acp - tut. antec. - educação - aluna expulsa 10032-65
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·REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL·
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·ESTADO DO CEARÁ·PODER JUDICIÁRIO
·1 ª VARA DA COMARCA DE QUIXERAMOBIM··
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Ação : CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADAProcesso nº: 10032-65.2011.8.06.0154Reqte: MINISTÉRIO PÚBLICOReqdo: ESTADO DO CEARÁ
R. H.
O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TULELA ANTECIPADA contra o ESTADO DO CEARÁ, requerendo que seja mantida e garantida a frequencia da menor ANTÔNIA MARIELLE DE FREITAS na Escola Estadual Dr. Joaquim Fernandes, onde está matriculada, até que conclua os seus estudos, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser recolhida para o fundo previsto no art. 214 do ECA ou, na falta, ao Fundo Estadual dos Interesses Difusos e Coletivos.
Informa que, segundo narrado pela mãe da adolescente, que conta com 15 (quinze) anos de idade, esta teria sido expulsa da escola pelo(a) diretor(a), em razão de indisciplina, sem, contudo, nenhuma indicação da escola para a qual a aluna deveria ser transferida.
Acrescenta, ainda, que a mãe da menor não conseguiu vaga em nenhuma escola, em razão de já estarmos no fim do ano letivo, e que (a) diretor(a) da escola não recebeu os Conselheiros Tutelares e não atendeu ao convite do Ministério Público para comparecer à Promotoria de Justiça.
No mérito, alega que é obrigação do Estado garantir o ensino para a adolescente, nos termos do art. 10, VI, da Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação e art. 208 da CF/88.
Como periculum in mora argui que a falta às aulas pela adolescente comprometerá todo o desenvolvimento educacional da mesma.
É o relatório. Decido
Restam configurados na presente ação a relevância do fundamento da demanda e o periculum in mora, conforme exigido pelo art. 461, § 3º, do CPC.
Quanto ao primeiro requisito, temos que, consoante dispõe o art. 208, § 1º, da CF/88, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, direito este que deve ser garantido pelo Poder Público, no caso o Estado, nos termos do art. 10, VI, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/96.
Portanto, para que tal direito público subjetivo seja cerceado, que
nesta ação se deu através da expulsão da adolescente da escola em que estuda, necessário se faz que existam fortes motivos para tanto, os quais devem ter sido previamente apurados em processo administrativo, sob pena de se ferir o art. 5º, LIV, da CF/88, anulando-se o ato administrativo, conforme pacífica jurisprudência que segue:
“Processo: AC 20020110135679 DF
Relator(a): ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
Julgamento: 28/02/2005
Órgão Julgador: 1ª Turma Cível
Publicação: DJU 10/05/2005 Pág. : 143
Ementa
DANOS MORAIS. ESCOLA. BRIGA. EXPULSÃO DE ALUNO. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO PRÉVIO ADEQUADO PARA A APURAÇÃO DOS FATOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A INSTITUIÇÃO DE ENSINO TEM O DIREITO DE EXPULSAR O ALUNO QUE APRESENTA DESVIO DE CONDUTA E COMPORTAMENTO SOCIAL INADEQUADO, MAS PARA TANTO DEVERÁ OBSERVAR OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO, SOB PENA DE O ATO DE EXPULSÃO TRANSFORMAR-SE EM ATO ARBITRÁRIO E ACARRETAR AO ESTABELECIMENTO DE ENSINO O DEVER DE INDENIZAR O DANO MORAL DECORRENTE”.
“Processo: REOMS 46144 PE 0010864-34.1994.4.05.0000
Relator(a): Desembargador Federal Francisco Barros Dias (Substituto)
Julgamento: 14/02/1995
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação: DJ DATA-24/03/1995
Ementa
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXPULSÃO DE ALUNO DE ESCOLA AGROTECNICA SEM OBEDIENCIA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEM CONCESSÃO DE DIREITO DE DEFESA. - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM SEU ART. QUINTO, LIV, ASSEGURA O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, PARA QUE ALGUEM POSSA SER PRIVADO DA LIBERDADE OU DE SEUS BENS. NESSE PROCESSO, JUDICIAL OU ADMINISTRATIVO, NECESSARIA A EXISTENCIA DE CONTRADITORIO E AMPLA DEFESA (ART. QUINTO, LV). - EM FACE DA OMISSÃO DE INFORMAÇÕES DOS DIRETORES DA ESCOLA, NO QUE DIZ RESPEITO A OBSERVANCIA DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, PRESUME-SE
PELA VIOLAÇÃO DESSES PRINCIPIOS, CONFORME ALEGADO PELO AUTOR, MOTIVO PELO QUAL MANTEM-SE A DECISÃO CONCESSIVA DA SEGURANÇA. - REMESSA IMPROVIDA”.
