acesso ao crédito produtivo pelos ... - instituto de economia · pesquisa de campo com um cenário...

42
1 Acesso ao crédito produtivo pelos microempreendedores afrodescendentes e os desafios para a inclusão financeira no Brasil Marcelo Paixão 1 1. Introdução O presente texto corresponde a uma versão resumida do relatório final da pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito. O estudo consistiu em um estudo pioneiro que procurou avaliar a presença da discriminação de cor ou raça no acesso ao financiamento produtivo por parte dos Microempreendedores Individuais (MEI, tal como definidos pela Lei Complementar, LC n° 128/2008) residentes nas cidades do Rio de Janeiro/RJ e de Salvador/BA. Para tanto foi constituída uma amostra e aplicado um questionário junto a cerca de mil entrevistados em ambas as cidades visando conhecer o seu perfil socioeconômico, a caracterização de seus estabelecimentos e a forma pela qual aqueles MEIs acessavam o sistema de crédito produtivo. A pesquisa igualmente procurou situar as informações obtidas a partir da pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando resgatar reflexões sobre o perfil do sistema financeiro brasileiro e a trajetória recente das políticas de microcrédito em nosso país. O presente trabalho, além desta breve introdução, está dividido em cinco partes : i) o problema do racionamento de crédito; ii) as políticas recentes de microcrédito produtivo no Brasil; iii) a caracterização da população pesquisada; iv) acesso ao sistema de crédito produtivo e percepção de discriminação; v) considerações finais. 2. O problema do racionamento do crédito Quando analisamos a dinâmica do mercado financeiro no plano teórico, vemos que o racionamento do crédito forma uma indelével realidade da dinâmica do setor financeiro, não apenas brasileiro, mas, também em todo o mundo. Este problema nasce dos desencontros de expectativas de retornos entre credores e prestamistas em termos de um conjunto de variáveis decisivas no processo de pactuação de um contrato de empréstimo crédito (C.f. STIGLITZ; WEISS, 1981; AGION; MORDUCH, 2010). 1 Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER).

Upload: dinhnguyet

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

1

Acesso ao crédito produtivo pelos microempreendedores afrodescendentes e os desafios para a inclusão financeira no Brasil

Marcelo Paixão1

1. Introdução

O presente texto corresponde a uma versão resumida do relatório final da

pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito.

O estudo consistiu em um estudo pioneiro que procurou avaliar a presença da discriminação de cor ou raça no acesso ao financiamento produtivo por parte dos Microempreendedores Individuais (MEI, tal como definidos pela Lei Complementar, LC n° 128/2008) residentes nas cidades do Rio de Janeiro/RJ e de Salvador/BA. Para tanto foi constituída uma amostra e aplicado um questionário junto a cerca de mil entrevistados em ambas as cidades visando conhecer o seu perfil socioeconômico, a caracterização de seus estabelecimentos e a forma pela qual aqueles MEIs acessavam o sistema de crédito produtivo.

A pesquisa igualmente procurou situar as informações obtidas a partir da pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando resgatar reflexões sobre o perfil do sistema financeiro brasileiro e a trajetória recente das políticas de microcrédito em nosso país.

O presente trabalho, além desta breve introdução, está dividido em cinco partes : i) o problema do racionamento de crédito; ii) as políticas recentes de microcrédito produtivo no Brasil; iii) a caracterização da população pesquisada; iv) acesso ao sistema de crédito produtivo e percepção de discriminação; v) considerações finais.

2. O problema do racionamento do crédito

Quando analisamos a dinâmica do mercado financeiro no plano teórico, vemos que o racionamento do crédito forma uma indelével realidade da dinâmica do setor financeiro, não apenas brasileiro, mas, também em todo o mundo. Este problema nasce dos desencontros de expectativas de retornos entre credores e prestamistas em termos de um conjunto de variáveis decisivas no processo de pactuação de um contrato de empréstimo crédito (C.f. STIGLITZ; WEISS, 1981; AGION; MORDUCH, 2010).

1 Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e coordenador do Laboratório

de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER).

Page 2: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

2

Do lado da oferta do crédito, as dificuldades dos bancos para o acesso a um amplo conjunto de informações dos potenciais prestamistas levam à realidade da seleção adversa (avaliação de elevado risco do empreendimento proposto, mesmo que na realidade as coisas possam ser diferentes) e do risco moral (avaliação de elevado risco de se estar negociando com um agente econômico inidôneo ou irresponsável, mesmo que na realidade este potencial prestamista seja justamente o contrário). Com isto, os estabelecimentos de crédito acabam selecionando clientes de menor probabilidade de calote. O efeito desta escolha é que no mercado de crédito acaba se constituindo uma legião de potenciais demandantes pelos recursos - certamente a grande maioria deles denodados em suas atividades e moralmente confiáveis - sem que haja oferta correspondente no mercado, mesmo que aqueles apresentem inumeráveis garantias (colaterais) ou se disponham ao pagamento de elevadas taxas de juros.

Por outro lado, no eixo da demanda, os potenciais prestamistas, diante de um cenário de incertezas perante ao futuro, acabam portando grandes receios para a assunção de compromissos financeiros. Com isto, uma razoável parcela destes agentes evita a contração de dívidas junto aos bancos. Isto mesmo em um cenário no qual os empreendedores saibam que os empréstimos produtivos seriam importantes para a consolidação do próprio negócio, ou mesmo na presença de políticas públicas que venham a oferecer crédito à produção em condições mais amigáveis (C.f. KON; STOREY, 2013).

No interior do debate sobre o racionamento de crédito há igualmente uma já copiosa literatura que tratou da discriminação no interior do mercado creditício. Deste modo, o racionamento de crédito por parte das instituições financeiras pode se associar a mecanismos discriminatórios a favor e contrários a determinados grupos da população. De qualquer maneira, se é bem verdade que este tratamento desigual pode ser baseado em aspectos puramente econômicos (sendo medidos objetivamente desde uma relação risco-retorno de uma determinada operação de crédito), por outro lado, tais diferenças podem ser influenciadas pelo estereótipo e o preconceito (C.f. AGIER, SZAFARZ, 2011; 2013). Neste caso, os agentes econômicos vinculados aos grupos historicamente discriminados podem vir a serem preteridos dos empréstimos por causa de determinadas características pessoais herdadas desde o berço (grupo de sexo, cor da pele, etc). Uma vez isto ocorrendo podendo-se reconhecer, então, que tais atores sociais vivenciariam uma situação de discriminação agravada.

Um mapeamento da literatura que aborda o tema da discriminação ao sistema de crédito revela que, para além de abordar a classe de tamanho dos estabelecimentos, em geral o problema do racionamento de crédito realmente costuma afetar determinados contingentes populacionais historicamente alvos de tratamento desigual desvantajoso. Distante de esgotar a lista, estes estudos englobaram as discriminações no acesso ao crédito produtivo pelo já mencionado critério de gênero (TREICHEL, SCOTT, 2006; DÉSPALLIER, et alii, 2009; BELLUCCI et alii, 2010; AZIER, SZAFARZ, 2011; ORHAN, 2001; AZIER, SZAFARZ, op cit; ; PIRAS et alii, 2013), de casta (KUMAR, 2013), de etnia (RATURI, SWAMY, 1999, LABIE, 2011), e, especialmente, de raça (ANDO, 1988; CAVALUZZO, CAVALUZZO, 1998; BOSTON, 2001; CAVALUZZO; CAVALUZZO, WOLKEN, 2002; BLACHFLOWER et alii, 2003; STOREY, 2004; BLANCHCHARD et alii, 2005; ASIEDU et alii, BATES et alii, 2007; BATES, BRADFORD, 2008).

É importante mencionar que estas diferentes contribuições, até mesmo por partirem de bases de dados e metodologias distintas produziram conclusões bastante

Page 3: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

3

diferenciadas2. Do ponto de vista metodológico a maior dificuldade para se analisar o problema do racionamento de crédito em termos de gênero e das minorias étnico-raciais diz respeito às dificuldades práticas de se separar as características econômicas do estabelecimento (classe de tamanho, histórico de crédito, experiência profissional e escolaridade do proprietário, setor de atividade), das características pessoais portadas pelos donos dos empreendimentos, tais como sexo, cor ou raça, etnia, orientação sexual, religião, etc. Assim, o que os estudos dedicados ao tema da discriminação no sistema de crédito fazem, através das regressões logísticas (Probit, Logit, analise fatorial), é diferenciar as duas dimensões do problema procurando identificar se as práticas discriminatórias identificadas são decorrentes de razões econômicas ou motivada pelo estereótipo ou o preconceito3 4.

No que tange à discriminação por gênero, um mapeamento não exaustivo da literatura parece apontar que o problema do acesso ao crédito produtivo por parte das microempreendedoras reside menos no racionamento do crédito pela via da negativa pura e simples dos pedidos e mais no racionamento gerado pelos menores montantes observados quando do estabelecimento dos contratos. Agier; Szafarz (2011; 2013) conceitualizaram este limite de teto de vidro. Ou seja, mesmo tendo uma incidência de respostas positivas nas solicitações por empréstimos junto aos bancos semelhante aos microempreendedores do sexo masculino, as microempreendedoras, na comparação com estes, tenderiam a transacionar um menor volume médio de crédito5.

Já quando analisamos a literatura disponível que trata da discriminação racial sobre microempreendedores afrodescendentes, e, em alguns estudos, sobre hispano-descendentes; parece haver maior consenso quanto à efetiva prática da racionamento do crédito sobre este contingente quando da busca do crédito produtivo6. Isto mesmo quando se aplicam modelos econométricos de análise 7. A forma assumida por este

2 Uma síntese da complexidade deste debate pode ser encontrada em Blachflower et alii (op cit).

3 E mesmo assim sempre sabendo que em tais estudos é quase inevitável a presença de variáveis omitidas e que podem

enviesar o resultado final do levantamento. A este respeito ver BLANCHFLOWER et alii, op cit). 4 Quando se utiliza o termo variável omitida em uma pesquisa se indica aspectos da realidade social que embora

relevantes para a explicação de um determinado fenômeno são de difícil levantamento ou discernimento em termos mais objetivos. Um exemplo a este respeito poderia ser a hipotética presença em um determinado momento e lugar de agentes de crédito cronicamente otimistas e pessimistas quanto ao futuro. Digamos que estes se dividam em dois grupos de igual número de pessoas. Assim, o grupo dos gerentes de bancos otimistas seriam mais propensos a autorizar as operações de crédito, o contrário ocorrendo com os gerentes pessimistas, estes mais propensos a negá-la. Em sendo válido este exemplo hipotético, um survey que quisesse mensurar o problema do racionamento de crédito dificilmente teria condições para captar esta realidade que, embora relevante para as probabilidades de sucesso na demanda por empréstimo por parte de um possível prestamista, é por demais subjetiva para ser captada em um estudo quantitativo. 5 Déspallier et alii (2009) chegaram a conclusão semelhante acerca do menor volume de crédito obtidos em média pelos microempreendimentos produtivos comandados por mulheres. As autoras chegaram à conta de que as mulheres microempreendedoras formavam 73% dos clientes de microcrédito dentro de uma estratégia específica de combate à pobreza através deste tipo de público. As autoras desenvolveram seu estudo através de investigação em 379 instituições de micro-finanças (Microfinance Institutions) de 73 países. Orham (2001), em pesquisa sobre o sistema de microcrédito produtivo na França, igualmente não identificou desigualdade de gênero em termos do racionamento do crédito, embora tenha encontrado sugestões de tratamento diferenciado à homens e mulheres dentro dos bancos (com certo viés sexista). Do mesmo modo, a autora verificou que haveria uma maior tendência dos microempreendimentos comandados por mulheres em apresentarem um perfil mais conservador em termos do perfil do seu investimento, conclusão fundamentalmente convergente com os estudos mencionados de Déspallier et alii (op cit) e de Agier, Szafaraz (op cit). Na contramão destas leituras se encontra o trabalho de Piras et alii (op cit) que analisando o problema do acesso ao crédito produtivo pelas mulheres microempreendedores de Barbados, Jamaica e Trinidad e Tobago concluíram haver evidências de racionamento de crédito para estes agentes econômicos pela via de negação de pedidos de empréstimos. 6 Entre as pesquisas econômicas realizadas nos EUA que cobriram a realidade das pequenas empresas e dos

microempreendedores pertencentes aos grupos historicamente discriminados destacamos a Survey of Business Owners, realizada em 2007 e 2012, organizado pelo US Census Bureau e a Survey of Small Business Finance, realizada entre 1987 e 2003, organizada pelo Federal Reserve Board e a Minority-Owned Business (US). 7 No âmbito do debate sobre a discriminação no sistema de crédito existe uma ampla literatura que trata especificamente

da problemática do mercado imobiliário. Estes estudos mais uma vez foram realizados fundamentalmente nos EUA, especialmente a partir da publicação, no começo dos anos 1990, de um documento do Federal Reserve of Boston, onde se reconhecia as maiores dificuldades dos negros norte-americanos para acessar o financiamento para obtenção da

Page 4: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

4

racionamento em geral implica em uma menor probabilidade de obter o montante solicitado (total ou parcialmente) sugerindo que para este grupo, no interior das instituições de intermediação de crédito, incidiriam de forma combinada, tanto a seleção adversa (o pode significar serem considerados aprioristicamente como agentes econômicos com menor capacidade para gerenciarem de forma eficiente seus estabelecimentos), como o risco moral (o que pode significar serem considerados agentes econômicos menos confiáveis moralmente)8. É importante também citar que outras contribuições dedicadas ao mesmo tema igualmente apontaram para questões correlatas como as taxas médias de juros pagas pelos empreendedores afrodescendentes (superiores às pagas pelo grupo racial majoritário) e o desencorajamento para a busca ao crédito por parte dos potenciais beneficiários destes recursos (C.f. ASIEDU et alii, op cit; CAVALUZZO; CAVALUZZO, WOLKEN, op cit; BLANCHARD et alii, op cit)9.

De qualquer forma, ao tratarmos do tema da discriminação racial ao sistema de crédito produtivo, é importante mencionar que o consenso existente se restringe aos estudos realizados nos EUA, local onde a quase totalidade de contribuições existentes até o momento se concentrou. Estudos realizados em outros países nem sempre levaram às mesmas conclusões.

