uma anÁlise da escravidÃo e da aboliÇÃo no jornal

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UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS: Meses que antecederam a lei Áurea. (1888) Sálua Francinele Ribeiro 1 RESUMO: Procuramos, neste trabalho, analisar como os debates referentes à abolição e à escravidão apareceram no jornal Gazeta de Notícias. Iniciaremos essa análise no mês de janeiro de 1888, até a instauração da lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888. O intuito é de entender as opiniões dos colaboradores do jornal no que diz respeito às discussões sobre a escravidão e abolição, quem eram as pessoas que publicavam nesse periódico e como as mesmas debatiam, interpretavam e difundiam suas ideias nesse periódico sobre tais assuntos. É de fundamental importância debater se nesses últimos meses de regime escravocrata no Brasil, os escravizados apareciam nesse periódico e se apareciam, de que forma, ou seja, se apareciam apenas como sujeitos passivos diante de todo debate e discussões que norteavam a abolição no Brasil naquele momento, ou se suas disputas cotidianas eram silenciadas por esse periódico. O jornal Gazeta de Notícias encontra-se digitalizado e disponível no site da biblioteca nacional, e essa análise dos meses que antecederam a abolição nos permitirá conhecer um pouco mais sobre o papel da imprensa nesse processo histórico de mudanças no Brasil do século XIX. PALAVRAS-CHAVES: Gazeta de Notícias. Escravidão. Abolição. Escravizados. Imprensa. INTRODUÇÃO: A implementação da imprensa no Brasil, somente ganhou sua produção jornalística e gráfica em 1808, com a chegada da família real. Esse quadro se modificou porque a cidade do Rio de Janeiro destacou-se como corte do Império e como a cidade de maior contingente populacional da época. A imprensa brasileira, com o golpe da maioridade, que viria marcar o início do Segundo Reinado, passou por algumas transformações. A nova estrutura vigente no Brasil se consolidou com o desenvolvimento cafeeiro, do tráfico, o predomínio de um regime absolutista e o fim das rebeliões provinciais. A imprensa, segundo Ana Luiza Martins se dividiu em dois momentos: Iniciava-se também o Império da palavra impressa, com as transformações da economia do café no país e do Segundo Reinado. Podemos pontuar dois momentos: o primeiro, de 1841 a meados da década de 1860, no qual predominou o discurso conservador e áulico, a despeito das costumeiras 1 Mestranda do Curso de Pós Graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Capes. Email: [email protected].

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Page 1: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL GAZETA

DE NOTÍCIAS: Meses que antecederam a lei Áurea. (1888)

Sálua Francinele Ribeiro1

RESUMO: Procuramos, neste trabalho, analisar como os debates referentes à abolição e à

escravidão apareceram no jornal Gazeta de Notícias. Iniciaremos essa análise no mês de

janeiro de 1888, até a instauração da lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888. O intuito é

de entender as opiniões dos colaboradores do jornal no que diz respeito às discussões

sobre a escravidão e abolição, quem eram as pessoas que publicavam nesse periódico e

como as mesmas debatiam, interpretavam e difundiam suas ideias nesse periódico sobre

tais assuntos. É de fundamental importância debater se nesses últimos meses de regime

escravocrata no Brasil, os escravizados apareciam nesse periódico e se apareciam, de

que forma, ou seja, se apareciam apenas como sujeitos passivos diante de todo debate e

discussões que norteavam a abolição no Brasil naquele momento, ou se suas disputas

cotidianas eram silenciadas por esse periódico. O jornal Gazeta de Notícias encontra-se

digitalizado e disponível no site da biblioteca nacional, e essa análise dos meses que

antecederam a abolição nos permitirá conhecer um pouco mais sobre o papel da

imprensa nesse processo histórico de mudanças no Brasil do século XIX.

PALAVRAS-CHAVES: Gazeta de Notícias. Escravidão. Abolição. Escravizados.

Imprensa.

INTRODUÇÃO:

A implementação da imprensa no Brasil, somente ganhou sua produção

jornalística e gráfica em 1808, com a chegada da família real. Esse quadro se modificou

porque a cidade do Rio de Janeiro destacou-se como corte do Império e como a cidade

de maior contingente populacional da época. A imprensa brasileira, com o golpe da

maioridade, que viria marcar o início do Segundo Reinado, passou por algumas

transformações. A nova estrutura vigente no Brasil se consolidou com o

desenvolvimento cafeeiro, do tráfico, o predomínio de um regime absolutista e o fim

das rebeliões provinciais. A imprensa, segundo Ana Luiza Martins se dividiu em dois

momentos:

Iniciava-se também o Império da palavra impressa, com as transformações da

economia do café no país e do Segundo Reinado. Podemos pontuar dois

momentos: o primeiro, de 1841 a meados da década de 1860, no qual

predominou o discurso conservador e áulico, a despeito das costumeiras

1Mestranda do Curso de Pós Graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista

Capes. Email: [email protected].

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vozes dissonantes2; o segundo sobretudo de 1868 em diante, quando da queda

do Gabinete Liberal de Zacarias de Góes e Vasconcelos, que figurou como

porta-voz de credos diversos, reunindo polifonia de falas que pregavam a

liberdade de religião, a emancipação e ou/libertação do escravo, o advento da

república, não sem reverberações da permanência do regime monárquico3.

