acontecimento e desconstruÇÃo cadernos 8 marcelo moraes

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ACONTECIMENTO E DESCONSTRUÇÃO Marcelo José Derzi Moraes 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro RESUMO: Este trabalho discute o acontecimento desconstrução, tema trabalhado e desenvolvido pelo filósofo Jacques Derrida, e que possibilitou uma nova perspectiva filosófica diante da conjectura atual em que não se pode mais dividir, separar ou manter uma hierarquia entre realidade e pensamento, cultura e natureza, logos e escritura. PALAVRAS-CHAVE: Desconstrução. Acontecimento. Metafísica. Devir. Podemos dizer que um acontecimento nos ronda. E é sobre um tipo de acontecimento que a escritura a seguir pretende abordar: o acontecimento da desconstrução. Este tema, o acontecimento da desconstrução, foi muito bem trabalhado e desenvolvido pelo filósofo franco-argelino Jacques Derrida, e acabou por nos possibilitar uma nova perspectiva diante da tradição filosófica como iremos ver a seguir. A história do pensamento ocidental, a história das ideias, ou seja, a história do Ocidente se constrói sob uma estrutura onde impera um pensamento identitário binário: Deus/homem; Apolo/Dioniso; razão/mito; belo/feio; dentro/fora; presente/ausente; ser/não ser; cultura/natureza; civilizado/selvagem; homem/mulher, conceito/metáfora, justo/injusto, verdade/falsidade, certo/errado. Essa estrutura funciona num movimento vertical onde o primário tem privilegio em relação ao que ficou secundário, ou o central tem privilégio em relação ao que ficou à margem. Essa é a estrutura do pensamento filosófico, ou seja, da metafísica tradicional que é formada por esses pares binários conceituais, partindo do principio de identidade, da presença e de um centro e que sempre buscou as origens dos fundamentos primeiros no intuito de ordenar e dar sentido as coisas. Assim, esse texto metafísico acredita dar conta de tudo, acreditando ter formado seu edifício conceitual em bases sólidas e seguras. Porém, acabou por impossibilitar e impedir a vez ao que estava secundário e recalcado, como também, ao novo, ao diferente ou, ao que está por vir. E é a partir desse cenário filosófico que a desconstrução acontece. Pois, o texto em que está enquadrado ou que 1 Mestrando em Filosofia pela UFRJ. Formado em licenciatura e bacharelado em Filosofia pela UERJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Ensaios Filosóficos; membro do Grupo de Estudos de Filosofia Contemporânea da UERJ e colaborador do LLPFIL da UERJ.

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Este trabalho discute o acontecimento desconstrução, tema trabalhado edesenvolvido pelo filósofo Jacques Derrida, e que possibilitou uma nova perspectivafilosófica diante da conjectura atual em que não se pode mais dividir, separar ou manter umahierarquia entre realidade e pensamento, cultura e natureza, logos e escritura.

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  • ACONTECIMENTO E DESCONSTRUO

    Marcelo Jos Derzi Moraes1 Universidade Federal do Rio de Janeiro

    RESUMO: Este trabalho discute o acontecimento desconstruo, tema trabalhado e desenvolvido pelo filsofo Jacques Derrida, e que possibilitou uma nova perspectiva filosfica diante da conjectura atual em que no se pode mais dividir, separar ou manter uma hierarquia entre realidade e pensamento, cultura e natureza, logos e escritura.

    PALAVRAS-CHAVE: Desconstruo. Acontecimento. Metafsica. Devir.

    Podemos dizer que um acontecimento nos ronda. E sobre um tipo de acontecimento que a escritura a seguir pretende abordar: o acontecimento da desconstruo.

