uma anÁlise da escravidÃo e da aboliÇÃo no jornal
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UMA ANÁLISE DA ESCRAVIDÃO E DA ABOLIÇÃO NO JORNAL GAZETA
DE NOTÍCIAS: Meses que antecederam a lei Áurea. (1888)
Sálua Francinele Ribeiro1
RESUMO: Procuramos, neste trabalho, analisar como os debates referentes à abolição e à
escravidão apareceram no jornal Gazeta de Notícias. Iniciaremos essa análise no mês de
janeiro de 1888, até a instauração da lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888. O intuito é
de entender as opiniões dos colaboradores do jornal no que diz respeito às discussões
sobre a escravidão e abolição, quem eram as pessoas que publicavam nesse periódico e
como as mesmas debatiam, interpretavam e difundiam suas ideias nesse periódico sobre
tais assuntos. É de fundamental importância debater se nesses últimos meses de regime
escravocrata no Brasil, os escravizados apareciam nesse periódico e se apareciam, de
que forma, ou seja, se apareciam apenas como sujeitos passivos diante de todo debate e
discussões que norteavam a abolição no Brasil naquele momento, ou se suas disputas
cotidianas eram silenciadas por esse periódico. O jornal Gazeta de Notícias encontra-se
digitalizado e disponível no site da biblioteca nacional, e essa análise dos meses que
antecederam a abolição nos permitirá conhecer um pouco mais sobre o papel da
imprensa nesse processo histórico de mudanças no Brasil do século XIX.
PALAVRAS-CHAVES: Gazeta de Notícias. Escravidão. Abolição. Escravizados.
Imprensa.
INTRODUÇÃO:
A implementação da imprensa no Brasil, somente ganhou sua produção
jornalística e gráfica em 1808, com a chegada da família real. Esse quadro se modificou
porque a cidade do Rio de Janeiro destacou-se como corte do Império e como a cidade
de maior contingente populacional da época. A imprensa brasileira, com o golpe da
maioridade, que viria marcar o início do Segundo Reinado, passou por algumas
transformações. A nova estrutura vigente no Brasil se consolidou com o
desenvolvimento cafeeiro, do tráfico, o predomínio de um regime absolutista e o fim
das rebeliões provinciais. A imprensa, segundo Ana Luiza Martins se dividiu em dois
momentos:
Iniciava-se também o Império da palavra impressa, com as transformações da
economia do café no país e do Segundo Reinado. Podemos pontuar dois
momentos: o primeiro, de 1841 a meados da década de 1860, no qual
predominou o discurso conservador e áulico, a despeito das costumeiras
1Mestranda do Curso de Pós Graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista
Capes. Email: [email protected].
vozes dissonantes2; o segundo sobretudo de 1868 em diante, quando da queda
do Gabinete Liberal de Zacarias de Góes e Vasconcelos, que figurou como
porta-voz de credos diversos, reunindo polifonia de falas que pregavam a
liberdade de religião, a emancipação e ou/libertação do escravo, o advento da
república, não sem reverberações da permanência do regime monárquico3.
Sodré salienta também essa periodização descrita por Martins, caracterizando
que a maioridade é simultânea a hegemonia dos grandes latifundiários da corte, e que
esses almejavam que a imprensa contribuísse para que suas ideias pautadas sob um
sistema escravista e latifundiário fossem disseminadas, mas também destaca que havia
jornais politicamente engajados que não serviam a essas ideias4. Martins aponta que a
partir dos anos de 1868, com a queda do gabinete de Zacarias de Góes, houve mudanças
significativas na imprensa, Sodré também destaca essas mudanças, mas a partir do ano
de 1862, no qual há agitação política na imprensa, destacando as ideias sobre o fim da
escravidão, o advento do republicanismo e o fim da Guerra do Paraguai. Os anos
sessenta, portanto, foram marcados por denúncias e reformas no Brasil:
Uma série de acontecimentos no exterior ajudou a estimular as atitudes
reformistas da década de 1860. A libertação dos escravos nos impérios
português, francês e dinamarquês, a dos servos russos em 1861 e a Guerra
Civil nos Estados Unidos deram à questão da escravatura do Brasil, uma
urgência que não se verificara desde o final da luta em 1851, para acabar com
o tráfico africano de escravos5.