Sodré salienta também essa periodização descrita por Martins, caracterizando

que a maioridade é simultânea a hegemonia dos grandes latifundiários da corte, e que

esses almejavam que a imprensa contribuísse para que suas ideias pautadas sob um

sistema escravista e latifundiário fossem disseminadas, mas também destaca que havia

jornais politicamente engajados que não serviam a essas ideias4. Martins aponta que a

partir dos anos de 1868, com a queda do gabinete de Zacarias de Góes, houve mudanças

significativas na imprensa, Sodré também destaca essas mudanças, mas a partir do ano

de 1862, no qual há agitação política na imprensa, destacando as ideias sobre o fim da

escravidão, o advento do republicanismo e o fim da Guerra do Paraguai. Os anos

sessenta, portanto, foram marcados por denúncias e reformas no Brasil:

Uma série de acontecimentos no exterior ajudou a estimular as atitudes

reformistas da década de 1860. A libertação dos escravos nos impérios

português, francês e dinamarquês, a dos servos russos em 1861 e a Guerra

Civil nos Estados Unidos deram à questão da escravatura do Brasil, uma

urgência que não se verificara desde o final da luta em 1851, para acabar com

o tráfico africano de escravos5.

Outra mudança significativa foi o aumento da população entre o período de 1870

e 1890, devido principalmente ao afluxo de imigrantes e libertos. O Rio de Janeiro

como núcleo comercial e industrial, com a maior rede ferroviária nacional, detém todas

as condições para o estabelecimento de uma empresa nos moldes empresariais. Em

1874, com o desenvolvimento do sistema telegráfico, instala-se no Rio de Janeiro a

2Todavia, Martins nos aponta que mesmo no período que ela classifica como: jornalismo áulico, não

encontramos na imprensa um quadro conciliador, ou seja, há dissonâncias, já que a política e a imprensa

se conjugam a serviços dos partidos, conservador ou liberal atrelados a grupos familiares, interesses

econômicos e afinidades intelectuais. Não estamos falando de uma imprensa instrumentalizada, que serve

apenas aos interesses da economia cafeeira e escravista, mas de uma imprensa na qual havia jornais de

confronto, fruto da política partidária, havia panfletários ousados, que sob o anonimato denunciam

mazelas e propunham rupturas, há denúncias permanentes através da ilustração caricata do cotidiano do

Império. MARTINS, Ana Luíza. Imprensa em Tempos de Império. Em: MARTINS, Ana Luíza e DE

LUCA, Tânia Regina. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 48-49. 3 MARTINS, Ana Luíza. Imprensa em Tempos de Império. Em: MARTINS, Ana Luíza e DE LUCA,

Tânia Regina. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. P. 47. 4 SODRÉ. Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4ª edição. Editora Mauad. P. 182. 5 CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. 1850-1888. Rio de Janeiro/Brasília:

Civilização Brasileira/INL, 1975. P. 88-89.

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primeira agência de notícias: A Havas. O jornal Gazeta de Notícias, por exemplo, passa

a publicar em seu jornal os telegramas internacionais.

Segundo Asperti há uma característica que permitiu aos cariocas o título de

capital jornalística da época, além de ser a cidade de maior contingente populacional do

período, havia na cidade do Rio de Janeiro um grande número de romancistas, críticos,

dramaturgos e poetas, que contribuíram com textos de vários tipos para os periódicos6.

Asperti nos diz que:

A clara interdependência entre homem de letras e jornalismo é imposta

basicamente pelo fato de que, com a consolidação da imprensa no Brasil, o

trabalho jornalístico dos literatos representava sua principal fonte de renda, já

que a publicação de seus livros em volume não alcançava o grande público e

conseqüentemente não gerava proventos dignos aos escritores. Mesmo com a

já consolidada relação cooperativa entre os literatos, bem representada pela

Academia Brasileira de Letras, fundada por Machado de Assis ainda em 1897

e pela lei dos direitos autorais nascida em 1898, a vida de escritor sustentado

apenas pelos seus livros ainda era uma utopia num Brasil de analfabetos;

todavia, o trabalho no jornalismo literário era imprescindível não só para a

sobrevivência financeira do poeta como também para a divulgação de seu

nome e do seu trabalho ao grande público leitor dos periódicos. Nomes

respeitáveis da literatura e do meio cultural nacional desejavam ardentemente

as páginas da Gazeta de Notícias; realizaram esse desejo Coelho Neto,

Aluísio Azevedo, Pardal Mallet e José do Patrocínio, dentre outros.

Os dirigentes dos principais jornais do século XIX eram, segundo Barbosa, de

famílias abastadas, ligadas aos grupos agrários dominantes no cenário do Império ou

filhos de pais advogados, engenheiros e médicos. Esses homens que dirigem os jornais

também são advogados e médicos. Henrique Chaves, redator-chefe da Gazeta de

Noticias era advogado, Ferreira de Araújo, um dos fundadores da Gazeta de Notícias,

por sua vez era formado em medicina7.

Segundo Sodré o acontecimento jornalístico de 1874 será o aparecimento da

Gazeta de Notícias8, fundado por Ferreira de Araújo, Henrique Chaves, Manoel

Carneiro e Elísio Mendes. Para Sodré, Ferreira de Araújo era “homem de iniciativas

saneadoras, tendo reformado a imprensa do seu tempo, para dar espaço à literatura e às

grandes preocupações9”.