    Este tema, o acontecimento da desconstruo, foi muito bem trabalhado e desenvolvido pelo filsofo franco-argelino Jacques Derrida, e acabou por nos possibilitar uma nova perspectiva diante da tradio filosfica como iremos ver a seguir. A histria do pensamento ocidental, a histria das ideias, ou seja, a histria do Ocidente se constri sob uma estrutura onde impera um pensamento identitrio binrio: Deus/homem; Apolo/Dioniso; razo/mito; belo/feio; dentro/fora; presente/ausente; ser/no ser; cultura/natureza; civilizado/selvagem; homem/mulher, conceito/metfora, justo/injusto, verdade/falsidade, certo/errado. Essa estrutura funciona num movimento vertical onde o primrio tem privilegio em relao ao que ficou secundrio, ou o central tem privilgio em relao ao que ficou margem. Essa a estrutura do pensamento filosfico, ou seja, da metafsica tradicional que formada por esses pares binrios conceituais, partindo do principio de identidade, da presena e de um centro e que sempre buscou as origens dos fundamentos primeiros no intuito de ordenar e dar sentido as coisas. Assim, esse texto metafsico acredita dar conta de tudo, acreditando ter formado seu edifcio conceitual em bases slidas e seguras. Porm, acabou por impossibilitar e impedir a vez ao que estava secundrio e recalcado, como tambm, ao novo, ao diferente ou, ao que est por vir. E a partir desse cenrio filosfico que a desconstruo acontece. Pois, o texto em que est enquadrado ou que

    1 Mestrando em Filosofia pela UFRJ. Formado em licenciatura e bacharelado em Filosofia pela UERJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Ensaios Filosficos; membro do Grupo de Estudos de Filosofia Contempornea da UERJ e colaborador do LLPFIL da UERJ.

  • por sculos tentaram enclausurar o pensamento que acabou por dar todo um sentido cultura Ocidental, fundamenta-se a partir de um pensamento euro-etno-falo-logocntrico que, a partir dessas bases, mantm at os dias de hoje firmes o pensamento metafsico. Esse terreno do pensamento metafsico que compe tambm o pensamento poltico ocidental se mescla e influencia nas decises polticas de nossas sociedades ditas democrticas, fazendo parte de uma mesma estrutura. Sendo assim, veremos que tudo isso um terreno inseguro e que nos escritos de Derrida, aparecem como uma forma de denncia j apontada desde as suas primeiras obras. Ora, no podemos separar as grandes concepes e verdades metafsicas das grandes decises que permitem a morte de milhes de pessoas a cada ano, por fome, por racismo e por intolerncia religiosa. A economia mundial, a globalizao, a geopoltica, o direito internacional e os direitos humanos, fazem parte do debate filosfico. E ter a partir da perspectiva derridiana, um novo ngulo de observao. ngulo esse que no vir do centro, do mesmo, do eu, do branco, do colonizador. Vir das margens, da diferena, do estrangeiro, do que esta por vir. Essa a importncia de uma nova perspectiva filosfica para a realidade atual. nesse sentido, que a desconstruo no somente acontece no mbito do pensamento como tambm na prtica, nas instituies como, por exemplo, no Direito. A estrutura em que Derrida bate, e bate com fora, ao abordar o tema da desconstruo, permeia e conserva toda a histria da filosofia ou a histria do pensamento, e ao estremecer permite a desconstruo dessa estrutura possibilitando uma promessa de Justia aos que esto por tantos anos margem dos interesses dos que definem o certo, o bom e o melhor.

    Derrida parte da perspectiva da desconstruo. Sendo esta, a sua posio, a posio perigosa e estranha da desconstruo. E a partir dessa posio ou perspectiva de pensamento que iremos tratar aqui e que compem todo o princpio do pensamento do filsofo argelino. No entanto, cabe colocar aqui que a desconstruo no uma ideia de Derrida. Ele se encontra com o termo desconstruo ao traduzir a expresso Destruktion, em alemo, em o Ser e Tempo de Martin Heidegger para o francs. Ao traduzir Destruktion, Derrida percebe que no to adequado traduzir por Destruicion, pois Destruicion quer dizer, destruio, aniquilar e se ento, traduzisse por Dconstruction, conseguiria assim, traduzir o que Heidegger realmente estava querendo dizer, ou seja, uma expresso que significa desmontar, retirar ou desconstruir peas que formam uma estrutura ou um sistema.

