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79 tem que desempenhe junções de complementaridade da informação visual, que apresenta um campo direc- cional restrito em consequência da angulação da base do crânio e da limitação dos movimentos laterais da cabeça. Alcançando a extremidade cefálica segundo di- versas direcções, as ondas sonoras vão experimentar reflexões e difracções que, avaliadas pelo ouvido, for- necem informação que comple- menta a percepção espacial. O sistema auditivo global inte- gra um conjunto de órgãos perifé- ricos e regiões específicas no sistema nervoso central. Os órgãos periféricos com- preendem o pavilhão auricular e o canal auditivo externo (que consti- tuem o «ouvido externo»), o tímpa- no e um sistema ossículo- -muscular («ouvido médio») e, final- mente, as estruturas membranosas e os líquidos do ouvido interno, de cujo movimento resulta a estimula- ção do órgão de Corti e a transfor- mação da solicitação mecânica numa de índole nervosa. A impor- tância do sistema auditivo periféri- co resulta do facto de ser ele quem, em situações normais, determina essencialmente as condições em que se processa a audição, pois que toda a informação auditiva que o sistema nervoso central pode utili- (*) Designa-se por pressão sonora (num dado local e instante, onde e quando esteja estabe- lecido um campo sonoro) a diferença, entre valor instantâneo da pressão e o valor de re- ferência, que corresponde à ausência de estí- mulos sonoros. Em condições normais, o va- lor de referência é de cerca de 10 5 Pa e a pressão sonora varia, em termos médios, en- tre 20. 10 -6 Pa e 20 Pa. apreensão de sinais sonoros é um processo complexo, compreendendo o ouvir - fenóme- no fisiológico - e o escutar, acto psicológico. A escuta a nível primário, de alerta, orienta-se para indícios, onde nada distingue o homem do ani- mal. A um nível superior a escuta é uma descodifi- cação, em que o homem (aqui começa o homem...) tenta captar signos pela audição. Embora o homem partilhe, com o animal superior, os sentidos, o desenvolvimento filogenético e a técnica criaram hierarquias diferen- tes para os sentidos no homem e no animal. Construída a partir da au- dição, a escuta é o sentido do espa- ço e do tempo – a apropriação do espaço pelo homem é, em grande parte, de índole sonora. A escuta levanta-se, sobre o fundo auditivo, como uma função de inteligência, isto é, de selecção. Quando o fun- do auditivo atinge intensidades tais que invade todo o domínio sonoro apreensível ao homem, a selecção, a inteligência do espaço, deixa de ser possível – a poluição sonora impede que se escute. A audição é um processo com- plexo, cujo conhecimento apresen- ta ainda muitas lacunas, e que interessa sistemas periféricos e componentes centrais, reagindo à pressão (*), de modo que, se o va- lor desta e a frequência a que ocor- re a sua variação, se encontram dentro de certos limites é determi- nada uma sensação sonora. O ouvido é um órgão par e si- métrico, situado na extremidade ce- fálica. Estas características permi- Para descrever o comportamento de uma sala de música e dos que a ocupam, dispõe-se de leis físicas e psicológicas. É, porém, dificil explicitar que um concerto de Mozart deve soar límpido , cristalino , que Vivaldi deverá soar bucólico ... ACÚSTICA DE SALAS PARA MÚSICA P. MARTINS DA SILVA A Licenciado em engenharia electrotécnica (IST), P. Martins da Silva logo inicia colaboração com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil on- de é, presentemente, investigador-coordena- dor, chefiando o Núcleo de Acústica e Ilumina- ção. A sua actividade tem-se desenvolvido es- sencialmente na área da acústica aplicada. Doutorado em engenharia de sistemas (IST), ob- teve, na Faculdade de Ciências de Lisboa, o grau de agregado; exerce aí funções docentes, sen- do presentemente professor associado convida- do. Além de trabalhos especializados é autor de numerosas obras didácticas e de divulgação técnica.

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tem que desempenhe junções de complementaridadeda informação visual, que apresenta um campo direc-cional restrito em consequência da angulação da basedo crânio e da limitação dos movimentos laterais dacabeça. Alcançando a extremidade cefálica segundo di-versas direcções, as ondas sonoras vão experimentarreflexões e difracções que, avaliadas pelo ouvido, for-

necem informação que comple-menta a percepção espacial.

O sistema auditivo global inte-gra um conjunto de órgãos perifé-ricos e regiões específicas nosistema nervoso central.

Os órgãos periféricos com-preendem o pavilhão auricular e ocanal auditivo externo (que consti-tuem o «ouvido externo»), o tímpa-no e um sistema ossículo--muscular («ouvido médio») e, final-mente, as estruturas membranosase os líquidos do ouvido interno, decujo movimento resulta a estimula-ção do órgão de Corti e a transfor-mação da solicitação mecânicanuma de índole nervosa. A impor-tância do sistema auditivo periféri-co resulta do facto de ser ele quem,em situações normais, determinaessencialmente as condições emque se processa a audição, pois que toda a informação auditiva que o sistema nervoso central pode utili-

(*) Designa-se por pressão sonora (num dadolocal e instante, onde e quando esteja estabe-lecido um campo sonoro) a diferença, entrevalor instantâneo da pressão e o valor de re-ferência, que corresponde à ausência de estí-mulos sonoros. Em condições normais, o va-lor de referência é de cerca de 105 Pa e apressão sonora varia, em termos médios, en-tre 20. 10-6 Pa e 20 Pa.

apreensão de sinais sonoros é um processocomplexo, compreendendo o ouvir - fenóme-no fisiológico - e o escutar, acto psicológico.