Sem dúvida alguma, a Gazeta era um periódico que debatia assuntos cotidianos,

bem como arte, literatura e assuntos políticos, como trocas ministeriais, discussão de

6ASPERTI. Clara. A vida carioca nos jornais: Gazeta de notícias e a defesa da crônica. Revista

Contemporânea ,N7 | 2006.2, do grupo de pesquisa Comunicação, Arte e Cidade da Faculdade de

Comunicação Social da UERJ. 7 Ibid., p. 144. 8 WERNECK. Sodré, Nelson. op., cit. p. 224. 9 Ibid., p. 224.

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projetos do Império, como a questão da escravidão, bem como sobre teorias raciais,

darwinismo etc. Podemos considerar que “a grande revolução gerada pela inauguração

da Gazeta de Notícias foi fruto de seu estilo “barato, popular, liberal, vendido a

quarenta réis o exemplar10”.

Pereira nos traz exemplos de algumas inovações feitas pela Gazeta e um dos

seus fundadores. Em 1874, Ferreira de Araújo ansiava por aumentar a circulação do

jornal, para que o mesmo atingisse todas as camadas da população e não apenas uma

camada específica, pois até então as folhas eram vendidas apenas em casas de comércio

e livrarias, que geralmente eram freqüentadas por aqueles que tinham interesse pelas

letras. Por isso, a Gazeta inaugurou o sistema de vendas avulsas pela cidade. Dentre

outras inovações, Ferreira de Araújo se propôs a transformar os textos do jornal, que

passaram a ser de leitura mais fácil do que seus concorrentes, além de apoiar cada vez

mais a publicação de textos literários. Uma última inovação, apontada por Pereira, era o

preço do periódico, mais barato do que de costume, devido ao bom aproveitamento

publicitário da folha11.

Em pouco tempo a Gazeta conseguiu estar entre um dos periódicos líderes no

Rio de Janeiro e chegou a ser saudado por jornais concorrentes12. Ramos destaca duas

características importantes do jornal:

Defendendo o ideal de modernidade, a Gazeta ficou conhecida pelo seu

constante incentivo à literatura, sua preferência por textos cada vez mais

simples e ligeiros, e pelo discurso da imparcialidade e da neutralidade

política, principalmente na política partidária, em contraste com muitos

outros periódicos do séc. XIX, cuja atuação partidária era inequívoca,

incentivou uma constante e significativa popularização do trabalho literário,

fazendo da presença dos homens uma das principais atrações do jornal13.

A Gazeta foi um jornal que se diferenciou de outros periódicos do século XIX,

pois não defendia nenhum partido político, mas é importante destacar que essa suposta

“neutralidade política” tão almejada e defendida pela Gazeta não quer dizer que o jornal

não percebia os acontecimentos, principalmente políticos, de forma crítica. Nas crônicas

10 Ibid. 11 PEREIRA. Leonardo, A. de Miranda. O carnaval das letras: Literatura e folia no Rio de Janeiro do

século XIX. Editora Unicamp. p. 19. Segundo Pereira, A Gazeta de Notícias , em 1881, era vendida a 40

réis, preço que passa a ser adotado também pelos outros grandes jornais que surgiam no período, como O

Paiz e o Diário de Notícias. Sua tiragem, no mesmo ano, era de 24.000 exemplares, enquanto a do jornal

O Paiz, em 1885, era ainda de 15.000. 12 Ibib., p. 20. 13 RAMOS, Ana Flávia Cernic. Política e Humor nos últimos anos da monarquia: a série “Balas de

Estalo” (1883-1884). Dissertação de Mestrado em História: Unicamp, 2005.

Page 5: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

que contavam com a participação de Araújo e em colunas, como “Cousas Políticas”,

assinadas pelo próprio Ferreira de Araújo, encontramos críticas ao regime monárquico,

propostas de reforma religiosa e o debate sobre a substituição do trabalho escravo pelo

assalariado. Mas, como aponta Ramos, “essas discussões eram feitas de forma mais

contida e sem ferir grandes suscetibilidades, afinal de contas, era a imagem da Gazeta

que estava em jogo14”.

Ramos ainda destaca que na série “Balas de Estalo”, na qual Ferreira de Araújo

fazia parte com o pseudônimo Lulu Sênior, encontramos críticas mais duras e ferrenhas

ao regime monárquico, por exemplo, diferentemente da coluna “Cousas Políticas”, que

tinha um tom mais moderado. Ramos conclui seu argumento dizendo-nos:

Tais características dos temas sobre ministérios, partidos políticos, programas

e reformas liberais – que são discutidos de forma muito parecida em ambas

as colunas – só vem a confirmar que Lulu Sênior sabia exatamente quais

eram as ideias que a Gazeta de Notícias fazia questão de colocar em seu

“editorial”, tais como abolição, imigração, reforma eleitoral, e quais decidia

colocar em colunas menos comprometidas com a “imparcialidade” do novo

jornalismo surgido em fins do século XIX. O que é certo é que “Balas de

estalo’ se constituiu como um espaço de ataques recorrentes à Monarquia e à

religião oficial. E a “neutralidade política” da Gazeta torna-se bastante

vulnerável se pensarmos que foi justamente este espaço de confronto direto

que se tornou um dos mais lidos do jornal. Ferreira de Araújo parece ter feito

então a escolha certa. Através do humor e da pilhéria, ele conseguia atrair o

leitor para essas questões e se fazer ouvir nos mais diferentes meios sociais15.

A discussão sobre a abolição, imigração e reforma religiosa continuou sendo

assunto da Gazeta durante os anos finais do século XIX, tanto nas colunas quanto nas

crônicas, e o tom crítico das opiniões daqueles que escreviam para esse jornal continuou

sendo uma das características mais importantes do periódico.

