adicional de periculosidade - eletricista

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ADICIONAL DE PERICULOSIDADE: SISTEMA ELÉTRICO DE POTÊNCIA E EXPOSIÇÃO INTERMITENTE (*) NELSON MANNRICH (**) Sumário: Introdução; 1. Aspectos legais; 2. Sistema elétrico de potência; 3. Contato permanente, ainda que intermitente; Conclusões. INTRODUÇÃO O adicional de periculosidade para empregados do setor de energia elétrica envolve duas questões centrais: 1) sistema elétrico de potência e sistema elétrico de consumo; 2) exposição eventual ou intermitente. Por trás dessa discussão, no entanto, há um debate mais importante, vinculado à saúde e segurança, qualidade de vida e meio ambiente de trabalho, geralmente menosprezado. Com efeito, a superação do modelo de saúde ocupacional não se restringe aos aspectos técnicos. O salto qualitativo em direção à saúde do trabalhador é conseqüência de todo um movimento de contestação, iniciado nos anos de 1960, nos países industrializados. Encorajados por uma onda de questionamentos, os trabalhadores iniciaram movimen- tos de luta, exigindo melhores condições, cabendo-lhes, agora, decidir as mudanças. O marco do movimento deu-se na Itália, em Turim, com as seguintes idéias: “Saúde não se vende”; “As exigências já não são mais que se paguem os efeitos destruidores do trabalho, mas que o trabalho se organize, para ser uma atividade criadora e não destrui- dora”. Daí o repúdio ao adicional de insalubridade, mesmo porque os valores pagos ao empregado são irrisórios e atentam contra sua dignidade — no lugar de vender sua saúde, tem direito a condições seguras de trabalho. Os gastos com processos judiciais e perícias envolvendo adicionais de insalubridade ou periculosidade deveriam ser utilizados na pre- (*) Tema apresentado no Primeiro Congresso Brasileiro de Segurança e Saúde no Trabalho, promovido pela LTr, em dezembro de 2000. (**) Advogado, Professor Titular e Chefe do Departamento de Direito do Trabalho da USP.

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Adicional de Periculosidade - Eletricista

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  • AdicionAl de periculosidAde: sistemA eltrico de potnciA

    e exposio intermitente(*)

    NelsoN MaNNrich(**)

    Sumrio: Introduo; 1. Aspectos legais; 2. Sistema eltrico de potncia; 3.

    Contato permanente, ainda que intermitente; Concluses.

    introduo

    o adicional de periculosidade para empregados do setor de energia eltrica envolve

    duas questes centrais: 1) sistema eltrico de potncia e sistema eltrico de consumo; 2)

    exposio eventual ou intermitente.

    Por trs dessa discusso, no entanto, h um debate mais importante, vinculado sade

    e segurana, qualidade de vida e meio ambiente de trabalho, geralmente menosprezado.

    com efeito, a superao do modelo de sade ocupacional no se restringe aos aspectos

    tcnicos. o salto qualitativo em direo sade do trabalhador conseqncia de todo um

    movimento de contestao, iniciado nos anos de 1960, nos pases industrializados.

    encorajados por uma onda de questionamentos, os trabalhadores iniciaram movimen-

    tos de luta, exigindo melhores condies, cabendo-lhes, agora, decidir as mudanas.

    o marco do movimento deu-se na itlia, em Turim, com as seguintes idias: sade

    no se vende; as exigncias j no so mais que se paguem os efeitos destruidores do

    trabalho, mas que o trabalho se organize, para ser uma atividade criadora e no destrui-

    dora.

    Da o repdio ao adicional de insalubridade, mesmo porque os valores pagos ao

    empregado so irrisrios e atentam contra sua dignidade no lugar de vender sua sade,

    tem direito a condies seguras de trabalho. os gastos com processos judiciais e percias

    envolvendo adicionais de insalubridade ou periculosidade deveriam ser utilizados na pre-

    (*) Tema apresentado no Primeiro congresso Brasileiro de segurana e sade no Trabalho, promovido pela lTr, em dezembro de 2000.(**) advogado, Professor Titular e chefe do Departamento de Direito do Trabalho da UsP.

  • veno dos acidentes e em programas de qualificao profissional, podendo os referidos

    adicionais ser substitudos por seguro de vida (Kalume).

    a constituio de 1988 deu novo impulso questo da sade do trabalhador. alm

    de caracteriz-la como direito social, a carta Magna garante a reduo de riscos inerentes

    ao trabalho por meio de normas de sade, higiene e segurana.

    1. Aspectos legAis

    segundo o art. 193 da clT, devido o adicional de 30% sobre o salrio, nos contatos

    permanentes com inflamveis e explosivos, cabendo NR-16, da Portaria n. 3.214/78,

    regulamentar a atividade perigosa. o tema limita-se ao adicional de periculosidade no

    setor eltrico.