    Em Ser e tempo (2004), Heidegger, ao usar o termo Destruktion que, em portugus

  • traduzido por destruio, quer explicar que necessitamos de destruir camadas que escondem as origens de determinadas questes ontolgicas. Heidegger est querendo desvendar a questo do ser. E a destruio seria uma tarefa de investigao em busca da questo do ser e assim, acabaria por estremecer toda a estrutura da filosofia que h tempos estava engessada na histria do Ocidente. Est ento seria a tarefa destruidora e que no teria um teor niilista e negativo. A destruio no se prope a sepultar o passado em um nada negativo, tendo uma inteno positiva (HEIDEGGER, 2004, p.51). A destruio de que fala Heidegger, acontece ou se d, na estrutura do pensamento filosfico que se construiu desde os gregos e que acabou por sofrer na idade mdia e na idade moderna transformaes que impediriam toda a flexibilidade e possibilidade de mudanas e transformaes no mbito do pensamento filosfico. A tarefa destruidora ou desconstrutora, j falando nos ecos derridianos, para rompermos com o legado que herdamos da tradio, pois, se nos mantivermos estagnados e conformados com este legado, alimentaremos ainda mais esta estrutura. E, ao invs de desconstru-la, estaremos cada vez mais a fortalecendo: A questo do ser s receber uma concretizao verdadeira quando se fizer a destruio da tradio ontolgica (HEIDEGGER, 2004, p. 56). Porm, apesar de Derrida ter localizado em Ser e tempo a expresso que acabaria por envolver todo seu pensamento, nos mostra que, por diversas vezes, a desconstruo aconteceu na histria do pensamento como, por exemplo, em Lutero, Nietzsche e Freud. A desconstruo acontece no mundo, acontece no texto do mundo. Apesar da destruio de que fala Lutero se dar numa teologia institucional, a de Heidegger e Nietzsche na metafsica, Derrida atenta que ela se d tambm na poltica. Pois tudo faz parte de um mesmo texto e a desconstruo no tecido metafsico, teolgico ou poltico, colaboraria para uma transformao no campo do pensamento. Visto que, para Derrida tudo um texto, a desconstruo tambm pode acontecer numa textura arquitetnica, nos grandes textos cannicos e na grande obra divina: a vida. No entanto, umas das maiores tarefas de Derrida, depois de ter assumido a responsabilidade de falar em nome da desconstruo, foi principalmente mostrar o que a desconstruo no : Diversificao essencial desconstruo, que no nem uma filosofia, nem um mtodo, mas como digo muitas vezes, o impossvel e o impossvel como o que chega (DERRIDA, 2004, p. 332-333). Vejamos ainda o que diz em entrevista a Evando Nascimento (DERRIDA, 2001, p.12-17): A desconstruo no dispe de uma tbua de valores morais. A desconstruo no uma moral. No um dever moral. Acontece (a

  • arrive). Acontece por meio de aporias, de dificuldades, de coisas impensveis. Apesar da insistncia de alguns em querer reduzirem ou capturar a desconstruo para a sua lgica prendendo-a a um conjunto de regras e proposies, Derrida e muitos outros esto sempre contribuindo para desviar ou deslocar a desconstruo da cadeia binria e identitria da tradio filosfica. Como aponta tambm Giovana Borradori (2004, p. 148), a desconstruo est muito longe de ser um mtodo geral de procedimentos analticos, como, tambm, no se trata de uma tica. Mas, cabe ressaltar que apesar da desconstruo no ser uma tica, ela nos permitir questionar o campo tico e at mesmo o que seria tica. Geoffrey

    Bennington incisivo quando mostra que

    Desconstruo no pode propor uma tica. Se o conceito de tica, como todos os conceitos vem a ns, como no poderia deixar de faz-lo, da tradio que se passou a ser chamada de metafsica ocidental, e se como Derrida coloca desde o incio, a desconstruo pretende desconstruir a maior totalidade a rede inter-relacionada de conceitos que nos legada pela (ou como) metafsica -, ento a tica no poderia deixar de ser um tema e um objeto da desconstruo, um tema para ser desconstrudo, mais do que admirado ou afirmado. A tica completamente metafsica, no podendo, portanto, jamais ser simplesmente assumida ou afirmada pela desconstruo. A demanda ou desejo por uma tica desconstrucionista so, nesse sentido, fadados frustrao (DUQUE-ESTRADA, 2004, p. 9).