A GAZETA E O DEBATE EM TORNO DA ABOLIÇÃO

É importante destacar que a Gazeta sempre se preocupou em trazer aos seus

leitores as discussões sobre os projetos em torno da abolição, principalmente o que diz

respeito as leis que propunham reformas para o fim gradual da escravidão, como por

exemplo a lei dos Sexagenários, promulgada em 1885 e a lei Áurea, instituída em 1888.

14RAMOS, Ana FLÁVIA Cernic. Ferreira de Araújo nas “Balas de Estalo” e nas “Cousas Políticas”

da Gazeta de Notícias: Imprensa, modernidade e neutralidade. Anais do XXVI Simpósio Nacional de

História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. 15 Ibid., p. 17.

Page 6: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

Na coluna “Cousas Políticas” assinada por um dos donos da Gazeta, Ferreira de Araújo

e nas crônicas que apareceram nesse periódico em 1885 encontramos várias opiniões

sobre a lei Saraiva Cotegipe (Sexagenários). Portanto, os debates em torno da abolição

sempre fizeram parte do corpo editorial da Gazeta, embora seja importante frisar que

essas discussões não eram consensuais, ou seja, encontramos várias vozes distintas

opinando sobre a crise da escravização. Veremos melhor, as notícias sobre o debate em

torno da abolição que foram publicadas no período que propomos para análise, de

janeiro de 1888 a maio de 1888.

Desde janeiro de 1888, as notícias mais recorrentes sobre os debates em torno da

abolição que apareceram na Gazeta se referiam principalmente a atitude de senhores

que estavam concedendo a liberdade aos seus escravizados. Essas informações

geralmente eram publicadas em coluna intitulada “Telegrammas”, que trazia notícias de

várias regiões do Brasil, principalmente, nesse período, a libertação dos escravizados.

No jornal do dia 08 de janeiro de 1888, encontramos na coluna “Telegrammas”, vinda

de Minas Gerais, mais especificamente da cidade de Ubá:

O fazendeiro Antonio Camillo Teixeira concedeu liberdade a seus escravos,

registrando as cartas n`um tabellião d’esta cidade, com a condição de

serviços até 31 de dezembro de 1889. Antes da lei de 1871, já este fazendeiro

afirmava seus sentimentos humanitários, fazendo baptizar como libertos

todos os filhos das suas escravas. Na sua fazenda e fora d´ella existem

libertos criados por elle, com 18, 20 e 21 annos de idade16

As notícias desse teor, geralmente, diziam que os senhores concederam a

liberdade aos escravizados, mas tendo como condição determinado tempo de serviço, e

às vezes traz especificado, que era tempo de serviço até fazerem a colheita do café

daquele ano. Além dessa informação, o jornal por vezes exalta que essa era uma atitude

humanitária dos senhores, mas na verdade, segundo Walter Fraga Filho era um meio de

conter a crescente insatisfação da população cativa e evitar problemas na produção.

Filho nos diz que a partir de 1887 estavam ocorrendo cada vez mais fugas e revoltas dos

escravizados e esses estavam se recusando em trabalhar sob a condição escrava, o que

fez com que os senhores refletissem sobre o perigo em manter as relações escravistas e

por isso preferiram conceder alforrias coletivas sob condições ou gratuitas17.

16 Gazeta de Notícias, 08 de Janeiro de 1888. 17 FRAGA, Filho.Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias e trajetórias de escravos e libertos na

Bahia. 1870-1910. Tese (doutorado) Campinas, SP. 2004. P. 104.

Page 7: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

No dia 13 de janeiro de 1888, encontramos outra notícia também na coluna

“Telegrammas”, do município de Descalvado, que relata também a concessão de

liberdade aos escravizados de um senhor sob condições: “O Sr. Joaquim Caetano

Camargo Lima libertou todos os seus escravos, em numero de 12, com a condição de

prestarem-lhe serviços até 31 de dezembro vencendo desde já salário

A coluna “Telegrammas”, com notícias desse teor intensificaram-se no mês de

março de 1888 e abril e maio do mesmo ano, as notícias mais comuns que chegavam de

várias partes do Brasil eram as que se referiam à libertação de escravizados por parte

dos seus senhores. Alguns concediam a liberdade incondicional e abriam mão do

serviço dos ingênuos. Outros libertavam com a condição de que os escravizados

fizessem ainda a colheita de café daquele ano.

Acreditamos que a Gazeta, por causa das várias notícias desse teor que eram

publicadas, acabou criando uma coluna especialmente para tratar do assunto da

libertação dos escravizados por parte dos senhores, embora seja importante frisar que,

mesmo com essa nova coluna, as notícias referentes à libertação ainda continuaram a

ocupar o espaço da coluna “Telegrammas”. O nome da coluna é “Libertações” e

apareceu no jornal pela primeira vez no dia 04 de Abril de 1888, dizendo-nos:

Na Villa de Nova Friburgo, o coronel Galeano Emilio das Neves libertou

incondicionalmente os seus últimos 17 escravos, escolhendo o dia de

domingo da Ressurreição para a entrega das cartas dos libertandos. Os novos

libertos, gratos pelo benefício que acabavam de receber prorromperam em

grandes demonstrações de regosijo. Divulgando-se logo a notícia por toda a

povoação, concorrendo então numerosos amigos à casa do Sr. Coronel, afim

de felicital-o pelo seu adiantado passo. No dia seguinte, os libertos

precedidos por uma das bandas de música da localidade, fizeram uma

estrondosa manifestação ao seu benfeitor, comparecendo ainda grande

numero de amigos para de novo cumprimentar ao Sr. Coronel Galeano.

