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1 Abolição, Abolicionismo, Abolicionistas e Emancipação no Dicionário da Escravidão Negra, de Clóvis Moura 1 Prof. Dr. Cleber Santos Vieira Unifesp Data de 1976 a primeira menção pública sobre o Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. Naquele ano, a folha de guarda do livro O Preconceito de Cor na Literatura de Cordel relacionava uma série de títulos já publicados por Clóvis Moura e outros “a sair”. Publicado em 2004 pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) o Dicionário esperou vinte oito anos até tornar-se uma realidade impressa. Este interregno de quase três décadas incita a formulação de hipóteses que permitam compreender os sentidos da expressão “a sair” no conjunto da produção de Clóvis Moura e, ao mesmo tempo, situar o lugar ocupado pelo Dicionário da Escravidão Negra em sua trajetória intelectual. Quando do anúncio público do Dicionário, Clóvis Moura já era um escritor com projeção suficiente para pertencer aos quadros da União Brasileira de Escritores (UBE). Além de Rebeliões da Senzala (1959) sua obra de maior envergadura editorial e circulação, já havia publicado outros três livros de poesias, Espantalho na feira (1961), Argila de memória (1964), Âncora no Planalto (1964), além de um livro de crítica literária, Introdução ao Pensamento de Euclides da Cunha (1964). Ademais, a esta altura, seu nome destacava-se nos meios jornalísticos paulists tendo desempenhado importantes funções nos principais órgãos de impressa. Mas foi sobretudo com a marca de historiador dos quilombos que Clóvis Moura alcançou notoriedade nas redes de sociabilidades intelectuais e políticas. Cabe destacar ainda que o momento de anúncio do Dicionário coincide com a criação do Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA), em 1975, do qual Clóvis Moura foi sócio-fundador e presidente até 2003 (VIEIRA, 2017). Desde 1975, Clóvis Moura encontrava-se empenhado na criação e consolidação do IBEA, em torno do qual desenvolveu diversos cursos, seminários e projetos de pesquisa sobre o negro brasileiro constituindo, por isso, em fator de extrema relevância para a compreensão da sua produção intelectual. Nesse sentido, é possível interpretar os anunciados títulos ‘no prelo’, 1 Trabalho realizado com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo nº 2016/20111-0, no âmbito de projeto de maior escopo sobre a obra de Clóvis Moura.

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Abolição, Abolicionismo, Abolicionistas e Emancipação

no Dicionário da Escravidão Negra, de Clóvis Moura1

Prof. Dr. Cleber Santos Vieira

Unifesp

Data de 1976 a primeira menção pública sobre o Dicionário da Escravidão Negra no

Brasil. Naquele ano, a folha de guarda do livro O Preconceito de Cor na Literatura de Cordel

relacionava uma série de títulos já publicados por Clóvis Moura e outros “a sair”. Publicado

em 2004 pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) o Dicionário esperou vinte oito

anos até tornar-se uma realidade impressa. Este interregno de quase três décadas incita a

formulação de hipóteses que permitam compreender os sentidos da expressão “a sair” no

conjunto da produção de Clóvis Moura e, ao mesmo tempo, situar o lugar ocupado pelo

Dicionário da Escravidão Negra em sua trajetória intelectual.

Quando do anúncio público do Dicionário, Clóvis Moura já era um escritor com

projeção suficiente para pertencer aos quadros da União Brasileira de Escritores (UBE). Além

de Rebeliões da Senzala (1959) sua obra de maior envergadura editorial e circulação, já havia

publicado outros três livros de poesias, Espantalho na feira (1961), Argila de memória (1964),

Âncora no Planalto (1964), além de um livro de crítica literária, Introdução ao Pensamento de

Euclides da Cunha (1964). Ademais, a esta altura, seu nome destacava-se nos meios

jornalísticos paulists tendo desempenhado importantes funções nos principais órgãos de

impressa. Mas foi sobretudo com a marca de historiador dos quilombos que Clóvis Moura

alcançou notoriedade nas redes de sociabilidades intelectuais e políticas. Cabe destacar ainda

que o momento de anúncio do Dicionário coincide com a criação do Instituto Brasileiro de

Estudos Africanistas (IBEA), em 1975, do qual Clóvis Moura foi sócio-fundador e presidente

até 2003 (VIEIRA, 2017).