    A desconstruo no um sistema filosfico, no dispe de valores morais, no uma cincia nem tampouco uma filosofia no dispondo de uma metodologia e regras lgicas, a dificuldade em enquadr-la nas anlises conceituais dos anais da filosofia constante. Apesar da insistncia de alguns em querer reduzirem ou capturar a desconstruo para a sua lgica prendendo-a a um conjunto de regras e proposies, Derrida e muitos outros esto sempre contribuindo para desviar ou deslocar a desconstruo da cadeia binria e identitria da tradio filosfica. o caso da filosofa italiana Giovanna Borradori que compreendeu bem essa questo:

    A desconstruo procura desmontar qualquer discurso que se apresente como construo levando em conta que a filosofia trata de ideias, crenas e valores construdos dentro de um esquema conceitual, o que se desconstri maneira como eles se mantm unidos em um determinado esquema (BORRADORI, 2004, p. 145).

    A desconstruo acontece nesse texto metafsico em seu edifcio conceitual a fim de desmontar sua estrutura permitindo o fluxo de um devir para o pensamento e para as ideias. A desconstruo opera de uma forma que busca desfazer a hierarquia presente dando vez ao que antes estava recalcado permitindo a possibilidade do novo. Esse ad-vem que acontece busca revelar o que h de escondido por detrs dos discursos e conceitos que em nossa cultura

  • ocidental, se apresentam como nicos e que se mantm predominantes como verdadeiros. O que se desconstri uma estrutura edificada ao longo da histria e que construda se petrificou com status de nica e verdadeira e que no permite transformaes e questionamentos.

    O acontecimento da desconstruo derruba a hierarquia conceitual, ou seja, inverte a hierarquia permitindo que o que era antes secundrio e recalcado, num certo momento tenha privilgio sobre o que estava como dominante. Pois no podemos esquecer que a filosofia, como nos adverte Deleuze e Guattari (1992, p. 10), a arte de inventar e fabricar conceitos. Porm, h um segundo momento na operao da desconstruo que o deslocamento. Que acaba por colocar esses conceitos numa mesma base no permitindo mais o privilgio de um pelo outro. No mantendo mais uma estrutura vertical privilegiando um pelo outro. Com o fim da hierarquia conceitual, a desconstruo permite uma disseminao de novos conceitos que no mais estariam presos a lgica binria identitria. Alguns deles seriam inapreensveis, sendo da ordem do devir, tais como: devir-mulher; devir-animal; escritura por vir; diffrance. Pois, o pensamento tradicional metafsico, que em sua estrutura hierrquica, rebaixou o que era secundrio e tambm no permitiu a chegada do que no era conhecido ou inapreensvel. E a desconstruo dessa hierarquia, essa operao da desconstruo, nos diz o prprio Derrida em Posies, acontece da forma que apresentamos acima. Porm, nos exige uma vigilncia que demasiadamente importante:

    Desconstruir a oposio significa, primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia. Descuidar-se dessa fase de inverso significa esquecer a estrutura conflitiva e subordinante da oposio. Significa, pois, passar muito rapidamente sem manter qualquer controle sobre a oposio anterior a uma neutralizao que, praticamente, deixa intacto o campo anterior, privando-se de todos os meios de a intervir efetivamente (DERRIDA, 1975, p. 48).

    Como j dissemos, a estrutura onde a filosofia est inserida nos oferece uma nica entrada, mas nem uma sada. Dentro da lgica onde funciona a filosofia, legamos todo um pensamento que Derrida ir chamar de logocntrico, falocntrico ou de metafsica da presena. Onde haveria um centro com uma origem, uma verdade e uma presena. a partir dessa esquematizao que se formou todo o pensamento ocidental que acabou por renegar e rebaixar o que estava fora, ausente ou a margem. E o acontecimento da desconstruo, viria abalar essa estrutura permitindo um pensamento da diferena localizando no somente uma entrada, mas tambm vrias sadas, vrias possibilidades. A operao desconstrutora, permite que, por exemplo, a Escritura que antes estava

  • rebaixada com relao voz, ganhe destaque e aparea. Vejamos o que Rafael Haddock-Lobo nos diz:

    No momento da inverso, aquilo que recalcado, reprimido, abafado, marginalizado pela filosofia colocado em destaque. D-se, assim, em um primeiro momento olhar especial escrita, ao significante, mulher, loucura etc., em detrimento de tudo que foi defendido pelo falo-logo-fonocentrismo: a fala, o falo, a razo, o significado etc. (HADDOCK-LOBO, 2007, p.86).