    A Lei n. 7.369/85 introduziu o adicional de 30% para os empregados que trabalham

    em condies de periculosidade no setor de energia eltrica. Foi regulamentada pelo De-

    creto n. 92.212/85 e, atualmente, pelo Decreto n. 93.412, de 14 de outubro de 1986. Ao

    especificar as atividades perigosas, o referido Decreto relaciona-as em quadro anexo:

    i. atividades de construo, operao e manuteno de redes e linhas areas de

    alta e baixa tenso integrantes de sistemas eltricos de potncia, energizados ou no,

    ainda que sua ocorrncia seja acidental;

    ii. atividades de construo, operao e manuteno de redes e linhas subterr-

    neas alta e baixa tenso, integrantes de sistemas eltricos de potncia energizados ou

    no, ainda que sua ocorrncia seja acidental;

    iii. reas das oficinas e laboratrios de testes e manuteno eltrica, eletrnica

    ou eletromecnica;

    iv. atividades de construo, operao e manuteno nas usinas, unidades gera-

    doras, subestaes e cabines de distribuio em operaes, integrantes de sistemas

    de potncia, energizados ou no, ainda que sua ocorrncia seja acidental;

    v. atividades de treinamento em equipamentos ou instalaes energizados ou

    no, ainda que sua ocorrncia seja acidental.

    se o empregado, independentemente do cargo, ao exercer as atividades acima des-

    critas, permanecer habitualmente em rea de risco em situao de exposio contnua

  • ou ingressar de modo intermitente e habitual em rea de risco ter, exclusivamente

    nessas circunstncias, direito ao adicional de 30%, seja de forma integral, seja proporcio-

    nalmente. caso o ingresso ou permanncia na rea de risco for eventual, no ter direito

    ao adicional.

    2. sistemA eltrico de potnciA

    De acordo com uma orientao tendenciosa, o simples fato de ser eletricitrio, exer-

    cendo ou no atividades em sistema eltrico de potncia, justifica o pagamento do adi-

    cional ao empregado: como a lei no estabelece distino entre trabalho em empresas de

    distribuio, transmisso ou geradoras de energia eltrica e em empresas consumidoras de

    energia eltrica, no pode o decreto regulamentador ou o intrprete faz-lo. ao contrrio, a

    lei refere-se a empregado que exerce atividade no setor de energia eltrica, em condies

    de periculosidade.

    em outras palavras, no se poderia, com base no decreto, estabelecer distino entre

    sistema eltrico de potncia e sistema de consumo, para pagar ou no o adicional.

    Embora o TST ainda no tenha se firmado a respeito, h uma tendncia dos tribunais

    especializados de no acolher a orientao acima indicada, no sentido de se conceder o

    adicional de 30% pelo simples fato de o trabalhador ser eletricitrio. ou seja, no basta

    mero contato com equipamento eltrico para caracterizar a periculosidade.

    Veja-se o seguinte exemplo. Um empregado da eletropaulo pleiteou adicional de pericu-

    losidade, sob a alegao de trabalhar na funo de negociador imobilirio, sendo a reclamatria

    julgada procedente na primeira instncia.

    o Tribunal regional do Trabalho TrT, da 2 regio, entendeu ser devido o adi-

    cional apenas a quem trabalha em contato com sistema eltrico de potncia, julgando

    improcedente a reclamatria, tendo o Tribunal Superior Tribunal TST confirmado o

    acrdo. segundo o Ministro Vantuil abdala, o direito ao adicional vincula-se ao exerccio

    de atividade enquadrada no anexo do Decreto. Desse modo, conclui o Ministro do TsT, s

    se pode falar em atividade em rea de risco nas atividades relacionadas diretamente com

    o sistema eltrico de potncia, o que no o caso do negociador imobilirio, que no tem

    qualquer contato com o referido sistema, sendo indevido o adicional.

    Portanto, h que se distinguir entre sistema eltrico de consumo e sistema eltrico de

    potncia. A referida distino feita pela ABNT NBR 5460 (1981), de seguinte teor:

  • sistema eltrico de potncia o conjunto de circuitos eltricos interrelacionados

    que compreendem instalaes para gerao, transmisso e distribuio de energia

    eltrica, at a medio inclusive.

    como o sistema eltrico de potncia abrange apenas as fases de gerao, transmisso

    e distribuio, no o simples contato com a rede eltrica nem o exerccio de qualquer

    atividade que justifica a concesso do adicional. Empregados em empresas consumidoras

    no se beneficiam do adicional.

    como se pode ver, a linha divisria entre o sistema eltrico de potncia e o sistema de

    consumo o medidor conhecido como relgio de luz. Portanto, o medidor de energia

    eltrica da concessionria delimita a rea da rede considerada de distribuio, do sistema

    de consumo.

    Numa empresa, possvel o contato com sistemas eltricos de potncia apenas quando

    o empregado trabalhar junto subestao de recebimento de energia eltrica.

    essa distino entre sistema eltrico de potncia e sistema de consumo adotada pela

    jurisprudncia especializada, observando-se a tendncia de se reconhecer o adicional apenas

    nos sistemas eltricos de potncia, como se infere do seguinte acrdo do TsT:

    O Decreto n. 93.412/86, revogando o anterior (n. 92.212/85) limitou o cabimento

    do adicional s hipteses de atividade em sistema eltrico de potncia, equivalente

    gerao, transmisso e/ou distribuio de energia eltrica.

    a apontada tendncia de se reconhecer o adicional apenas nos sistemas eltricos de

    potncia no exclui do adicional quem no trabalha em empresas geradoras ou distribui-

    doras de energia eltrica. em outras palavras, o adicional no se vincula atividade da

    empresa, mas ao exerccio de atividades em sistema eltrico de potncia.