Desde 1975, Clóvis Moura encontrava-se empenhado na criação e consolidação do

IBEA, em torno do qual desenvolveu diversos cursos, seminários e projetos de pesquisa sobre

o negro brasileiro constituindo, por isso, em fator de extrema relevância para a compreensão da

sua produção intelectual. Nesse sentido, é possível interpretar os anunciados títulos ‘no prelo’,

1 Trabalho realizado com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),

Processo nº 2016/20111-0, no âmbito de projeto de maior escopo sobre a obra de Clóvis Moura.

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de Clóvis Moura como parte de uma estratégia editorial e, simultaneamente, da externalização

do esboço de alguns dos projetos sobre a história do negro brasileiro formulados naquele

contexto. Talvez o mais audacioso dentre os muitos projetos editoriais desenhados ou

executados por Clóvis Moura ao longo de sua trajetória. Mas em 1976 o Dicionário da

Escravidão Negra não era nada além de sonhos impressos na folha de guarda de uma

monografia. Aliás, fato reconhecido por ele mesmo anos mais tarde. Ao explicar as

transfigurações de seu plano original de construir uma obra de referência sobre escravidão que

incluísse negros e indígenas, afirmou: “queremos lembrar, no entanto, que, de qualquer

maneira, o objetivo inicial continua válido, especialmente para outros pesquisadores que

queiram completar os nossos sonhos, iniciados na década de 1970, mas somente realizados a

partir de 1988 (...) (MOURA, 2004:11).

Para os termos que delimitam as pesquisas em ciências humanas nos dias de hoje,

considerando os critérios de mensuração que ditam um frenético ritmo de produção acadêmica,

talvez, imaginar 30 anos para a produção de um livro signifique tempo demais, uma verdadeira

eternidade. Daí a importância de situar historicamente a obra epigrafada. Sobre esta questão

escreveu o escritor e advogado Martiniano José da Silva, assíduo correspondente do autor de

Rebeliões da Senzala:

obra rara, oportuna, imprescindível ao Brasil, às Américas e ao Universo – onde

paciência, dedicação, argúcia e coragem intelectuais como as de Clóvis Moura

também não são fáceis de serem vislumbradas, imaginem, igualadas -, podendo

afirmar que são raríssimas nesse tempo de sociedade “mundializada”, inimiga do

silêncio, intensamente apressada, consumista, até irritante, deixando a impressão de

que ruído faz parte da vida. De tão sôfregas, as pessoas querem ser célebres de um

dia para a noite, ou só em alguns dias, nalgum programa televisivo, completamente

diferentes de quem escreveu um Dicionário em trinta anos como Clóvis Moura.

(SILVA, 2014: 22)

Duas efemérides viabilizaram a execução do projeto de pesquisa que resultou na

estruturação e redação final do Dicionário: as comemorações dos 100 e 110 anos da Abolição

recebendo para isso fomento da Fundação Ford no primeiro caso, 1988 e, no segundo, da

Fundação Cultural Palmares, em 1998. Assim, rastrear as aparições e sentidos da palavra

abolição e correlatas em uma obra publicada no contexto de reflexões em torno do processo

abolicionista desponta como passo em direção a interpretação da obra em perspectiva temporal

ampla. Nela, verbetes tornam-se palavras-chave capazes de fornecer elementos para

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compreensão não apenas dos sentidos de cada verbete conferidos pelo autor, mas da densidade

e do lastro bibliográfico de cada um deles.

Tal viés analítico ganha relevância quando incorporadas pistas já lançadas por outros

autores no sentido de se pensar as contribuições do Dicionário da Escravidão Negra às ciências

humanas. No início de 1991, na tentativa de obter fomento junto ao CNPq para a conclusão do

trabalho, Clóvis Moura agregou apoio de renomados intelectuais, tais como Octavio Ianni, José

Roberto do Amaral Lapa, João Batista de Oliveira e Kabengele Munanga. Estes redigiram

cartas de recomendação ao projeto, nas quais deixaram registrados impressões positivas,

notadamente a originalidade e o valor científico da empreitada proposta por Clóvis Moura. Em

sua missiva, datada de 25/03/1991, Octávio Ianni traduziu o significado da obra traçando, ao

mesmo tempo, um caminho metodológico para analisá-la. Remeteu-se à diretoria científica do