A escuta a nível primário, de alerta, orienta-separa indícios, onde nada distingue o homem do ani-mal. A um nível superior a escuta é uma descodifi-cação, em que o homem (aqui começa o homem...)tenta captar signos pela audição.

Embora o homem partilhe,com o animal superior, os sentidos,o desenvolvimento filogenético e atécnica criaram hierarquias diferen-tes para os sentidos no homem e noanimal. Construída a partir da au-dição, a escuta é o sentido do espa-ço e do tempo – a apropriação doespaço pelo homem é, em grandeparte, de índole sonora. A escutalevanta-se, sobre o fundo auditivo,como uma função de inteligência,isto é, de selecção. Quando o fun-do auditivo atinge intensidades taisque invade todo o domínio sonoroapreensível ao homem, a selecção,a inteligência do espaço, deixa deser possível – a poluição sonoraimpede que se escute.

A audição é um processo com-plexo, cujo conhecimento apresen-ta ainda muitas lacunas, e queinteressa sistemas periféricos ecomponentes centrais, reagindo àpressão (*), de modo que, se o va-lor desta e a frequência a que ocor-re a sua variação, se encontramdentro de certos limites é determi-nada uma sensação sonora.

O ouvido é um órgão par e si-métrico, situado na extremidade ce-fálica. Estas características permi-

Para descrever o comportamento de uma sala de música e dos que a ocupam,dispõe-se de leis físicas e psicológicas. É, porém, dificil explicitar que um concerto de Mozart

deve soar límpido, cristalino, que Vivaldi deverá soar bucólico...

ACÚSTICA DE SALAS PARA MÚSICA

P. MARTINS DA SILVA

A

Licenciado em engenharia electrotécnica (IST), P. Martins da Silva logo inicia colaboração como Laboratório Nacional de Engenharia Civil on- de é, presentemente, investigador-coordena-dor, chefiando o Núcleo de Acústica e Ilumina- ção. A sua actividade tem-se desenvolvido es- sencialmente na área da acústica aplicada. Doutorado em engenharia de sistemas (IST), ob- teve, na Faculdade de Ciências de Lisboa, o grau de agregado; exerce aí funções docentes, sen- do presentemente professor associado convida- do. Além de trabalhos especializados é autor de numerosas obras didácticas e de divulgação técnica.

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lizar deve ser transmitida pelos órgãos sensoriais quesão os que impõem os limites globais de actuação. Sãoestes órgãos que devem estar aptos a resolver níveisde intensidade na vizinhança de 10-12 W/m2, a fun-cionar em frequência numa extensão de três décadase a preservar padrões de evolução temporal com aci-dentes de duração extremamente reduzida, procedi-mentos que são realizados mediante uma adaptação deprocessos mecânicos, hidráulicos, eléctricos e bioquí-micos, excepcionalmente bem realizada.

Na Figura 1 apresenta-se o esquema-bloco do sis-tema auditivo, com definição das divisões estruturaislógicas, indicando-se as funções dos blocos ou gruposde blocos e o modo de operação considerado predo-minante.

O primeiro bloco representa o ouvido externo cu-ja porção visível é o pavilhão auricular que funcionacomo uma pequena corneta acústica, embora desem-penhe como tal um papel reduzido, dado que tem pou-ca mobilidade por serem rudimentares os músculos queo interessam. O pavilhão comunica com o canal audi-tivo externo, tubo formado por uma porção externacartilaginosa e uma porção interna óssea e que canali-za a energia sonora até ao tímpano, exercendo, mercêde apresentar uma frequência de ressonância vizinhade 3 kHz, uma acção de reforço de componentes vizi-nhas dessa frequência.

O ouvido médio desempenha um papel de adapta-dor entre a baixa impedância acústica específica domeio aéreo do canal auditivo externo e a alta impe-dância específica do meio aquoso do ouvido interno.Compreende o tímpano e a cadeia de ossículos –martelo, bigorna e estribo – o último dos quais actuaa janela oval que estabelece a comunicação para o ou-vido interno. Mercê da diferença entre as áreas do tím-pano e da platina do estribo, e do efeito de alavancado sistema martelo-bigorna, o ouvido médio funcio-na como um amplificador de força. Ainda a assinalar

que o ouvido médio possui músculos que podemcontrair-se, constituindo um dos mecanismos reflexosque operam no ouvido.

As vibrações do último ossículo da cadeia são trans-mitidas ao fluido que preenche a cavidade do ouvidointerno. Aqui, no ducto coclear e em contacto íntimocom a membrana basilar, encontra-se o órgão de Cor-ti, que constitui o receptor sensorial do processo au-ditivo; é constituído por uma moldura de células desuporte na qual estão embebidas as células sensoriais(Figura 2).

