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8 [NOVEMBRO - DEZEMBRO 2012] audiology infos Acústica audiology infos [NOVEMBRO - DEZEMBRO 2012] 9 ACÚSTICA O termo “medição sonora” engloba vários tipos de medição nas quais várias informações bem distintas, como por exemplo a informação sobre a sensação de volume sonoro ou a potência sonora, podem ser obtidas. Independente da informação desejada é imprescindível que haja coerência entre o objetivo da medição, a metodologia aplicada, as grandezas utilizadas e a análise dos resultados. Esta coerência pode ser obtida aplicando os conceitos da acústica de forma correta, o que infelizmente nem sempre acontece e frequentemente resulta em erros graves em pesquisas, laudos de medição e leis, fazendo as últimas perderem sua função de disciplinar uma matéria. O presente artigo busca chamar a atenção para tal através da análise dos erros mais correntes. A importância do rigor científico nas medições sonoras M edições sonoras são uma ferramenta importante, tanto para pesquisas nas áreas da acústica e audiologia, como para a fiscalização da poluição sonora ou da exposição a ruídos. Para que as medições possam cumprir o seu papel é extremamente importante que haja coerência entre o objetivo da medição, a metodologia aplicada, as grandezas utilizadas e a análise dos resultados. Esta coerência somente pode ser obtida se em todas as etapas as decisões certas forem tomadas e um rigor científico for aplicado. Infelizmente, observa-se que muitas vezes falta aos profissionais da área de acústica, mais especificamente aos da área que se preocupa com as medições sonoras, exatamente esta preocupação com o rigor científico resultando em erros graves nas medições e na interpretação dos resultados. Frequentemente, isso se deve ao fato de existir entre os especialistas de acústica uma certa “preguiça” de utilizar os termos corretos, pois eles partem do pressuposto de que o interlocutor vai enten- der de qualquer maneira. Enquanto isso funciona, razoavelmente, entre especialistas com formação em acústica, isso definitivamente não é o ideal na comunicação com profissionais que precisam usar as ferramentas da acústica para seu trabalho – como por exemplo, os profissionais da fonoaudiologia, da segurança de trabalho, da fiscalização e do jurídico, entre outros –, pois cria problemas na compreensão dos fatos. O volume sonoro é um conceito psicoacústico Enquanto cada um de nós sabe que um metro e um centímetro são coisas diferentes e que as escalas de Celsius e Fahrenheit também são escalas diferentes, na área de acústica as pessoas não discriminam de forma correta entre dB e dBA, L e L eq , fazem médias com grandezas logarítmicas e assim por diante. Isso não resulta apenas na incoerência da aplicação dos conceitos mais básicos da acústica e das medições acústicas, mas sim, leva, muitas vezes, a resultados errados e sem sentido em trabalhos de pesquisa e em laudos de medição, podendo ainda resultar em leis inaplicáveis. O que pode parecer obsessão por perfeição, na ver - dade nada mais é do que a aplicação dos conceitos FOTOLIA fundamentais para que os resultados de medições sonoras na pesquisa e na fiscalização sejam verídi- cos e que normas e leis sobre poluição sonora sejam aplicáveis. A partir destas observações, resolveu-se esclarecer neste artigo alguns conceitos básicos das medições acústicas, ilustrando também como a não aplicação deste conhecimento, por desconhecimento ou negligência, pode corromper os resultados de uma medição ou inviabilizar a aplicação de uma lei. Ao falar em “medição do som” pode-se querer obter na verdade várias informações sobre o som como, por exemplo, informações sobre a sensação de volume sonoro, a potência sonora, a intensidade sonora, o espectro sonoro, entre outras. Normalmente, o maior interesse está em quantificar a sensação auditiva de volume sonoro, que é diferente do que se entende em acústica por intensidade sonora. Enquanto a sensação de volume sonoro é um conceito psicoacústico, a intensidade sonora é um conceito físico e é definida como a energia sonora que atravessa uma determi- nada área de controle sendo, portanto, um vetor. Pelo fato de a intensidade sonora ser uma grandeza física, ela não é equivalente à sensação auditiva e por isso não se deveria falar em intensidade sonora nos casos onde o interesse na verdade é a sensação de volume sonoro. A sensação do volume sonoro depende, de forma muito complexa, das características físicas do sinal sonoro. Com maiores simplificações, pode-se afirmar que para tons puros e dentro de uma faixa limitada da pressão sonora, a sensação de volume sonoro depende de forma logarítmica da pressão sonora efi- caz, esta última também chamada de pressão sonora RMS. Considerando esta dependência logarítmica, define-se o nível de pressão sonora (NPS) L ou L P como aquela grandeza que quantifica a sensação auditiva de volume sonoro em função da pressão sonora eficaz p ef e de uma pressão sonora (eficaz) de referência p 0 através de: L P = 10 log( p ef 2 / p 0 2 ) = 20 log( p ef / p 0 ) [dB] (1) sendo que p 0 =0,00002Pa. Esta definição, que é baseada na lei de Weber-Fechner, é básica e muitos leitores devem estar familiarizados com ela. Porém, muitas vezes, inclusive em normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (por exemplo, na NBR 13368:1995, norma da ABNT para o ruído gerado por aeronaves) um detalhe importante está sendo esquecido: Observe-se que a definição do NPS dada pela Eq. 1 baseia-se em pressões sonoras eficazes p ef e p 0 e não na pressão sonora. A diferença é importante, pois a pressão sonora pode ser negativa (Figura 1) e, neste caso, não seria possível realizar a operação logarítmica na parte 20log( p ef /p 0 ) da Eq. 1, dado que o logaritmo de um número negativo não é definido. Como a pressão sonora oscila ao redor do valor zero, a sensação de volume sonoro para a qual o nível de pressão sonora é uma primeira aproximação, tam- bém deveria oscilar, o que não é o caso, a não ser em frequências muito baixas onde o período T seja maior que a resolução temporal da audição. Quando escutamos um tom puro, por exemplo, que tem um traçado de pressão sonora conforme a Figura 2, a “Muitos acham que o decibel é uma unidade, o que não é verdade.” “Na área de acústica muitas pessoas não discriminam de forma correta entre dB e dBA.” Figura 1 : Sinal sonoro caracterizado pelo traçado da pressão sonora no domínio do tempo