Consta que o exemplo dado pelo Sr. Coronel será seguido por todos os

proprietários de escravos de Nova Friburgo e que, dentro em pouco, esta

pittoresca povoação não contará mais um único escravo18.

Essa coluna permaneceu no jornal até as vésperas da abolição no dia 12 de maio

de 1888, não possuía assinatura e nem lugar fixo no jornal. Trazia sempre notícias desse

mesmo teor, mudando somente no que diz respeito ao número de escravizados

libertados e a localidade. Outra coluna criada para esse fim, mas que aparece menos na

Gazeta é a coluna “Liberdade”, que também noticiava a concessão da liberdade a

escravizados.

18 Gazeta de Notícias. Coluna: “Libertações”; dia 04 de Abril de 1888.

Page 8: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

Há relatos nessas notícias de que os escravizados continuavam nas fazendas após

a concessão de liberdade e recebiam salário. Esses discursos vinculados na Gazeta são

importantes para pensarmos nos debates referentes a abolição que eram publicadas

nessa folha e principalmente sobre um possível posicionamento do corpo editorial sobre

esse processo histórico. Não encontramos no jornal Gazeta de Notícias, no período que

nos propomos para análise, muitas notícias que relatavam o contrário, ou seja, que os

escravizados se rebelaram contra os senhores, ou mesmo que preferiram não ficar nas

antigas fazendas, mesmo sob a forma de trabalho assalariado, notícias como essas eram

escassas, o que não quer dizer que não ocorriam, como podemos ver no jornal do dia 29

de Abril de 1888, em coluna sem título:

Escrevem-nos da Parahyba do Sul que os escravisados d’aquelle município,

principalmente os da freguezia de Cebolas, estão abandonando as fazendas,

seguindo a maior parte para Petropolis. Pelas estradas encontram-se grandes

bandos de escravisados que caminham em direção àquella cidade, dando

gritos de: viva a rainha! Alguns fazendeiros do citado município têm já

libertado os seus escravisados, e a ideia da libertação immediata toma alli

notável desenvolvimento19.

Notícias como essa eram raras e quando eram retratadas no jornal, nunca

demonstravam que a atitude de abandonar as fazendas era uma atitude política por parte

dos libertos. Esta notícia estava mais interessada em ressaltar os “ vivas” a princesa

Isabel, que a essa altura já havia declarado que a abolição estava para ser consumada

sobre o ministério 10 de Março, do João Alfredo. De fato, muitos escravizados após a

abolição exaltaram a figura da princesa e da monarquia. Notícias que relatavam a fuga

dos escravizados, ou suas recusas em continuarem nas fazendas eram pouco discutidas

nesse periódico. Segundo Ramos:

O editorial da Gazeta, com seus mais de 24 mil exemplares diários, talvez

não fosse visto por Ferreira de Araújo como um espaço apropriado para

explorar a fundo as relações e, principalmente, as disputas cotidianas e

jurídicas que tinham nos escravos e libertos protagonistas importantes. Se

para ele, os escravos eram aquela “gente semi-selvagem”, “mantida pela

força da lei em um estado contrário ás suas tendências naturais”48, outros

teriam que se transformar nos protagonistas ideais da sua marcha pela

liberdade. Sendo assim, melhor que a discussão ficasse no âmbito das forças

políticas instituídas, ou seja, entre os partidos e seus representantes, mesmo

que estes frustrassem suas expectativas20.

19 Gazeta de Notícias, 29 de Abril de 1888. 20RAMOS, Ana FLÁVIA Cernic. Ferreira de Araújo nas “Balas de Estalo” e nas “Cousas Políticas”

da Gazeta de Notícias: Imprensa, modernidade e neutralidade. Anais do XXVI Simpósio Nacional de

História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.

Page 9: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

Na Gazeta de Notícia, o escravizado aparece muitas vezes associado a crimes e

as últimas páginas do jornal dedicadas a anúncios sobre contratações, compras e vendas.

No jornal do dia 06 de fevereiro de 1888, em coluna intitulada “Assassinato”, no qual

um “preto” como o jornal assim o descreve, assassinou um sexagenário:

Por uma questão de dívida andava o preto Manuel Francisco da Silva de rixa

com o sexagenário Cosme Mina. Há tempos foi Cosme exigir de Silva o

pagamento de sua conta e, depois de calorosa discussão, foi este aggredido

por aquelle, jurando n’esta occasião vingar-sedo seu credor. As 10 horas da

manhã de hontem, quiz a fatalidade que se encontrassem no portão do jardim

da praça da Acclamação, que fica fronteiro no quartel-general do exercito;

então Silva, saccando de uma faca de ponta, que trazia occulta, cravou-a no

peito de Cosme, ferindo-o mortalmente, e em seguida atirou-a para dentro do

jardim, indo ella espetar-se no galho de uma arvore. Depois de praticado o

crime, procurou Silva evadir-se; cercado, porem pelo povo, que em grita o

apostrophava, foi preso e conduzido à presença do subdelegado do 1º

districto de Sant’Anna, que contra elle fez lavrar auto de flagrante delicto. O

infeliz Cosme banhado em sangue foi transportado em um carro para a 8ª

estação policial, onde lhe foram prestados immediatos socorros pelo Sr. Dr.

