concedente dos Servios Pblicos de
Saneamento Bsico, sobretudo na Regio Metropolitana de So Paulo:
Estado ou Municpio? in Boletim de Direito Municipal n 6, Ano XXI, jun
2005. p. 466 (474); FIGUEIREDO, Marcelo. O Saneamento Bsico e o
Direito uma viso dos principais problemas jurdicos in WAGNER
JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa (coord.). Direito Pblico: Estudos em
homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p. 511 (520)].
No entanto, data venia, entendo que tal concluso no merece
prosperar, pois no compatvel com a Constituio Federal a
transferncia integral do poder concedente seja ao estado federado, seja ao
municpio plo, uma vez que eliminaria, neste aspecto, a capacidade de
auto-administrao dos municpios envolvidos e, conseqentemente,
ncleo essencial da autonomia municipal.
De outra sorte, os votos divergentes dos Ministros Joaquim
Barbosa e Nelson Jobim compreendem que deve ser respeitada a diviso
de responsabilidades entre municpio e estados, porm no coincidem
quanto titularidade das funes pblicas de interesse comum.
Por um lado, o r. voto do Min. Nelson Jobim, amparado pelos
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votos dos Ministros Ilmar Galvo e Eros Grau na ADI-MC 2077/BA,
ressalta que as funes administrativas e executivas da REGIO
METROPOLITANA somente podem ser exercidas por rgo prprio ou
por rgo (pblico ou privado) a partir da autorizao ou concesso dos
municpios formadores.
Por outro lado, o entendimento do Min. Joaquim Barbosa
assenta que a titularidade do exerccio das funes pblicas de interesse
comum passa para a nova entidade poltico-territorial-administrativa, de
carter intergovernamental, que nasce em conseqncia da criao da
regio metropolitana.
De acordo com o ordenamento constitucional, no razovel
a manuteno do poder concedente em cada municpio participante, sob
pena de esvaziar o contedo do art. 25, 3, da Constituio Federal e a
prpria instituio de regio metropolitana, microrregio ou aglomerao
urbana, alm de inviabilizar a prestao integrada e o adequado
atendimento do interesse comum.
Na realidade, ao contrrio da posio sustentada pelo Min.
Jobim, o interesse comum tutelado pelas aglomeraes municipais no
constitui apenas o somatrio integrado das competncias e atribuies
dos municpios formadores.
A inadequao da prestao da funo de saneamento bsico
em um nico municpio pode inviabilizar todo o esforo coletivo e afetar
vrios municpios prximos.
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Assim, o interesse comum muito mais que a soma de cada
interesse local envolvido, pois a m conduo da funo de saneamento
bsico por apenas um Municpio pode colocar em risco todo o esforo do
conjunto, alm das conseqncias para a sade pblica de toda a regio.
A soluo parece residir no reconhecimento de sistema
semelhante aos Kreise alemes, em que o Agrupamento de municpios junto
com o estado federado detenha a titularidade e o poder concedente, ou seja,
o colegiado formado pelos municpios mais o estado federado decida
como integrar e atender adequadamente funo de saneamento bsico.
Nesse sentido, o magistrio de Alar Caff pertinente:
A criao por lei complementar da Constituio do estado, conforme o dispositivo da Carta Federal, das referidas figuras regionais, induz ao entendimento de que aquelas funes pblicas de interesse comum no so de exclusiva competncia local. E mais, no so tambm de competncia exclusiva do Estado. (...) Se o entendimento fosse de ordem tradicional, unilinear e sem interpretao sistemtica, ao Estado simplesmente seria adjudicada a titularidade daqueles servios cujo controle e execuo demandassem ao administrativa supralocal. Neste caso, no haveria necessidade de participao dos municpios na gesto e controle de tais funes pblicas, uma vez que, sendo de carter regional, no seria, na forma da perspectiva tradicional, de sua pertinncia normativa e executiva. Seria inteira e privativamente de competncia do Estado, com excluso dos municpios.