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8 [NOVEMBRO - DEZEMBRO 2012] audiologyinfos

Acústica

audiologyinfos [NOVEMBRO - DEZEMBRO 2012] 9

a c ú s t i c a

O termo “medição sonora” engloba vários tipos de medição nas quais várias informações bem distintas, como por exemplo a informação sobre a sensação de volume sonoro ou a potência sonora, podem ser obtidas. Independente da informação desejada é imprescindível que haja coerência entre o objetivo da medição, a metodologia aplicada, as grandezas utilizadas e a análise dos resultados. Esta coerência pode ser obtida aplicando os conceitos da acústica de forma correta, o que infelizmente nem sempre acontece e frequentemente resulta em erros graves em pesquisas, laudos de medição e leis, fazendo as últimas perderem sua função de disciplinar uma matéria. O presente artigo busca chamar a atenção para tal através da análise dos erros mais correntes.

A importância do rigor científico nas medições sonoras

M edições sonoras são uma ferramenta importante, tanto para pesquisas nas áreas da acústica e

audiologia, como para a fiscalização da poluição sonora ou da exposição a ruídos. Para que as medições possam cumprir o seu papel é extremamente importante que haja coerência entre o objetivo da medição, a metodologia aplicada, as grandezas utilizadas e a análise dos resultados. Esta coerência somente pode ser obtida se em todas as etapas as decisões certas forem tomadas e um rigor científico for aplicado. Infelizmente, observa-se que muitas vezes falta aos profissionais da área de acústica, mais especificamente aos da área que se preocupa com as medições sonoras, exatamente esta preocupação com o rigor científico resultando em erros graves nas medições e na interpretação dos resultados. Frequentemente, isso se deve ao fato de existir entre os especialistas de acústica uma certa “preguiça” de utilizar os termos corretos, pois eles partem do pressuposto de que o interlocutor vai enten-der de qualquer maneira. Enquanto isso funciona, razoavelmente, entre especialistas com formação em acústica, isso definitivamente não é o ideal na