Sob a acção das ondas de pressão, as células senso-riais vão sofrer deformações, o que constitui o últimoacontecimento de natureza mecânica no processo quetem início com as ondas sonoras propagando-se no ar,prossegue nos movimentos da cadeia óssea do ouvidomédio e continua-se em fenómenos de natureza me-cânica (fina) e hidrodinâmica no ouvido interno.

As células sensoriais são transdutores que conver-tem as deformações mecânicas em sinais eléctricos edesencadeiam fenómenos químicos que proporcionama ligação ao nervo auditivo. As fibras deste nervo trans-portam toda a informação relativa ao ambiente acús-tico, sob a forma de impulsos nervosos cujadistribuição temporal codifica esta informação.

Além do fluxo centrípeto de informação que vaialcançar o cortex auditivo através de diversas hastescerebrais, ocorre um fluxo centrífugo a partir do cor-tex, através do sistema auditivo eferente, estabelecen-do processos de reinformação que desempenham papelimportante no fenómeno auditivo. É o caso do coman-do da contracção dos músculos do ouvido médio a au-mentar a rigidez do sistema tímpano-ossicular e aconstituir, essencialmente, um reflexo protector queaumenta a impedância do ouvido médio de modo se-lectivo, em termos de atenuar o efeito mascarador dascomponentes de baixa frequência sobre as de frequên-cia mais elevada.

Fig. 1 - Esquema bloco do sistema auditivo.

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Muito antes do surgimento da escrita ou da figura-ção litográfica, a reprodução intencional de um ritmofez entrar a criatura pré-antrópica na humanidade dosAustralopitecos. Pelo ritmo, a escuta deixa de serpura vigilância, para tornar-se criação.

Cada estímulo sonoro que é recebido durante a au-dição musical contém uma grande quantidade de in-formação. Percebe-se a altura, a intensidade auditiva,o timbre. Percebe-se se a altura se mantém estacioná-ria ou se é marcada por um vibrato; também se aper-cebem as alterações na intensidade auditiva, bem comoo tipo de ataque de cada nota. Todos estes detalhestraduzem uma apreciação global do estímulo, do quese extrai alguma informação de natureza estritamentemusical, o reconhecimento do instrumento actuante(se a nossa memória auditiva o permitir...) e, mesmo,uma noção das dimensões (acústicas) do local onde oestímulo em questão foi produzido. A realidade refe-rida implica um conjunto de fenómenos físicos, sen-do, porém, difícil descrevê-la em termos físicos, já queocorrem relações complexas, de modo que cada atri-buto não pode ser descrito apenas à custa de um úni-co parâmetro.

Seguindo a metodologia geral da física para descre-ver a complexidade do real, surge o recurso a um mo-delo, que se desenvolve com base em trêsvariáveis-chave: tempo, frequência e nível de pressãosonora (*) – Figura 3.

O diagrama da Figura 4 localiza o subdomímio dosestímulos musicais, no domínio dos estímulos sono-ros audíveis.

Na escrita musical a intensidade auditiva é tradu-zida por símbolos que constituem abreviaturas conven-cionais de designações italianas consagradas(ff - fortíssimo; f - forte; mf - mezzo forte...).

O timbre é um atributo multidimensional que tra-duz a coloração tonal do som, dependendo essencial-

mente do seu espectro, embora influenciado por ou- tras características (intensidade e evolução temporal).

As durações relativas das notas musicais e dos si-lêncios, que traduzem a pontuação, são indicadas pe-las figuras das notas e das pausas.

A altura, que é o atributo sonoro considerado demaior importância no sistema tonal, traduz uma apre-ciação complexa por parte do auditor, pelo que, em-bora determinada essencialmente pela frequência, vaidepender também, em certa medida, da intensidadee da forma de evolução temporal do estímulo.

A necessidade de proceder à afinação dos meios deprodução de sons musicais, de modo a tornar possí-vel a actuação conjunta e a tradução apropriada dascomposições, coloca duas ordens de questões:

– Fixação da altura de uma nota de referência;– Fixação das relações de frequência da totalidade

das notas, entre si ou relativamente à nota dereferência, o que é equivalente.

Considerando o lá 3 como nota de referência, osvalores fixados para a sua frequência têm apresentadodiferenças ao longo da evolução histórica da música– a título ilustrativo refere-se que, na música do pe-ríodo barroco (meados do séc. XVIII), aquele valor era

(*) Como é sabido, o desenvolvimento de uma metrologia adequa-da à sensação auditiva leva a não exprimir a pressão sonora em ter- mos das unidades apropriadas à sua fórmula dimensional, mas simem termos de nível considerado relativamente a um valor de refe- rência; sendo P o valor eficaz da pressão sonora de dado estímulo,o seu nível, expresso em decibel, é dado por:

Fig. 2 – Organização esquemática do sistema auditivo.