Outra mudança significativa foi o aumento da população entre o período de 1870
e 1890, devido principalmente ao afluxo de imigrantes e libertos. O Rio de Janeiro
como núcleo comercial e industrial, com a maior rede ferroviária nacional, detém todas
as condições para o estabelecimento de uma empresa nos moldes empresariais. Em
1874, com o desenvolvimento do sistema telegráfico, instala-se no Rio de Janeiro a
2Todavia, Martins nos aponta que mesmo no período que ela classifica como: jornalismo áulico, não
encontramos na imprensa um quadro conciliador, ou seja, há dissonâncias, já que a política e a imprensa
se conjugam a serviços dos partidos, conservador ou liberal atrelados a grupos familiares, interesses
econômicos e afinidades intelectuais. Não estamos falando de uma imprensa instrumentalizada, que serve
apenas aos interesses da economia cafeeira e escravista, mas de uma imprensa na qual havia jornais de
confronto, fruto da política partidária, havia panfletários ousados, que sob o anonimato denunciam
mazelas e propunham rupturas, há denúncias permanentes através da ilustração caricata do cotidiano do
Império. MARTINS, Ana Luíza. Imprensa em Tempos de Império. Em: MARTINS, Ana Luíza e DE
LUCA, Tânia Regina. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 48-49. 3 MARTINS, Ana Luíza. Imprensa em Tempos de Império. Em: MARTINS, Ana Luíza e DE LUCA,
Tânia Regina. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. P. 47. 4 SODRÉ. Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4ª edição. Editora Mauad. P. 182. 5 CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. 1850-1888. Rio de Janeiro/Brasília:
Civilização Brasileira/INL, 1975. P. 88-89.
primeira agência de notícias: A Havas. O jornal Gazeta de Notícias, por exemplo, passa
a publicar em seu jornal os telegramas internacionais.
Segundo Asperti há uma característica que permitiu aos cariocas o título de
capital jornalística da época, além de ser a cidade de maior contingente populacional do
período, havia na cidade do Rio de Janeiro um grande número de romancistas, críticos,
dramaturgos e poetas, que contribuíram com textos de vários tipos para os periódicos6.
Asperti nos diz que:
A clara interdependência entre homem de letras e jornalismo é imposta
basicamente pelo fato de que, com a consolidação da imprensa no Brasil, o
trabalho jornalístico dos literatos representava sua principal fonte de renda, já
que a publicação de seus livros em volume não alcançava o grande público e
conseqüentemente não gerava proventos dignos aos escritores. Mesmo com a
já consolidada relação cooperativa entre os literatos, bem representada pela
Academia Brasileira de Letras, fundada por Machado de Assis ainda em 1897
e pela lei dos direitos autorais nascida em 1898, a vida de escritor sustentado
apenas pelos seus livros ainda era uma utopia num Brasil de analfabetos;
todavia, o trabalho no jornalismo literário era imprescindível não só para a
sobrevivência financeira do poeta como também para a divulgação de seu
nome e do seu trabalho ao grande público leitor dos periódicos. Nomes
respeitáveis da literatura e do meio cultural nacional desejavam ardentemente
as páginas da Gazeta de Notícias; realizaram esse desejo Coelho Neto,
Aluísio Azevedo, Pardal Mallet e José do Patrocínio, dentre outros.
Os dirigentes dos principais jornais do século XIX eram, segundo Barbosa, de
famílias abastadas, ligadas aos grupos agrários dominantes no cenário do Império ou
filhos de pais advogados, engenheiros e médicos. Esses homens que dirigem os jornais
também são advogados e médicos. Henrique Chaves, redator-chefe da Gazeta de
Noticias era advogado, Ferreira de Araújo, um dos fundadores da Gazeta de Notícias,
por sua vez era formado em medicina7.