Aprigio Chavantes, sendo porém baldados todos os esforços, porquanto

falleceu as 11 ½ horas do dia. Por ordem do referido subdelegado do 1º

districto de Santa ‘Anna foi o cadaver removido para o necrotério. Quando o

assassino sahia da estação para ser recolhido à Detenção, ia sendo victima do

povo, que indignado o esperava e que pretendia apoderar-se d’lle, tendo sido

necessário o emprego da força para conter a irritada multidão. O assassino

tem cerca de 40 annos de idade e é empregado em serviço de café, a sua

phisionomia é repulsiva e patibular. A arma de que elle se serviu para praticar

o crime, é uma pequena faca punhal, de lamina fina e muito aguçada21.

A Gazeta nos traz detalhes do crime e o que motivou o mesmo, mas o

interessante é percebermos os adjetivos dados aos negros na notícia. O sexagenário que

foi morto era o “infeliz”, e essa atribuição não foi feita somente porque o mesmo foi

assassinado, era uma atribuição comum aos negros no século XIX. O “preto” que

cometeu o assassinato é chamado de repulsivo e com aspecto de criminoso. Nos

perguntamos, se o aspecto de criminoso foi atribuído apenas pela fisionomia do sujeito,

ou apenas por esse ser negro. Segundo Scharcz a violência não era encarada como um

fato isolado, mas sim passava a ser entendida como atributo próprio aos homens de cor:

“A associação entre o elemento de cor e a noção de violência era tão imediata nas

notícias que a própria palavra “negro”, em si, já indicava fatos infames, violentos e

reprováveis22”. Justamente por isso, os jornais faziam questão de ressaltar a cor

daqueles que cometiam algum crime, como se a violência coubesse apenas a esses

sujeitos negros.

21Gazeta de Notícias, 06 de fevereiro de 1888. 22 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e preto: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo.

São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 122.

Page 10: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

Outro tipo de notícia que apareceu durante esse período na Gazeta, referia-se ao

“Suicídio” dos negros. Embora seja importante frisar que esses atos eram vistos como

naturais de pessoas de cor. As verdadeiras condições que levavam os escravizados a

esse ato eram ignorados e a possível participação dos seus senhores também. O sistema

opressivo da escravidão com suas péssimas condições de vida não eram caracterizados

como motivos para o suicídio, apenas consideravam que isso ocorria devido a maus

hábitos inerentes as pessoas de cor, como a loucura ou a embriaguez, por exemplo. O

jornal do dia 12 de Abril de 1888, nos traz em coluna intitulada “Suicídio”, a seguinte

notícia:

Na freguesia de Guaratiba, no dia 07 suicidou-se por estrangulamento o

sexagenário de cor preta, Bernardo José da Silva, homem bem conceituado

naquela localidade. O subdelegado abriu inquérito e ficou averiguado que o

mesmo sofria das faculdades mentais, sendo essa a causa de seu suicídio23.

Como vimos o motivo que levou Bernardo José da Silva ao suicídio foi porque o

mesmo era louco. Em momento algum foi considerado que esse ato foi uma prática de

resistência frente o sistema opressivo que o mesmo pode ter sofrido durante toda a sua

vida. Para Schwarcz essas notícias parecem querer atestar antes a incapacidade dos

negros que praticavam o suicídio, do que a busca da afirmação de sua individualidade24.

Uma das características da Gazeta de Notícias e de outros periódicos no século

XIX é que geralmente as duas últimas páginas desses jornais encontramos anúncios de

vários tipos. Os escravizados sempre ocuparam esse espaço do jornal, principalmente

quando fugiam das fazendas e o senhor dos mesmos para encontrá-los anunciavam nos

jornais além dos nomes, suas características, ora físicas, ora de suas personalidades25.

No ano de 1888, anúncios que envolviam essas fugas de escravizados ficaram escassos,

o que mais apareciam nos periódicos eram anúncios que alugavam ou procurava-se

serviços de pessoas de cor, como esse anúncio do dia 27 de Março de 1888: “Aluga-se

uma senhora de cor parda para cozinhar e lavar26. Em anúncio do mesmo dia ainda

encontramos: “Precisa-se de uma criada de cor ou preta, de meia idade, para cozinhar e

23 Gazeta de Notícias, 12 de Abril de 1888. 4ª coluna, página 01. Título: Suicídio. 24 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op., cit., p. 132. 25 Até inícios da década de 1880, grande parte dos anúncios que ocupavam os periódicos da época

referiam-se a escravos. O cativo aparecia então vinculado a todo tipo de transação econômica: compra,

venda, aluguel, leilão, seguro, fugas, testamentos, alienação, empréstimos, hipotecas, penhora, doação,

transmissão, depósito e usufruto. Ver: Lilian, pg. 134. 26 Gazeta de Notícias, 27 de Março de 1888.

Page 11: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

outros serviços de uma pequena família; rua do Sacramento, nº 2027. Ademais, às vezes

nesses anúncios especificava-se o desejo de alugar ou contratar uma criada de cor, mas

que fosse considerada livre. Quando a pessoa não queria contratar os negros para algum

tipo de serviço também se especificava que a pessoa deveria ser branca, embora esse

tipo de anúncio fosse mais raro.

Em maio de 1888, todos já sabiam que o gabinete 10 de Março, a pedido da

monarquia iria resolver a questão da abolição, apenas não sabia-se quais seriam as

medidas que iriam ser adotadas, e se a escravidão de fato iria acabar de forma imediata.