CNPq recomendando o projeto do Dicionário ressaltando as qualidades do proponente para a

conclusão da obra com as seguintes palavras:

trata-se de uma obra fundamental para todos os que se empenham em conhecer e

aprofundar suas reflexões sobre o significado da escravatura na formação histórica,

social, econômica, política e cultural do país. Além de sintetizar muito do que já se

estudou e pensou sobre essa problemática, o Dicionário contribuirá para resgatar

fatos e ideias, problemas e interpretações.2

Aos fatos e ideias, problemas e interpretações enunciados por Octávio Ianni, pode-se

acrescentar que a análise do Dicionário permite traçar significativo panorama de sujeitos

históricos e grupos organizados que protagonizaram a história da escravidão brasileira. A

começar pelo advento da abolição, verbete inaugural da obra:

ABOLIÇÃO. ato de abolir alguma coisa. No caso da escravidão, o ato de extinguir

esse sistema de trabalho. Ele podia acontecer ou por meio de um movimento

revolucionário, como no Haiti, ou por meio de uma norma jurídica, como no Brasil.

A Abolição no Brasil efetivou-se em 13 de maio de 1888, por ato da princesa Isabel,

que exercia no momento as funções de Regente do Império. O Brasil foi a última

nação cristã do mundo a abolir o sistema escravo de trabalho pela chamada Lei

áurea, assinada pela princesa Isabel. (MOURA, 2004:15)

A abolição tratada como fato histórico é entrelaçada às ideias que a recobrem movidas

por homens e mulheres em tempos e espaços bem delimitados. Compreender a abolição, então,

2CEDEM-UNESP. Fundo Clóvis Moura. Grupo Produção Intelectual. Dossiê: Projetos e Pesquisas. Pasta Nº02.

Caixa 17.

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corresponde a um problema de natureza histórica no qual as marcas do historiador são

indeléveis. Clóvis Moura interpreta a abolição como um campo de possibilidades deslocando a

análise para o contexto dos acontecimentos, onde sobressaem as disputas das ideias e projetos

em torno do fim do escravismo.

Em sua análise, é indisfarçável a visibilidade conferida a abolição como possibilidade

revolucionária, a exemplo do Haiti, e não por ato normativo, como no Brasil. A estrutura do

verbete inaugural reproduz-se no restante da obra construindo uma narrativa sobre a escravidão

onde fatos e ideias, problemas e interpretações são conjugados harmonicamente ainda que não

linearmente e, não raramente, entrecruzando-se em outras interpretações ou reencontrando-se

em alguns dos outros 799 vocábulos sobre a escravidão ordenados nas letras do alfabeto.

O fim do escravismo haitiano, contraposição inicial ao fim do escravismo brasileiro,

por exemplo, volta à tona na forma de extenso verbete, ocupando quatro páginas (MOURA,

2004: 356-361). Em primeiro lugar, a Revolução do Haiti é apresentada como o movimento de

maior impacto social no conjunto do sistema colonial. Depois, coerente com a construção de

uma obra de referência sobre a história da escravidão brasileira, o autor demonstra a repercussão

do movimento dos negros haitianos no Brasil concluindo que de um lado “havia o medo de

classe senhorial, de outro, há claros indícios de uma real influência da revolução do Haiti entre

os escravos no Brasil”. (MOURA, 2004: 361).

Em termos de estruturação do Dicionário cabe destacar, por fim, que um de seus traços

identitários mais notórios compõe-se pela transcrição integral de documentos históricos. Esta é

a tônica de inúmeros verbetes. Documentos usualmente conhecidos pelos seus nomes genéricos

são apresentados ao leitor em mínimos detalhes, como é o caso da Lei Áurea, e de outros

relacionados ao processo abolicionista, a exemplo de Proibição do tráfico negreiro, Lei do

Ventre Livre, Lei do Sexagenário e até mesmo a abolição de 13 de maio.