Segundo Sodré o acontecimento jornalístico de 1874 será o aparecimento da
Gazeta de Notícias8, fundado por Ferreira de Araújo, Henrique Chaves, Manoel
Carneiro e Elísio Mendes. Para Sodré, Ferreira de Araújo era “homem de iniciativas
saneadoras, tendo reformado a imprensa do seu tempo, para dar espaço à literatura e às
grandes preocupações9”.
Sem dúvida alguma, a Gazeta era um periódico que debatia assuntos cotidianos,
bem como arte, literatura e assuntos políticos, como trocas ministeriais, discussão de
6ASPERTI. Clara. A vida carioca nos jornais: Gazeta de notícias e a defesa da crônica. Revista
Contemporânea ,N7 | 2006.2, do grupo de pesquisa Comunicação, Arte e Cidade da Faculdade de
Comunicação Social da UERJ. 7 Ibid., p. 144. 8 WERNECK. Sodré, Nelson. op., cit. p. 224. 9 Ibid., p. 224.
projetos do Império, como a questão da escravidão, bem como sobre teorias raciais,
darwinismo etc. Podemos considerar que “a grande revolução gerada pela inauguração
da Gazeta de Notícias foi fruto de seu estilo “barato, popular, liberal, vendido a
quarenta réis o exemplar10”.
Pereira nos traz exemplos de algumas inovações feitas pela Gazeta e um dos
seus fundadores. Em 1874, Ferreira de Araújo ansiava por aumentar a circulação do
jornal, para que o mesmo atingisse todas as camadas da população e não apenas uma
camada específica, pois até então as folhas eram vendidas apenas em casas de comércio
e livrarias, que geralmente eram freqüentadas por aqueles que tinham interesse pelas
letras. Por isso, a Gazeta inaugurou o sistema de vendas avulsas pela cidade. Dentre
outras inovações, Ferreira de Araújo se propôs a transformar os textos do jornal, que
passaram a ser de leitura mais fácil do que seus concorrentes, além de apoiar cada vez
mais a publicação de textos literários. Uma última inovação, apontada por Pereira, era o
preço do periódico, mais barato do que de costume, devido ao bom aproveitamento
publicitário da folha11.
Em pouco tempo a Gazeta conseguiu estar entre um dos periódicos líderes no
Rio de Janeiro e chegou a ser saudado por jornais concorrentes12. Ramos destaca duas
características importantes do jornal:
Defendendo o ideal de modernidade, a Gazeta ficou conhecida pelo seu
constante incentivo à literatura, sua preferência por textos cada vez mais
simples e ligeiros, e pelo discurso da imparcialidade e da neutralidade
política, principalmente na política partidária, em contraste com muitos
outros periódicos do séc. XIX, cuja atuação partidária era inequívoca,
incentivou uma constante e significativa popularização do trabalho literário,
fazendo da presença dos homens uma das principais atrações do jornal13.
A Gazeta foi um jornal que se diferenciou de outros periódicos do século XIX,
pois não defendia nenhum partido político, mas é importante destacar que essa suposta
“neutralidade política” tão almejada e defendida pela Gazeta não quer dizer que o jornal
não percebia os acontecimentos, principalmente políticos, de forma crítica. Nas crônicas
10 Ibid. 11 PEREIRA. Leonardo, A. de Miranda. O carnaval das letras: Literatura e folia no Rio de Janeiro do
século XIX. Editora Unicamp. p. 19. Segundo Pereira, A Gazeta de Notícias , em 1881, era vendida a 40
réis, preço que passa a ser adotado também pelos outros grandes jornais que surgiam no período, como O
Paiz e o Diário de Notícias. Sua tiragem, no mesmo ano, era de 24.000 exemplares, enquanto a do jornal
O Paiz, em 1885, era ainda de 15.000. 12 Ibib., p. 20. 13 RAMOS, Ana Flávia Cernic. Política e Humor nos últimos anos da monarquia: a série “Balas de
Estalo” (1883-1884). Dissertação de Mestrado em História: Unicamp, 2005.
que contavam com a participação de Araújo e em colunas, como “Cousas Políticas”,
assinadas pelo próprio Ferreira de Araújo, encontramos críticas ao regime monárquico,
propostas de reforma religiosa e o debate sobre a substituição do trabalho escravo pelo
assalariado. Mas, como aponta Ramos, “essas discussões eram feitas de forma mais
contida e sem ferir grandes suscetibilidades, afinal de contas, era a imagem da Gazeta
que estava em jogo14”.