Porm, por j no estarmos sob a gide do federalismo dual, estanque e centralizador, a interpretao no pode ser essa, sob pena de admitir a
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inutilidade jurdica das referidas figuras regionais, no plano da Constituio. Como essa linha seria um despautrio hermenutico, no h como deixar de interpretar que aquelas funes pblicas de interesse comum so de competncia conjunta (comum) dos municpios metropolitanos e do Estado que os integra. Por isso que so chamadas funes pblicas de interesse comum. Seu exerccio, entretanto peculiar, visto que os municpios no podero exerc-las de modo isolado, seno conjuntamente, numa espcie de co-gesto entre eles e o Estado que tem a responsabilidade de organiz-las originariamente, mediante lei complementar.
(...)Aqui, o poder originrio concedente de servios ou
funes comuns so municpios e o Estado, vez que somente estes entes possuem corpos legislativos para regrar sobre os servios pblicos de interesse regional. Entretanto, mediante um condomnio legislativo (obtido mediante o exerccio de compatnicias comuns e concorrentes complementares e supletivas), aqueles entes polticos podero e devero, por exigncia constitucional, criar as condies para a organizao intergovernamental administrativa pblica (uma espcie de autarquia territorial plurifuncional) para ser titular (derivado) do exerccio de competncias relativas s funes pblicas de interesse comum. Vale dizer que o Estado cria e organiza tal entidade administrativa, mediante lei complementar, mas no pode deixar, sob pena de inconstitucionalidade da medida, de admitir a participao dos municpios metropolitanos (ou integrantes das aglomeraes urbanas ou microrregies) para decidirem sobre assuntos regionais que, em ltima instncia, so tambm de seu interesse (local).
Neste sentido, no poder o Estado, ao criar a figura regional em apreo, gerenciar solitria e
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exclusivamente as funes pblicas de interesse comum (incluindo servios correspondentes) , pois, da entidade pblica administrativa (autarquia) organizada a nvel regional, de carter intergovernamental, onde representantes do Estado e dos municpios envolvidos devero, de forma paritria, participar das funes normativas, diretivas e adminsitrativas correspondentes. [ALVES, Alar Caff. Regies Metropolitanas, Aglomeraes Urbanas e Microrregies: novas dimenses constitucionais da organizao do Estado brasileiro in Revista de Direito Ambiental Vol. 21. Ano 6. jan-mar 2001. p. 57 (77)]
Tendo em vista os termos da Constituio de 1988, Jos
Afonso da Silva concorda que a titularidade [dos servios comuns] no
pode ser imputada a qualquer das entidades em si, mas ao Estado e aos
Municpios envolvidos. E o autor ressalta:
No nos parece, em princpio, que [a participao dos municpios em agrupamentos urbanos] se trate de cooperao, porque a lei complementar estadual, ao instituir a regio metropolitana, implica a definio das funes pblicas de interesse comum. Comum a quem? Funes pblicas de interesse comum a Estado e a Municpio na regio metropolitana e essa parece-nos a fundamental alterao que a atual formulao constitucional implica. E cabe lei complementar estadual definir estas funes pblicas de interesse comum. Mas essa definio tem limites, pois entre elas, evidentemente, no podem estar as de estrito interesse local, as que no tm dimenso metropolitana, que continuam integradas autonomia dos municpios integrantes; nem as do Estado que no sejam tambm de estrito interesse metropolitano. (SILVA, Jos
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Afonso da. Direito Urbanstico Brasileiro. 4 ed. So Paulo: Malheiros, 2006. p. 164)
Nada obstante a discusso doutrinria quanto
possibilidade de a regio metropolitana, a microrregio e o aglomerado
urbano deterem personalidade jurdica prpria [a propsito cf.
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. O Problema da Concesso de
Servios Pblicos em Regies Metropolitanas: (Re)Pensando um tema
relevante. Interesse Pblico n 24, Ano 5, mar/abr 2004, Porto Alegre:
Notadez p. 187 (191 e ss.)], o importante a existncia de estrutura
(convnio, agncia reguladora, conselho deliberativo etc.) com alguma
forma de participao de todos os entes envolvidos, capaz de concentrar
em um rgo uniformizador e tcnico, responsvel pela regulao e
controle do servio de saneamento bsico.
Assim, cabe a este rgo colegiado regular e fiscalizar a
execuo de suas decises, definindo inclusive as formas de concesso do
servio de saneamento bsico, poltica tarifria, instalao de subsdios
cruzados etc.