Os sentidos históricos da abolição brasileira no Dicionário da Escravidão Negra

ressurgem na precisão conceitual de palavras correlatas. Assim, abolicionistas e

emancipacionistas são tratados como categorias distintas, embora muitas vezes o volume de

informações pareça trair o autor, transformando-as em quase sinônimos. Por abolicionista

entende-se “pessoa ou grupo que simpatizava com a abolição ou atuava no sentido de ver extinta

a escravidão no Brasil” (MOURA, 20004: 16). Enquanto por emancipacionista “pessoa ou

grupo que defendia medidas legais para a extinção gradual da escravidão” (MOURA, 2004:

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145). Donde, portanto, todo emancipacionista ser um abolicionista, posto que pode ser

interpretado como portadores de um dentre os muitos projetos de libertação dos escravos.

Nesta síntese de interpretações há de se destacar a virtude de Clóvis Moura em

descrever episódios históricos citando trechos extensos de robusta bibliografia, inacessíveis ao

público leitor comum. As origens das ideias emancipacionista no Brasil são identificadas na

Representação sobre a Escravidão, escrito em 1823, no qual José Bonifácio de Andrada

propunha a abolição do sistema escravista e a paulatina emancipação dos escravizados. O

documento ocupa vultosas 8 páginas da obra.

Muitos outros protagonistas de alguma forma envolvidos no processo abolicionista

brasileiro são citados por Clóvis Moura. O resultado é um repertório de cerca de uma centena

de nomes: Adelina, Ângelo Agostini, Antonico, José Bonifácio de Andrada, Joaquim Nabuco,

Sebastião Grande de Arruda, Antônio Bento, Afro, Rui Barbosa, Barrabaz, Tobias Barreto de

Menezes, Ramon Emetério Betances, Fausto Cardoso, Eduardo Carigé, Cesário Menezes, José

Mariano Carneiro da Cunha, Antônio de Castro Alves, Chico Rei, José Mariano, João Ramos,

Dr. Gomes de Mattos, Numa Pompilo, Tomás Espiúca D. Leonor Porto, Diogo Mendonça

Magalhães, Antônio Conselheiro, Miguel Herédia, João Cordeiro, João da Cruz e Souza, Maria

Josephina, Mathilda Durocher, Feliciano Bicudo, João Ferreira Granja, José Vila Maria, Maria

Tomásia Figueira Lima, Juvenal Galeno , Luiz Gonzaga Pinto da Gama, Luis de Andrade, Júlio

Lemos, Gonzaga Duque de Estrada, Campos Porto, Leite Ribeiro, Dias da Cruz, Getulino,

Pedro Abues, Gabriel Prestes, Hipólito da Silva, João Vieira de Almeida, Miguel Heredia, Luis

Carlos de Lacerda, Américo Matias, João Cordeiro, Domingos Gomes dos Santos, Antonino

Carlos de Menezes, José Luis Napoleão, Francisco José do Nascimento, Antônio Paciência,

Carlos Vitorino, Coelho Lisboa, José do Patrocínio, Capitão Peixe Frito, Anísio Anísio de Aber,

Álvaro de Souza Mendes, Luis Evandro Teixeira, José Gouveia de Barros, Oliveira Ima, José

Mariano, Estevão Lopes de Castelo Branco, Elvira Pinho, Brandão Júnior, Teixeira Mendes,

Tia Josefa dos Prazeres, Silva Guimarães, Manuel Raimundo Quirino, Rui Barbosa, Martim

Cabral, Irmãos Pamplona, Capitão Vieira, José Carlos Niemyer, André Rebouças, Santos

Garrafão, Domingos Gomes dos Santos, Joaquim Serra, Israel Soares, Abel Trindade,

Aureliano Candido Tavares Bastos, Manuel da Silva, Emiliano Perneta, Olavo Bilac, Luis

Carlos de Lacerda, Aristides Cezar Spínola Zama, Sabino Vieira.

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Derivam daí outros aspectos dignos de registro que são os extensos verbetes cujas

entradas são biografias de políticos tradicionais à exemplo de Andrada, mas também Joaquim

Nabuco e Rui Barbosa. E outros que, senão ocupam tantas páginas concentradas em verbetes,

estão distribuídos ao longo do dicionário como o caso de Luis Gonzaga Pinto da Gama e seus

diversos pseudônimos. Os pseudônimos de Luis Gama - Afro, Barrabaz, Getulino -

transfiguram-se na forma de verbetes. Assim, ao apresentar as metamorfoses do nome Luís

Gama, o autor dilui sua presença em vários momentos do Dicionário, antecipando, assim, a

presença de Luis Gonzaga Pinto da Gama, personagem central na história brasileira.