Ao se analisar a literatura disponível em outros países para além dos EUA encontramos uma maior probabilidade de racionamento de crédito para os empreendedores afrodescendentes em Trinidad e Tobago (C.f. STOREY, op cit). Já em Zimbabwe, apesar dos autores do estudo terem encontrado evidências de um menor percentual de resultados positivos na busca pelo crédito por parte dos empreendedores negros, após controle estatístico foi verificado que as diferenças encontradas não diziam respeito à propriamente à discriminação racial, mas a outros fatores (C.f. RATURI; SWAMI, op cit)10. Na Índia um estudo realizado no começo da década de 2000, a partir do levantamento All-India Debt and Investment Survey, revelou que o acesso ao crédito produtivo por parte de agricultores daquele país era mais provável aos integrantes das castas privilegiadas. Porém, após controle estatístico verificou-se que isto se dava apenas nas cooperativas de crédito (gerenciadas localmente), mas não nos bancos comerciais, estes passíveis de regulamentação oficial, e como tal, das leis de anti-discriminação existentes naquela nação asiática.

casa própria. Este assunto, por outro lado, remete a outra questão correlata que engloba o tema da segregação territorial da população em zonas e bairros caracterizados pela sua conspícua homogeneidade étnico-racial. Seria infactível dar conta desta literatura neste estudo. Porém, seguem como possíveis trabalhos de referencia: Black et alii (1978), Fergunson; Peter (1995), Hunter; Walker (1996) Cloud; Galster (2003); Ross; Yinger (2001), Turner; Skidmore (1999) e Blank et alii (2004). 8 Vide literatura já mencionada acima: Ando, op cit; Cavaluzzo, Cavalluzzo, op cit; Boston, op cit; Cavalluzzo; Cavalluzzo,

Wolken, op cit; Blachflower et alii; Storey, op cit; Blanchard et alii, op cit; Asiedu et alii, Bates et alii. Nesta lista é igualmente importante mencionar a contribuição de Bates et alii (2007) e de Bates; Bradford, (op cit) quando analisaram a tendência dos pequenos empreendimentos controlados por grupos minoritários para a capitalização de seus negócios através dos fundos de pensão ao invés da mobilização dos mecanismos tradicionais que foram originados nos anos 1960 através do US Small Business Administration, e, a partir deste, do Minority Enterprise Small Business Investment. 9 Na verdade, no estudo de Blanchflower et alii (op cit), após controle estatístico, não havia provas de que os

empreendedores negros tivessem de arcar com maiores taxas de juros no sistema como um todo, mas, apenas, em alguns tipos de empresas tais como as fund e leasing companies. O desencorajamento na busca pelo crédito produtivo por parte dos empreendedores afrodescendentes após tentativas frustradas de acesso ao sistema pode ser encontrada em Cavalluzzo; Cavalluzzo; Wolken, op cit. 10

Segundo o estudo dos autores a menor probabilidade de acesso dos empreendedores negros ao sistema de crédito produtivo seria causado pela maior demanda por parte dos integrantes deste grupo por estes recursos, vis-à-vis aos outros grupos raciais. Assim, segundo as conclusões de Raturi; Swami (op cit), o racionamento de crédito para este grupo seria decorrente do fato de que, dado os recursos existentes, esta grande demanda por financiamento por parte dos empreendedores negros não teria como ser atendida pelo sistema financeiro daquele país.

Page 5: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

5

Deste modo, em se reconhecendo a existência de um fundamental consenso na literatura que trata da maior probabilidade do racionamento de crédito sobre a população afrodescendente é notória a ausência de um marco conceitual mais preciso sobre o mesmo assunto para outros países do mundo. Tal lacuna somente poderá ser superada através de novos estudos sobre o tema nestas outras realidades nacionais: inclusive no Brasil.

Atualmente as experiências históricas mais bem sucedidas para a inclusão financeira dos empreendedores de condições econômicas mais delicadas vem se dando através da constituição de políticas específicas de crédito e microcrédito voltadas especificamente para o segmento de micro e pequenos empreendedores. De qualquer modo, apesar deste conjunto de experiências pioneiras de microcrédito poder ser entendido como uma forma específica de ação afirmativa (por tratar os desiguais desigualmente visando corrigir as assimetrias existentes), a maioria das iniciativas implementadas até o momento quase sempre se limitaram a beneficiar os segmentos sociais discriminados no acesso ao sistema financeiro por razões econômicas; quando muito abarcando a dimensão de gênero. Quanto às demais formas de discriminação por estereótipo ou preconceito (C.f. AGIER; SZAFARZ, 2011; 2013); o depositório de experiências é bem mais limitado, sendo as iniciativas existentes nos EUA posteriores às Leis dos Direitos Civis e Políticos as mais importantes a serem mencionadas até o momento em todo o mundo.

3. As políticas recentes do microcrédito no Brasil

No Brasil, ao longo das duas últimas décadas, as políticas de microcrédito vieram ocupando crescente espaço na agenda pública de combate à pobreza e à informalidade. Isto independentemente das diferenças políticas e ideológicas dos diferentes grupamentos partidários que exerceram os cargos executivos nos três níveis de governo desde então. Os motivos que levaram a adoção destas políticas combinaram a crise do mercado de trabalho após os planos de ajuste estrutural da economia brasileira, a persistência de elevados indicadores de pobreza e indigência, bem como a falência das políticas sociais tradicionais baseadas em uma concepção puramente filantrópica.

As políticas de microcrédito foram iniciadas no período do governo de Fernando Henrique Cardoso, mas ganharam especial impulso a partir do governo de Lula e de Dilma. Com isto, depois do Bolsa Família, talvez seja razoável dizer que tais iniciativas tenham sido a segunda mais importante no que tange às estratégias de inclusão social em nosso país.

No período mais recente as políticas mais importantes de microcrédito que foram realizadas no Brasil foram as seguintes:

Aprovação da Lei nº 10.735, de 11 de setembro 2003 (complementada pela Resolução do Conselho Monoetário Nacional (CMN) 3.109/2003 e 3.310/2005), que definiu os atuais marcos legais da política de microcrédito no Brasil. Por esta Lei, dentre outras medidas, os bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial, a Caixa Econômica Federal (CEF), e cooperativas de crédito deveriam manter aplicadas em

Page 6: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

6

operações de microcrédito pelo menos 2% dos recursos oriundos dos depósitos à vista captados junto ao público. Este marco legal também estabeleceu que as operações de microcrédito deveriam praticar taxas de juros efetivas de até 2% ao mês;

Aprovação da Lei 11.110/2005 que constituiu o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e os previstos na Lei nº 10.735. Entre outras medidas, destaca-se a aprovação do princípio do MPO;

Aprovação da Lei Complementar (LC) 123/2006 que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (subseção 3.3.b). Esta mesma LC também instituiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional (ou Supersimples);

Edição da LC n° 128/2008, que alterou a LC n° 123/2006, no seu artigo 18-A. criando a figura do Microempreendedor Individual (MEI). Segundo o § 1o desta LC, é considerado MEI o microempresário que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60 mil (sobre as características do MEI ver subseção 3.3.b);

Lei 12.087/1999, que visando o fomento às exportações, autorizou o governo federal a aplicar até R$ 4 bilhões em fundos garantidores de crédito a micro e pequenas empresa;

Programa Crescer – Programa Nacional de Microcrédito. Tendo sido lançada em agosto de 2011, esta política pública correspondeu à nova fase do PNMPO de 2005. O Programa Crescer visa fomentar os microempreendedores, abarcando tanto os MEI como as microempresas com faturamento bruto anual de até R$ 120 mil;

Resolução nº 4.000, de 25 de agosto de 2011, do CMN consolidando as normas sobre a exigibilidade de aplicação em microcrédito, equivalente a 2% dos depósitos a vista dos bancos especificados pela Lei nº 10.735. Segundo o Relatório da Inclusão Financeira de 2011, a partir desta norma passou a ser exigido que, a partir de 1º de julho de 2013 pelo menos 80% da exigibilidade sejam direcionados para microcrédito produtivo orientado (o BCB estimava que em dezembro de 2010 somente 33% fosse destinado a esta finalidade, o restante sendo utilizado como crédito de consumo).

As medidas adotadas resultaram em um grande crescimento do volume de recursos aplicados no setor, bem como em um aumento do número de linhas de microcrédito produtivo. Também merece destaque o progressivo avanço das linhas de microfinanciamentos baseados no princípio do Microcrédito Produtivo Orientado (MPO), o que implica no acompanhamento customizado aos prestamistas por parte das instituições concedentes dos empréstimos, assim como a expansão do aval solidário.

A despeito destes avanços, consideramos que ainda existe uma longa avenida por ser trilhada termos da adoção da perspectiva transversal por cor ou raça nas políticas de microcrédito atualmente existentes no Brasil.

Os poucos estudos realizados até o momento dedicados ao tema da inclusão financeira desagregado por cor ou raça deram algumas pistas sobre uma possível realidade de uma não incomum discriminação sobre os afrodescendentes, tanto em

Page 7: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

7

termos da qualidade do atendimento nos bancos, assim como nas políticas de recrutamento de pessoal (C.f. SANTOS; SILVA (org.), 2005; ROSSETTO; 2006; FEBRABAN, 2008; FIGUEIREDO, 2012; Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, 2009; 2010). Por outro lado, apesar de ser possível listar-se algumas políticas isoladas em prol do empreendedorismo afrodescendente (em geral cursos de formação e capacitação profissional), até o momento, não foi factível detectar-se uma única linha específica para este grupo em termos da facilitação de acesso ao crédito e ao microcrédito. Com isto, considerando as fundamentações teóricas já abordadas reportadas ao racionamento do crédito e seus tantos motivos, parece razoável imaginar que tal realidade possa ter contribuído para minar a capacidade empreendedora de significativas parcelas da população afrodescendente e, para além, da população brasileira conjuntamente.

Enfim, foi justamente para podermos obter algumas informações mais detalhadas sobre este assunto que realizamos a pesquisa empírica que serviu de base para o presente estudo.

4. Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito: caracterização geral da amostra

Quando analisamos os dados empíricos da pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito chegamos aos seguintes resultados em termos do perfil socioeconômico da população amostrada.

A distribuição de cor ou raça dos MEIs entrevistados foi: pardos, 47,5%; brancos, 29%; pretos, 20,5%; amarelos e indígenas, 3%. Já a composição entre os grupos de gênero foi de 51,7%, homens, e, 48,3%, mulheres.

Em nosso estudo 24,1% dos MEIs tinham até o Ensino Fundamental completo; 54,2% o Ensino Médio incompleto e completo; e, 21,7%, o Ensino Superior completo ou acima deste nível. Esta distribuição revela uma população ocupada com padrão de escolaridade superior à média da PEA, seja a brasileira, seja a das duas cidades estudadas.

A renda média dos MEIs entrevistados foi de R$ 2,2 mil. Os MEIs de cor ou raça brancos obtinham rendimentos médios superiores aos MEIs pretos e aos MEIs pardos em, respectivamente, 11,1% e 27,2%. Em termos medianos a mesma diferença de rendimento entre os MEIs brancos e os MEIs pretos e pardos, era mais uma vez de 11,1%, em relação aos primeiros, e, de 33,3%, em relação aos segundos.

Os MEIs entrevistados apresentaram diferentes percepções de terem passado por situações de discriminação de cor ou raça ao longo de suas vidas nos diferentes espaços sociais. Assim, ao passo que 96,6% dos brancos afirmaram nunca terem sido discriminados, entre os MEIs pardos esta mesma resposta correspondeu a 89,7%. Entre os MEIs pretos esta sensação era compartilhada por 62,1%, quase 35 pontos percentuais inferior ao ocorrido entre os MEIs brancos.

Sugestivamente, quando a percepção de discriminação de cor ou raça era repassada, da experiência pessoal, para uma avaliação sobre a sociedade no seu conjunto, verificou-se um padrão mais convergente de respostas. Do conjunto dos entrevistados, apenas 11,7% avaliavam que as pessoas não eram discriminadas por

Page 8: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

8

conta de sua cor ou raça no Brasil. Esta avaliação otimista era adotada por apenas 14,4% dos MEIs brancos; 12,3% dos MEIS pardos e, por 5,5% dos MEIs pretos.

Os MEIs entrevistados de todos os grupos de cor ou raça apresentaram indicadores assemelhados em termos da jornada diária de trabalho (9,2 horas) e do número de dias de funcionamento do negócio (5,8 dias na semana).

Quanto às principais dificuldades dos MEIs entrevistados para a gestão do próprio negócio, houve uma convergência no padrão de respostas dos MEIs brancos, pretos e pardos no que tange ao acesso ao capital de giro (no entorno de 53%). Contudo, os MEIs pretos, comparativamente aos outros dois grupos, relataram em maior proporção dificuldades com instalações (36,2%, frente a uma média geral de 25,4%), reformas (45,8%, frente a uma média geral de 37%), máquinas e equipamentos (39,2%, frente a uma média geral de 30,3%) e veículos (41,6%, frente a uma média geral de 30%).

Os MEIs pretos e os MEIs pardos convergiram no que tange à proporção dos que relataram dificuldades com o pagamento de dívidas, em ambos os casos no entono de 38%. Entre os MEIs brancos este percentual era menor em cerca de 5 pontos percentuais.

Os MEIs brancos declararam ter despesas mensais médias superiores aos dos MEIs pretos e dos MEIs pardos. As diferenças médias foram de, respectivamente, 16,7% e de 35,2%. Em termos medianos as diferenças foram de, respectivamente, 24,8% e 47,8%. Os MEIs pretos apresentavam despesas mensais médias superiores aos dos MEIs pardos.

Os empréstimos junto aos estabelecimentos bancários não se apresentaram como uma forma usual de apoio de acesso aos MEIs para a aquisição de matéria-prima e mercadorias: 4,1%. Vale a pena relembrar estes dados à luz do que já foi comentado acerca da dificuldade do conjunto dos MEIs em gerenciarem seus negócios por dificuldades para aquisição de capital de giro.

De certo modo supreendentemente, os MEIs pretos apresentaram dispêndios em investimento maiores do que os MEIs brancos e os MEIs pardos. Tal diferença foi observada tanto em termos médios como em termos medianos. Entretanto, apesar da informação soar alvissareira, entre os MEIs entrevistados, apenas uma pequena proporção dos investimentos que haviam sido realizados o foram a partir de financiamento obtido junto ao sistema financeiro. Pelo contrário, em 83,5% dos casos a principal fonte dos recursos foram saldos de exercícios anteriores do próprio MEI. Ampliando o grau de ironia da informação, para os MEIs pretos o peso relativo dos que haviam investido mobilizando recursos obtidos junto ao sistema financeiro era inferior a 5%. Entre os MEIs brancos e os MEIs pardos este indicador se situava na casa dos 8%.