    Esse tema ele trata a partir de uma denuncia a inflao da linguagem e do conceito de signo na contemporaneidade, Jacques Derrida aponta em seu livro Gramatologia para o declnio do imperialismo logofonocntrico no pensamento filosfico e o advento da Escritura objeto antes recalcado e secundrio na histria da filosofia e do pensamento. A perda dessa posio centrada destacada do Logos e a ascenso da Escritura demonstram como a desconstruo vem acontecendo. E essas so algumas das lies de Derrida na Gramatologia (2006, p. 4-5):

    (...) concentrar a ateno sobre o etnocentrismo que em todos os tempos e lugares, comandou o conceito de escritura. Nem apenas sobre o que dominaremos logocentrismo: metafsica da escritura fontica (por exemplo, do alfabeto) (...) o conceito de escritura num mundo onde a fonetizao da escritura deve, ao produzir-se dissimular sua prpria histria; (...) a histria da metafsica que, apesar de todas as diferenas e no apenas de Plato a Hegel (passando at por Leibniz)5, mas tambm, fora de seus limites aparentes, dos pr-socrticos e Heidegger, sempre atribuiu ao logos a origem da verdade em geral: a histria da verdade, da verdade da verdade, foi sempre, com a ressalva de uma excurso metafrica de que deveremos dar conta, o rebaixamento da escritura e seu recalcamento fora da fala plena.

    Neste livro e em outros, possvel constatar que desde Plato a escritura vem sendo rebaixada com relao ao Logos. Esse enquanto voz, portador da verdade e origem. Derrida tambm discute esse tem em seu livro a Farmcia de Plato. Ao retornar ao dilogo Fedro, de Plato, Derrida retoma o mito de Theuth, em que Plato apresenta a escritura como um veneno. Que serviria somente para corromper os homens. Porm, Derrida localiza nesse texto uma aporia, um desvio desconstrutor que permitir mostrar que a palavra veneno usada por Plato que em grego phrmakon, permite mais duas leituras. Pois, phrmakon, remdio e tambm, cosmtico. E ainda na paisagem grega, Derrida aponta para o livro Da interpretao de Aristteles onde esse, diz que o nico papel da escrita seria reproduzir a voz. Adotado pelo pensamento filosfico, tal posio dada escritura, percorreu toda a histria da filosofia e do pensamento estando presente na modernidade com Rousseau e

  • Hegel. Na contemporaneidade ainda houve uma insistncia em manter-la rebaixada, como aponta Derrida, com relao a Saussure na lingstica e algumas posies tomadas na antropologia por Lvi-Strauss. No entanto, ainda na contemporaneidade, no podemos deixar de observar nos lembra Derrida, um rompimento com essa postura logocntrica quando retornamos um pouco atrs com Nietzsche ou quando estudamos o segundo Heidegger. No devemos negligenciar os avanos tecnolgicos e a crise no pensamento metafsico, e com a Escritura ganhando espao, no cabendo mais a filosofia ser imprudente com relao ao papel da Escritura e de todos os outro elementos que por sculos ficaram abandonados margem da tica filosfica. E a exigncia quem vem se suscitado. Pois, a voz, o signo e o conceito no mais do conta do que o pensamento quer ou pode transmitir. Porm, cabe ressaltar que todo esse problema com relao escritura que estaria envolvido com o projeto gramatolgico de Derrida, esse v uma gramatologia para alm de uma cincia da escrita enquanto linguagem, libertando a escritura das clausuras da linguagem e do logofonocentrismo. Rafael Haddock-Lobo explica um pouco do projeto gramatolgico de Derrida:

    O empreendimento de uma gramatologia, deste modo, visaria simplesmente tentativa de fazer justia a este excesso do qual a lngua fontica no d conta, justamente pelo fato de ser fundamentada na metafsica da presena que cr na autoridade da fala frente escrita. (HADDOCK-LOBO, 2008, p.53).