Outros sujeitos históricos foram descritos a partir de textos canônicos, cuja ação

abolicionista transgrediu temporalidades históricas tradicionais. Deriva daí observações pouco

usuais sobre o abolicionismo no Brasil. Recupera-se, por exemplo, a ideia de que “Chico Rei,

ainda segundo Artur Ramos, foi o primeiro líder abolicionista no Brasil (MOURA, 2004: 100).

E até mesmo figuras religiosas foram interpretadas em suas nuances abolicionistas conforme a

cultura popular afirmando: “mas, de qualquer forma, conforme o exemplo dado por Cascudo,

no caso de Santa Ifigênia a função emancipacionista é evidente”. (Moura, 2004: 194)

Nem mesmo clássicas polêmicas em torno de ícones da cultura negra em suas relações

com a causa abolicionista passaram despercebidas. Assim, a figura de Cruz e Souza é

representada tanto pela grandeza da poesia que o deslocou para uma posição de renome na

história da literatura, quanto pelas relações raciais e suposto absteísmo em relação aos males da

escravidão que teria marcado sua trajetória. Clóvis Moura demonstra erudição, atualiza a

discussão lembrando dos poemas que Crus e Souza dedicou à população negra. Textos

marginalizados mas que, naquele contexto, começavam a ser visitados pela crítica literária e

avança lembrando que o autor de Missal e Broquéis “desde cedo mostrou vocação para as letras

tendo dirigido, de 1883 a 1889, juntamente com Vírgilo Várzea, o jornal abolicionista “Tribuna

Popular” (MOURA, 2004: 120).

A leitura intensiva dos 800 verbetes que compõem o Dicionário permite ainda destacar

mais de três dezenas de grupo abolicionistas3: Movimento Abolicionista do Amazonas,

Associação Protetora dos Escravos, Movimento Abolicionista do Ceará, Club Abolicionista

Ratroní, Clube do Cupim, Clube dos Advogados Contra a Escravidão, , Clube dos Mortos,

Clube José do Patrocínio, Coiteiros, Confederação Abolicionista, Sociedade Abolicionista

3 lista elaborada pelo autor

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“Perseverança e Porvir”, Sociedade Cearense Libertadora, Clube Abolicionista do Brás,

Sociedade Abolicionista Feminina ( o cearense libertador), Grupo Abolicionista Acadêmico,

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São benedito dos Homens Pretos, Clube

Abolicionista Carlos Lacerda, Libertadora Cearense, Movimento Abolicionista, Movimento

Abolicionista Paraíba do Norte, Movimento Abolicionista de Pernambuco, Libertadora

Jaicoense, Teatro Politeama, Sociedade Libertadora Sete de Setembro, Caixa Libertadora José

Patrocínio, Ordem de São Bento, Sociedade Abolicionista Fraternização, Sociedade 02 de

Julho, Sociedade Emancipadora Acadêmica de São Paulo, Sociedade Emancipadora Goiana,

Sociedade Libertadora 07 de setembro, Sociedade Protetora dos Desvalidos, Sociedade

Redentora da Criança Escrava.

E em torno de uma dezena de organizações que empunhavam, em seu nome, a

expressão emancipacionistas e correlatos4: Emancipadora (Sociedade de Mulheres),

Emancipadora Campista, Fundo de Emancipação, Sociedade Emancipadora Campista,

Ypiranga – Sociedade Emancipadora de Crianças, função emancipacionista de Santa Ifigênia,

Junta Francesa de Emancipação, Sociedade Emancipadora, Livro de Emancipação, Caixa

Emancipadora Piauiense.