O faturamento mediano dos estabelecimentos dirigidos por MEIs brancos era 39,3% superior ao observado entre os MEIs pretos e 21,9% superior ao verificado entre os MEIs pardos.

A maioria dos MEIs entrevistados realizava sozinho a contabilidade de seus negócios (mais de ¾ adotavam este mecanismo). Não obstante, os MEIs brancos apresentaram maior percentual de apoio a um contador, 19,9%, frente a 9,4% dos MEIs pretos e de 8,8% dos MEIs pardos.

Somente um baixo percentual de MEIs entrevistados revelou estar afiliado a alguma cooperativa (3,2%) ou associação de classe (4,9%).

Page 9: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

9

5. Acesso ao crédito produtivo e percepção de discriminação

Esta parte de nosso trabalho estará dividida em 12 subseções temáticas abrangendo os seguintes assuntos: i) utilização do crédito produtivo; ii) valores solicitados e aprovados; iii) montantes dos juros pagos; iv) destinação do crédito produtivo e adimplência; v) motivos para o possível racionamento do crédito; vi) análise do perfil dos MEIs que não tiveram sucesso na busca pelo crédito; vii) motivos da necessidade de crédito por parte dos MEIs de crédito racionado e desalentados; viii) exclusão bruta e líquida de acesso ao crédito produtivo; ix) avaliação de facilidade de acesso ao crédito produtivo; x) respostas dos MEIs sobre o que aconteceria se o acesso ao crédito produtivo fosse facilitado; xi) probabilidade de necessidade de crédito aos que não o acessaram segundo modelos de escolha qualitativa; xii) avaliação dos MEIs sobre o grau de facilidade ou de dificuldade para o acesso ao sistema financeiro como um todo.

5.1. Utilização do crédito produtivo (tabelas 22 e 23)

Dos MEIs entrevistados somente 4,3% afirmou utilizar com frequência empréstimo, crédito ou financiamento para exercício de sua atividade econômica. Outros 19,5% igualmente afirmaram tê-lo utilizado, porém, apenas eventualmente. Mais de ¾ dos MEIs indagados em nosso levantamento afirmaram que, ou tentaram e não obtiveram sucesso; ou não buscaram acesso ao crédito produtivo11.

O percentual dos MEIs de cor ou raça branca que utilizaram com frequência crédito produtivo dentro do intervalo de referencia da pesquisa foi de 4,7%. Este percentual foi praticamente idêntico ao indicador apresentado pelos MEIs pardos. Os MEIs pretos apresentaram o menor percentual de uso do crédito produtivo: 2,1%.

11

O SEBRAE (2013a) apontou que 77,7% dos MEIs de todo o país não haviam buscado o crédito no ano daquela publicação. Portanto este indicador converge com os dados encontrados em nossa pesquisa. Porém, no ano de 2011, o mesmo órgão realizou o mesmo levantamento junto aos MEIs cobrindo os estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Neste caso o percentual de MEIs que não haviam tentado obter crédito chegava 87%, na Bahia, e, a 91%, no Rio; percentuais superiores ao que encontramos em nosso estudo (C.f. SEBRAE, 2011b; SEBRAE, 2011c). De qualquer forma, na comparação entre os dados do SEBRAE destes dois estados com os contidos em nosso levantamento é preciso destacar dois aspectos. O primeiro aspecto, é que há um intervalo temporal entre o levantamento do SEBRAE e o estudo realizado pelo LAESER. Deste modo, devemos considerar que, segundo o próprio SEBRAE (2013a), entre 2013 e 2010, veio ocorrendo um aumento no peso relativo dos MEIs que tentaram acessar o sistema de crédito. O segundo aspecto é que a pesquisa SEBRAE cobre os MEIs residentes no conjunto de municípios que formam aquelas unidades da Federação. Já nossa amostra foi aplicada somente nas capitais fluminense e soteropolitana, sendo razoável supor que nestes municípios poderia haver uma maior disposição por parte dos MEIs para a busca pelo crédito, no mínimo, derivado de fatores como a maior escolaridade média ou acesso mais facilitado às informações. Não obstante, é importante que o leitor deste estudo tenha em conta estas diferenças entre um e outro levantamento.

Page 10: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

10

Os MEIs pretos e pardos apresentaram indicadores semelhantes no que disse respeito aos que utilizaram crédito produtivo apenas eventualmente, respectivamente, 19,9% e 20,9%. Já os MEIs de cor ou raça branca na mesma condição totalizaram, 16,4%.

O peso relativo dos MEIs que não utilizaram nem eventual, nem frequentemente, o crédito produtivo dentro do intervalo de referencia de nosso estudo foram de: brancos, 78,9%; pretos, 78,0%; pardos, 74,5%. Ou seja, ainda que as diferenças não fossem gritantes, destes dados vemos que os MEIs pardos foram os que de um modo ou de outro acessaram com mais intensidade o sistema financeiro com a finalidade de acesso ao crédito produtivo.

Dos MEIs entrevistados que haviam utilizado crédito produtivo (ou seja, dos 23,8% do total), 67,8% obtiveram crédito produtivo recorrendo a bancos públicos ou privados. O peso relativo dos programas de microcrédito foi de 5,5%. O acesso ao crédito através do apoio de parentes, amigos e outros meios, marcou a realidade de 18,6% da população pesquisada.

O acesso aos bancos públicos ou privados revelou-se mais frequente aos MEIs brancos (72,9%) do que aos pardos (64,7%) e pretos (68,2%). Já o acesso ao crédito através de programa microcrédito revelou-se presente para 11,4% dos MEIs pretos e para 5,0% para os MEIs pardos, contudo não tendo sido mencionado para os MEIs brancos. De qualquer forma, estas diferenças estão longe de conclusivas. Por um lado, devido à baixa densidade amostral dos MEIs pretos e pardos que responderam afirmativamente terem acessado o crédito produtivo por meio de algum outro programa de microcrédito. E, por outro lado, pelo fato de que por conta de algum possível problema de aplicação do questionário, talvez os entrevistados que obtiveram empréstimos não tenham conseguido distinguir com precisão se o seu acesso ao empréstimo se deu mediante as fontes oficiais de microcrédito intermediadas por um banco público ou privado, ou se o foram através de um programa específico de microcrédito intermediado por uma cooperativa ou OSCIP. Esta suposição ganhará corpo daqui a duas seções quando formos analisar os juros cobrados pelos empréstimos obtidos por parte dos MEIs entrevistados.

Page 11: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

11

O acesso aos empréstimos através de parentes, amigos e outras formas foi um modo de obtenção do crédito produtivo para cerca de 18% de todos os grupos de cor ou raça analisados. Estas formas alternativas de obtenção de crédito produtivo constituíram a realidade de 18,5% dos MEIs brancos, de 20,1% dos MEIs pretos e 28,5% dos MEIs pardos.

5.2. Valores solicitados e aprovados (tabela 24)

Na presente seção vamos analisar as informações sobre os valores dos créditos solicitados e aprovados pelo e para os MEIs entrevistados. Visando uma melhor compreensão sobre o modo de interação destes agentes com o sistema de crédito produtivo formal, excluímos da análise os dados provenientes daqueles MEIs que obtiveram crédito através de amigos, parentes, e demais agentes que não são regulados pelo Estado brasileiro, seja através do BCB e do CMN, seja através de programas de microcrédito como o PNMPO ou o Programa Crescer. Assim, abaixo listamos a realidade somente dos que obtiveram crédito através de bancos públicos, bancos privados, financeiras, bancos cooperativados e por OSCIPs.

Page 12: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

12

O valor médio solicitado pelos MEIs que buscaram, com sucesso ou não, crédito para seus empreendimentos foi de cerca de R$ 7,3 mil. Já o valor mediano foi de exatamente R$ 4 mil. Vale apontar que estes dados estão dentro das margens das atuais políticas públicas de microcrédito que vão de um intervalo de R$ 5 mil (tal qual para MEI individual sem orientação de uso do crédito), ao PNMPO e o Programa Crescer de Microcrédito, onde o limite máximo dos empréstimos é de R$ 15 mil12.

Ao se analisar os pedidos por empréstimo desagregado pelos grupos de cor ou raça verificou-se a presença de assimetria entre os distintos contingentes. No caso dos MEIs brancos, o valor médio dos pedidos de empréstimos se situou no entorno de R$ 10,7 mil. Já no caso dos MEIs pardos o montante médio requisitado foi de cerca de R$ 6 mil e no caso dos MEIs pretos no entorno de R$ 5,5 mil.

Ao se estudar o mesmo indicador através da mediana verifica-se que as assimetrias em termos dos valores requisitados se reduzia. Os MEIs brancos e pardos apresentaram uma demanda mediana por crédito produtivo no valor de R$ 5 mil, ao passo que seus colegas MEIs pretos requisitaram valores medianos de R$ 2,8 mil13.

Quando se analisa o conjunto de MEIs vê-se que 63% que buscaram crédito para o desenvolvimento de seus empreendimentos conseguiram obter o valor pedido integralmente. Os demais vivenciaram uma situação de possível racionamento de crédito. Assim, 9,1% enfrentaram um possível racionamento de crédito parcial em seu pleito. Já o percentual de possível racionamento de crédito integral totalizou 27,6%14.

Em termos da taxa de liberação dos pedidos requisitados por empréstimo produtivo, observou-se que foram os MEIs pardos os que tiveram melhor desempenho, com 67% de seus pedidos tido sido concedidos integralmente. No caso dos MEIs brancos este percentual chegou a 62,7%. Finalmente, no caso dos MEIs de cor ou raça preta o percentual de sucesso integral no pedido por empréstimo ficou abaixo dos outros grupos: 50,7%.

O possível racionamento de crédito parcial na tentativa por obter empréstimo produtivo correspondeu a realidade de 8,7% dos entrevistados de cor ou raça branca; de 10,0% dos entrevistados de cor ou raça preta; e de 9,9% dos entrevistados de cor ou raça parda.

Quando se observa a taxa de possível racionamento de crédito integral, observou-se que os MEIs pardos apresentaram o menor percentual (23,1%), sendo seguidos pelos MEIs brancos (28,6%) e pelos MEIs pretos (37,5%).

A respeito da interpretação destas informações poderíamos ser levados a uma conclusão no sentido de que os MEIs pretos, na comparação com seus colegas de outros grupos de cor ou raça, enfrentariam de forma mais intensiva o problema do racionamento de crédito. Na verdade, apesar das estatísticas descritivas sugerirem algo neste terreno, é importante salientar que tal assertiva não poderá ser feita tendo em

12

A este respeito ver o capítulo 3 deste estudo 13

A este respeito é interessante recuperar a pergunta feita por Agier; Szafarz (2013) sobre um possível teto de vidro (glass ceiling) no montante de pedido de empréstimos solicitados por parte das mulheres microempreendedoras. Assim, as autoras verificaram que os microempreendedores do sexo masculino tendiam a pedir um volume de empréstimo mais volumoso do que às microempreendedoras do sexo feminino. O mais interessante é que tal diferença se dava mesmo em um contexto no qual a taxa do racionamento de crédito se apresentava com igual intensidade para ambos os grupos de gênero. 14

O SEBRAE (2013a) em levantamento nacional junto aos MEIs indicou que, do total deste público que havia tentado acesso ao crédito produtivo, a taxa de racionamento havia sido de 44,6%. Portanto bem superior à proporção obtida em nosso levantamento. O mesmo órgão, em 2010, aplicou questionários específicos sobre o este tema junto aos MEIs desagregados pelos estados brasileiros. No caso da Bahia as taxas de racionamento do crédito foram de 2/3, e, no Rio, o indicador foi de quase 70%, em ambos os casos superiores aos resultados obtidos em nosso estudo (C.f. SEBRAE, 2011b; SEBRAEc, 2011). De qualquer sorte, uma reconhecendo-se as diferenças entre o levantamento do LAESER em relação ao do SEBRAE, cabem os mesmos comentários anteriores acerca das diferenças temporais e geográficas entre uma e outra pesquisa.

Page 13: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

13

vista que uma conclusão desta natureza envolveria a necessidade de informações provenientes dos próprios estabelecimentos bancários, dimensão não abrangida em nosso levantamento 15 . Por isto, estamos utilizando ao longo desta seção o termo possível racionamento de crédito mostrando tratar-se antes de uma possibilidade do que uma peremptória realidade dos fatos.

Não obstante, através da tabela 24 observamos os valores médios e medianos do crédito declarado pelos MEIs a partir de suas gestões junto aos estabelecimentos bancários. Assim, em toda a amostra, o valor médio girou no entorno de R$ 6 mil. Em termos medianos o valor se situou no entorno de R$ 2,5 mil.

Os MEIs de cor ou raça branca entrevistados obtiveram em média cerca de R$ 9,7 mil em crédito para seus negócios. Os MEIs pardos apresentara média de cerca de R$ 4,7 mil. Finalmente, os MEIs pretos auferiram em termos médios montantes no entorno de R$ 3,9 mil.

Quando analisamos os valores medianos observamos que os MEIs brancos e pardos obtiveram empréstimos no montante de R$ 3 mil; ao passo que os MEIs pretos conseguiram valores medianos de R$ 2 mil, assim, mantendo-se na última colocação.

Outro interessante exercício a ser feito diz respeito à relação entre os valores médios e medianos requeridos e efetivamente concedidos por parte do sistema financeiro. Vamos classificar este indicador de taxa média e mediana de liberação de crédito.

Considerando a população amostrada como um todo, a taxa média de liberação de crédito para os MEIs foi de 82,1%. Já a taxa mediana de liberação de crédito para o mesmo contingente foi de 62,5%.

A taxa média de liberação dos MEIs brancos foi de 90,6% e a taxa mediana de liberação foi de 60,0%.

No caso dos MEIs pardos a taxa média de liberação foi de 85,3%. Já a taxa de liberação deste grupo em termos medianos, tal como ocorreu com os MEIs brancos, foi de 60%.