A aplicação do operador logaritmo «comprime» a gama de variação das pressões sonoras dos estímulos audíveis a uma dimensão com- patível com a discriminação sensorial respectiva.

N = 20 log P 20.10-6

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de cerca de 415 Hz e, no final do séc. XIX, de, aproxi-madamente, 435 Hz. A Segunda Conferência Interna-cional do Diapasão (Londres, 1939) fixou em 440 Hza frequência do lá 3, valor também estabelecido naNorma Portuguesa NP 491. Refira-se, porém, que al-gumas orquestras afinam por valores mais elevados,sendo corrente o de 444 Hz, o que conduz a sonori-dade mais brilhante por parte dos instrumentos de cor-da friccionada.

O estabelecimento das relações de frequências en-tre notas designa-se por temperamento da escala, quese pode estabelecer de diversos modos. Actualmente,na música ocidental, a escala mais utilizada é a de igualtemperamento, que estabelece a divisão da oitava emdoze intervalos iguais (*).

quência do reavivamento – em intensidade eextensão – experimentado desde já há algum tempopela vida cultural portuguesa, se verifica a construçãode novas salas para música, algumas com capacidadeultrapassando largamente as mil pessoas – Figuras 5e 6.

Acresce – do ponto de vista do interesse do trata-mento científico do tema – que, para algumas salas,se exige uma polivalência marcada, e se pretende, emprospectiva expectante, levar esta polivalência a situa-ções inaceitáveis, ao entender-se estabelecer conglo-merados de exigências funcionais inconciliáveis.

Afigura-se, assim, oportuna uma reflexão que se po-larize na análise das condições acústicas de salas paraconcerto sinfónico e para ópera, utilizações que se pre-tende convivam, com frequência, no mesmo espaço.Obviamente, consideram-se apenas questões de índo-le acústica, não tomando em atenção aspectos relati-vos à organização do espaço cénico e suporte damontagem dos espectáculos, que colocam exigênciasmuito diferenciadas entre si para os dois tipos de salasem análise.

Para descrever o comportamento de uma sala, dosseus auditores e dos que produzem o som (ou coman-dam esta produção), dispõe-se de um conjunto de leisfisicas e psicológicas, estas no que toca o comporta-mento dos executantes e auditores. Da satisfação des-tes, os auditores, depende em grande parte o futuroda sala de música como tal. Para que esta satisfação,seja conseguida, não só cada auditor deve ter visão eaudição adequadas, como os componentes da orques-tra e o seu condutor devem «sentir-se bem», ouvir-se

(*) O intervalo entre duas notas consecutivas, de frequências f1 e f2,será consequentemente

Fig. 3 - Modelação de estímulos musicais. Fig. 4 - Domínio dos estímulos sonoros musicais.

Uma sala onde ocorra a transmissão de sinais so-noros é um sistema acústico constituído por uma en-volvente, um volume de ar, fontes sonoras e receptores(humanos ou transdutores eléctricos) que, para alémde abrigo, segurança e integração estética visual, deveproporcionar fruição adequada da componente au-ditiva.

Na percepção da componente auditiva há, obvia-mente, que distinguir situações diversas, conforme aimportância relativa da voz e da música, que é máximapara a voz no teatro falado e no cinema; na ópera in-tervêm a voz e a música, numa igualdade rica de cam-biantes, não estando a voz presente, em expressãosignificativa, no concerto instrumental.

A importância de factores de ordem estética e afec-tiva é muito relevante, naquela percepção, a par de as-pectos que são susceptíveis de tratamento objectivo,a desenvolver no âmbito da acústica musical. O temaassume importância muito actual quando, em conse-

f1 = 12√ 2f2

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adequadamente uns aos outros e sentir a resposta dasala em termos de poderem fazer música como um con-junto de diversos naipes instrumentais equilibrados, oque depende não apenas da forma de condução da or-questra mas também das condições acústicas propicia-das, essencialmente pela envolvente da zona que aorquestra ocupa.

É, porém, difícil explicitar características físicas quepossam traduzir, por exemplo, que um concerto deMozart, para piano e orquestra, deve ter um som «lím-pido», «fluente», «cristalino» (se a execução for boa...).Ou traduzir, fisicamente, que as «Quatro Estações» deVivaldi devem soar «bucólicas». Os sinos da «CatedralSubmersa» de Debussy têm mesmo de ouvir-se vindosdas profundezas dos mares... Em «Porgy and Bess» ouem «Blues» de Gershwin, o som tem de sentir-se «acon-chegante», «insinuante». E será «dilacerante» em Rach-maninoff ou de uma despreocupação infantil emScarlatti ou no nosso Carlos Seixas...

Dimensionar uma sala para espectáculos com com-ponente musical é mais do que uma tarefa técnica ou

científica, porque é, também, um trabalho de arte, e,por isso, não admira que em centenas de anos de «prá-tica» da Acústica muitos mitos tenham surgido. Pro-pagados de geração em geração, acrescentados eembelezados, recebem a patina da história e a credibi-lidade de axiomas... Para uns, pode ser o dourado dorevestimento interior que confere condições acústicasparticularmente boas, enquanto para outros poderãoser as traves de madeira do átrio que beneficiam taiscondições. Muitas são as variedades, com a fantasia ea imaginação a darem-se mãos para as produzir. Aliás,poucos são os que não julgam ter alguma noção acer-ca de acústica de auditórios e a inquirição mais displi-cente mostra bem a discordância de conceitos...