comunicação com profissionais que precisam usar as ferramentas da acústica para seu trabalho – como por exemplo, os profissionais da fonoaudiologia, da segurança de trabalho, da fiscalização e do jurídico, entre outros –, pois cria problemas na compreensão dos fatos.

O volume sonoro é um conceito psicoacústico

Enquanto cada um de nós sabe que um metro e um centímetro são coisas diferentes e que as escalas de Celsius e Fahrenheit também são escalas diferentes, na área de acústica as pessoas não discriminam de forma correta entre dB e dBA, L e Leq, fazem médias com grandezas logarítmicas e assim por diante. Isso não resulta apenas na incoerência da aplicação dos conceitos mais básicos da acústica e das medições acústicas, mas sim, leva, muitas vezes, a resultados errados e sem sentido em trabalhos de pesquisa e em laudos de medição, podendo ainda resultar em leis inaplicáveis. O que pode parecer obsessão por perfeição, na ver-dade nada mais é do que a aplicação dos conceitos

Foto

lia

fundamentais para que os resultados de medições sonoras na pesquisa e na fiscalização sejam verídi-cos e que normas e leis sobre poluição sonora sejam aplicáveis. A partir destas observações, resolveu-se esclarecer neste artigo alguns conceitos básicos das medições acústicas, ilustrando também como a não aplicação deste conhecimento, por desconhecimento ou negligência, pode corromper os resultados de uma medição ou inviabilizar a aplicação de uma lei.

Ao falar em “medição do som” pode-se querer obter na verdade várias informações sobre o som como, por exemplo, informações sobre a sensação de volume sonoro, a potência sonora, a intensidade sonora, o espectro sonoro, entre outras. Normalmente, o maior interesse está em quantificar a sensação auditiva de volume sonoro, que é diferente do que se entende em acústica por intensidade sonora. Enquanto a sensação de volume sonoro é um conceito psicoacústico, a intensidade sonora é um conceito físico e é definida como a energia sonora que atravessa uma determi-nada área de controle sendo, portanto, um vetor. Pelo fato de a intensidade sonora ser uma grandeza

física, ela não é equivalente à sensação auditiva e por isso não se deveria falar em intensidade sonora nos casos onde o interesse na verdade é a sensação de volume sonoro.A sensação do volume sonoro depende, de forma muito complexa, das características físicas do sinal sonoro. Com maiores simplificações, pode-se afirmar que para tons puros e dentro de uma faixa limitada da pressão sonora, a sensação de volume sonoro depende de forma logarítmica da pressão sonora efi-caz, esta última também chamada de pressão sonora RMS. Considerando esta dependência logarítmica, define-se o nível de pressão sonora (NPS) L ou LP como aquela grandeza que quantifica a sensação auditiva de volume sonoro em função da pressão sonora eficaz pef e de uma pressão sonora (eficaz) de referência p0 através de:

LP= 10 log(pef2 / p

02) = 20 log(pef / p0) [dB] (1)

sendo que p0=0,00002Pa. Esta definição, que é baseada na lei de Weber-Fechner, é básica e muitos leitores devem estar familiarizados com ela. Porém, muitas vezes, inclusive em normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (por exemplo, na NBR 13368:1995, norma da ABNT para o ruído gerado por aeronaves) um detalhe importante está sendo esquecido: Observe-se que a definição do NPS dada pela Eq. 1 baseia-se em pressões sonoras eficazes pef e p0 e não na pressão sonora. A diferença é importante, pois a pressão sonora pode ser negativa (Figura 1) e, neste caso, não seria possível realizar a operação logarítmica na parte 20log(pef /p0) da Eq. 1, dado que o logaritmo de um número negativo não é definido.