No caso dos MEIs pretos, a taxa média de liberação foi de 65,0% e a taxa mediana de liberação foi de 71,4%. Apesar deste último indicador ter sido ligeiramente superior à mediana da taxa de liberação dos MEIs brancos e pardos, fica sugerido haver pouca margem para otimismo neste caso. Conforme sabido, a distribuição de um determinado conjunto por sua mediana o separa em dois grupos iguais, sendo a primeira parte a que justamente apresenta menores valores sejam estes quais forem (renda, idade, etc). Aplicando esta lógica para o que estamos estudando neste momento, fica sugerido que a maior taxa mediana de liberação dos MEIs pretos comparativamente aos MEIs dos outros grupos, parece ser o resultante de demandas de menor valor que, assim, pôde ser atendida em montantes proporcionalmente maiores.

Em suma, em que pese as conclusões desta seção terem sido baseadas apenas em estatísticas descritivas, foi possível observar uma certa coerência no conjunto dos dados quando se procede uma comparação entre os MEIs pretos, de um lado, e os MEIs brancos e pardos, de outro. Assim, aqueles, proporcionalmente aos demais, solicitaram valores medianos menores, apresentaram maior taxa de racionamento de crédito, bem como tiveram menor proporção de liberação dos empréstimos requisitados.

5.3. Montante de juros pagos (gráfico 9)

15

A este respeito ver o debate sobre o conceito de racionamento de crédito no segundo capítulo deste estudo.

Page 14: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

14

A pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito indagou aos MEIs que haviam obtido crédito junto às fontes oficiais qual a fonte dos empréstimos: se em bancos públicos ou privados; se em financeiras; ou se em programa de microcrédito ou Crediamigo. Contudo, apesar de nossa tentativa de analisar cada uma destas fontes separadamente, nos defrontamos com possíveis problemas com as respostas obtidas pelos entrevistados sugerindo que estes não conseguiram diferenciar os programas de microcrédito provenientes de diferentes fontes. Esta constatação se revelou justamente quando da análise das taxas de juros cobradas aos MEIs. Assim, a taxa média de juros praticada pelos que declararam ter obtido crédito junto a um banco ou financeira foi de 2,5% ao mês, o que é compatível com as atuais políticas oficiais de microcrédito produtivo.

De qualquer forma, ao se analisar as taxas de juros médias, tal como declaradas pelos tomadores de empréstimos, verificaram-se diferenças entre os grupos de cor ou raça. Assim, dos MEIs que haviam tomado empréstimos junto aos bancos ou financeiras, as maiores taxas de juros foram pagas pelos pardos (3,48%), seguida pelos pretos (2,34%) e pelos brancos (2,28%).

O que estes dados sugerem é que sobre os MEIs pardos e, igualmente, também sobre os MEIs pretos (embora em menor intensidade), as maiores taxas de juros podem ter sido resultantes dos já comentados mecanismos de seleção adversa e de risco moral. Contudo, é preciso tomar-se cuidado com esta conclusão tendo em vista que o processo de formação das taxas de juros para os tomadores de empréstimos podem se dar igualmente baseados em torno de dados econômicos, tais como as garantias (colaterais) ou critérios de risco e retorno adotados pelas próprias instituições fornecedoras de empréstimos. Assim, na medida que nosso estudo não incorporou informações provenientes dos próprios estabelecimentos intermediadores de crédito, não teremos como avançar em maiores conclusões sobre os motivos pelos quais os

Page 15: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

15

MEIs pretos e pardos acabavam tendo de arcar com taxas de juros maiores, na comparação com os seus colegas MEIs de cor ou raça branca.

5.4. Destinação do crédito produtivo e adimplência (tabelas 25 e 26)

Da população entrevistada que havia obtido crédito produtivo, 48,1% o utilizaram para aquisição de matérias-primas ou mercadorias. Este dado é coerente ao das tabela 13 onde foi verificado que mais da metade dos MEIs haviam declarado que uma das maiores dificuldades no exercício da gestão de seus estabelecimentos dizia respeito justamente à questão do capital de giro.

Também de algum modo coerentemente ao mencionado na tabela 13, quando vimos que pouco mais de 1/3 dos MEIs afirmaram que o pagamento de dívidas era um dos principais problemas do negócio, verificou-se que esta destinação correspondeu à situação de 23,6% dos MEIs que obtiveram crédito produtivo16.

Quando se analisa os dados da tabela 25 os decompondo pelos grupos de cor ou raça verifica-se que o uso dos recursos provenientes de empréstimos para giro do negócio era uma situação mais comum aos MEIs pretos (53,1%) e pardos (52,8%), do que aos MEIs brancos (35,9%). Por outro lado, o uso de crédito para o pagamento de dívidas do estabelecimento era mais frequente entre os MEIs brancos (30,1%), do que entre os MEIs pretos (22,9%) e pardos (21,8%), de algum modo refletindo o maior grau de acesso daquele primeiro grupo ao crédito produtivo, tal como pudemos analisar na seção anterior.

Igualmente chama atenção que o peso relativo dos MEIs brancos (17,1%) que utilizaram recursos provenientes de empréstimos para a expansão do próprio estabelecimento fosse maior que o que ocorria entre os MEIs pardos (7,3%) e, especialmente entre os MEIS pretos (3,5%).

16

Vale também relembrar que estes dados são coerentes com os indicadores da ECINF 2003 a respeito do mesmo tema. A este respeito ver a última seção do capítulo 3 deste estudo quando comentados os dados gerados a partir da dissertação de mestrado de Rossetto (2006).

Page 16: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

16

A demanda por empréstimos para aquisição de veículos, imóveis ou reforma ficou no entorno de 11,3% para os MEIs entrevistados que haviam obtido crédito produtivo no período. Desagregando o indicador entre os grupos de cor ou raça verificamos que esta situação correspondeu à realidade de 12,8% dos MEIs pardos; de 10,5% dos MEIs pretos e de 8,4% dos MEIs brancos.

Na tabela 26 observa-se a situação de adimplência por parte dos MEIs que haviam contraído crédito produtivo. Deste modo, 91% dos entrevistados afirmaram que estavam pagando suas prestações dentro do prazo. Outros 3,9% declararam fazê-lo, mas com atraso e 5% reconheceram que estavam com dívidas atrasadas por serem pagas.

O peso relativo dos MEIs brancos que estavam conseguindo pagar suas dívidas dentro do prazo foi de 98,8%. Este percentual era visivelmente menor tanto para os MEIs pretos (88,2%), como para os MEIs pardos (90,7%). Os MEIs pretos apresentaram maior intensidade entre os que vinham pagando sua dívida com atraso (11,2%). Já os MEIs pardos, comparativamente aos demais grupos, demonstraram maior intensidade entre aqueles que estavam inadimplentes perante seus credores (6,3%).

5.5. Motivos para o possível racionamento do crédito (tabela 27)

Nossa pesquisa indagou aos entrevistados que não obtiveram ou obtiveram apenas sucesso parcial quando tentaram obter crédito produtivo acerca de suas auto-avaliações sobre as razões desta resposta total ou parcialmente negativa. Visando garantir maior consistência estatística às respostas, as opções apresentadas foram agrupadas em 4 tipos de respostas. O modo pelo qual este grupamento foi realizado pode ser vista na nota explicativa da própria tabela 27. Do mesmo modo, deve-se alertar que, dada sua baixa densidade amostral, o conjunto de indicadores contidos nesta fonte deve ser vista com ressalva.

Page 17: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

17

Dos MEIs que não tiveram sucesso na busca pelo crédito produtivo ou o tiveram apenas parcialmente, 31,4% apontaram problemas cadastrais ou falta de garantias (risco moral); 26,6% problemas relacionados à insuficiência de renda pessoal (risco moral); e, 20,6% apontaram indicar problemas relacionados ao perfil do próprio negócio como tempo de atividade ou setor econômico de atuação (seleção adversa). As discriminações de diversas naturezas foram apontadas como motivo para 6,6% dos entrevistados (risco moral e seleção adversa).

Os MEIs brancos foram os que com maior intensidade relataram problemas relacionados à restrição cadastral ou falta de garantias. Assim, para os integrantes deste grupo quase metade apontou justamente este motivo, percentual que se destaca dos MEIs pretos (24,3%) e pardos (26,5%).

A renda insuficiente foi reconhecida como um possível problema para 30,0% dos MEIs brancos e 32,7% dos MEIs pardos. No caso dos MEIs pretos esta possível razão correspondeu a avaliação de 11,9%. Os problemas reportados ao perfil do negócio foi mencionado como motivo plausível para 23,7% dos MEIs brancos, por 27,5% dos MEIs pretos e por 14,4% dos MEIs pardos.

Há ainda um traço especialmente sugestivo vinculado ao fato de que nenhum dos MEIs brancos e pardos avaliaram como possível causa da recusa total ou parcial do pleito por crédito razões relacionadas às diferentes formas de discriminação, tais como a de cor ou raça, local de residência ou local de nascimento. Já os MEIs pretos aparentavam possuir maior sensibilidade a esta questão. Deste modo, 22,2% dos integrantes deste grupo que tiveram o crédito negado total ou parcialmente avaliaram que motivos discriminatórios poderiam ter sido a razão principal do racionamento do recurso.

De qualquer forma, conforme já mencionado, os dados contidos na tabela 27 devem ser lidas com especial ressalva dada a baixa densidade amostral do conjunto dos indicadores ali apresentados.

5.6. MEIs que não tiveram acesso ao crédito produtivo (tabela 28)

Em nossa investigação avaliamos que tão importante quanto analisar os MEIs que procuraram com sucesso ou não o sistema de crédito é igualmente buscar-se

Page 18: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

18

compreender aqueles que não procuraram o serviço. Assim, podemos assumir como uma situação de desencorajamento os casos onde o agente econômico mesmo precisando de crédito para a produção não o solicitou a nenhum agente financeiro. Cabe salientar que nosso estudo, em seu mapeamento bibliográfico, não encontrou nenhuma pesquisa que tenha feito semelhante indagação. Portanto, não teremos como comparar os resultados a que chegamos com outros esforços da mesma natureza.

No questionário de nossa pesquisa na pergunta no 41 se indagava aos MEIs se estes haviam utilizado o crédito no período de referência do estudo. Seguindo, na pergunta nº 42 podemos localizar os que não haviam utilizado crédito mesmo que tenham precisado do recurso. Já no campo 50.2 podemos identificar entre os que não haviam utilizado o crédito por conta de um possível racionamento do recurso por parte dos bancos.

Portanto, nesta seção, o público-alvo de nossa investigação são os MEIs que não haviam procurado o crédito produtivo mesmo precisando deste recurso. Ou seja, este público não incorpora os que procuraram o recurso mas tiveram o crédito racionado. Chamaremos esta situação de desalento (e as pessoas nesta condição de desalentadas). Na sequência conceituamos por taxa de desalento o percentual de MEIs que não procuraram por crédito produtivo mesmo precisando do recurso17. Aqui vale salientar que o denominador do indicador vem a ser integrado pelos MEIs que não procuraram crédito produtivo dentro do intervalo de tempo coberto pelo nosso estudo. Ou seja, neste último caso estão englobados os que não tomaram medidas para obtenção de crédito produtivo, tendo precisado do financiamento ou não.

Da população entrevistada que não havia procurado crédito, pouco mais de 1/5 declarou que necessitavam do empréstimo. Quando se desagregava a taxa de desalento para os grupos de cor ou raça observou-se que tal realidade era mais premente para os MEIs pretos, contingente o qual 28% dos que não haviam procurado o serviço de crédito o deixaram de fazer mesmo precisando dos recursos para o fortalecimento de seus empreendimentos. O peso relativo dos MEIs pardos na mesma

17

Na literatura em língua inglesa que trata dos empreendedores que não buscam o crédito produtivo mesmo precisando por conta de alguma expectativa negativa de insucesso o temo mais utilizado é discouraged burrower (C.f. KON; STOREY, 2003), que em tradução literal quer dizer tomares de empréstimos desencorajados. No presente estudo estamos adotando o mesmo conteúdo para a expressão desalento, escrita deste modo por ser um termo mais sintético.

Page 19: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

19

situação alcançava 19,8%. Já no caso dos MEIs brancos a taxa de desalento foi de 17,7%.

Logo, o peso relativo dos MEIs de cor ou raça preta que se encontravam na condição de desalentados foi superior em 10 pontos percentuais em relação aos MEIs pardos, e, de praticamente 11 pontos percentuais na comparação com os MEIs brancos na mesma situação.

5.7. Motivos da necessidade de crédito para MEIs de crédito racionado e desalentados (tabelas 28 e 29)

Os indicadores contidos ao longo desta seção abrangem respostas dadas por MEis desalentados sobre as necessidades que poderiam ter sido atendidas caso os empréstimos tivessem sido obtidos junto ao sistema financeiro.

Mais da metade dos MEIs desalentados afirmou que este recurso, caso fosse viabilizado, seria destinado à aquisição de matérias-primas ou mercadorias, tema este que já pudemos ter a chance de comentar acima nas tabela 13 e 25. Outros 46,3% afirmaram que se tivessem acesso ao crédito o destinariam à ampliação das condições de produção tal como a compra de máquinas, equipamentos, veículos ou reformas. Para 14,3% dos MEIs desalentados o crédito seria utilizado para saldar dívidas.

A análise dos indicadores da tabela 28 decomposta pelos grupos de cor ou raça revela que os distintos contingentes desalentados destinariam de forma diferenciada os recursos dos empréstimos caso estes fossem obtidos.

No caso dos MEIs brancos desalentados, pouco menos de 1/3 aplicaria na aquisição de máquinas, equipamentos, etc., percentual este que crescia para 55,9%, entre os MEIs pretos desalentados, e 48,2%, entre os MEIs pardos desalentados. Contudo, a distância mais marcante ficava no quesito compra de matérias-primas ou mercadorias. Assim, ao passo que 52,7% dos MEIs pretos desalentados e metade dos MEIs pardos desalentados dariam esta destinação aos empréstimos, no caso dos MEIs brancos desalentados esta proporção se reduzia para 16,3%.

Page 20: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

20

O pagamento de dívidas seria o destino dado aos empréstimos por parte de 16,3% dos MEIs brancos e pardos desalentados. No caso dos MEIs pretos desalentados tal entendimento correspondeu a realidade de 12,0%, talvez expressando um já comentado menor percentual de acesso ao sistema financeiro para o crédito por parte dos empreendedores deste grupo de cor ou raça

Uma outra questão relevante no nosso estudo sobre os MEIs desalentados tange às razões pelas quais estes revelaram não ter procurado o sistema financeiro para obter os empréstimos de que necessitavam. Visando-se a preservação da densidade amostral dos indicadores comentados, agrupamos os motivos da não busca pelo recurso em 2 motivos básicos: i) falta de informação, aversão aos riscos e dificuldades subjetivas com o ambiente bancário; e, ii) restrição cadastral.