Em muitos casos, no projecto de salas para concer-tos e ópera, procedeu-se a uma simples variação de es-cala, na cópia de formas de modelos consideradossatisfatórios acusticamente. Modelos que eram, emmuitos casos, salas para as quais a música das épocasrespectivas havia sido composta, e que não poderiamresponder de forma satisfatória quando utilizadas

Fig. 5 - Auditdrio da FIL.

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para a execução de trechos musicais de característicasmuito diferentes.

Os auditórios a construir actualmente devemacomodar-se a reportórios musicais que se estendempor vários séculos e, com frequência, devem poderconter assistência em quantidade tal que se tornam re-cintos com problemas acústicos bem diferenciados dosque se levantam para os de dimensões menores. Acres-ce que lhes é exigido, como se referiu, um carácter po-livalente – concerto, representação de teatrodramático, ópera, bailado, conferências – o que, aten-dendo ao facto de praticamente todo o detalhe doespaço-auditório contribuir, em maior ou menor grau,para as condições acústicas finais, vai tornar complexoo projecto destes recintos. Aliás o futuro próximo damúsica vai levar certamente o técnico ao confrontocom soluções muito pouco exploradas até hoje. Que- rerá, talvez, envolventes de geometria ajustável paraa afinação das condições acústicas às características dostrechos musicais em execução; possivelmentegeneralizar-se-á a utilização de reverberação por via

electrónica às salas ou aos instrumentos. A Nova Ópe-ra de Paris (Bastilha) é um exemplo eloquente destetipo de práticas.

A acústica dos auditórios exerce uma influênciamarcante em todos os estágios do processo musical:criação, execução/recreação, audição/fruição. Na au-dição, é óbvia esta influência, mas também os execu-tantes e os condutores de orquestra sentem bem anecessidade de ajustar-se às condições acústicas dos lo-cais onde se realizam as suas actuações. Nos composi-tores, pelo menos em épocas mais recuadas, ainfluência da acústica dos auditórios para que compu-nham era nítida: através dos séculos, os compositoresde música sacra exploraram o efeito da reverberaçãoelevada das igrejas; a música do período barroco foipensada nitidamente para ser executada em auditóriosde dimensões reduzidas, com definição elevada, en-quanto as composições sinfónicas do período român-tico e as óperas de Wagner foram compostas declara-damente para execução em locais de elevada riquezatonal.

Fig. 6 - Maqueta do auditório do Centro Cultural de Belém.

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A qualificação acústica de uma sala para música tra-duz globalmente a adaptação do sistema à finalidadeque lhe é atribuída, e é assunto de apreciação simulta-neamente objectiva e subjectiva, aspectos que se apre-sentam imbricados e a condicionar-se mutuamente.

Daqui, talvez, uma das dificuldades maiores, porquese trata de disciplinar a construção de locais onde cer-tas características fisicas condicionam o «valor acús-tico», definido segundo critérios subjectivos. Para adificuldade de conjugação de critérios de apreciação,não é pequena a influência da diferença de vocabulá-rios entre a música e a acústica, o que não surpreendedado terem evoluído independentemente.

Em muitas situações, todas as questões são reduzi-das, de forma muito simplista, à colocação de mate-riais absorventes sonoros em termos de conseguir umtempo de reverberação adequado (*) – resultado deum compromisso, quando são diversas as exigênciaspara aplicações várias. É evidente que isto não chegae, no entanto, é bem verdade que a bibliografia dispo-nível não oferece outras propostas satisfatórias, por-que a maior parte dos elementos existentes constituiapenas a expressão de critérios baseados numa opiniãode auditor ou de condutor de orquestra, opiniões re-colhidas de forma um tanto aleatória, ao ponto de aacústica de auditórios para música surgir como um pro-blema só «de gosto». Ora, se pode admitir-se um certodesacordo de opiniões acerca da qualidade acústica,não pode negar-se a existência de «bom» e «mau», de-finíveis em termos que forneçam informação na fasede projecto, por forma que as condições acústicas dosauditórios não fiquem, a priori, na dependência de al-terações correctivas a introduzir após execução, cor-recções aliás sempre de eficácia muito reduzida, paraalém de muito onerosas. Só a correlação de dados denatureza acústica com os de apreciação musical – eaqui surge, grande, a dificuldade, que se referiu, ine-rente a uma diferença dos vocabulários do músico edo técnico acústico – pode permitir uma aplicaçãoreal dos conhecimentos da Acústica arquitectural à rea-lização de auditórios com características satisfatórias.

Um auditório para música será aceitável quando«soar» bem; nisto, há concordância, por parte de mú-sicos e melómanos, É, porém, difícil enunciar critériosfísicos de quantificação acústica por ordem de eficiên-cia das suas contribuições para alcançar aquele re-sultado.