Cite-se, por fim, os mais de 30 periódicos abolicionistas relacionados por Clóvis

Moura5: O Abolicionista, A Academia, O Artista, O Alioth, Ça Ira, O Coaraci, Coiteiros,

Jornal os Doze Apóstolos da Santa Causa, Revista a Exposição, Gazeta da Tarde, Propaganda

Abolicionista na Grande Imprensa, Grito do Povo, O Guaianá, O Homem: lealdade

constitucional ou dissolução social, Jornais Abolicionistas, Libertadora Cerarense, Radical

Paulistano, Redenção (A Liberdade), Revista Ilustrada, O sete de abril, A Tribuna, Tribuna

Liberal, Verdade, Vida Semanária, Vinte e Cinco de Março( Campo Grande, RJ), Vinte e Cinco

de Março (Pernambuco).

A amplidão dos ‘fatos e ideias, problemas e interpretações’ enunciados por Octavio

Ianni ao recomendar o trabalho de Clóvis Moura, faz do autor do Dicionário da Escravidão

4 lista elaborada pelo autor 5 lista elaborada pelo autor

8

Negra um escritor erudito, manejando vasta bibliografia na construção de seus objetos. No caso

de abolição e correlatos, textos de época são citados, a exemplo de Joaquim Nabuco e o

canônico O Abolicionismo; estudos importantes no campo da historiografia igualmente

canônicos são citados, como é ocaso de Abolição de Emília Viotti da Costa. Todavia, da leitura

intensiva do dicionário, amparada em aportes da história do livro e da leitura, o esquadrinhar

do livro, verbete a verbete, no intuito de compor uma cartografia da abolição, fez emergir um

Clóvis Moura leitor de outro autor, Evaristo de Moraes. Certamente, não apenas o testemunho

da campanha abolicionista e a riqueza da documentação reunidas pelo autor de A campanha

abolicionista fascinou Clóvis Moura, mas também seu engajamento político na causa

abolicionista conforme apresentado em breve biografia elaborada na reedição da obra, em 1986.

(MORAES FILHO,1986).

De fato, a principal referência bibliográfica empregada na construção dos verbetes

abolicionistas chama-se A campanha abolicionista (1879-1888). Este livro foi nominalmente

citado quinze vezes, contribuindo essencialmente para a configuração dos sentidos de ideias,

sujeitos, grupos e instituições em suas relações com fatos históricos do processo abolicionista

brasileiro. Dentre os protagonistas relacionados a partir deste referencial é possível citar:

Antonico (MOURA, 2004: 44); Francisca da Silva Castro (idem, ibidem: 95); Luis Carlos de

Lacerda (idem, ibidem: 234); Capitão Peixe Frito (idem, ibidem: 309); Preto Pio (idem, ibidem:

324); Domingos Gomes dos Santos (idem, ibidem: 373).

Do mesmo modo, dentre as dezenas de ações coletivas mobilizadas contra a escravidão

descritas no Dicionário, Evaristo de Moraes foi a inspiração direta para a apresentação do papel

desempenhado pelos jornais O Abolicionista (p.16) e Gazeta da Tarde (idem, ibidem: 172),

bem como das seguintes organizações abolicionistas: Clube de Advogados Contra a Escravidão

(idem, ibidem: 102); Emancipadora (idem, ibidem: 145); Emancipadora Campista (idem,

ibidem: 145). A inspiração foi determinante para descrever as feições regionais do processo

abolicionista; e também para desenvolver os sentidos históricos dos binômios igreja e abolição,

maçonaria e libertação dos escravos, dentre outros destacando-se as relações entre Igreja

Católica e Escravidão (idem, ibidem: 198). E, por fim, vocábulos que reverberam dois temas

intensamente abordados por Clóvis Moura. Primeiramente os castigos, sevícias e outras formas

de maus tratos impostos pelo sistema escravista à população escravizada, aqui, a partir de

Evaristo Morais, resumidos na palavra Açoite (idem, ibidem: 18). Em segundo lugar, a

9

verdadeira obstinação de Clóvis Moura por fazer do Dicionário um suporte gráfico que leva ao

leitor a íntegra de leis e outros itens que compõem, o corpo normativo do sistema escravista.

Desse modo, a descrição da Lei de 1835(idem, ibidem: 237) expõe as contradições escravismo

e as brechas jurídicas encontradas para a manutenção das punições aos negros que se rebelam

contra o escravismo. Portanto, esta referência parece ter sido o arrimo sobre o qual ergueram-

se outras palavras abolicionistas.