Para o conjunto da população desalentada quase 70% revelou que o principal motivo deste desalento dizia respeito a aversão ao risco ou à falta de informação. Os problemas decorrentes de restrição cadastral corresponderam a 30,3% dos MEIs desalentados.

Dos MEIs brancos desalentados 68,6% deixaram de procurar o sistema de crédito por conta de aversão às dividas ou por falta de informação. Este mesmo correspondeu à realidade de 73,1% dos MEIs pretos (39,5%) e de 68,2%, dos MEIs pardos (47,6%) desalentados.

Curiosamente, os problemas reportados às restrições cadastrais eram reportadas em quase idêntica intensidade entre os MEIs desalentados brancos e pardos. Já entre os MEIs desalentados pretos este motivo aparecia em menor proporção (26,9%). A curiosidade remete ao fato que já foi possível debater nas seções anteriores acerca das diferenças de cor ou raça em termos dos valores médios de empréstimos solicitados e das taxa de liberação e racionamento de crédito. Ou seja, o indicador apresentado pelos MEIs pretos desalentados em termos da restrição cadastral

Page 21: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

21

(de certo modo mais positivo que os MEIs brancos e pardos) não pareceu dialogar com aqueles dados comentados na seção 5.2.

5.8. Exclusão bruta e líquida de exclusão de acesso ao crédito produtivo (gráficos 10 e 11)

Na presente seção deste capítulo iremos analisar dois indicadores construídos a partir da base de dados da pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito. Estas são as taxas bruta e líquida de exclusão de acesso ao crédito produtivo.

A construção de ambos os indicadores parte dos MEIs entrevistados que se encontravam nas seguintes situações abaixo:

Possível racionamento integral de crédito: definido pelos MEIs que procuraram empréstimos junto aos estabelecimentos públicos e privados de intermediação financeira, assim como junto às OSCIPs, e que tiveram seu pedido integralmente negado. Em nossa base de dados estes corresponderam a 6,4% do total do universo expandido;

Possível racionamento parcial de crédito: definido pelos MEIs que procuraram empréstimos junto aos estabelecimentos públicos e privados de intermediação financeira, assim como junto às OSCIPs, e que tiveram seu pedido parcialmente negado. Em nossa base de dados estes corresponderam a 2,1% do total do universo expandido;

Desalento por crédito: definido pelos MEIs que não tomaram medidas para obter empréstimos mesmo revelando terem revelado necessidades econômicas por estes recursos. Em nossa base de dados estes corresponderam a 19,3% do total do universo expandido18;

Obtenção informal de crédito: definida pelos MEIs que foram buscar, com ou sucesso ou não, o crédito produtivo junto a agentes a margem dos estabelecimentos de intermediação financeira ou OSCIPs. Em nossa base de dados estes corresponderam a 7% do total do universo expandido.

O público MEI não coberto naquele conjunto de 4 situações ou seria os que procuraram e obtiveram integralmente os empréstimos solicitados junto aos estabelecimentos financeiros; ou os MEIs que não tomaram medidas para obter empréstimos para seus estabelecimentos por acreditarem não terem precisado do recurso.

Não obstante, considerando o somatório das situações acima, do total de MEIs entrevistados, a taxa bruta de exclusão de acesso ao crédito produtivo totalizou pouco mais de 1/3 do total da amostra expandida. Desagregando estes indicadores pelos grupos de cor ou raça observamos que os MEIs mais intensivamente afetados por este

18

Vale observar que este indicador de desalento não é o mesmo que o comentado na seção 5.6 sobre a taxa de desalento. Assim, aquele indicador era formado pela proporção de MEIs que não havia procurado o crédito produtivo mesmo precisando do recurso, dividido pelo número total de MEIs que não haviam procurado crédito produtivo, independentemente da necessidade. Já na montagem do indicador da taxa bruta e líquida de exclusão de acesso ao crédito produtivo, o numerador são os MEIs desalentados e o denominador é toda a população investigada.

Page 22: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

22

problema eram os pretos (44,6%), seguido dos pardos (35,1%) e dos brancos (29,4%). Conforme observado, o problema do desalento era o principal responsável para que aquele indicador alcançasse montantes tão expressivos.

A taxa bruta de exclusão de acesso ao crédito produtivo foi assim classificada por levar em consideração todos os MEIs que apresentaram situações de frustração, de receio ou de incapacidade para acessar os mecanismos formais de obtenção de empréstimos. Contudo, este indicador pode ser passível de uma ressalva decorrente de incorporar os que apresentaram algum limite para adquirir aquele recurso por problemas de restrição cadastral. Assim, independentemente do juízo de valor que se faça sobre os que se encontram sujeitos a este tipo de situação – e mesmo levando em conta que nos programas de microcrédito gerenciados por OSCIPs muitas vezes tal critério sequer é cobrado -; do ponto de vista prático, este contingente acabaria se vendo excluído do sistema oficial de crédito por uma razão objetiva.

Visando, portanto, aprimorar o indicador de exclusão de acesso ao sistema de crédito produtivo que avançamos uma segunda definição chamada de taxa líquida de exclusão de acesso ao crédito produtivo. A diferença entre as taxas bruta e líquida é

Page 23: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

23

que neste último caso estamos excluindo os MEIs que se encontravam em situação de restrição cadastral.

Considerando a metodologia proposta, a taxa líquida de exclusão de acesso ao crédito produtivo foi igual a 27,2%, número relativo menor que o visto quando analisamos a taxa bruta de exclusão (por razões decorrentes do como os dois indicadores foram construídos), mas ainda razoavelmente expressivo. Desagregando o indicador pelos grupos de cor ou raça verificamos que o percentual dos MEIs pardos passava a se aproximar do indicador dos MEIs brancos, respectivamente, 27,2% e 24,2%. No caso dos MEIs pretos, contudo, apesar de a sua taxa líquida de exclusão de acesso ao crédito produtivo também ter sido menor que a taxa bruta, o peso relativo seguia chamativo: 36%.

5.9. Avaliação do grau de facilidade do acesso ao crédito produtivo (tabela

30)

Do conjunto de MEIs entrevistados por nosso levantamento, 55,6% avaliaram que o seu grau de acesso ao crédito produtivo era ou difícil ou muito difícil. Na outra extremidade, 26,9% avaliaram o acesso como fácil, dado que é mais ou menos convergente com o percentual dos que utilizaram crédito produtivo total ou parcialmente.

Ao se decompor as respostas sobre a avaliação do acesso ao sistema financeiro pelos grupos de cor ou raça verificou-se que entre os MEIs brancos pouco mais da metade avaliaram como difícil ou muito difícil o acesso ao crédito produtivo. Já entre os MEIs pardos este percentual era superior. Assim, no interior deste contingente 55,3% avaliaram o acesso ao sistema de crédito como difícil ou muito difícil.

Coerentemente a alguns resultados vistos ao longo deste capítulo, os MEIs pretos revelaram maior pessimismo quanto ao grau de dificuldade ao sistema financeiro para obtenção do crédito produtivo. Deste modo, entre os MEIs deste grupo de cor ou raça, 6 em cada 10 avaliavam que o acesso a este tipo de financiamento era difícil ou muito difícil.

Na outra ponta, ou seja entre os que avaliaram que o acesso ao crédito produtivo era fácil, tal realidade fez-se presente para 1/3 dos MEIs brancos, porém para 24,3% dos MEIs pretos e para 25,3% dos MEIs pardos.

Page 24: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

24

5.10. O que ocorreria se o acesso ao crédito fosse amplamente facilitado? (tabela 31)

Na tabela 31 encontramos as respostas dadas por todos os MEIs da nossa amostra à indagação sobre o que fariam caso o acesso ao crédito produtivo fosse amplamente facilitado em todo o país. Mais uma vez sublinhando-se o problema referente ao capital de giro, para 46,4% esta seria justamente a principal destinação do crédito produtivo. Outros 18,7% apontaram que aplicariam os recursos em instalações e reformas, 18,1% em máquinas e equipamentos; 7,6% em veículos e 5,2% no pagamento das dívidas do negócio.

A decomposição dos indicadores acima pelos grupos de cor ou raça revela que para 39,8% dos MEIs brancos e 40,5% dos MEIs pretos a principal destinação seria a da aquisição de matéria-prima ou mercadorias. Entre os MEIs pardos esta forma de uso do crédito seria empregada por mais da metade deste contingente.

No caso dos MEIs brancos 47,6% utilizariam este hipotético crédito mais facilitado para a ampliação do ativo imobilizado através de instalações, reformas, máquinas, equipamentos e veículos. No caso dos MEIs pardos este percentual alcançou 40,0% do contingente total. Já no caso dos MEIs pretos a ampliação do ativo naqueles mesmos itens correspondeu a resposta de 51,4% do total de entrevistados.

Este conjunto de dados revela que se é bem verdade que do ponto de vista da atual gestão dos estabelecimentos produtivos o maior problema enfrentado pelos MEIs diz respeito ao capital de giro; diante de um cenário no qual o acesso ao crédito produtivo fosse amplamente facilitado por parte de nosso sistema financeiro, ao menos potencialmente, haveria uma busca mais intensiva para financiamento de itens de bens de capital. E tal realidade apresentava-se maior justamente entre os MEIs pretos, que dentre todos, era justamente o grupo de cor ou raça que evidenciava maiores dificuldades para acessar o sistema de crédito produtivo.

5.11. Probabilidade dos MEIs que não utilizaram crédito terem precisado do recurso, segundo modelos de escolha qualitativa

Page 25: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

25

Conforme já pudemos debater acima, o questionário da pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito foi aplicado junto ao universo dos MEIs residentes nas cidades do Rio de Janeiro/RJ e de Salvador/BA. Enquanto tal, quando da aplicação de um modelo econométrico para se mensurar o grau de acesso dos microempreendedores ao sistema de crédito, acabamos enfrentando um problema referente ao tipo de controle estatístico que poderia ser realizado dado o tipo de informações que tínhamos disponíveis. Assim, análises mais refinadas, por exemplo, sobre a probabilidade de racionamento de crédito ou as taxas de liberação dos empréstimos, ficariam comprometidas pelo fato de não termos em mãos as informações geradas pelas próprias instituições financeiras sobre o resultado do pedido dos empréstimos. Assim, diante dos limites metodológicos verificados, a aplicação de um modelo teria de ser feito considerando apenas as variáveis dependentes e independentes presentes dentro do questionário que aplicamos junto aos MEIs entrevistados.

Deste modo, escolhemos aplicar um modelo econométrico de escolha qualitativa entre os MEIs que não utilizaram crédito, adotando como variável dependente a probabilidade destes MEIs terem precisado do recurso. Para tal, foi utilizada como variável dependente a resposta à pergunta p.42 do questionário, que indagava se os entrevistados, que não tinham utilizado o crédito, precisariam do mesmo (1 = Sim | 0 = Não).

Sendo a variável dependente qualitativa dicotômica, foi necessário utilizar técnicas de regressão binária para o tratamento dos dados. Isto porque, ao contrário dos modelos lineares, que não apresentariam um bom ajuste nestes casos, a regressão binária permite estimar a probabilidade de ocorrência de determinado evento (FREITAS, 2013). Assim, no nosso caso, foi possível estimar através de um modelo econométrico binário a probabilidade de um MEI, que não utilizou crédito, precisar do recurso.

As funções principais utilizadas para casos de escolha qualitativa são a logit e a probit, dadas, respectivamente, pelos inversos das distribuições acumuladas logística e normal da variável dependente binária. Os parâmetros das duas funções logit e probit são estimados de forma iterativa pelo método da máxima verossimilhança, pois são transformações das distribuições acumuladas (FREITAS, op cit)19.

O uso da função logit é recomendado para amostras com tamanhos inferiores a 20 e o uso de ambas, a logit ou a probit, é possível para maiores tamanhos amostrais. De forma geral, logit e probit produzem resultados similares, dando diferenças significativas apenas no caso em que muitas observações sejam concentradas nas caudas (caso em que a probit seria preferível) (C.f. FREITAS, op cit).

Os resultados apresentados nos dois modelos testados foram muito próximos.

5.11.b. Modelo probit

O modelo probit utilizado tem a forma:

𝑍𝑖 = 𝛼 + 𝛽1𝑋1 + 𝛽2𝑋2 + 𝛽3𝑋3 + 𝛽4𝑋4+. . . +𝛽𝑖𝑋𝑖

19

Cabe observar que a aplicação do Probit e do Logit é o método mais comumente usado na literatura que trata da discriminação no acesso ao crédito produtivo. A este respeito ver Orhan (2001); Blachflower et alii (2003), Storey (2004); Blanchard et alii (2005); Agier, Szafarz (2013, 2011); Asiedu et alii (2012); Kumar (2013), Piras et alii (2013).

Page 26: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

26

Em que os X representam os atributos selecionados dos MEIs, conforme quadro 6 abaixo, e Z representa uma estimativa da probabilidade condicional de um MEI, que não utilizou crédito, precisar do recurso.

Quadro 6 – definições das variáveis independentes

Variáveis dummies 1 0

DEMPREGADOR Se empregador Se trabalhador por conta própria

DHOMEM Se homem Se mulher

DFUNDAMENTAL Se tem até o Ensino Fundamental completo

Caso contrário

DSUPERIOR Se tem ensino superior completo ou mais

Caso contrário

DCONTABANCO Se possui conta bancária Caso contrário

DCORPRETA Se preto Caso contrário

DCORPARDA Se pardo Caso contrário

DRIO Se residente no Rio de Janeiro

Se residente em Salvador

DDIAS_FUNCIONA Se empreendimento funciona 5 dias ou mais

Caso contrário

Variáveis contínuas

RENDA_PESSOAL = Renda média mensal pessoal do MEI

ANOS_FUNCIONA = Número de anos de existência do empreendimento

5.11.b.1. Preparação do modelo

Conforme já mostramos no caso da regressão logística, também na preparação do modelo probit, o primeiro passo foi o estudo das variáveis independentes de tipo quantitativo contínuo, de forma a verificar o pressuposto de linearidade das mesmas. Desta forma, as variáveis RENDA_PESSOAL e ANOS_FUNCIONA foram plotadas em um gráfico junto com a probabilidade do MEI, que não utilizou o crédito, precisar do recurso.