Ramos ainda destaca que na série “Balas de Estalo”, na qual Ferreira de Araújo
fazia parte com o pseudônimo Lulu Sênior, encontramos críticas mais duras e ferrenhas
ao regime monárquico, por exemplo, diferentemente da coluna “Cousas Políticas”, que
tinha um tom mais moderado. Ramos conclui seu argumento dizendo-nos:
Tais características dos temas sobre ministérios, partidos políticos, programas
e reformas liberais – que são discutidos de forma muito parecida em ambas
as colunas – só vem a confirmar que Lulu Sênior sabia exatamente quais
eram as ideias que a Gazeta de Notícias fazia questão de colocar em seu
“editorial”, tais como abolição, imigração, reforma eleitoral, e quais decidia
colocar em colunas menos comprometidas com a “imparcialidade” do novo
jornalismo surgido em fins do século XIX. O que é certo é que “Balas de
estalo’ se constituiu como um espaço de ataques recorrentes à Monarquia e à
religião oficial. E a “neutralidade política” da Gazeta torna-se bastante
vulnerável se pensarmos que foi justamente este espaço de confronto direto
que se tornou um dos mais lidos do jornal. Ferreira de Araújo parece ter feito
então a escolha certa. Através do humor e da pilhéria, ele conseguia atrair o
leitor para essas questões e se fazer ouvir nos mais diferentes meios sociais15.
A discussão sobre a abolição, imigração e reforma religiosa continuou sendo
assunto da Gazeta durante os anos finais do século XIX, tanto nas colunas quanto nas
crônicas, e o tom crítico das opiniões daqueles que escreviam para esse jornal continuou
sendo uma das características mais importantes do periódico.
A GAZETA E O DEBATE EM TORNO DA ABOLIÇÃO
É importante destacar que a Gazeta sempre se preocupou em trazer aos seus
leitores as discussões sobre os projetos em torno da abolição, principalmente o que diz
respeito as leis que propunham reformas para o fim gradual da escravidão, como por
exemplo a lei dos Sexagenários, promulgada em 1885 e a lei Áurea, instituída em 1888.
14RAMOS, Ana FLÁVIA Cernic. Ferreira de Araújo nas “Balas de Estalo” e nas “Cousas Políticas”
da Gazeta de Notícias: Imprensa, modernidade e neutralidade. Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. 15 Ibid., p. 17.
Na coluna “Cousas Políticas” assinada por um dos donos da Gazeta, Ferreira de Araújo
e nas crônicas que apareceram nesse periódico em 1885 encontramos várias opiniões
sobre a lei Saraiva Cotegipe (Sexagenários). Portanto, os debates em torno da abolição
sempre fizeram parte do corpo editorial da Gazeta, embora seja importante frisar que
essas discussões não eram consensuais, ou seja, encontramos várias vozes distintas
opinando sobre a crise da escravização. Veremos melhor, as notícias sobre o debate em
torno da abolição que foram publicadas no período que propomos para análise, de
janeiro de 1888 a maio de 1888.
Desde janeiro de 1888, as notícias mais recorrentes sobre os debates em torno da
abolição que apareceram na Gazeta se referiam principalmente a atitude de senhores
que estavam concedendo a liberdade aos seus escravizados. Essas informações
geralmente eram publicadas em coluna intitulada “Telegrammas”, que trazia notícias de
várias regiões do Brasil, principalmente, nesse período, a libertação dos escravizados.