    A ordem do acontecimento ou a lgica do acontecimento que atribumos ao movimento da desconstruo, esta no campo da promessa e do por vir. um acontecimento que acontece ultrapassando a alternncia entre o temporal e o intemporal estando sempre no movimento do devir, sempre por acontecer porem, sem ser esperado, calculado ou previsto. um acontecimento que chega sem avisar, sem mandar recado. A professora Dirce cita Derrida, que nos explica muito bem o que queremos dizer sobre o acontecimento em desconstruo: um acontecimento que no espera deliberao, conscincia ou organizao do sujeito, nem mesmo da modernidade (DERRIDA, 1987 p, 321; SOLIS, 2007, p. 43-47). Um timo exemplo de um acontecimento que podemos ver num texto do pensamento ou das ideias ou at no texto prtico, seria o ataque as torres gmeas no onze de setembro. Que no foi um acontecimento como queremos dizer, mas que teve uma proporo dada principalmente pela mdia como um acontecimento de ordem maior. Enquanto que na verdade, sabemos que tal desastre j estava previsto. Pois, sabemos que h muitas dcadas o

  • EUA, estava construindo seu prprio auto-suicdio. Por outro lado, podemos dizer tambm que uma desconstruo tambm aconteceu, visto que, vimos desmontar toda uma estrutura que carregava com ela smbolos de verdade, justia e liberdade e poder. Porm, para um melhor entendimento do que seria a desconstruo, seria necessrio muito mais do que um trabalho como esse. Estamos colocando isso porque, h algumas outras noes que esto envolvidas na lgica da desconstruo que constituem parte de sua estratgia que so imprescindveis para entendermos seu movimento que se do atravs de seus operadores ou seus quase-conceitos, tais como: Diffrance, Rastro, Hmen, Phrmakon, Escritura, Justia por vir, Democracia por vir, Hospitalidade Incondicional e outros. No entanto, no iremos nos aprofundar aqui nesses operadores. Porm, cabe ressaltar que esses possibilitam que a desconstruo acontea, pois apontam em um texto aporias que nos possibilitam pensar os indecidveis e os impossveis que no estariam de fcil acesso para ns. Como ser o caso do quase conceito escritura que falaremos de forma breve ainda nesse capitulo.

    Para no sermos vtimas ou alvos de crticos severos, devemos explicar que a lgica da desconstruo uma lgica estranha, pois parte da diferena, das margens, do secundrio, do que ou est ausente. E antes que digam que estamos sendo retricos ou anrquicos privilegiando o caos ordem, devemos explicar que a lgica que a desconstruo se posiciona no a da metafsica tradicional que formada por pares binrios conceituais, partindo do principio de identidade e da presena, de um centro e que sempre buscou pelas origens dos fundamentos primeiros no intuito de colocar tudo em ordem e dar sentido as coisas. Vejamos as palavras que se seguem, de Paulo Csar Duque Estrada:

    A desconstruo denuncia a violncia que se esconde nos discursos que, pretendendo se apropriar de uma origem, o fazem se instituindo como uma pretensa verdade. Os discursos produzidos pela inelutvel nostalgia e sua correlata esperana instituem e destituem, a cada lance, novos centros de dominao que, diz Derrida, apenas trocam uma violncia por outra, na eterna reproduo de uma mesma lgica apropriadora (ESTRADA, 2008, p. 61).

    Outro exemplo de acontecimento da desconstruo, podemos observar, no filme Anti-Cristo, de Lars von Trier onde a desconstruo do cenrio apresentado no filme, se d por completo na vida dos personagens. Pois no filme, vemos o pai, o marido, o homem branco e racional de dentro de um cenrio urbano e civilizado, de uma hora para outra, v sua mulher tomada por uma nova paisagem. Uma paisagem selvagem e que por ela infectada. A mulher passa a se reconhece ou se identificar como natureza, se reconhece como secundaria na lgica