Page 27: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

27

Como o pressuposto de linearidade das variáveis RENDA_PESSOAL e ANOS_FUNCIONA foi confirmado, ambas foram tratadas como contínuas no modelo.

A seguir, um modelo probit simples foi aplicado para cada variável independente pré-selecionada. No caso em que o teste de hipótese apresentasse p-valor < 0,20, as variáveis independentes foram utilizadas no probit múltiplo.

Variável p-valor

DEMPREGADOR 0,282

DHOMEM 0,738

DFUNDAMENTAL 0,001

DSUPERIOR 0,050

DCONTABANCO 0,103

DCORPRETA 0,000

DCORPARDA 0,144

Page 28: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

28

DRIO 0,009

DDIAS_FUNCIONA 0,036

RENDA_PESSOAL 0,246

ANOS_FUNCIONA 0,152

Assim como foi verificado no modelo logit, também no probit, apenas as

variáveis DEMPREGADOR, DHOMEM e RENDA_PESSOAL apresentaram um p-valor > 0,20. Por esta razão, as 3 variáveis não foram utilizadas no modelo probit expandido que incluiu as outras variáveis independentes pré-selecionadas.

5.11.b.2. Testes globais dos parâmetros

O modelo probit múltiplo possuía 721 observações válidas e o algoritmo precisou de 3 iterações para convergir. O ajuste global do modelo, calculado a partir da função de verossimilhança [LR chi2(8)], indicou que o modelo se ajustou adequadamente aos dados. A estatística “Prob > chi2” também validou o modelo, apresentando um valor igual a 0,0000.

O Pseudo R2 indicou que aproximadamente 4% da variação da variável dependente podia ser explicada pela variação das variáveis independentes. Sobre a qualidade de ajustamento do modelo, foi também utilizado o teste “goodness-of-fit”, que testa a hipótese nula que o modelo esteja bem ajustado. Sendo Prob > chi2 maior de 0, não rejeitamos a hipótese nula, e podemos dizer que o modelo parece estar bem ajustado.

Pela análise de valores corretamente classificados, verificamos que, de maneira geral, o modelo previu 65,5% das observações corretamente.

5.11.b.3. Análise dos coeficientes individuais

De acordo com a análise dos coeficientes individuais, verificamos que as seguintes variáveis não foram estatisticamente significativas:

ter Ensino Superior completo;

ter conta bancária;

ter cor ou raça parda;

anos de funcionamento.

Apenas os seguintes fatores afetariam a probabilidade de um MEI, que não utilizou o crédito, precisar do recurso:

ter até o Ensino Fundamental completo; ter cor ou raça preta;

Page 29: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

29

o empreendimento funcionar 5 dias por semana ou mais; estar localizado no Rio de Janeiro (comparativamente a estar localizado

em Salvador).

O sinal encontrado em cada um dos coeficientes indicou que, à exceção do empreendimento estar localizado no Rio de Janeiro, todas as demais variáveis possuíam correlação positiva com a variável dependente.

5.11.2.4. Análise dos efeitos marginais

Para expressar melhor o modelo foi também utilizado o estudo do efeito marginal dos fatores sobre o MEI ,entrevistado que não utilizou o crédito, e precisou do recurso.

No ponto médio, a probabilidade dos MEIs pesquisados terem precisado de crédito era igual a 34,6%.

Se o MEI que não utilizou o crédito tivesse estudado apenas até o Ensino Fundamental completo, a chance de precisar de recursos aumentaria em 11,3 pontos percentuais, em relação ao ponto médio. Já a probabilidade aumentaria em 16,5 pontos percentuais se o MEI fosse preto e cairia em 6,8 pontos percentuais caso o empreendimento fosse localizado no Rio de Janeiro. O fato do empreendimento funcionar 5 ou mais dias por semana aumentaria apenas em 0,2 pontos percentuais a chance do MEI precisar do crédito.

5.11.b.5. Modelo aninhado

Como última etapa, também no caso do modelo probit, foram excluídas as variáveis que não apresentaram significância de 0,10 ou mais no modelo completo. A seguir, foi rodado o modelo aninhado, com as mesmas variáveis anteriormente pré-selecionadas, com exceção de DSUPERIOR, DCONTABANCO, DCORPARDA, e ANOS_FUNCIONA.

Assim como no caso da regressão logística, também neste modelo a retirada das variáveis não influiu no ajuste do modelo.

Foi então aplicada a análise dos efeitos marginais do modelo reduzido final e se observou que, no ponto médio, a probabilidade do MEI, que não utilizou o crédito, precisar deste recurso era de aproximadamente 34,7%.

No caso em que o MEI entrevistado fosse preto, a probabilidade aumentaria em 14,5 pontos percentuais em relação ao ponto médio. A mesma probabilidade aumentaria em 13,5 no caso dos MEI com até o Ensino Fundamental completo; e se reduziria em 7,8 pontos percentuais no caso em que o MEI fosse localizado no Rio de Janeiro. Sempre em relação ao ponto médio, a probabilidade do MEI, que não utilizou crédito, precisar do recurso se elevaria em 10,7 pontos percentuais caso o empreendimento funcionasse pelo menos 5 dias por semana.

5.12. Avaliação de acesso ao sistema financeiro

Page 30: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

30

5.12.a. Acesso a serviços financeiros

Da população entrevistada, 76,1% afirmaram ter conta corrente em algum banco; 38,0%, conta especial em conta corrente; 36,3%, talão de cheque em conta corrente; 51,7%, caderneta de poupança; e, 66,6%, cartão de crédito. Os que responderam afirmativamente ter acesso a algum tipo de seguro totalizaram 73,9%.

Certamente refletindo as diferenças socioeconômicas em termos de escolaridade e rendimento, tal como recém comentado, em quase todos os serviços financeiros contidos na tabela 32 os MEIs brancos possuíam maiores proporções de acesso na comparação com seus colegas pretos e pardos.

Assim, o acesso à conta bancaria era uma realidade para 82,1% dos MEIs brancos, 73,3% dos MEIs pretos e 73,5% dos MEIs pardos. Em todos os grupos de cor ou raça os que tinham acesso ao cheque especial e ao talão de cheque formavam minorias. Mas de qualquer forma, entre os MEIs brancos este percentual chegava próximo da metade dos entrevistados, ao passo que entre os MEIs pretos e pardos estes percentuais se davam no entorno de 1/3.

Curiosamente a caderneta de poupança apresentava-se como um serviço ligeiramente mais frequente entre os MEIs pretos e pardos do que em relação aos brancos, certamente neste caso refletindo ser esta forma de investimento mais típica das camadas populares20.

O acesso ao cartão de crédito, bem como a algum tipo de seguro apresentava-se mais frequente entre os grupos de cor ou raça, embora em ambos os casos os MEIs brancos igualmente tivessem um percentual de acesso ligeiramente superior aos seus colegas MEIs pretos e pardos.

5.12.b. Grau de conforto dentro de estabelecimentos financeiros públicos e privados

Nesta subseção iremos analisar o modo pelo qual os MEIs avaliaram seu acesso ao sistema financeiro em conjunto. Ou seja, neste momento as indagações se voltam ao conjunto das instituições bancarias e de crédito e a forma pela qual são percebidas por seus clientes atuais ou potenciais em termos de sua receptividade. Por

20

A este respeito ver Relatório de Inclusão Financeira 2011 do BCB, p. 69

Page 31: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

31

antecipação pedimos ao leitor atenção para as informações sobre as margens de erro das respostas tal como contidas nas notas explicativas das tabelas 30 e 31.

Nossa pesquisa indagou aos entrevistados se estes concordavam com um conjunto de 8 assertivas que lhes foram apresentadas acerca de como se sentiam fisicamente e emocionalmente nas distintas instituições de intermediação financeira. Vamos nos ater às respostas dadas ao modo pelo cada entrevistado se sentiu no interior de bancos privados e de bancos públicos.

Como seria mais ou menos razoável se supor, o maior incômodo revelado pelos entrevistados disse respeito ao tamanho das filas de espera. Deste modo, este problema se fazia presente para 92,1% dos frequentadores de estabelecimentos bancários privados e para 93,1% dos frequentadores de estabelecimentos bancários públicos. Quando se decompõe os mesmos dados pelos grupos de cor ou raça, verifica-se generalizadas reclamações tanto nos estabelecimentos públicos, como nas instituições bancarias privadas. Não obstante, as maiores queixas foram prestadas por MEIs brancos e as menores pelos MEIs pretos.

Seis em cada 10 MEIs afirmaram ter receio de não serem bem atendidos no interior de uma instituição financeira do setor privado. Este percentual foi ligeiramente inferior quando a resposta tinha como referência os bancos públicos (62,4%). Em relação a este tipo de queixa, quando se decompõe os dados pelos grupos de cor ou raça verifica-se que o receio de não ser bem atendido, tanto nas instituições privadas como nas públicas, era mais frequente entre os MEIs pardos, seguidos de perto pelos MEIs pretos e, mais distante, pelos MEIs brancos.

Para a maioria dos MEIs entrevistados há uma percepção de que os bancos discriminam as pessoas (não necessariamente por conta da cor ou raça). Neste caso o percentual mais elevado foi percebido junto aos bancos privados (58,5%) do que junto às instituições públicas (53,3%). A decomposição da percepção de discriminação dos estabelecimentos financeiros públicos e privados sobre as pessoas (de novo salientando-se que não necessariamente a discriminação de cor ou raça) foi outra vez mais intensamente percebida pelos MEIs pardos, seguidos de perto pelos MEIs pretos e, mais longinquamente, pelo MEis brancos.

Page 32: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

32

Entre os entrevistados no seu conjunto, o ambiente bancário é motivo de constrangimento para 39,3% dentro de um estabelecimento bancário público e de cerca de 1/3 dentro de um estabelecimento bancário privado. Quando indagou-se aos MEIs brancos se estes se sentiam constrangidos no interior de estabelecimentos bancários privados e públicos, estes concordaram em proporções respectivas de 31,7% e 29,0%. Estes dados foram assemelhados às respostas dos pardos nas instituições públicas (29,3%), porém abaixo da percepção deste contingente no que tange aos estabelecimentos privados (37,8%). Sem embargo, neste quesito foram os MEIs pretos que verbalizaram maior sensibilidade. Assim, entre os empreendedores deste último grupo, a sensação de constrangimento afetava 51,7% quando estavam em estabelecimentos públicos e 44,7% quando se encontravam em instituições privadas.

A sensação geral de deslocamento dentro de um estabelecimento bancário foi assinalado por 43,0% dos MEIs quando dentro de um estabelecimento privado e por 34,9% quando estavam dentro de um estabelecimento público. Quando decomposto pelos grupos de cor ou raça, a sensação geral de deslocamento foi curiosamente mais presente entre os MEIs brancos, do que entre os MEIs pretos e pardos, sendo tal realidade sentida tanto nas instituições financeiras privadas, quanto nas públicas. Na verdade, dentre as alternativas apresentadas, a sensação de deslocamento e o incômodo com o tamanho das filas, foram as duas únicas alternativas de respostas nas quais os MEIs brancos, na comparação com seus colegas MEIs pretos e pardos, revelaram maiores percentuais de desconforto.

Cerca de 1/3 dos MEIs entrevistados sentiam que lhes olhavam estranhos dentro de um estabelecimento bancário privado. No caso dos bancos públicos este percentual era, conquanto um pouco menor, não menos expressivo: 27,3%. A desagregação do mesmo indicador pelos grupos de cor ou raça mostrou que os maiores percentuais de aborrecimentos se deram junto aos MEIs pretos. Assim, entre os empreendedores deste grupo, tal realidade se fez presente para 45,1%, nos estabelecimentos públicos e em 37,5%, nos estabelecimentos privados.

O incômodo com a presença da porta giratória teve a concordância de 37,7% dos entrevistados em relação aos estabelecimentos bancários públicos e em relação a 39,3% dos estabelecimentos bancários privados. Quando analisamos a mesma informação desagregada pelos grupos de cor ou raça vemos que o problema do incômodo com a porta giratória era mais frequente entre os MEIs pretos e pardos, nos estabelecimentos privados (cerca de 40%, frente a 34,1% entre os MEIs brancos). Já nos estabelecimentos públicos quem se revelou proporcionalmente mais sensível ao problema foram os MEIs pardos.

A sensação de claustrofobia foi mencionada por 15% dos MEIs em relação às instituições privadas e por 13,7% em relação às instituições públicas. A decomposição deste indicador pelos grupos de cor ou raça mais uma vez revelou diferenças. Desta forma, dos MEIs brancos, somente 2,8% afirmaram sentir claustrofobia quando no interior de estabelecimentos financeiros privados. Comparativamente, 24,9% dos MEIs pretos e 17,2% dos MEIs pardos concordaram sentir claustrofobia naquele mesmo tipo de instituição. Quando o mesmo indicador é decomposto dentro dos estabelecimentos público verifica-se que 14,5% dos MEIs brancos concordaram sentir claustrofobia, percentual este ligeiramente superior ao dos pardos. Porém, abaixo dos MEIs pretos cujo percentual de sensação de claustrofobia em instituições financeiras públicas chegava a 17,2%.

Page 33: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

33

5.12.c. Avaliação do grau de facilidade de acesso aos serviços financeiros (tabelas 37 e 38)

Na presente subseção serão investigadas as respostas dos entrevistados sobre as suas avaliações acerca do grau de acessibilidade aos serviços financeiros. Assim, entre todos os entrevistados, 46,4% avaliaram que acessar este tipo de serviço era difícil ou muito difícil, ao passo que pouco mais de 1/3 avaliou como sendo fácil.

Os MEIS brancos, proporcionalmente aos seus colegas MEIs pretos e pardos, revelavam menor percentual de respostas avaliando que o acesso aos serviços financeiros era difícil ou muito difícil. Neste quesito as percepções menos otimistas ficavam por conta do grupo dos MEIs pretos, contingente o qual mais da metade avaliou que o acesso ao sistema financeiro era difícil ou muito difícil.

Alternativamente, os MEIs brancos apresentavam maior probabilidade de afirmar que o acesso ao serviços financeiros era fácil (43,3%). Esta alternativa de resposta foi indicada por 34,1% dos MEIs pretos e por 35,1% dos MEIs pardos.