No jornal do dia 08 de janeiro de 1888, encontramos na coluna “Telegrammas”, vinda
de Minas Gerais, mais especificamente da cidade de Ubá:
O fazendeiro Antonio Camillo Teixeira concedeu liberdade a seus escravos,
registrando as cartas n`um tabellião d’esta cidade, com a condição de
serviços até 31 de dezembro de 1889. Antes da lei de 1871, já este fazendeiro
afirmava seus sentimentos humanitários, fazendo baptizar como libertos
todos os filhos das suas escravas. Na sua fazenda e fora d´ella existem
libertos criados por elle, com 18, 20 e 21 annos de idade16
As notícias desse teor, geralmente, diziam que os senhores concederam a
liberdade aos escravizados, mas tendo como condição determinado tempo de serviço, e
às vezes traz especificado, que era tempo de serviço até fazerem a colheita do café
daquele ano. Além dessa informação, o jornal por vezes exalta que essa era uma atitude
humanitária dos senhores, mas na verdade, segundo Walter Fraga Filho era um meio de
conter a crescente insatisfação da população cativa e evitar problemas na produção.
Filho nos diz que a partir de 1887 estavam ocorrendo cada vez mais fugas e revoltas dos
escravizados e esses estavam se recusando em trabalhar sob a condição escrava, o que
fez com que os senhores refletissem sobre o perigo em manter as relações escravistas e
por isso preferiram conceder alforrias coletivas sob condições ou gratuitas17.
16 Gazeta de Notícias, 08 de Janeiro de 1888. 17 FRAGA, Filho.Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias e trajetórias de escravos e libertos na
Bahia. 1870-1910. Tese (doutorado) Campinas, SP. 2004. P. 104.
No dia 13 de janeiro de 1888, encontramos outra notícia também na coluna
“Telegrammas”, do município de Descalvado, que relata também a concessão de
liberdade aos escravizados de um senhor sob condições: “O Sr. Joaquim Caetano
Camargo Lima libertou todos os seus escravos, em numero de 12, com a condição de
prestarem-lhe serviços até 31 de dezembro vencendo desde já salário
A coluna “Telegrammas”, com notícias desse teor intensificaram-se no mês de
março de 1888 e abril e maio do mesmo ano, as notícias mais comuns que chegavam de
várias partes do Brasil eram as que se referiam à libertação de escravizados por parte
dos seus senhores. Alguns concediam a liberdade incondicional e abriam mão do
serviço dos ingênuos. Outros libertavam com a condição de que os escravizados
fizessem ainda a colheita de café daquele ano.
Acreditamos que a Gazeta, por causa das várias notícias desse teor que eram
publicadas, acabou criando uma coluna especialmente para tratar do assunto da
libertação dos escravizados por parte dos senhores, embora seja importante frisar que,
mesmo com essa nova coluna, as notícias referentes à libertação ainda continuaram a
ocupar o espaço da coluna “Telegrammas”. O nome da coluna é “Libertações” e
apareceu no jornal pela primeira vez no dia 04 de Abril de 1888, dizendo-nos:
Na Villa de Nova Friburgo, o coronel Galeano Emilio das Neves libertou
incondicionalmente os seus últimos 17 escravos, escolhendo o dia de
domingo da Ressurreição para a entrega das cartas dos libertandos. Os novos
libertos, gratos pelo benefício que acabavam de receber prorromperam em
grandes demonstrações de regosijo. Divulgando-se logo a notícia por toda a
povoação, concorrendo então numerosos amigos à casa do Sr. Coronel, afim
de felicital-o pelo seu adiantado passo. No dia seguinte, os libertos
precedidos por uma das bandas de música da localidade, fizeram uma
estrondosa manifestação ao seu benfeitor, comparecendo ainda grande
numero de amigos para de novo cumprimentar ao Sr. Coronel Galeano.
Consta que o exemplo dado pelo Sr. Coronel será seguido por todos os
proprietários de escravos de Nova Friburgo e que, dentro em pouco, esta
pittoresca povoação não contará mais um único escravo18.