Como vimos muitos fazendeiros já estavam concedendo a liberdade aos seus

escravizados, mas muitos estavam longe de aceitar perder seu domínio sobre os cativos,

por isso o mínimo que esperavam do governo é que a abolição não fosse feita de forma

imediata, ou seja, que os escravizados após a abolição ainda cumprissem um tempo

determinado de trabalho e após esse prazo, esses senhores ainda deveriam receber

indenização pela perda de seus braços de trabalho. Na Gazeta, no dia 02 de Maio de

1888, em coluna intitulada “Projectos do Governo” o assunto referente a abolição foi

discutido:

Dentro de poucos dias, vai o paiz conhecer o projecto do governo sobre a

extincção do elemento servil. Esse projecto, tão anciosamente esperado, nos

dois, únicos artigos em que é concebido, satisfaz as mais adiantadas

aspirações abolicionistas.

Com elle pretende o governo apresentar outro projecto, elaborado pelo Sr.

Ministro da justiça , e que esta quase prompto, contra a vagabundagem ,

projecto que é uma medida geral contra os vagabundos e não uma lei de

repressão contra os ex-escravos. As bases principais d’este projeto são a

creação de estabelecimentos correccionais de ordens diversas, uns para o

caso de primeira punição, outros para os casos de reincidência na

vagabundagem. Estes últimos estabelecimentos serão fundados nas

fronteiras. Serão passíveis d’esta pena correccional os indivíduos que não

tiverem occupação nem domicilio certo, os mendigos , e os que exercerem

profissões deshonestas. Abre-se uma excepção para os aleijados , pois para

esses há a assistência pública, que esta sendo organizada. Nos

estabelecimentos correccionais haverá officinas e trabalho agrícola. O

producto do trabalho do individuo recolhido ao estabelecimento será

dividido: metade para o custeio do estabelecimento, e a outra metade ser-lhe-

há entregue quando for solto. Se o preso tiver família, a esta será entregue a

metade do producto do trabalho do preso, ficando a outra metade para o

estabelecimento. Os directores dos estabelecimentos poderão pedir o

augmento da pena para os presos que não derem boas contas de si, e

mostrarem pouco amor ao trabalho , assim como a diminuição para os que

revelarem vontade de trabalhar e tiverem bom comportamento. A pena será

aggravada : quando a pessoa que for passível d’ella, tiver dissipado a fortuna

própria ou alheia ; os criados que se desempregarem repetidas vezes sem

motivo; e outros28.

27 Gazeta de Notícias, 27 de Março de 1888. 28 Gazeta de Notícias, 02 de Maio de 1888.

Page 12: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

É no mínimo curiosa essa lei, já que aos olhos de muitos pode ter parecido uma

lei para reprimir ex-escravizados que não quisessem ficar nas lavouras do seu ex-senhor

e partissem rumo aos centros urbanos em busca de outros empregos. Nessa coluna essa

reforma é explicada, primeiramente nos dizendo: “projecto que é uma medida geral

contra os vagabundos e não uma lei de repressão contra os ex-escravos29”. Além desse

projeto, o governo estava cada vez mais incentivando a vinda de imigrantes, por isso

nesse período é recorrente as várias notícias sobre a imigração como forma de

substituição do trabalho escravizado.

No dia 03 de Maio de 1888, houve a abertura da câmara, acontecimento no qual

a princesa Isabel anunciara algumas medidas que seriam adotadas a partir daquele

momento, principalmente em relação ao trabalho escravizado. A Gazeta de Notícias,

divulgou no dia 04 de Maio de 1888 parte do discurso de Isabel:

A extincção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das

liberalidades particulares, em honra do Brazil, adiantou-se pacificamente de

tal modo, que é hoje aspiração acclamada por todas as classes, com

admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o

próprio interesse privado vem espontaneamente collaborar para que o Brazil

se desfaça da infeliz herança que as necessidades da lavoura haviam

mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única

excepção que n’elle figura, em antagonismo com o espírito christão e liberal

das nossas instituições30.

O discurso é revelador, pois atribui a extinção do elemento servil somente aos

interesses particulares, ou seja, interesses do governo e dos próprios fazendeiros que

como vimos nos últimos meses do ano de 1888 estavam libertando seus escravizados

antes mesmo de uma lei a respeito disso ser instituída. Após o anúncio da abolição, no

dia 13 de Maio de 1888, a Gazeta de Notícias dedicou no dia 14 de Maio o jornal a esse

grande acontecimento. A princípio, abaixo do nome da folha o jornal trouxe a descrição

com a seguinte frase: “Brazil livre: treze de maio: extincção da escravidão” e abaixo os

dois artigos da lei Áurea. Após a exposição dos dois artigos da lei, que diziam que a

escravidão a partir daquela data estava abolida e que se revogava todas as disposições

contrárias, o jornal foi dedicado a José Do Patrocínio. Vejamos o discurso do jornal em

homenagem a esse líder abolicionista.

Tem-se dito e escripto, que na questão do elemento servil não há vencedores

nem vencidos. Isto não é rigorasamente exacto. Pode não haver vencidos,

porque há convencidos; mas incontestavelmente há vencedores, e entre esses

destacam-se no primeiro plano aquelles que offereceram francamente,

destemida e ousadamente, o seu peito à lucta pela idea de que se achavam

possuídos, e que por ella pelejaram valentemente, battendo-se dia e noite, a

29Gazeta de Notícias, 03 de Maio de 1888. 30 Gazeta de Notícias, 04 de Maio de 1888.