Como a pressão sonora oscila ao redor do valor zero, a sensação de volume sonoro para a qual o nível de pressão sonora é uma primeira aproximação, tam-bém deveria oscilar, o que não é o caso, a não ser em frequências muito baixas onde o período T seja maior que a resolução temporal da audição. Quando escutamos um tom puro, por exemplo, que tem um traçado de pressão sonora conforme a Figura 2, a “Muitos acham

que o decibel é uma unidade, o que não é verdade.”

“Na área de acústica muitas pessoas não

discriminam de forma correta entre dB

e dBA.”

Figura 1 : Sinal sonoro caracterizado pelo traçado da pressão sonora no domínio do tempo

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Acústica a c ú s t i c anossa sensação de volume sonoro é constante, pois ela depende da pressão sonora eficaz, que é constante neste caso, e não da pressão sonora que oscila com a frequência f.

Estes dois exemplos mostram a importância de não se esquecer de que a definição do nível de pressão sonora se baseia em pressões sonoras eficazes e não nas pressões sonoras.

O dB que usamos não é unidade

A operação logarítmica sobre a relação entre pressões sonoras eficazes faz com que valores logarítmicos sejam obtidos. Para marcar estes valores como sendo logarítmicos, usa-se o indicador logarít-mico ou a pseudo-unidade decibel [dB]. Muitas pessoas acham que o decibel é uma unidade, o que não é verdade. A partir da Eq. 1, observa-se que duas pressões eficazes são divididas entre elas antes de se realizar a operação logarítmica. Assumindo-se que ambas as pressões eficazes pef e p0tenham a unidade Pascal [Pa], fica evidente que a razão delas não tem mais unidade; trata-se de um número adimensional. O logarítmo de um número adimensional continua sendo adimensional e, por-tanto, o NPS não tem unidade e o dB que usamos não é unidade. O dB é uma pseudo-unidade cuja função é indicar que os valores que a antecedem foram obtidos por operação logarítmica e, desta forma, algumas operações matemáticas, como a média ou a soma, não são possíveis e, se forem rea-lizadas, como é o caso na determinação do grau de perda da audição, na verdade, perdem o seu sentido psicofísico. Sendo que o dB não é unidade, mas sim, um indicador logarítmico, o mesmo poderia ser substituído por qualquer outro símbolo, desde que todo mundo entenda que o símbolo escolhido seja o indicador logarítmico. Uma outra observação relativa ao decibel é referente ao termo decibelímetro. Conforme mencionado anteriormente, o decibel é um indicador logarítmico, concebido fora da área da acústica e adotado pela acústica apenas posteriormente, considerando a sua

utilidade na definição de uma operação logarítmica para expressar a sensação de volume sonoro. Mas a operação logarítmica é de utilidade não apenas na acústica, mas descreve outros fenômenos igualmente bem, sejam eles fenômenos físicos ou psicofísicos. Um exemplo de um fenômeno físico, e eis o fenômeno cuja descrição deu origem ao uso do decibel, é o fenômeno da perda de energia de sinais elétricos em cabos muito longos. Mas da mesma forma, vários fenômenos psicofísicos são descritos pela relação logarítmica e podem ser quantificados, portanto, na escala dB. Assim, o nome decibilímetro não deixa claro que medimos um fenômeno psicoacústico. O que este aparelho na verdade mede é a pressão sonora e a transforma em pressão sonora eficaz, e esta em nível de pressão sonora. Por isso, o nome correto é medidor de nível de pressão sonora, com certeza um nome um pouco longo, mas podemos abreviá-lo facilmente como MNPS. O plural de decibel é decibels, dado que as normas de nomenclatura do Vocabulário Internacional de Metrologia (INMETRO, 2008) estabelecem que não se deve desfigurar nomes de unidades, grandezas, pseudo-unidades, etc., que são oriundas de nomes de pessoas. Isso se aplica, então, também ao Bel, que tem o seu nome derivado do nome de Alexan-der Graham Bell, e a sua décima parte, o decibel.