Ressalte-se, porm, que a participao dos entes nessa
deciso colegiada no necessita ser paritria, desde que apta a prevenir a
concentrao do poder decisrio no mbito de um nico ente. A
participao de cada Municpio e do Estado deve ser estipulada em cada
regio metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se
permita que um ente tenha predomnio absoluto.
Isto , ainda que a participao do Estado federado nessa
organizao seja imprescindvel [BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira.
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Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 133; ALVES,
Alar Caff. Regime Jurdico do Planejamento Metropolitano e
Autonomia Municipal in Vox Legis Vol. 137. Ano XII. mai 1980. p. 1 (6);
SILVA, Jos Afonso da. Direito Urbanstico Brasileiro. 4 ed. So Paulo:
Malheiros, 2006. p. 164; e ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. O
Problema da Concesso de Servios Pblicos em Regies Metropolitanas:
(Re)Pensando um tema relevante. Interesse Pblico n 24, Ano 5,
mar/abr 2004, Porto Alegre: Notadez p. 187 (191 e ss.)], inclusive para
assegurar os interesses de outras comunidades no abrangidas pela
aglomerao de municpios, seu voto isolado no pode ser suficiente para
fixar todo planejamento e a execuo da funo pblica de saneamento
bsico.
Obviamente, no se exige que o Estado ou o Municpio-plo
tenham peso idntico a comunidades menos expressivas, seja em termos
populacionais, seja em termos financeiros. A preservao da autonomia
municipal impede apenas a concentrao do poder decisrio e regulatrio
nesses entes.
Em concluso, na hiptese de integrao metropolitana, o
poder decisrio e o eventual poder concedente no devem ser
transferidos integralmente para o estado federado, como entendia o Min.
Maurcio Corra; nem permanecer em cada municpio individualmente
considerado, como sustentava mais enfaticamente o Min. Nelson Jobim.
Antes, a regio metropolitana deve, como ente colegiado,
planejar, executar e funcionar como poder concedente dos servios de
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saneamento bsico, inclusive por meio de agncia reguladora, de sorte a
atender o interesse comum e autonomia municipal.
5) Exame das normas questionadas
luz das consideraes acima expostas, todos os
dispositivos que condicionam a execuo da integrao metropolitana ao
exclusivo crivo de autoridade estadual so inconstitucionais.
Assim, a expresso a ser submetido Assemblia
Legislativa do inciso I do art. 5, alm do pargrafo nico do art. 5; dos
incisos I, II, IV e V do art. 6; do art. 7; do art. 10, todos da LC 87/1997/RJ
so efetivamente inconstitucionais por no pressuporem o poder
decisrio da integrao metropolitana no mbito do colegiado de
municpios integrantes e do estado federado, como os Conselhos
Deliberativos criados nos arts. 4 e 11 da LC 87/1997/RJ.
Ao contrrio, tais dispositivos delegam diretamente ao
Estado do Rio de Janeiro, ou alguma de suas autoridades, a palavra final
a respeito da execuo e funcionamento da organizao metropolitana e
das funes de interesse comum.
Quanto aos arts. 11 a 21 da Lei n 2.869/1997/RJ, a estrutura
de saneamento bsico para o atendimento de regio metropolitana retira
dos municpios qualquer poder de decidir, concentrando no Estado do
Rio de Janeiro todos os elementos executivos, inclusive a conduo da
especfica Agncia Reguladora e a fixao das tarifas dos servios das
concessionrias.
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A titularidade do servio de saneamento bsico,
relativamente distribuio de gua e coleta de esgoto, qualificada por
interesse comum e deve ser concentrada na Regio Metropolitana e na
Microrregio, nos moldes do art. 25, 3, da Carta Magna, respeitando a
conduo de seu planejamento e execuo por decises colegiadas dos
municpios envolvidos e do Estado do Rio de Janeiro.
Frise-se que no se veda a concesso do servio por meio de
lei estadual ou o controle de sua execuo por meio de agncia
reguladora no mbito estadual, mas estas providncias devem ser
dirigidas a partir de deciso em que os municpios e o estado federado
tenham participado conjuntamente.
Dessa forma, os arts. 11 a 21 da Lei n 2.869/1997/RJ,
porquanto decorrentes da deciso singular do Estado do Rio de Janeiro,
so inconstitucionais.