Essa coluna permaneceu no jornal até as vésperas da abolição no dia 12 de maio
de 1888, não possuía assinatura e nem lugar fixo no jornal. Trazia sempre notícias desse
mesmo teor, mudando somente no que diz respeito ao número de escravizados
libertados e a localidade. Outra coluna criada para esse fim, mas que aparece menos na
Gazeta é a coluna “Liberdade”, que também noticiava a concessão da liberdade a
escravizados.
18 Gazeta de Notícias. Coluna: “Libertações”; dia 04 de Abril de 1888.
Há relatos nessas notícias de que os escravizados continuavam nas fazendas após
a concessão de liberdade e recebiam salário. Esses discursos vinculados na Gazeta são
importantes para pensarmos nos debates referentes a abolição que eram publicadas
nessa folha e principalmente sobre um possível posicionamento do corpo editorial sobre
esse processo histórico. Não encontramos no jornal Gazeta de Notícias, no período que
nos propomos para análise, muitas notícias que relatavam o contrário, ou seja, que os
escravizados se rebelaram contra os senhores, ou mesmo que preferiram não ficar nas
antigas fazendas, mesmo sob a forma de trabalho assalariado, notícias como essas eram
escassas, o que não quer dizer que não ocorriam, como podemos ver no jornal do dia 29
de Abril de 1888, em coluna sem título:
Escrevem-nos da Parahyba do Sul que os escravisados d’aquelle município,
principalmente os da freguezia de Cebolas, estão abandonando as fazendas,
seguindo a maior parte para Petropolis. Pelas estradas encontram-se grandes
bandos de escravisados que caminham em direção àquella cidade, dando
gritos de: viva a rainha! Alguns fazendeiros do citado município têm já
libertado os seus escravisados, e a ideia da libertação immediata toma alli
notável desenvolvimento19.
Notícias como essa eram raras e quando eram retratadas no jornal, nunca
demonstravam que a atitude de abandonar as fazendas era uma atitude política por parte
dos libertos. Esta notícia estava mais interessada em ressaltar os “ vivas” a princesa
Isabel, que a essa altura já havia declarado que a abolição estava para ser consumada
sobre o ministério 10 de Março, do João Alfredo. De fato, muitos escravizados após a
abolição exaltaram a figura da princesa e da monarquia. Notícias que relatavam a fuga
dos escravizados, ou suas recusas em continuarem nas fazendas eram pouco discutidas
nesse periódico. Segundo Ramos:
O editorial da Gazeta, com seus mais de 24 mil exemplares diários, talvez
não fosse visto por Ferreira de Araújo como um espaço apropriado para
explorar a fundo as relações e, principalmente, as disputas cotidianas e
jurídicas que tinham nos escravos e libertos protagonistas importantes. Se
para ele, os escravos eram aquela “gente semi-selvagem”, “mantida pela
força da lei em um estado contrário ás suas tendências naturais”48, outros
teriam que se transformar nos protagonistas ideais da sua marcha pela
liberdade. Sendo assim, melhor que a discussão ficasse no âmbito das forças
políticas instituídas, ou seja, entre os partidos e seus representantes, mesmo
que estes frustrassem suas expectativas20.
19 Gazeta de Notícias, 29 de Abril de 1888. 20RAMOS, Ana FLÁVIA Cernic. Ferreira de Araújo nas “Balas de Estalo” e nas “Cousas Políticas”
da Gazeta de Notícias: Imprensa, modernidade e neutralidade. Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.
Na Gazeta de Notícia, o escravizado aparece muitas vezes associado a crimes e
as últimas páginas do jornal dedicadas a anúncios sobre contratações, compras e vendas.