Page 13: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

cada momento, com a palavra e com a penna, com a sua coragem e com a sua

convicção, não só contra os adversários naturaes, mas contra a calumnia,

contra a injuria, contra a conspiração dos interesses feridos, e contra a

avalanche das conveniências opportunistas. José do Patrocínio combateu e

venceu. O que esta feito não é exclusivamente obra do seu trabalho, da sua

dedicação e das suas convicções. Não é tudo d’elle; mas é o principal. A alma

, o espírito popular e desinteressado, foi elle que os introduziu na campanha

cujo resultado ahi esta festejado enthusiasticamente por um povo inteiro. A

Gazeta de Notícias onde esse moço glorioso, cujo nome há de figurar na

historia pátria como o de um dos seus maiores beneméritos, desfechou os

primeiros tiros contra o então vasto campo inimigo, orgulha-se e torna

publico o seu orgulho por esse facto, e presta-lhe no dia da victoria o mais

enthusiastico e o mais sincero testemunho do seu respeito e da sua

admiração. Na lucta triumphante do abolicionismo José do Patrocínio foi a

concretisação do espírito nacional. Mais de uma vez foi buscar os argumentos

a favor da grande causa, não é lógica dos compêndios, mas ao seu grande

coração. Para elle, o abolicionismo não foi unicamente uma questão social,

mas um dever de solidariedade humana. No ardor da peleja, confiava mais no

quadro descriptivo dos horrores da escravidão , do que nas vantagens

econômicas da abolição de tão nefanda instituição. E com essas armas,

venceu e com essa victoria não há ninguém que se julgue mais bem

recompensado de tantos sacrifícios e de tantas injustiças, o seu nome esta

inscripto para sempre no vasto coração de uma nação. A esse heroe do

abolicionismo, no qual vê a consubstanciação da grande alma nacional, faz a

Gazeta de notícias a mais fraternal demonstração do seu respeito e de seu

enthusiasmo. O dia 13 de maio de 1888, não é só o maior dia de nossa

história, é maior que toda a nossa história, na bella phrase de Affonso Celso

Junior. Não há mais escravos; todos são livres; todos são iguais; todos têm

aberta diante de uma carreira por onde avançar até onde seus talentos o

permittirem. Nada mais simples , é o que sucede em todo mundo civilisado ;

e entretanto nem um facto custou jamais tanto no Brasil...A Joaquim Nabuco,

que desde o principio de sua carreira jogou toda a sua fortuna n’esta causa em

cuja victoria ninguém acreditava, e honra para todos! Ganhou a causa e não

perdeu a fortuna; a Dantas, que converteu em programa de governo as

aspirações tímidas da população, A José Bonifácio, José Mariano, Leopoldo

de Bulhões, Affonso Celso Junior, Aristides Spinola, Jaguaribe . Ruy

Barbosa, Amaro Beserra, muitos outros, tantas vezes iguaes, tantas vezes

superiores aquelles dois astros de primeira grandeza... A fuga heroica dos

escravos de Capivary, ao aviso ministerial mandando dar baixa nas

matriculas dos escravisados libertos condicionalmente, a proposta dos

republicanos da libertação immediata, o assassinato do Rio do Peixe , tudo

foi material, tudo foi lenha que ateiou a fogueira immensa, a cujo calor nos

reunimos. A causa da libertação estava tão adiantada , que o actual

ministério teve de propor a abolição immediata, em que, ao menos na forma

que hontem recebeu a sanção imperial, provavelmente não cogitava. Se nos

permittisse o illustre abolicionista, preferiríamos até que se declarasse dia de

grande penitencia. Não é o que os escravisados vão gozar, é o que sofferam

gerações sucessivas que devemos ter em mente, e de que devemos nos

arrepender eternamente31.

Assim como o discurso da princesa Isabel, em que exaltou a iniciativa de

particulares para a abolição, a Gazeta exaltou um líder abolicionista, José do Patrocínio

e ainda em seu discurso cita também Joaquim Nabuco. Não estamos tirando aqui a

contribuição dos abolicionistas no processo de abolição, já que muitos líderes

31 Gazeta de Notícias, 14 de Maio de 1888.

Page 14: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

contribuíram para que os escravizados ganhassem processo contra seus senhores,

apoiavam a fuga dos escravizados e compravam sua alforria. Mas, o discurso da Gazeta

de Notícias, não exalta a participação dos escravizados nesse processo, afinal, eles não

foram seres passivos, mas sujeitos conscientes de sua condição e que lutavam para se

livrar dela.

Araújo, portanto, não representava em seu jornal, tudo referente ao mundo

escravo, justamente para não interferir em seu projeto que visava principalmente a

manutenção da ordem, ou seja, a abolição deveria ser feita antes pelas forças políticas

do que pelos escravizados. Esse fato nos diz muito sobre a forma que o sujeito

escravizado aparecia na Gazeta de Notícias. Durante os meses em que analisamos o

periódico, encontramos a representação no jornal do mundo dos escravizados, de várias

formas, mas não encontramos nas colunas desse periódico o escravizado como sujeito

ativo nos debates em torno da abolição.

Page 15: UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL

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RAMOS, Ana FLÁVIA Cernic. Ferreira de Araújo nas “Balas de Estalo” e nas

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SODRÉ. Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4ª edição. Editora Mauad.

PERIÓDICO ESTUDADO:

Gazeta de Notícias. (1875-1942).