Acrescento, ainda, a manifesta inconstitucionalidade dos
pargrafos 2 tanto do art. 4, quanto do art. 11 da LC 87/1997/RJ, que
condiciona a execuo dos respectivos Conselhos Deliberativos
ratificao pelo Governador do Estado, que no restou apontada pelos
votos divergentes.
Em suma, declaro a inconstitucionalidade da expresso a ser
submetido Assemblia Legislativa do inciso I do art. 5, alm do
pargrafo 2 do art. 4; do pargrafo nico do art. 5; dos incisos I, II, IV e
V do art. 6; do art. 7; do art. 10, e do pargrafo 2 do art. 11 todos da LC
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87/1997/RJ, bem como dos 11 a 21 da Lei n 2.869/1997/RJ.
6) Modulao dos Efeitos da Declarao de
Inconstitucionalidade
A aprovao da Lei n. 9.868/1999 introduziu significativa alterao na tcnica de deciso de controle de constitucionalidade brasileiro. Em seu art. 27, a lei consagra a frmula segundo a qual, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razes de segurana jurdica ou de excepcional interesse social, poder o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois teros de seus membros, restringir os efeitos daquela declarao ou decidir que ela s tenha eficcia a partir de seu trnsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Resta notrio que o legislador optou conscientemente pela adoo de uma frmula alternativa pura e simples declarao de nulidade, que corresponde tradio brasileira.
O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence tradio do Direito brasileiro. A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente todos os nossos importantes constitucionalistas (BARBOSA, Rui. Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo. In: Trabalhos jurdicos. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1962, p. 70-1; e O direito do Amazonas ao Acre Septentrional. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1910, v. 1, p. 103; CAMPOS, Francisco Luiz da Silva. Direito
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constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, v. 1, p. 430-1; BUZAID, Alfredo. Da ao direta de declarao de inconstitucionalidade no direito brasileiro. So Paulo: Saraiva, 1958, p. 130-2; NUNES, Jos de Castro. Teoria e prtica do Poder Judicirio. Rio de janeiro: Revista forense, 1943, p. 589).
Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual the inconstitutional statute is not law at all (Cf. WILLOUGHBY, Westel Woodbury. The Constitutional law of the United States. New York, 1910, v. 1, p. 9-10. Cf. tambm COOLEY, Thomas M. A treatise on the constitutional limitations. 4. ed. Boston, 1878, p. 227), significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se em favor da equiparao entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspenso provisria ou parcial da Constituio (Cf. BUZAID, Alfredo. Da ao direta de declarao de inconstitucionalidade no direito brasileiro, cit. p. 128-32).
No entanto, no se deve perder de vista que, em determinados casos, a aplicao excepcional da lei inconstitucional traduz exigncia do prprio ordenamento constitucional. De fato, h situaes em que a aplicao da lei mostra-se, do prisma constitucional, indispensvel no perodo de transio, at a promulgao da nova lei.
Em razo destes casos, a disposio contida no art. 27 da Lei n. 9.868/1999 prev modalidade de deciso no direito brasileiro semelhante ao modelo consagrado no
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direito portugus, que, no art. 282 (4), da Constituio, estabelece frmula que autoriza o Tribunal Constitucional a limitar os efeitos das decises de inconstitucionalidade com fundamento no princpio da segurana jurdica e no interesse pblico de excepcional relevo.
A propsito do modelo portugus, registre-se a opinio abalizada de Jorge Miranda:
A fixao dos efeitos da inconstitucionalidade destina-se a adequ-los s situaes da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que pudesse comportar; destina-se a evitar que, para fugir a conseqncias demasiado gravosas da declarao, o Tribunal Constitucional viesse a no decidir pela ocorrncia de inconstitucionalidade; uma vlvula de segurana da prpria finalidade e da efetividade do sistema de fiscalizao.Uma norma como a do art. 282, n 4, aparece,
portanto, em diversos pases, seno nos textos, pelo menos na jurisprudncia.Como escreve Bachof, os tribunais
constitucionais consideram-se no s autorizados mas inclusivamente obrigados a ponderar as suas decises, a tomar em considerao as possveis conseqncias destas. assim que eles verificam se um possvel resultado da deciso no seria manifestamente injusto, ou no acarretaria um dano para o bem pblico, ou no iria lesar interesses dignos de proteo de cidados singulares. No pode entender-se isto, naturalmente, como se os tribunais tomassem como ponto de partida o presumvel resultado da sua deciso e passassem por cima da Constituio e da lei em ateno a um resultado desejado. Mas a verdade que um resultado injusto, ou por qualquer outra razo duvidoso, tambm em regra embora no sempre um resultado juridicamente errado. (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, 3 ed. Coimbra: 1991, t. 2, p. 500-502).