O NPS ponderado é importante para medi-ções do ambiente acústicoFinalmente, temos ainda variações do indicador dB, que são o dBA ou dB(A), dBB ou dB(B), dBC ou dB(C), etc. Estas variações, que comunicam o fato da aplicação de uma ponderação em frequência, não podem ser confundidas entre si. A origem destas variações será explicada rapidamente, para deixar mais clara a diferença entre elas.

Sabe-se que uma determinada pressão sonora eficaz, ou um determinado NPS, resulta em uma sensação de volume sonoro menor nas baixas e nas altas frequências comparado com as frequências médias. Este fato é expresso pelas curvas isofônicas na área de audição (Figura 3).

Baseando-se na curva do limiar da audição, que expressa a sensibilidade da audição no limiar, o conceito do nível de audibilidade NA(1) considera a dependência da sensação de volume sonoro da sensibi-lidade do sistema auditivo, enquanto o NPS, definido pela Eq. 1, não o faz. Para remediar este defeito da grandeza NPS foram desenvolvidas as curvas de ponderação em frequência. Existem várias curvas e as mais conhecidas são as curvas A e C (Figura 4).

Aplicando-se a ponderação A ou C ao espectro de um sinal sonoro obtêm-se o espectro ponderado e, a partir deste, o NPS ponderado em A ou C. Apesar de o NA e o NPS ponderado considerarem a sen-sibilidade a partir das curvas isofônicas da Figura 3, eles são diferentes, pois o NA usa a curva de 0 phon como referência e o NPS ponderado em A a curva de 40 phon, que é diferente no seu traçado daquela de 0 phon. Enquanto o NA tem sua apli-

cação na audiometria e é aplicável apenas a tons puros, o NPS ponderado é importante no âmbito das medições do ambiente acústico. No caso dos NPS ponderados em A ou C, é importante usar os indicadores dBA ou dBC, e não apenas o dB, para que fique claro que se trata de valores ponderados em frequência. O que parece óbvio na teoria é objeto

“Os NPS sem e com ponderação

são coisas diferentes e

não podem ser comparados.”

“Existem várias grandezas que

podem ser adquiridas a

partir do nível de pressão sonora.”

Figura 3 : Curvas isofônicas na área da audição

Figura 4 : Curvas de ponderação A, B, C e D.Figura 2 : Tom puro caracterizado pelo traçado da pressão sonora no tempo

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Acústicade negligência e esquecimento na prática. Além de este erro ser muito corrente em matérias na TV ou jornais, infelizmente encontra-se também várias publicações técnicas e científicas, e até normas e leis brasileiras, que não diferenciam de forma correta os NPS sem e com ponderação, pois se esquecem de indicar quando foi utilizada uma ponderação ou não. O que pode parecer impertinência de um pro-fessor de acústica, tem implicações importantes na prática. Os NPS sem e com ponderação são coisas diferentes e não podem ser com-parados. Também não podem ser transformados, um em outro, a não ser que se tenha a informação do espectro, o que poucas vezes é o caso. O esquecimento da indicação da ponderação em publicações científicas sobre perda auditiva entre jovens durante décadas resulta, junto a outros fatores, no fato de não ser possível comprovar que a incidência de perda auditiva entre jovens aumentou ao longo das últimas décadas, conforme mostrou Le Prell no 27º Encontro Internacional de Audiologia em 2012. Vários outros exemplos poderiam ser citados, mas isso estaria fora do escopo deste artigo.

A confusão é quase garantida...