Apesar de sua magnitude enquanto obra de referência singular no tema, o Dicionário

da Escravidão Negra não apresenta de forma organizada as referências bibliográficas ou as

fontes históricas a partir das quais Clóvis Moura construiu cada um dos verbetes. Exceto sobre

A República de Palmares, cujo roteiro bibliográfico apresentado na forma de apêndice consome

quatro páginas e acumula a citação de oitenta e um livros. Seguindo as trilhas traçadas pelo

autor, apresentamos a seguir o roteiro Bibliográfico elaborado a partir de cada um dos verbetes

relacionados a abolição brasileira. É um mapa importante na medida em que oferece aos

interessados nos estudos sobre o abolicionismo, conhecer o roteiro bibliográfico desse

estudioso marxista, mas que apresenta enorme versatilidade na construção do conhecimento e

interpretação de seus objetos de estudo. Apresentamos ainda, após o roteiro bibliográfico, o

índice remissivo construído a partir das palavras Abolição, Abolicionismo, Abolicionistas e

Emancipação.

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Roteiro Bibliográfico (Dicionário da Escravidão Negra do Brasil)

ALBUQUERQUE, A. Tenório. A maçonaria e a libertação dos escravos. Rio de Janeiro:

Aurora, 1970.

ANDRADE, Manuel Correia de. João Alfredo: o Estadista da abolição. Recife: Massangana,

1988.

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SOUZA, Bernardino José. Dicionário da terra e da gente do Brasil. São Paulo: Nacional, 1961.

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Índice Remissivo (Dicionário da Escravidão Negra do Brasil)

Abolição 15, 16, 20, 32, 36, 37, 42, 48, 62, 65, 68, 79, 86, 87, 97, 100, 102, 107, 112, 113, 149,

155, 160, 161, 173, 174, 181, 196, 206, 207, 233, 235, 241, 243, 279, 280, 281, 282, 294, 295,

299, 300, 303, 317, 320, 322, 323, 326, 344, 347, 362, 363, 372, 373, 391, 400, 401, 402, 418,

423, 430.

Abolicionismo 15, 16, 48, 55, 65, 65, 106, 190, 190, 279, 280, 281, 282, 303, 321, 386.

Abolicionista(s) 16, 18, 31, 44, 47, 48, 49, 50, 52, 54, 55, 64, 68, 79, 87, 94, 95, 96, 97, 100,

102, 103, 105, 109, 121, 117, 149, 151, 155, 160, 161, 167, 168, 169, 170, 172, 173, 174, 180,

181, 182, 183, 187, 189, 190, 198, 202, 204, 217, 221, 222, 223, 227, 228, 233, 234, 237, 242,

251, 252, 253, 268, 279, 280, 281, 282, 286, 294, 295, 299, 302, 303, 308, 310, 313, 314, 315,

317, 321, 322, 323, 324, 326, 334, 337, 343, 344, 355, 372, 373, 374, 376, 377, 378, 379, 385,

396, 397, 402, 415, 416, 418, 423, 430.

Emancipação 55, 65, 73, 110, 143, 145, 163, 164, 174, 186, 189, 190, 194, 195, 206, 209, 228,

238, 239, 242, 251, 265, 281, 310, 313, 321, 326, 354, 362, 363, 374, 377, 378, 379, 380, 385,

386.

Referências Bibliográficas

MORAES FILHO, Evaristo. Prefácio. In: MORAES, Evaristo. A campanha abolicionista

(1879-1888). 2ªed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1986. (Coleção Temas

Brasileiros, 60).

MOURA, Clóvis. O Preconceito de Cor na Literatura de Cordel. São Paulo: Ed. Resenha

Universitária, 1976.

MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.

SILVA, Martiniano José. Clóvis Moura, o dicionário da escravidão negra no Brasil. In: Revista

Princípios, n.129, 2014: 21-22. (Encarte: Clóvis Moura: pensador das raízes da opressão e do

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VIEIRA, Cleber Santos. Clóvis Moura e a fundação do IBEA – Instituto Brasileiro de Estudos

Africanistas. Revista da ABPN. v. 9, n. 22 • mar/jun, 2017: p.349-368.