Ressalte-se, ademais, que o instituto vem tendo
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ampla utilizao desde a sua adoo. Segundo Rui Medeiros, entre 1983 e 1986, quase um tero das declaraes de inconstitucionalidade com fora obrigatria geral tiveram efeitos restritos. Essa tendncia manteve-se tambm entre 1989 e 1997: das 50 declaraes de inconstitucionalidade proferidas em processos de controle abstrato de normas pelo menos 18 teriam sido com limitao de efeitos (MEDEIROS, Rui. A Deciso de Inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 1999. p. 689).
Acentue-se que, ao contrrio do imaginado por alguns autores, tambm o conceito indeterminado relativo ao interesse pblico de excepcional relevo no mero conceito de ndole poltica. Em verdade, tal como anota Rui Medeiros, a referncia ao interesse pblico de excepcional relevo no contrariou qualquer inteno restritiva, nem teve o propsito de substituir a constitucionalidade estrita por uma constitucionalidade poltica ou de colocar a razo de Estado em lugar da razo da lei. Essa opo nasceu da constatao de que a segurana jurdica e a eqidade no esgotavam o universo dos valores ltimos do direito que, em situaes manifestamente excepcionais, podiam justificar uma limitao de efeitos.
Resta, assim, evidente que o art. 282 (4) da Constituio portuguesa adota, tambm em relao ao interesse pblico de excepcional relevo, um conceito jurdico indeterminado para abarcar os interesses constitucionalmente protegidos no subsumveis nas noes de segurana jurdica e de eqidade.
Essa orientao enfatiza que os conceitos de
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segurana jurdica, eqidade e interesse pblico de excepcional relevo expressam valores constitucionais e no simples frmulas de poltica judiciria (MEDEIROS, Rui. A Deciso de Inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 1999. p. 705-715).
A frmula consagrada na Constituio portuguesa e agora reproduzida parcialmente no art. 27 da Lei n. 9.868/1999 no constitui modelo isolado. Ao revs, trata-se de sistema que, positiva ou jurisprudencialmente, vem sendo adotado pelos vrios sistemas de controle de constitucionalidade.
Provavelmente, antes do advento da Lei n 9.868/1999, talvez
o STF fosse o nico rgo importante de jurisdio constitucional a no
fazer uso, de modo expresso, da limitao de efeitos na declarao de
inconstitucionalidade.
De fato, srie expressiva de Cortes Constitucionais e Cortes
Supremas adota a tcnica da limitao de efeitos, v.g. a Corte
Constitucional austraca (Constituio, art. 140), a Corte Constitucional
alem (Lei Orgnica, 31, 2 e 79, 1), a Corte Constitucional espanhola
(embora no expressa na Constituio, adotou, desde 1989, a tcnica da
declarao de inconstitucionalidade sem a pronncia da nulidade), a Corte
Constitucional portuguesa (Constituio, art. 282, n. 4), o Tribunal de
Justia da Comunidade Europia (art.174, 2 do Tratado de Roma), o
Tribunal Europeu de Direitos Humanos (caso Markx, de 13 de junho de
1979), entre outras [Cf. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Da
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Declarao de Inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis n.
9.868 e 9.882/99. In: SARMENTO, Daniel (org.). O Controle de
Constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001].
interessante notar que mesmo nos Estados Unidos da
Amrica passou-se a admitir, aps a Grande Depresso, o
estabelecimento de limites declarao de inconstitucionalidade (TRIBE,
Laurence. The American Constitutional Law. New York: The Foundation
Press,1988).