Por outro lado, além da necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar para apurar a falta do aluno, o diretor da escola deve expedir a transferência do aluno, viabilizando que o mesmo dê continuidade aos seus estudos, conforme se extrai da Cartilha dos Direito em Educação, expedida pelo Instituto de Pesquisas e Administração da Educação1:
“Expulsão de aluno por má conduta
Os regimentos escolares devem definir claramente os direitos e deveres na educação e em praticamente todos há previsão de exclusão de aluno quando é notada a má conduta. É preciso que seja bem analisada a conduta do discente para evitar que a medida venha a ser modificada por decisão do judiciário. Quando o processo é concluído a escola deve expedir o documento de transferência e entregar ao aluno ou a seu responsável. Isso não precisa ser no final do ano ou período. Dependendo da gravidade do caso é perfeitamente possível a expulsão do aluno em qualquer época”.
Ocorre que, no caso em tela, não há vagas nas escolas, haja vista que já está findando o ano letivo, de modo a expulsão da adolescente, em tal período, acarretará à mesma, sem sombra de dúvida, a perda do ano letivo, além de afastá-la do ambiente escolar, que agora mais do que nunca necessita, haja vista que a escola não se limita a transmitir matérias tais como matemática, português etc aos alunos, mas, antes de tudo, a educar o estudante para a vida em sociedade.
De grande valia a lição de Sotto Maior Neto (2000, p. 514), ao escrever sobre o ECA:
“As regras de disciplina, a serem estabelecidas de maneira clara no Regimento Escolar e aplicadas pelo Conselho Escolar (após, por óbvio, assegurada a ampla defesa), devem contemplar sanções pedagogicamente corretas, que jamais importem na exclusão do aluno do sistema educacional (e, não raras vezes, a escola expulsa do seu seio exatamente aquele que dela mais necessitava para o adequado desenvolvimento) ou em conseqüências destituídas de caráter educativo (como aquelas que revestem de imobilismo não construtivo ou na suspensão pura e simples que viola o direito à educação, quando não acaba correspondendo a um aparente "prêmio" pelo ato de indisciplina)”2.
Isso posto, DEFIRO o pedido de tutela antecipada inaudita altera pars, nos termos do art. 461 e seus parágrafos 3º e 4 º do CPC e 12 da Lei nº 7.347/85, para determinar ao demandado que mantenha e garanta a frequencia da menor ANTÔNIA MARIELLE DE FREITAS na Escola Estadual Dr. Joaquim Fernandes, onde está matriculada, até que conclua os seus estudos relativos a este ano letivo de 2011, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser
1 - [http://www.ipae.com.br/direitoeduca/cart_direit_educ.htm], acesso em 5.10.11.
2 - Citado por Alvaro ChrispinoI; Raquel S. P. ChrispinoII , em seu artigo – Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação (ISSN 0104-4036), vol.16, no.58, Rio de Janeiro, Jan./Mar. 2008; [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0104-40362008000100002&script=sci_arttext], acesso em 5.10.11.
recolhida para o fundo previsto no art. 214 do ECA ou, na falta, no Fundo Estadual dos Interesses Difusos e Coletivos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.
Cite-se o Estado do Ceará, para contestar no prazo de 60 (sessenta) dias, na pessoa de seu representante, sob as penas da lei.
Oficie-se o(a) Diretor(a) da Escola Escola Estadual Dr. Joaquim Fernandes para cumprir imediatamente a presente decisão, bem como para que junte aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, cópia do processo administrativo que resultou na expulsão/transferência da adolescente ANTÔNIA MARIELLE DE FREITAS.
Intimem-se as partes desta decisão.
Expedientes necessários.
Quixeramobim/CE, 5 de Outubro de 2011.
Flávia Maria Aires Freire Allemão
JUÍZA DE DIREITO