Na tabela 36 se encontram as respostas dos MEIs entrevistados acerca dos motivos pelos quais o acesso aos serviços financeiros eram considerados difíceis. Precisando a informação, no caso, somente respondeu quem anteriormente avaliou o acesso ao mesmo tipo de serviço como difícil ou muito difícil. Desta forma, o principal motivo alegado para a dificuldade do acesso foram as opções que indicavam complicações financeiras: “Por não conseguir comprovar a renda” (59,9%); “Por conta dos altos custos das tarifas bancárias” (55,3%); “Por ter renda considerada insuficiente” (55,3%); “Por já possuir muitas dívidas” (24,1%). A restrição cadastral junto ao SPC / SERASA foi apontado por 38,4% dos entrevistados e a “Ausência de documentação necessária”, por 36,2%.

Quando os dados acima sobre a dificuldade de acesso ao sistema financeiro são analisados decompostos pelos grupos de cor ou raça observa-se que houve um certo movimento convergente no conjunto das alternativas apresentadas.

Porém, os MEIs pretos e pardos, superiormente aos MEIs brancos, convergiram entre si nos quesitos “Por estar com restrição no SPC/SERASA”.

Os MEIs pardos apontaram com mais intensidade que os demais grupos de cor ou raça problemas relacionados a “Por já possuir muitas dívidas” e “Por não ter a documentação necessária”. Já os MEIs pretos apontaram proporcionalmente com maior intensidade o motivo “Por ter renda considerada insuficiente”.

As tabelas 37 e 38 contêm um mesmo exercício. Em ambos os casos se perguntou ao conjunto dos MEIs da amostra sobre a avaliação do grau de dificuldade de acesso das pessoas aos serviços financeiros dadas algumas características individuais, tal como local de nascimento, local de moradia, cor ou raça, aparência física e a forma de se expressar ou sotaque. Perceba-se que em todos estes casos se apresentam possibilidades de produção de estigmas sociais derivados daquele conjunto de condições.

Por outro lado, o que diferenciou uma e outra tabela foi o fato de que na 37 se perguntava pela auto-avaliação sobre aqueles critérios, ao passo que na tabela 38 se perguntava como as pessoas entendiam a incidência do mesmo problema para as pessoas, ou para a sociedade, em geral.

Page 34: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

34

No conjunto da população amostrada, para 4,5%, o local de nascimento foi identificado como um fator de muita dificuldade para o próprio acesso aos serviços financeiros. O local de moradia foi identificado como fator de muita dificuldade para 13,7%; a cor ou raça para 10,4%; a aparência física para 13,7%; e, a forma de se expressar ou o sotaque para 11,1%.

A decomposição deste indicador acima pelos grupos de cor ou raça revela interessantes diferenças. Assim, para os MEIs brancos nenhuma das variáveis listadas na tabela 37 superaram os 10% em termos da auto-avaliação de dificuldade de acesso aos serviços financeiros. No que tange aos MEIs pardos, invariavelmente estes apresentaram maior intensidade que os MEIs brancos em termos da avaliação das próprias dificuldades para acessar os serviços financeiros. Mas, de qualquer forma, quando comparado às respostas dos MEIs pretos pode-se dizer que estes formaram um grupo intermediário em termos da auto-percepção da importância dos fatores pessoais para o acesso a este tipo de serviço.

Deste modo, no caso dos MEIs pretos ocorria justamente o contrário do que se deu entre os MEIs brancos. Assim, os empreendedores daquele primeiro grupo avaliaram que era motivo de muita dificuldade o próprio acesso aos serviços financeiros por conta da cor ou raça (para 24,4%); a aparência física (para 22,9%); o sotaque ou forma de expressar (19,3%); o local de moradia (para 18,8%) e o local de nascimento (para 5,9%).

Sugestivamente, quando a mesma questão era remetida não à própria avaliação do grau de dificuldade pessoal para acessar os serviços financeiros, mas à avaliação que se fazia para os indivíduos na sociedade como um todo as respostas obedeciam um outro padrão.

No conjunto da população entrevistada o peso relativo dos que acreditavam que o local de nascimento influenciava muito a capacidade de uma dada pessoa acessar o sistema de crédito era de 12,8%. Apesar do percentual de adesão dos MEIs pretos a este ponto de vista ter sido um pouco superior aos demais, neste quesito, a proporção dos que compartilhavam deste ponto de vista era fundamentalmente convergente entre os distintos grupos.

A percepção de que o local de moradia afetava a capacidade das pessoas acessem os serviços financeiros foi de quase 30% para toda amostra. Neste quesito os MEIs brancos e pardos praticamente apresentaram percentuais idênticos em termos de seu ponto de vista (no entorno de 27%). Contudo, os MEIs pretos apresentaram maior percentual de concordância com este ponto de vista (35,3%).

Na verdade o padrão convergente entre os MEIs brancos e pardos igualmente se repetia nas avaliações existentes sobre a elevada influência que a cor ou raça, aparência física e o sotaque ou maneira de se expressar exerciam sobre a capacidade

Page 35: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

35

de uma dada pessoa na sociedade como um todo obter acesso ao sistema de crédito. Também ocorreu destes entrevistados terem maior propensão a identificar este problema para as pessoas em geral do que para si mesmos baseados em sua experiência pessoal.

De qualquer modo, tal como o local de nascimento e moradia, os MEIs pretos apresentavam maior probabilidade de reconhecerem grande interferência das variáveis cor ou raça, aparência física e o sotaque ou maneira de se expressar em termos de sua capacidade de acesso aos serviços financeiros. Estes dados, na verdade, denotam razoável coerência com o padrão de resposta dada pelos integrantes deste grupo em termos da percepção da presença da discriminação de cor ou raça e de outras origens sobre as suas próprias vidas e na dinâmica da sociedade no seu conjunto tal como já comentado.

6. Considerações finais

A aplicação de modelos de escolha qualitativa nos resultados de nosso levantamento de campo mostrou que a necessidade de acesso ao crédito produtivo para aqueles que não o utilizaram era afetado pelas seguintes variáveis: escolaridade; o número de dias de funcionamento do estabelecimento; local de residência; ser de cor ou raça preta.

Ou seja, ao se analisar o tema das assimetrias de cor ou raça em termos do acesso ao sistema financeiro é preciso evitar uma abordagem reducionista do problema deixando-se de incluir nas abordagens, variáveis que poderiam ser descritas como estruturais do problema. Isto vale tanto para a dimensão analítica, quanto para a parte da formulação das políticas públicas.

Assim, das quatro variáveis que aumentavam a chance de um MEI se encontrar em uma situação de não utilizar o crédito precisando do recurso; três podem ser definidas de natureza estrutural (escolaridade, dias de funcionamento, local de residência). Estas três variáveis somadas ampliavam a chance de um MEI que não utilizou o crédito ter precisado do recurso em mais de 30 pontos percentuais. Se utilizarmos estes dados para a formulação de políticas públicas, veremos que é muito importante a existência de ações afirmativas que englobem o conjunto dos MEIs de menor escolaridade, com maiores dificuldades para um funcionamento permanente de suas atividades, bem como os residentes na região Nordeste.

De qualquer forma, considerando o eixo principal deste estudo, é igualmente mencionarmos o fato de que também o fato de um MEI ser de cor ou raça preta amplia a sua chance deste não utilizar o crédito mesmo precisando do recurso. O peso relativo desta causa específica sobre a variável independente não era maior que as demais conjuntamente. Mas ainda assim era robusta o suficiente para se tornar visível mesmo após controle estatístico. E esta informação de algum modo reforça o conjunto de estatísticas descritivas sobre o acesso dos grupos de cor ou raça ao sistema de crédito produtivo, tal como veio sendo levantado ao longo deste estudo. Os dados obtidos a partir da pesquisa Acesso dos empreendedores afro-brasileiros ao sistema de crédito, portanto, sugerem a presença de desigualdades de cor ou raça no que tange à capacidade de mobilização de empréstimos financeiros por parte dos MEIs para a viabilização de suas atividades econômicas. Isto malgrado outras variáveis que possam ser utilizados para a compreensão do comportamento dos dados.

Page 36: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

36

De fato, na comparação com os MEIs pretos e pardos, os MEIs brancos, além de terem apresentado melhores condições socioeconômicas e de gestão de seus estabelecimentos, demandavam e obtinham crédito em maior volume, pagavam juros menores, apresentavam menor taxa de inadimplência e atraso no pagamento das parcelas e apareciam com menores proporções de desalentados quanto ao acesso ao crédito produtivo. Do mesmo modo, as avaliações dos MEIs brancos sobre desconforto dentro de estabelecimentos bancários, dificuldades de acesso aos financiamentos para a produção, assim aos serviços financeiros em geral, eram mais favoráveis do que os prognósticos dos seus colegas MEIs pretos e pardos em seu conjunto.

Ao fazermos estas considerações é preciso destacar que os apontamentos do parágrafo estão baseados apenas em estatísticas descritivas, não tendo sido feito um teste econométrico específico para se avaliar a maior probabilidade de acesso dos bancos ao crédito produtivo. Isto não foi feito porque os dados colhidos em nossa pesquisa se basearam em informações geradas pelos próprios MEIs; não em dados produzidos pelos bancos fundamentados nos resultados dos contratos de crédito que foram estabelecidos. Portanto, a rigor, não se pode afirmar que as diferenças observadas nos respectivos indicadores tenham sido produzidas por efeito de preconceito ou discriminação, ou mesmo por discriminação econômica. De qualquer forma, em que pese as limitações comentadas, os dados produzidos abrigam uma razoável coerência entre si. Isto, no mínimo, sugere que novos esforços possam ser produzidos para uma avaliação mais precisa sobre se, realmente, os MEIs brancos apresentam condições mais favoráveis de acesso aos empréstimos para produção do que os MEIs pretos e pardos.

Ao se produzir as conclusões acima, estamos longe de afirmar que os MEIs brancos não enfrentem diferentes formas de problemas acessar o crédito produtivo ou que não devam merecer a devida atenção por parte dos formuladores de políticas públicas na sua qualidade de MEI em geral. Mas, sim, o que destacamos é que das estatísticas descritivas contidas no presente levantamento encontramos coerentes indícios no sentido que os MEIs brancos enfrentavam problemas para o acesso ao crédito produtivo em níveis intensidade comparativamente menores aos verificados em relação aos grupos dos MEIs pretos e pardos. E tais diferenças, uma vez efetivamente comprovadas, não poderiam ser tomadas como um fato social de menor relevância.

Ao longo de nossa pesquisa, em diversos indicadores socioeconômicos e de percepção sobre o acesso ao sistema financeiro de crédito, os MEIs pretos e os MEIs pardos apresentaram indicadores razoavelmente próximos e mutuamente distantes dos dados dos MEIs brancos. Entre outros possíveis indicadores, podemos incluir nesta lista: o acesso a um contador para controle contábil do empreendimento, necessidade do crédito para o capital de giro, situação de atraso ou inadimplência no pagamento de dívidas, desconforto com o ambiente bancário em geral, incômodo com a porta giratória e as dificuldades percebidas de acesso ao sistema financeiro no seu sentido mais geral. Neste sentido, esta coerência entre os respectivos indicadores poderia nos levar a um reforço das perspectivas analíticas que compreendem as assimetrias de cor ou raça no Brasil desde uma ótica binária, ou seja: brancos, de um lado, e, pretos e pardos, conjuntamente, de outro.

Por outro lado, quando pensamos nos dados apresentados pelos MEIs pretos e pelo MEIs pardos somos levados a reconhecer que nem sempre a forma assumida por esta assimetria foi convergente ou unívoca. Antes de apresentarmos a longa lista onde as diferenças dos indicadores dos MEIs pretos e dos MEIs pardos se apresentaram diferenciados, talvez seja mais razoável mencionar somente as informações que

Page 37: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

37

formavam o eixo de nosso trabalho que era justamente o acesso ao crédito produtivo. Assim, desconcertante que seja, não raramente os indicadores dos MEIs pardos de acesso ao crédito pareciam caminhar mais de encontro às informações dos MEIs brancos (em alguns momentos até sendo melhores, tal como visto, por exemplo, quando vimos os dados da taxa de liberação integral de crédito) do que das informações dos MEIs pretos.

No mesmo rumo, mais uma vez lembramos que no modelo de escolha qualitativa aplicada neste estudo observou-se que, no caso do MEI ser de cor ou raça preta, ocorria uma ampliação em 14,5 pontos percentuais da probabilidade não utilização do crédito produtivo mesmo se precisando do recurso. O mesmo efeito não se fez verificar quando o mesmo exercício era realizado especificamente para os MEIs pardos, o que, certamente, reforça as suposições das diferenças existentes entre os dois grupos, não apenas neste indicador, mas no conjunto de informações relacionadas às chances de acesso ao crédito produtivo.

Coerentemente, o se analisar especificamente os indicadores dos MEIs pretos observou-se que estes apresentaram maior sensibilidade para o problema da discriminação de cor ou raça, inclusive quando do contato ou busca pelos serviços financeiros. Destarte, não deixa de ficar no mínimo sugerida a existência de uma elevada coerência no conjunto de indicadores de acesso ao sistema de crédito por parte dos MEIs pretos, sinteticamente marcados: por pedidos financeiros de menor monta (possível efeito teto de vidro), menor taxa de liberação dos empréstimos solicitados, maior percentual de racionamento de crédito, menores quantias médias de valores liberados e menor proporção de valores solicitados frente ao que foi efetivamente solicitado. Do mesmo modo chama a atenção para o fato de que os MEIs pretos, comparativamente aos MEIs brancos e pardos, tivessem tido as maiores taxas de desalento, assim como os maiores percentuais de exclusão bruta e líquida de acesso ao crédito produtivo. Em suma, este conjunto de informações parece denotar suficiente coerência entre si, no mínimo justificando um tratamento mais atento dos empresários e das autoridades regulamentadoras do sistema bancário brasileiro para esta questão.

Desta forma, ao analisarmos os dados apresentados pelos MEIs pretos e pelos MEIs pardos em termos do seu acesso ao sistema de crédito produtivo, voltamos aos termos originais de Oracy Nogueira. Assim, segundo este autor, os afrodescendentes de marcas raciais mais intensivamente negras enfrentariam barreiras à sua mobilidade social dos que os de marcas raciais negras menos acentuadas. Transpondo esta lógica para o nosso estudo, e uma vez se aceitando que a cor da pele é um bom descrito de mensuração destas marcas (tal como é o caso feito em geral pelas pesquisas demográficas realizadas no Brasil), verificamos que, realmente, os MEIs pretos apresentaram indicadores de utilização dos financiamentos para a produção em percentuais mais tímidos que os seus colegas MEIs do grupo de cor ou raça pardo.