A Suprema Corte americana considerou o problema
proposto pela eficcia retroativa de juzos de inconstitucionalidade a
propsito de decises em processos criminais. Se as leis ou atos
inconstitucionais nunca existiram enquanto tais, eventuais condenaes
nelas baseadas quedam ilegtimas, e, portanto, o juzo de
inconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnao imediata
de todas as condenaes efetuadas sob a vigncia da norma
inconstitucional. Sobre o tema, afirma Tribe:
No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: a Constituio nem probe nem exige efeito retroativo. Parafraseando o Justice Cardozo pela assertiva de que a constituio federal nada diz sobre o assunto, a Corte de Linkletter tratou da questo da retroatividade como um assunto puramente de poltica (poltica judiciria), a ser decidido novamente em cada caso. A Suprema Corte codificou a abordagem de Linkletter no caso Stovall v. Denno: Os critrios condutores
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da soluo da questo implicam (a) o uso a ser servido pelos novos padres, (b) a extenso da dependncia das autoridades responsveis pelo cumprimento da lei com relao aos antigos padres, e (c) o efeito sobre a administrao da justia de uma aplicao retroativa dos novos padres. (TRIBE, Laurence. The American Constitutional Law. New York: The Foundation Press,1988).
Segundo a doutrina, a jurisprudncia americana evoluiu para admitir, ao lado da deciso de inconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limited retrospectivity), a superao prospectiva (prospective overruling), que tanto pode ser limitada (limited prospectivity), aplicvel aos processos iniciados aps a deciso, inclusive ao processo originrio, como ilimitada (pure prospectivity), que sequer se aplica ao processo que lhe deu origem (cf. PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade. 2a. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 173; e MEDEIROS, Rui. A Deciso de Inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Catlica, 1999. p. 743).
Destarte, o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo admitiu a mitigao dos efeitos da declarao de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu at mesmo a pura declarao de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro (Cf. SESMA, Victoria Iturralde. El Precedente en el Common Law, Madrid: 1995, p. 174 e ss.).
Em diversos casos, a adoo de declarao de
inconstitucionalidade mitigada decorreu de construo pretoriana.
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So os exemplos da Alemanha, na fase inicial, e da Espanha.
Nesses dois sistemas, dominava a idia do princpio da nulidade como
princpio constitucional no-escrito ( 78 da Lei da Corte Constitucional
alem; art. 39 da Lei Orgnica da Corte Constitucional espanhola). Essa
orientao, todavia, no impediu que, em casos determinados, ambas as
Cortes constitucionais se afastassem da tcnica da nulidade e passassem a
desenvolver frmulas alternativas de deciso.
Em outras palavras, a admisso formal do princpio da
nulidade no impediu a adoo de tcnica alternativa de deciso naqueles
casos em que a nulidade poderia revelar-se inadequada (v.g. casos de
omisso parcial) ou trazer conseqncias intolerveis para o sistema
jurdico (ameaa de caos jurdico ou situao de insegurana jurdica).
Na Espanha, embora nem a Constituio nem a lei orgnica do Tribunal Constitucional tenham adotado expressamente uma declarao de inconstitucionalidade com efeitos restritos, a Corte Constitucional, marcadamente influenciada pela experincia constitucional alem, passou a adotar, desde 1989, a tcnica da declarao de inconstitucionalidade sem a pronncia da nulidade, como reportado por Garcia de Enterra:
A recente publicao no Boletim Oficial do Estado de 2 de maro ltimo da j famosa Sentena 45/1989, de 20 de fevereiro, sobre inconstitucionalidade do sistema de liquidao conjunta do imposto sobre a renda da unidade
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familiar matrimonial, permite aos juristas uma reflexo pausada sobre esta importante deciso do Tribunal Constitucional, objeto j de mltiplos comentrios periodsticos.A deciso importante, com efeito, por seu
fundamento, a inconstitucionalidade que declara, tema no qual no haver sido produzido at agora, discrepncia alguma. Mas parece-me bastante mais importante ainda pela inovao que se supe na determinao dos efeitos dessa inconstitucionalidade, que a sentena remete ao que se indica no dcimo-primeiro fundamento e este explica como uma eficcia para o futuro, que no permite reabrir as liquidaes administrativas ou dos prprios contribuintes (auto-liquidaes) anteriores (GARCA DE ENTERRA, Eduardo. Justicia Constitucional: la doctrina prospectiva en la declaracin de ineficacia de las leyes inconstitucionales. In: Revist