    De acordo com a jurisprudncia dominante, devido o adicional em empresas que

    no geram nem distribuem energia eltrica, como as contratadas para executar atividades

    de apoio, ou geradoras de energia para o prprio consumo. os empregados que atuam

    no sistema eltrico de potncia, nesses casos, tambm tero direito ao adicional. Veja-se,

    nesse sentido, o seguinte acrdo:

    adicional de periculosidade sistema eltrico de potncia ou consumo. o

    direito ao adicional de periculosidade no se limita a empregados de empresas gera-

    doras e distribuidoras de energia eltrica. No entanto, limita-se aos que trabalham em

  • contato com sistema eltrico de potncia. recurso de revista patronal parcialmente

    conhecido e provido (Ac. Un. da 4 T. do TST RR 227.192/95.8 4 R. Rel.

    Min. Ives Gandra Martins Filho 26.4.00 DJU data: 2.6.00, pg. 280 ementa

    oficial). In IOB Trabalhista e Previdencirio ementa n. 16.385.

    3. contAto permAnente, AindA que intermitente

    O fato gerador, do qual deflui o pagamento do adicional, o contato permanente,

    ainda que intermitente, com o sistema eltrico de potncia, energizado ou com possibili-

    dade de energizao.

    O Decreto n. 92.212/85, hoje revogado, no estabelecia qualquer proporcionalidade,

    como a lei tambm no o faz, ao contrrio do que determina o Decreto em vigor, nas hip-

    teses em que o trabalho executado com intermitncia, ferindo o princpio da legalidade,

    adotado pelo inc. II do art. 5 da Constituio Federal.

    Na verdade, o legislador remeteu ao poder executivo a regulamentao das atividades

    em cujo exerccio o empregado faria jus ao adicional. Na reserva da lei no se observa a

    questo da forma de pagamento, se integral ou proporcional.

    A jurisprudncia afastou a proporcionalidade, por analogia ao Enunciado 47 do TST:

    o trabalho executado, em carter intermitente, em condies insalubres, no afasta, s

    por esta circunstncia, o direito percepo do adicional de insalubridade.

    Finalmente, o enunciado n. 361 consagrou o entendimento de que o adicional de 30%

    devido inclusive na exposio intermitente, inexistindo qualquer proporcionalidade a que

    se refere o Decreto, pois o risco existe, independentemente do tempo da exposio.

    A Orientao Jurisprudencial n. 05 da SDI tem idntico entendimento:

    Adicional de periculosidade. Exposio permanente e intermitente. Inflamveis

    e ou explosivos. Direito ao adicional integral.

    Veja-se, nesse sentido, ainda, o seguinte acrdo do TsT:

    Segundo o art. 193, da CLT, a configurao do risco ensejador da percepo

    do adicional de periculosidade pressupe o contato permanente com inflamveis ou

    explosivos e que este contato se d em condies de risco acentuado. interpretando

    a locuo contato permanente, esta Corte fixou orientao jurisprudencial no sentido

  • de que, para sua caracterizao, basta o contato habitual (comum, freqente) ainda

    que este se d por breves momentos no curso da jornada (intermitente, no contnuo).

    Nesse contexto, se o reclamante se dirigia ao depsito de inflamveis da recda. so-

    mente aos sbados, l permanecendo por cinco minutos apenas, no h como se ter

    por caracterizada seja a habitualidade, seja a intermitncia legalmente exigidas, ante

    a manifesta excepcionalidade no contato com o agente perigoso, cuja configurao

    afasta, tambm, o risco acentuado, dada a pouca probabilidade de se verificar o in-

    fortnio naquele breve espao de tempo. entender-se o contrrio seria dar margem a

    ilaes absurdas. o direito, entretanto, conforme leciona Carlos Maximiliano, deve

    ser interpretado inteligentemente, pautando-se em um mnimo de razoabilidade e

    buscando sempre extrair da norma o sentido que mais se harmonize com os ditames

    da vida real.

    concluses

    muito pouco reduzir a questo do adicional a um pagamento ou seguro. o debate

    deve envolver objetivos estratgicos do estado na rea da sade e segurana. De qualquer

    forma, a promoo de polticas e o estabelecimento de programas nesse setor devero contar

    com a participao direta dos interessados, empregado e empregador, e suas respectivas

    organizaes.

    o adicional por eletricidade aplica-se somente aos empregados do sistema eltrico

    de potncia, ainda que no se trate de empresa geradora, transmissora ou distribuidora de

    energia eltrica. a simples exposio ao sistema eltrico de consumo no enseja o referido

    adicional.

    a exposio eventual confunde-se com excepcional e corresponde negao da

    habitualidade, no ensejando o pagamento dos 30%. entretanto, a exposio de forma

    intermitente, com interrupes temporrias, implica o referido pagamento.