(*) O fenómeno da reverberação consiste na existência de campo so-noro num recinto fechado, para além do instante em que cessa a emis-são das fontes que dão origem ao campo.Designa-se por tempo de reverberação o intervalo de tempo corres-pondente a uma descida de 60 dB do nível de pressão sonora, após aextinção da fonte; trata-se, obviamente, de um parâmetro que é fun-ção da frequência.

Há cerca de cinquenta anos, as preocupaçõescentravam-se em obter uma intensidade sonora quan-to possível uniforme por todo o espaço. Os problemasda forma – questão fundamental mas tratada, então, de modo empírico – mereciam grande consideração.E o tempo de reverberação funcionava como elemen-to isolado de apreciação, juntamente com a preocu-pação (que nada perdeu em acuidade) de evitar ecosfrancos, focalizações, reflexões parasitas, susceptíveisde originar ecos modulados capazes de dar a impres-são subjectiva de distorção.

O tempo de reverberação, se bem que estando emaberto a discussão acerca de valores óptimos, dá, noentanto, uma primeira (e muito útil) indicação global– o respeito de certa gama de valores torna possíveluma primeira aproximação de qualidade, no fundo umcondicionamento necessário mas de forma nenhumasuficiente; por seu turno, a difusão deve ser o mais con-seguida possível. O atraso das primeiras reflexões re-lativamente às componentes de incidência directa,deve situar-se em gama conveniente.

A descrição do campo sonoro no interior de umespaço fechado, de contorno com geometria e consti-tuição quaisquer, é complexa, dados os problemas denatureza matemática e física que levanta, pela dificul-dade em definir, com rigor, a geometria do contorno,traduzir quantitativamente os processos de dissipaçãode energia sonora no ar e na envolvente e estimar asalterações das características direccionais das fontes so-noras quando emitem em espaços fechados.

São possíveis duas formas modelares de descrição,dependendo a escolha de uma ou outra da situação emcausa e apresentando-se, em geral, complementares noentendimento dos fenómenos que ocorrem. Assim, pa-ra recintos de dimensões reduzidas, limitados por con-tornos de definição geométrica simples, de absorçãofraca e sensivelmente uniforme, a descrição pode fazer--se em termos da distribuição espacial da pressão so-nora dos modos normais de ondulação excitados pelafonte. O interesse desta «descrição ondulatória» resi-de no facto de pôr em evidência e fornecer um princí-pio de explicação para fenómenos que ocorrem emespaços de grandes dimensões, onde este tipo de des-crição não é possível. Nos recintos de grandes dimen-sões, de contorno irregular, com absorção sonoraapreciável e distribuída de maneira pouco uniforme,a descrição do campo sonoro estabelecido pode fazer--se em termos da média espacial do valor eficaz da pres-são sonora no interior do recinto. Tal «descriçãoestatística» conduz ao estabelecimento de expressõessimples, de aplicação larga no estudo dos problemasda acústica de salas – é o caso, a título ilustrativo, dabem conhecida fórmula de Sabine para determinaçãodo tempo de reverberação:

T(f) =0.16VA(f)

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em que T(f) representa o tempo de reverberação (s)para a frequência f, sendo A(f) (m2) a área de absorçãosonora do recinto e V (m3) o seu volume. Faça-se no-tar que o modelo de Sabine admite uma distribuiçãohomogénea da energia sonora no espaço consideradoe que a absorção ocorre a taxa proporcional ao valorda densidade de energia, pelo que os valores obtidosda aplicação da expressão referida serão tanto menosfiáveis quanto maior for o afastamento das condiçõesreais relativamente às que se enunciaram como defi-nindo o campo de pertinência do modelo.

A bibliografia vasta existente sobre o projecto acús-tico de salas para música parece demonstrar que nãoexistem soluções únicas, ideais, para a concepção ar-quitectónica, no que toca aquele projecto acústico.

São conhecidas soluções de planta rectangular, emleque, ferradura e mesmo assimétricas que conduzirama resultados de sucesso.

O projecto de condicionamento acústico deve co-meçar nas primeiras fases em que está em discussãoa capacidade e o tipo de utilização da sala a construir.Deve sentir-se ainda presente a influência do técnicode acústica na escolha do local de implantação, por forma que seja considerado, na medida devida, o am-biente acústico exterior.

No desenvolvimento do projecto, a acústica impõeo volume e influencia fortemente a orientação de ca-da superficie reflectora, dos materiais de acabamentosinteriores e, mesmo, do tipo de assentos, pois cada ele-mento do auditório faz sentir a sua influência no com-portamento acústico final e, muitos deles, não sãosusceptíveis de correcção, uma vez determinada a suaforma básica.