Alternativamente, minorando de alguma forma um possível maior grau de otimismo quanto aos indicadores dos MEIs pardos no que tange seu acesso ao crédito produtivo; relembramos a ironia de que este contingente arcava com taxas de juros médias mais elevadas que os demais grupos de cor ou raça; isto além de apresentar uma maior proporção de acesso ao crédito através de agentes localizados à margem do sistema formal. Do mesmo modo, os MEIs pardos, na comparação com os MEIs brancos, solicitaram valores médios de empréstimos menores (o valor mediano do indicador foi igual entre os dois grupos), assim como, igualmente, obtiveram valores médios e medianos de financiamentos menores. Assim, mesmo reconhecendo-se que estes dados sejam apenas sugestivos, não haveria motivos para que os empresários e

Page 38: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

38

a autoridade monetária do país não se debruçassem sobre estes mesmos indícios visando uma comprovação desta possível realidade através de novos levantamentos.

As conclusões contidas neste estudo precisam passar por ao menos três ressalvas.

Em primeiro lugar, conforme pudemos destacar na introdução, este estudo continha um elevado teor de pioneirismo. Sem embargo, de alguma maneira este mesmo ineditismo acabou cobrando seu preço. E este se manifestou nas lacunas existentes nos diferentes momentos de desenvolvimento desta pesquisa, incluindo a parte da elaboração e aplicação do questionário de campo. Seria desonesto de nossa parte deixar de destacar que estas dificuldades comprometeram o resultado final deste trabalho. Não fossem estas lacunas, talvez um número maior de conclusões contidas neste estudo pudessem ser de fato peremptórias. Menos mal que desta pesquisa possam ser suscitados novos esforços que consigam superar as dificuldades que enfrentamos, isto além de cobrir uma territorialidade mais abrangente que apenas duas cidades.

A segunda ressalva diz respeito à base de dados que utilizamos na confecção da presente pesquisa. E este problema dialoga com a abrangência geográfica de validade de nossas análises, assim como com os testes estatísticos mais avançados que puderam ser realizados a partir da fonte mobilizada.

Os resultados do presente estudo são válidos apenas para as cidades onde o questionário foi aplicado, ou seja, as cidades do Rio de Janeiro/RJ e Salvador/BA. Isto não implica que o padrão de respostas obtidas não dialogue com outros estudos que já cobriram a realidade nacional como um todo. Mas em sendo verdade tal assertiva, realmente, de nossa parte não há como se garantir que os dados que ora encontramos neste levantamento possam ser expandidos para todo o Brasil. E isto deve ser levado em consideração, especialmente quando formos entrar no mérito das propostas de políticas públicas que, talvez, possam ser aplicáveis tão somente às cidades onde o levantamento foi realizado.

Igualmente consideramos importante insistir que o modo pelo qual o questionário foi produzido, baseado exclusivamente nas percepções dos MEIs em termos do seu acesso ao sistema de crédito produtivo. Tal restrição não nos permitiu afirmações peremptórias sobre a suposta presença da discriminação de cor ou raça quando das tentativas do estabelecimento dos contratos de crédito. Isto pelo singelo motivo de que nosso estudo elaborou perguntas, assim como não incorporou respostas, para os operadores de crédito a respeito do mesmo problema. Esta questão não é apenas formal, antes, consistindo em um alerta fundamental sobre como os resultados contidos na parte empírica deste trabalho podem ser lidos e compreendidos.

Finalmente, a terceira ressalva não aborda exatamente os temas que vieram sendo comentados ao longo deste estudo. Antes, esta ressalva é uma espécie de antecipação às propostas de políticas públicas que virão mais adiante, na verdade, podendo ser entendida como uma forma de introdução a um trabalho mais amplo que pretendemos realizar no futuro justamente contendo estas reflexões.

Conforme já tivemos a possibilidade de mencionar anteriormente, as atuais políticas de Microcrédito Produtivo Orientado (MPO) vieram sendo promovidas desde a perspectiva do combate à pobreza. Como a informalidade é uma das causas desta mazela, as ações voltadas à legalização dos negócios são vistas como um meio por excelência para se garantir a sua inclusão financeira e de se conseguir incrementar o

Page 39: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

39

perfil socioeconômico dos microempreendedores. De qualquer forma, por mais coerente e lógico que seja esta agenda, o fato é quando pensamos em termos da agenda da promoção da igualdade racial, para além de uma política focalizada de combate à pobreza, estamos pensando em um conjunto de medidas que visem tornar o sistema socioeconômico mais justo em termos da distribuição da renda, do acesso aos mecanismos representativos e ao poder simbólico. Como tal, para além de medidas mitigatórias, a agenda da igualdade racial tem uma pretensão mais abrangente; baseada em parâmetros mais razoáveis em termos da distribuição da riqueza produzida e das oportunidades de mobilidade social ascendente.

Neste sentido, uma vez reconhecendo-se a especial relevância das atuais políticas de microcrédito produtivo em todo o país, talvez quando de sua inflexão desde a ótica transversal das políticas de igualdade de cor ou raça possamos gerar novas perspectivas, assim apontando para um modelo de desenvolvimento de perfil caracterizadamente distinto do que herdamos de tempos passados e que, infeliz e desnecessariamente, vieram se prorrogando até os dias atuais.

7. Bibliografia citada

AGIER, I.; SZAFARZ, A. - Subjectivity in credit allocation to micro-entrepreneurs: evidence from Brazil CEB. Working Paper n° 11/016 (May, 2011), Université Libre de Bruxelles, Solvay Brussels School of Economics and Management Centre Emile Bernheim, 18 p. AGIER, I.; SZAFARZ, A. – Microfinance and gender: is there a glass ceiling on loan size? Word Development, vol. 42, 165—181, 2013. AGHION, A; MORDUCH, J. - The economics of microfinance. Massachusetts Institute of Technology Press, 2010, 2nd Ed. ANDO, F. – Capital issues and the minority-owned business. The Review of Black Political Economy, (Spring 1988), pp. 77–109. ARDS; S; MYERS, Jr. – The color of money: bad credit, wealth, and race. American Behavioral Scientist, Vol. 45, n° 2, (Oct. 2001), pp. 223-239. ASIEDU, E.; FREEMAN, J; NTI-ADDAE, A. – Access to credit by small business: how relevant are race, ethnicity and gender? American Economic Review: Papers & Proceedings, 2012, 102(3), p.p. 532-537. BATES, T.; BRADFORD, W. - Venture-capital investment in minority business. Money, Credit and Banking, vol. 40, n. 2-3, 2008, pp. 489-505. BATES, T.; BRADFORD, W.; RUBIN, J. - The viability of the minority-oriented venture-capital industry under alternative financing arrangements. Economic Development Quarterly, n° 20, 2006, pp. 178-191. BATES, T.; JACKSON, W.; JOHNSON Jr, J. - Advancing research on minority entrepreneurship. In Annals of the American Academy of Political and Social Science, Vol. 613, (Sep., 2007), pp. 10-17.

Page 40: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

40

BELLUCCI, A.; BORISOV, A.; ZAZZARO, A. - Does gender matter in bank–firm relationships? Evidence from small business lending. Journal of Banking & Finance, 34 (2010), pp. 2968–2984. BLACHFLOWER, D.; LEVINE, P.; ZIMMERMAN, D. - Discrimination in the small-business credit market. The Review of Economics and Statistics, Vol. 85, n° 4 (Nov., 2003), pp. 930-943. BLACK, H.; SCHWEITZER, R.; MANDELL, L. - Discrimination in mortgage lending. The American Economic Review, Vol. 68, Nº 2, Papers and Proceedings of the Ninetieth Annual Meeting of the American Economic Association (May, 1978), pp. 186-191. BLACK, J.; MEZA, D.; JEFFREYS, D. - House prices: the supply of collateral and the enterprise economy. The Economic Journal, Vol. 106, n° 434, (Jan., 1996), pp. 60-75. BLANCHARD; L.; ZHAO, B.; YINGER, B. - Do credit market barriers exist for minority and women entrepreneurs? Syracuse University Center for Policy Research, Maxwell School of Citizenship and Public Affairs Center for Policy Research. Working Paper n° 74, 2005, 55 p. (undocumented paper). BLANK, R; DABADY, M.; CITRO, C. (Eds) - Measuring racial discrimination: panel on methods for assessing discrimination, National Research Council http://www.nap.edu/catalog/10887.html, 2004, 335 p. BOSTON, T. - Trends in minority-owned businesses. In SMELSER; N.; WILSON, J.; MITCHELL, F. (Eds.) - America becoming: racial trends and their consequences. National Research Council, vol. II, 2001, pp. 191–221. CAVALUZZO, K.; CAVALLUZO, L. – Market structure and discrimination the case of small business. Journal of Money, Credit and Banking, Vol. 30, n° 4, (Nov., 1998), pp. 771-792. CAVALUZZO, K.; CAVALLUZO, L.; WOLKEN, J. - Competition, small business financing, and discrimination: evidence from a new survey. The Journal of Business, Vol. 75, n° 4 (Oct, 2002), pp. 641-679. CAVALUZZO, K.; WOLKEN, J. – Small business loan turndowns, personal wealth and discrimination. The Journal of Business, vol. 78 (6), (Nov., 2005) pp. 2153-2178. CLOUD, C.; GALSTER, G. – What do we know about racial discrimination in mortgage markets? The Review of Black Political Economy, (Summer 1993), pp. 101-120. DÉSPALLIER, B.; GUÉRIN, I; MERSLAND, R. – Gender bias in microfinance. Working Paper 2009-4 (Rural Microfinance and Employment project – RUME). 39 p. FEDERAÇÃO BRASILEIRA DOS BANCOS – Responsabilidade social e sustentabilidade: valorização da diversidade no setor bancário. http://www.febraban.org.br/7rof7swg6qmyvwjcfwf7i0asdf9jyv/sitefebraban/mario_sergio_febraban.pdf, 2008, 29 p.

Page 41: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

41

FERGUSON, M.; PETERS, S. – What constitutes evidence of discrimination in lending? The Journal of Finance, Vol. 50, n° 2 (Jun., 1995), pp. 739-748. FIGUEIREDO, A. – Classe média negra: trajetórias e perfis. Salvador: EDUFBA, 2012. FREITAS, L. - Comparação das funções de ligação logit e probit em regressão binária considerando diferentes tamanhos amostrais. Viçosa: UFV. (dissertação de mestrado), 2013, 43 p. FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR / SP – Discriminação étnico-racial nas relações de consumo: perfil e percepção do consumidor afrodescendente, PROCON/SP, novembro 2009, 18p. FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR / SP – Discriminação étnico-racial nas relações de consumo: perfil e percepção do consumidor afrodescendente, PROCON/SP, novembro 2009, outubro 2010, 10p. HUNTER, W.; WALKER, M. – The cultural affinity hypothesis and mortgage lending decisions. Journal of Real State Finance and Economics. 13, 1996, pp. 57-70. KON, Y.; STOREY, D. – A theory of discouraged borrowers. Small Business Economics, Vol. 21, n° 1 (Aug., 2003), pp. 37-49. KUMAR, S. – Does access to formal agricultural credit depend on caste? World Development, vol. 43, p.p. 315-328, 2013. LABIE, M.; MÉON, PG.; MERSLAND, R.; SZAFARZ; A. – Discrimination by microcredit officers: theory and evidence on disability in Uganda. Document du travail, Working Paper n°11-06 (Research Series). Université Libre de Bruxelles, 35 p. ORHAN, M. – Women business owners in France: the issue of financing discrimination. Journal of Small Business Management, 39 (1), 2001, pp. 95–102. PIRAS, C., PRESBITERO, A.; RABELLOTTI, R. - Definitions matter: measuring gaps in firms access’ to credit. IDB, Discussion paper, nº IDB-DP-314, October, 2013, 27 p. RATURI, M.; SWAMY, A. – Explaining ethnic differentials in credit market outcomes in Zimbabwe. Economic Development and Cultural Change, Vol. 47, n° 3 (Apr.,1999), pp. 585-604. ROSS; S.; YINGER, J. – The color of credit: mortgage discriminations, research, methodology and fair-lending enforcement. American Behavioral Scientist, vol. 45, Nº. 2, October 2001 223-239. ROSSETTO, I. (2006) – Economia solidária e igualdade racial: contribuições para a construção de um diálogo. Rio de Janeiro: IE/UFRJ (dissertação de mestrado em Economia), 162 p. SANTOS, G.; SILVA, M. (orgs.) - Racismo no Brasil: Percepções da discriminação e do preconceito racial no século XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.

Page 42: Acesso ao crédito produtivo pelos ... - Instituto de Economia · pesquisa de campo com um cenário mais amplo, tanto em termos teóricos, como em termos históricos, neste caso procurando

42

SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO Á PEQUENA E MÉDIA EMPRESA – Empreendedor individual: pesquisa e perfil. Brasília: SEBRAE, 2011a, 30 p. SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO Á PEQUENA E MÉDIA EMPRESA, BAHIA. Empreendedor individual: pesquisa e perfil. Brasília: SEBRAE, 2011b, 30 p. SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO Á PEQUENA E MÉDIA EMPRESA, RIO de JANEIRO. Empreendedor individual: pesquisa e perfil. Brasília: SEBRAE, 2011c, 48 p. SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO Á PEQUENA E MÉDIA EMPRESA, RIO de JANEIRO. Empreendedor individual: pesquisa e perfil. Brasília: SEBRAE, 2013a, 54 p. STIGLITZ, J.; WEISS, A. – Credit rationing in markets with imperfect information. The American Economic Review, vol. 71, n° 3 (Jun, 1981), pp. 393-410. STOREY, D. - Racial and gender discrimination in the micro firms credit market?: evidence from Trinidad and Tobago. Small Business Economics n° 23: 2004, pp. 401–422. TREICHEL, M.; SCOTT, J. - Women-owned businesses and access to bank credit: evidence from three surveys since 1987. Venture Capital, vol. 8, n° 1, (Jan. 2006), pp. 51–67. TURNER, M.; SKIDMORE, F. (Eds) - Mortgage lending discrimination: a review of existing evidence. Washington D.C.: The Urban Institute 1999.