No jornal do dia 06 de fevereiro de 1888, em coluna intitulada “Assassinato”, no qual
um “preto” como o jornal assim o descreve, assassinou um sexagenário:
Por uma questão de dívida andava o preto Manuel Francisco da Silva de rixa
com o sexagenário Cosme Mina. Há tempos foi Cosme exigir de Silva o
pagamento de sua conta e, depois de calorosa discussão, foi este aggredido
por aquelle, jurando n’esta occasião vingar-sedo seu credor. As 10 horas da
manhã de hontem, quiz a fatalidade que se encontrassem no portão do jardim
da praça da Acclamação, que fica fronteiro no quartel-general do exercito;
então Silva, saccando de uma faca de ponta, que trazia occulta, cravou-a no
peito de Cosme, ferindo-o mortalmente, e em seguida atirou-a para dentro do
jardim, indo ella espetar-se no galho de uma arvore. Depois de praticado o
crime, procurou Silva evadir-se; cercado, porem pelo povo, que em grita o
apostrophava, foi preso e conduzido à presença do subdelegado do 1º
districto de Sant’Anna, que contra elle fez lavrar auto de flagrante delicto. O
infeliz Cosme banhado em sangue foi transportado em um carro para a 8ª
estação policial, onde lhe foram prestados immediatos socorros pelo Sr. Dr.
Aprigio Chavantes, sendo porém baldados todos os esforços, porquanto
falleceu as 11 ½ horas do dia. Por ordem do referido subdelegado do 1º
districto de Santa ‘Anna foi o cadaver removido para o necrotério. Quando o
assassino sahia da estação para ser recolhido à Detenção, ia sendo victima do
povo, que indignado o esperava e que pretendia apoderar-se d’lle, tendo sido
necessário o emprego da força para conter a irritada multidão. O assassino
tem cerca de 40 annos de idade e é empregado em serviço de café, a sua
phisionomia é repulsiva e patibular. A arma de que elle se serviu para praticar
o crime, é uma pequena faca punhal, de lamina fina e muito aguçada21.
A Gazeta nos traz detalhes do crime e o que motivou o mesmo, mas o
interessante é percebermos os adjetivos dados aos negros na notícia. O sexagenário que
foi morto era o “infeliz”, e essa atribuição não foi feita somente porque o mesmo foi
assassinado, era uma atribuição comum aos negros no século XIX. O “preto” que
cometeu o assassinato é chamado de repulsivo e com aspecto de criminoso. Nos
perguntamos, se o aspecto de criminoso foi atribuído apenas pela fisionomia do sujeito,
ou apenas por esse ser negro. Segundo Scharcz a violência não era encarada como um
fato isolado, mas sim passava a ser entendida como atributo próprio aos homens de cor:
“A associação entre o elemento de cor e a noção de violência era tão imediata nas
notícias que a própria palavra “negro”, em si, já indicava fatos infames, violentos e
reprováveis22”. Justamente por isso, os jornais faziam questão de ressaltar a cor
daqueles que cometiam algum crime, como se a violência coubesse apenas a esses
sujeitos negros.
21Gazeta de Notícias, 06 de fevereiro de 1888. 22 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e preto: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 122.
Outro tipo de notícia que apareceu durante esse período na Gazeta, referia-se ao
“Suicídio” dos negros. Embora seja importante frisar que esses atos eram vistos como
naturais de pessoas de cor. As verdadeiras condições que levavam os escravizados a
esse ato eram ignorados e a possível participação dos seus senhores também. O sistema
opressivo da escravidão com suas péssimas condições de vida não eram caracterizados
como motivos para o suicídio, apenas consideravam que isso ocorria devido a maus
hábitos inerentes as pessoas de cor, como a loucura ou a embriaguez, por exemplo. O
jornal do dia 12 de Abril de 1888, nos traz em coluna intitulada “Suicídio”, a seguinte
notícia:
Na freguesia de Guaratiba, no dia 07 suicidou-se por estrangulamento o
sexagenário de cor preta, Bernardo José da Silva, homem bem conceituado
naquela localidade. O subdelegado abriu inquérito e ficou averiguado que o
mesmo sofria das faculdades mentais, sendo essa a causa de seu suicídio23.