O número total de lugares a integrar num auditó-rio é o primeiro elemento a tomar em consideração,já que determina globalmente as dimensões. Segue-sea fixação da densidade de distribuição da assistênciaque é, na generalidade dos auditórios, o elemento prin-cipal de absorção sonora. Ora, uma das conclusões deestudos sobre a absorção sonora proporcionada porpessoas agrupadas é que tal absorção não depende deforma simples do número de pessoas presentes mas,essencialmente, da superfície total que ocupam. Poroutras palavras, quanto mais espalhada estiver a assis-tência, maior é a absorção, consequentemente o espa-çamento dos assentos é tão importante como o seunúmero total. A área ocupada pela assistência deve sera menor possível desde que se pretenda alcançar umacerta «vida», com um volume razoável – recomenda--se 0,62 m2/pessoa.

Apontam-se aspectos considerados de maior rele-vância para efeito do projecto acústico de salas paramúsica. .

Vida

O termo exprime a resposta integrada da sala à es-timulação sonora caracterizada fisicamente pelo tem-

po de reverberação, sendo a «vida» do local tantomaior quanto mais elevado for o tempo de reverbera-ção. Uma sala anecóica é, em sentido auditivo, «mor-ta» na medida em que o parâmento interno daenvolvente respectiva absorve toda a energia sonoranele incidente, de modo que o campo estabelecido nointerior será composto apenas das componentes emi-tidas directamente pelas fontes.

A «vida», como impressão subjectiva da reverbera-ção, depende, essencialmente, do valor médio do tem-po de reverberação na gama das frequências médias(oitavas de frequências centrais 500 Hz e 1000 Hz).

Considera-se actualmente que um tempo de reverbera-ção inferior a 1,7 s (gama de frequências médias)conduz a auditórios pouco vivos. Como valores de re-ferência, embora sem corresponder ao sentido musi-cológico correcto, indica-se o seguinte:

Música «romântica»: 2,1 s a 2,3 sMúsica «sinfónica»: 1,7 s a 2,0 sMúsica «barroca»: 1,4 s a 1,8 s

Fig. 7 – Valores de referência para o tempo de reverberação na ga-ma das frequências médias.

O tempo de reverberação de uma sala, que é de-terminado pelo seu volume e pelas características deabsorção sonora que exibe, depende – no que diz res-peito aos valores julgados mais aconselháveis – dasaplicações a dar ao auditório em causa com interven-ção também sensível do que pode classificar-se de«moda».

A título de indicação de base representa-se na fi-gura 7 um diagrama construído à custa das indicaçõesfornecidas por diversos autores e dando os valoresaconselháveis do tempo médio de reverberação emfunção do volume, para a frequência de 500 Hz.

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Calor-Brilho

Os termos exprimem, como gradações opostas, apermanência relativa da resposta acústica (reverbera-da) da sala nas gamas de frequências baixas e altas.Quanto mais elevado for o tempo médio de reverbe-ração na gama das frequências baixas, relativamenteao valor médio correspondente na gama das frequên-cias elevadas, maior será o «calor» e menor será o«brilho».

No diagrama da Figura 8 apresenta-se a forma de variação, no domínio da frequência, dos valores dotempo de reverberação que se considera adequada.

Intimidade

O termo exprime a dimensão apercebida da sala emtermos auditivos e é função da desfasagem temporalentre as componentes directa e de primeira reflexão,que atingem o auditor.

Trata-se de propriedade considerada muito impor-tante para a qualificação acústica de uma sala para mú-sica, considerando-se que o valor desta desfasagem sedeve situar entre 20 e 30 ms, para salas de concertos,admitindo-se que possa ser ligeiramente mais elevado.para salas de ópera.

Na Figura 9 representa-se, a título ilustrativo, umafotografia da envolvente do espaço ocupado pela or-questra no Teatro Municipal de S. Luís disposta em ter-mos de corrigir a intimidade acústica da sala (instalaçãode canópio, a reduzir o valor da desfasagem entre ascomponentes directas e de primeira reflexão).

Textura

O termo exprime a estrutura do cronograma de re-cepção sonora por parte dos auditores, obviamente di-ferente com a localização na sala. Uma «textura»apropriada exige a ocorrência de, pelo menos, cincoreflexões no intervalo de 70 ms imediatamente apósa recepção do som directo, exigindo-se que a intensi-dade das componentes de reflexão se vá reduzindo àmedida que aumenta a ordem delas.

Fig. 9 – Envolvente do palco no teatro Municipal de S. Luis, com canópio instalado.

Fig. 8 - Variação típica do tempo de reverberação no domínio da fre-quência.

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Plenitude-Definição

Os termos exprimem, como gradações opostas, orecorte da sensação auditiva, dependendo da relaçãoentre as intensidades dos campos directo e reverbera-do, pelo que se trata de característica variável com alocalização na sala.

Quanto mais intenso for o campo reverberado re-lativamente ao campo directo, menor será a definiçãoe mais marcada a plenitude. A existência de canópiosde posição adaptável – como se considera instalar noGrande Auditório do Centro Cultural de Belém, pre-sentemente em fase de projecto, dará a possibilidadede regulação consoante a natureza da obra a ser exe-cutada.

Mistura

O termo exprime a capacidade da sala em realizara composição das emissões sonoras das diversas fon-tes (naipes orquestrais ou corais, solistas), dependen-do esta possibilidade das propriedades de reflexãosonora (difusa) do paramento da envolvente do espa-ço ocupado pelas fontes sonoras.