Além da variação do NPS devida à aplicação de uma ponderação, o medidor de nível de pressão sonora (MNPS) ainda pode determinar diferentes tipos do NPS em relação à questão temporal pois, em tese, a pressão sonora de um sinal varia muito rapidamente com o tempo, conforme mostra a Fig 1. Para determinar o NPS através da equação 1, o MNPS precisa determinar primeiramente a pres-são sonora eficaz pef , o que se faz realizando uma integração por um pequeno período de tempo. Este período é definido pelo tempo de integração, estando padronizados, atualmente, os tempos fast, com t=125 ms, e slow, com t=1 s. Desta forma, o MNPS configurado em fast irá determinar um NPS a cada 125 ms, o MNPS configurado em slow determina o NPS a cada segundo. Porém, como um update do valor do NPS no display do medidor é inviável a cada 125 ms, o medidor irá mostrar o valor atualizado apenas a cada 0,5 segundo ou a cada segundo, independentemente de ter utilizado a integração slow ou fast.

Mesmo tendo-se um valor novo apenas a cada segundo, enfrenta-se o problema que é inviável de anotar ou trabalhar com tantos valores de NPS, pois em um minuto já seriam 60 valores, em uma

hora 3600 valores diferentes do NPS, e assim por diante; de qualquer forma, um número muito grande. Entretanto, o nosso interesse é, no caso mais simples, centrado na obtenção de um único valor de NPS, que caracteriza a situação sonora durante o período de medição, seja ele um minuto, cinco minutos ou um dia todo. Em vez de escolher de forma arbi-trária um único valor destes acumulados durante a medição – o que muitas pessoas infelizmente fazem – deve-se procurar um valor representativo. Não há uma regra geral para se determinar qual valor é o mais representativo. Para fins de avaliação da exposição sonora em situações onde o ruído é ininterrupto e aproximadamente constante, deve-se usar o NPS equivalente Leq(ou LAeq se for com a ponderação A), enquanto para situações onde o ruído é impulsivo, o NPS equivalente Leqnão tem relevância e o NPS pico Lpeakou o NPS percentil L1 deve ser escolhido como grandeza representativa. Ainda, existem o NPS máximo e o NPS mínimo, sendo estes o máximo e o mínimo daqueles NPS que apareceram no display durante toda a medição e que usaram o tempo de integração padronizado. Com tantas possibilidades e variações possíveis, a confusão é quase garantida e, na prática, muitas leis municipais, boletins técnicos, etc. exigem, por exemplo, que “o nível de ruído máximo” não exceda “X dB” ou “Y dBA”. Tecnicamente, isto é um equívoco, pois, na verdade, as normas técnicas referem-se, infelizmente poucas vezes de forma clara, a um valor teto do NPS equivalente ponderado em A e não ao NPS ponderado máximo. A Figura 5 mostra um exemplo, considerado o período da noite (entre 22 e 7 horas). Neste período da noite, o nível de pressão sonora ponderado em A LA pode, sim, exceder o limite estabelecido por norma ou lei, neste caso 55 dBA pela NBR 10152:2000 (Norma da ABNT para níveis de ruído para conforto acús-tico), desde que o LAeq não exceda este limite que, no caso específico, é de 55 dBA.Observa-se na Figura 5 que há vários eventos que

“A intensidade sonora é um

vetor que descreve a

energia sonora que atravessa uma área de

1 m².”

Figura 5 : Nível de pressão sonora ponderado em A LA em função do tempo obtido durante uma medição em um bairro de área mista com vocação recreacional.

Continuação na página 14

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Acústicafazem com que o nível de pressão sonora ponderado em A LA ultrapasse em muito os 55 dBA, mas no final das contas, na média energética para a noite toda, o nível de pressão sonora equivalente LAeq é de apenas 54 dBA, e a situação se enquadra nos limites preconizados pela NBR 10152:2000 para este bairro. A passagem de um ônibus ou do caminhão de coleta do lixo, produzindo NPS maiores que o estabelecido pela lei, não necessariamente significa que haja desobediência à lei, pois se durante o resto do tempo da noite os NPS forem suficientemente pequenos, a energia sonora da passagem do caminhão de lixo ou do ônibus será compensada, conforme mostra o exemplo da Figura 5. O mesmo se aplica, por exemplo, para uma situação onde a música em alto volume do vizinho incomoda você. Pelo menos com amparo na NBR 10152:2000, e em grande parte também das leis municipais de poluição sonora, esta situação não fere a lei, desde que o LAeq do período integral da noite esteja abaixo do limite estabelecido pela norma ou lei. É claro que essa situação não é satisfatória, mas infelizmente as leis e normas atuais que dizem respeito à poluição sonora são omissas neste aspecto e permitem, desta forma, que tal abuso aconteça. Por outro lado, esta brecha possibilita que serviços como a coleta de lixo aconteçam durante a noite.