  • predominante. E de repente o cenrio todo se inverte. O que era secundrio passa a ser predominante. O homem, a cultura, a razo no d mais conta da realidade. Tudo passa a ser estranho para ele. E assim, tudo se torna uma coisa s. Tudo natureza. Tudo vida. Tudo texto e possvel de ser desconstrudo. Sem a subordinao lgica de um pelo outro, sem um sentido. E dando possibilidade a muitos devires, o caos toma conta de tudo. A ordem agora passa a ser a do caos. O Caos reina a raposa nos adverte durante o filme. Porm, esse caos no negativo ordem natural das coisas. A natureza catica. por possibilitar que desvelemos o que est por de trs dos discursos ditos verdadeiros, nicos e universais que a desconstruo vista como negativa e catica, pois, nos possibilita ver aquilo que ningum mais quer ver: a produo das ideias. nesse sentido, que o acontecimento da desconstruo sempre ser tomado por aqueles que tm medo de perder suas posies privilegiadas como algo de anrquico, cruel e niilista. Ao ponto que ns queremos mostrar que a ordem da desconstruo, do acontecimento e do devir, impossvel de ser negado ou esquecido. Se for niilista ou negativo, porque sempre ser uma ameaa isso porque o futuro imprevisvel, incalculvel sempre vir

    carregado de passado, de histria e de cobranas. Um espectro sempre nos rondar. Podemos entender a desconstruo como uma estratgia, visto que ela esta num movimento de resistncia e rompimentos. A desconstruo da ordem do acontecimento ou da lgica do acontecimento estando no campo da promessa e do por vir. um acontecimento que acontece ultrapassando a alternncia entre o temporal e o intemporal estando sempre no movimento do devir, sempre por acontecer, porm, sem ser esperado, calculado ou previsto. um acontecimento que chega sem avisar, sem mandar recado. J sabemos que a desconstruo permite dar a vez ao recalcado. No entanto, a desconstruo permite tambm a chegada do novo. Deixando o advir do novo, o desconhecido. Pois ao abalar e deslocar as dicotomias presentes no pensamento tradicional tais como apontamos anteriormente. Poderamos pensar outras formas de lidar com a Democracia, Hospitalidade, Amizade ou Perdo. A desconstruo no busca o caos ou a anarquia em todas as suas dimenses positiva, estando muito longe de uma conotao niilista como coloca a Dra. Dirce Solis:

    A desconstruo no promove nunca uma exaltao do presente como crise ou conflituoso, como tragdia ou catstrofe, mas este presente conflituoso, em crise ou no, que se apresenta como passvel de anlise crtica e de desconstruo. neste sentido que a desconstruo afirmativa (...) (SOLIS, 2007, p.16).

  • Para questionar e esclarecer o que est oculto por de trs dos discursos identitrios e universalizantes que j estamos sufocados e cansados de ouvir e em nada vemos mudar com relao aos oprimidos, as minorias e os excludos que a desconstruo quer acontecer para desestabilizar e complicar, apontando paradoxos e seguindo num movimento aportico em busca de esclarecimentos e de novas possibilidades.

    Referncias bibliogrficas:

    BENNINGTON, Geoffrey e DERRIDA, Jacques. Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1991.

    BORRADORI, Giovanna. Filosofia em tempo de terror. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

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    DERRIDA, Jacques. A farmcia de Plato. So Paulo: Iluminuras, 2005.

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    ______. Posies. Lisboa: Pltano Editora, 1975

    ______. Gramatologia. So Paulo: Perspectiva, 2006.

    DUQUE-ESTRADA, Paulo Csar (Org.). Desconstruo e tica: ecos de Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Editora PUC - Rio; So Paulo: Loyola, 2004.

    DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar (Org.) Espectros de Derrida Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, Editora NAU, 2008

    HADDOCK-LOBO, Rafael. Derrida e o labirinto de inscries. Porto Alegre: Zouk, 2008.

    ______. Para um pensamento mido: a filosofia a partir de Jacques Derrida. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PUC-RIO, maro de 2007.

    HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrpolis, RJ: Vozes, 2004.

    SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Arquitetura da desconstruo e desconstruo em arquitetura: uma abordagem a partir de Jacques Derrida. Rio de Janeiro: UAP, 2010.

    SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Democracia por vir e a poltica da filosofia a partir de Derrida. In: Revista de Filosofia SEAF, Rio de Janeiro, UAP, ano 6, n. 6, 2007.

  • Acontecimento e desconstruo Marcelo Jos Derzi Moraes

    Abstract: This research is about the event of deconstruction, a theme studied and developed by the philosopher Jacques Derrida, who enabled a new philosophical perspective on the current conjecture implying that one can no longer divide, separate or maintain a hierarchy between thought and reality, culture and nature.

    Key words: Deconstruction. Event. Metaphysics. Becoming.