Conjunção

O termo exprime a capacidade de interaudição dosdiversos executantes que integram o conjunto em ac-tuação, o que depende, obviamente, da organizaçãoespacial deste sobre a zona de cena e das característi-cas de reflexão sonora do paramento da envolventedo local que ocupam.

Sublinha-se a importância desta característica naobtenção de uma execução a tempo, e equilibrada emintensidades.

A ópera é uma forma de expressão artística envol-vendo as componentes visual e auditiva de modo mui-to mais profundo que o teatro em sentido corrente,dado que a música participa de forma essencial no de-senvolvimento argumental e na descrição de estadosanímicos e sentimentos. Consegue-se assim – porque,digamos, a música pode alcançar directamente o cora-ção sem passar pelo intelecto – ampliar as emoçõeshumanas, detalhá-las de maneira clara, directa, defi-nitiva.

Na ópera, a música dá amplitude à acção e leva otexto a um grau emocional tão elevado que a funçãodas palavras é quase rudimentar: O canto simultâneodá maior amplitude à realidade; o leimotiv, nitida-mente conotado com o conceito de drama musicalwagneriano, desempenha papel análogo ao da metá-fora ou alegoria, permitindo toda uma complexa es-trutura de relações músico-poéticas.

Justifica-se, assim, uma nota especial de referênciaàs salas de ópera.

As exigências de ordem acústica para uma sala deópera são de ordem bastante mais complexa do quepara uma sala de concertos, pois se trata de realizarequilíbrio entre as emissões sonoras produzidas peloscantores e pela orquestra. Há que levar adequadamenteas primeiras à assistência, sem que o som orquestralperca o seu significado, para o efeito praticando o jo-go apropriado entre as potências sonoras das fontese as distribuições espectrais respectivas, aspectos quenão podem considerar-se com independência.

As passagens de bel canto requerem uma certa re-verberação de modo a conferir volume à voz e coesãoà linha melódica; aliás os cantores de ópera desejamsentir» esta reverberação, que lhes dá confiança nodesenvolvimento da voz.

Por outro lado, é necessário que seja realizada a de-finição suficiente para garantir compreensão adequa-da do texto. Assim, nas passagens rápidas de parlandoou nos recitativos, há que ser realizado o reforço apro-priado das reflexões pouco desfasadas (em relação aosom directo), na gama das frequências elevadas.

A propósito das condições acústicas das salas deópera não deve esquecer-se que, na sua evolução his-tórica, ocorreu mudança profunda da posição dos mú-sicos que, nos teatros do barroco e no tempo deMozart, ocupavam (agrupamentos com poucas figuras)as primeiras filas da zona da assistência, fracamente se-parados dela.

A partir do séc. XIX a orquestra vai localizar-se emfossos, nalguns casos relativamente profundos. Situa-ção paradigmática é a do Bayreuth Festspielhaus emque, retirada a orquestra da visão do público, elimina-da a iluminação da sala, estabelece-se a concentraçãototal da atenção do público no palco, na fusão, numamassa sonora algo hipnotizante, das vozes e da músi-ca instrumental, realizando-se assim o ideal possessi-vo do drama wagneriano como que numa pré-visão datela do cinema (*).

Com esta mudança, o campo sonoro estabelecidopela orquestra situada no fosso (com várias dezenas defiguras nalguns casos) será essencialmente difuso, comas componentes directas muito atenuadas, quase quepara a generalidade dos lugares da plateia, afigurando--se aceitável, portanto, uma modelação por campo di-fuso, com evidente reforço do papel desempenhadopelo tempo de reverberação da sala.

Esta disposição vai influenciar também a distribui-ção espectral do som recebido pela assistência, por sermaior a atenuação das componentes de frequênciasmais elevadas, facilitando o sobressaimento dos for-

(*) Refira-se, a título ilustrativo a clara oposição, a este modelo, doTeatro Nacional de S. Carlos – «Teatro de Corte», com o camarote reala fazer concorrência ao palco, numa relação claramente autoritária dasala para o palco.

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mantes das vozes dos cantores, que se localizam na oi-tava de frequência central 4000 Hz. Note-se que a ate-nuação mais marcada das componentes de frequênciamais elevada pode obrigar a alterações da disposição

da orquestra no fosso, por exemplo trocando as posi-ções dos primeiros e segundos violinos, de modoa obviar a perdas de brilho consequentes de atenua- ções por difracção.

Aos Senhores Arquitectos Raúl Branco e Manuel Salgado, pela cedência das fotografias, respectivamente, do Auditório da FIL e da maqueta doAuditório do Centro Cultural de Belém.

AGRADECIMENTOS

SUGESTÕES DE LEITURA

MACKENZIE R. – Auditorium acoustics, Applied SciencePublishers, London, 1975.

MARTINS DA SILVA, P. – Elementos de acústica musical,Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa, 1989.

BERANEK, L. L. – Music, acoustics and architecture, JohnWiley and Sons, New York, 1962.

JORDAN, V. L. – Acoustical design of concert halls and thea-tres, Applied Science Publishers, London, 1990.