Falar da intensidade sonora frequentemente é incorretoDa mesma forma, é incorreto, na grande maioria dos casos, falar da intensidade sonora, como fazem muitas leis municipais com formulações como “Os níveis de intensidade de som e ruídos referidos no artigo anterior são …”. Esta formulação apresenta um erro conceitual grave, pois faz o leitor leigo em acústica acreditar que os níveis de intensidade sonora

seriam objeto da limitação, o que não é verdade. A intensidade sonora é um vetor que descreve a energia sonora que atra-vessa uma área de 1 m² e pode ser determinada apenas com equi-pamentos espe-ciais, as sondas de intensidade sonora. Porém, nenhum órgão de fiscalização tem este equipamento, o que faz com que

estes também não possam determinar o nível de intensidade do som ou o nível de intensidade sonora. O que realmente pode ser determinado é apenas o nível de pressão sonora (NPS), através de um Medidor de Nível de Pressão Sonora. Além do fato de o próprio emprego do termo “nível de intensidade do som” (ao invés de “nível de pressão sonora”) ser equivocado, este não deixa claro qual grandeza deve ser adquirida para fins de fiscalização. Como foi exposto anteriormente, existem várias grandezas que podem ser adquiridas a partir do nível de pressão sonora, por exemplos max(LAeq), LAeq, LAmax, LApeak, Leq, Lmax, Lpeak, entre muitas outras. Como cada uma tem um significado e objetivo diferente, uma lei ou orientação técnica que versa sobre um limite deve apresentar suas especificações de forma bem clara e detalhada, para não dar margem a erro por parte dos fiscais, e a expressão “intensidade do som’’ da muita margem a erros.

Zelar pelo uso correto dos conceitos e termos

As diferenças e inconsistências podem parecer pequenas, sem importância fora das aulas de acústica. Porém, se não forem corrigidas têm várias conse-quências, como a não-validade de laudos técnicos de medições, multas aplicadas de forma injusta, trabalhos científicos sem resultado de valor científico, estudos sobre a saúde auditiva de populações que não contribuem para a ampliação do conhecimento, devido a erros na aplicação dos conceitos básicos das medições acústicas. Acredito ficar evidente a nossa responsabilidade como professores e profissionais em zelar pelo uso correto dos conceitos e termos, bem como a busca pelo melhor entendimento dos conceitos por parte dos alunos e da população leiga, porém, interessada no assunto, como os três poderes na figura das pessoas que fazem as leis sobre poluição sonora e as fazem cumprir. Acredito também que deverá haver uma maior integração dos profissionais da área técnica dentro da fonoaudiologia a fim de buscar uma melhor aproximação e compreensão dos conceitos da acústica durante a formação dos profissionais da fonoaudiologia.z�

Prof. Stephan Paul, Dr.-Eng. em AcústicaUniversidade Federal de Santa Maria

(1) Na audiologia o nível de audibilidade é a diferença entre o NPS do limiar de audição em uma determinada frequência e o NPS do tom na mesma frequência, sendo que esta diferença é uma grandeza logarítmica e usa o indicador dB ou dBNA. Já na engenharia acústica e na área de psicoacústica, os autores em português usam o termo nível de audibilidade, associando-o à escala phon. Para evitar esta confusão utiliza-se aqui o termo curva isofônica para as curvas de igual sensação de volume sonoro.

“As leis e normas atuais

que dizem respeito à

poluição sonora são precárias.”

Stephan Paul é professor de acústica na Universidade Federal de Santa Maria e coordenador geral do Dia

Internacional de Conscientização sobre o Ruído no Brasil.

S.D

.