Como vimos o motivo que levou Bernardo José da Silva ao suicídio foi porque o
mesmo era louco. Em momento algum foi considerado que esse ato foi uma prática de
resistência frente o sistema opressivo que o mesmo pode ter sofrido durante toda a sua
vida. Para Schwarcz essas notícias parecem querer atestar antes a incapacidade dos
negros que praticavam o suicídio, do que a busca da afirmação de sua individualidade24.
Uma das características da Gazeta de Notícias e de outros periódicos no século
XIX é que geralmente as duas últimas páginas desses jornais encontramos anúncios de
vários tipos. Os escravizados sempre ocuparam esse espaço do jornal, principalmente
quando fugiam das fazendas e o senhor dos mesmos para encontrá-los anunciavam nos
jornais além dos nomes, suas características, ora físicas, ora de suas personalidades25.
No ano de 1888, anúncios que envolviam essas fugas de escravizados ficaram escassos,
o que mais apareciam nos periódicos eram anúncios que alugavam ou procurava-se
serviços de pessoas de cor, como esse anúncio do dia 27 de Março de 1888: “Aluga-se
uma senhora de cor parda para cozinhar e lavar26. Em anúncio do mesmo dia ainda
encontramos: “Precisa-se de uma criada de cor ou preta, de meia idade, para cozinhar e
23 Gazeta de Notícias, 12 de Abril de 1888. 4ª coluna, página 01. Título: Suicídio. 24 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op., cit., p. 132. 25 Até inícios da década de 1880, grande parte dos anúncios que ocupavam os periódicos da época
referiam-se a escravos. O cativo aparecia então vinculado a todo tipo de transação econômica: compra,
venda, aluguel, leilão, seguro, fugas, testamentos, alienação, empréstimos, hipotecas, penhora, doação,
transmissão, depósito e usufruto. Ver: Lilian, pg. 134. 26 Gazeta de Notícias, 27 de Março de 1888.
outros serviços de uma pequena família; rua do Sacramento, nº 2027. Ademais, às vezes
nesses anúncios especificava-se o desejo de alugar ou contratar uma criada de cor, mas
que fosse considerada livre. Quando a pessoa não queria contratar os negros para algum
tipo de serviço também se especificava que a pessoa deveria ser branca, embora esse
tipo de anúncio fosse mais raro.
Em maio de 1888, todos já sabiam que o gabinete 10 de Março, a pedido da
monarquia iria resolver a questão da abolição, apenas não sabia-se quais seriam as
medidas que iriam ser adotadas, e se a escravidão de fato iria acabar de forma imediata.
Como vimos muitos fazendeiros já estavam concedendo a liberdade aos seus
escravizados, mas muitos estavam longe de aceitar perder seu domínio sobre os cativos,
por isso o mínimo que esperavam do governo é que a abolição não fosse feita de forma
imediata, ou seja, que os escravizados após a abolição ainda cumprissem um tempo
determinado de trabalho e após esse prazo, esses senhores ainda deveriam receber
indenização pela perda de seus braços de trabalho. Na Gazeta, no dia 02 de Maio de
1888, em coluna intitulada “Projectos do Governo” o assunto referente a abolição foi
discutido:
Dentro de poucos dias, vai o paiz conhecer o projecto do governo sobre a
extincção do elemento servil. Esse projecto, tão anciosamente esperado, nos
dois, únicos artigos em que é concebido, satisfaz as mais adiantadas
aspirações abolicionistas.
Com elle pretende o governo apresentar outro projecto, elaborado pelo Sr.
Ministro da justiça , e que esta quase prompto, contra a vagabundagem ,
projecto que é uma medida geral contra os vagabundos e não uma lei de
repressão contra os ex-escravos. As bases principais d’este projeto são a
creação de estabelecimentos correccionais de ordens diversas, uns para o
caso de primeira punição, outros para os casos de reincidência na
vagabundagem. Estes últimos estabelecimentos serão fundados nas
fronteiras. Serão passíveis d’esta pena correccional os indivíduos que não
tiverem occupação nem domicilio certo, os mendigos , e os que exercerem
profissões deshonestas. Abre-se uma excepção para os aleijados , pois para
esses há a assistência pública, que esta sendo organizada. Nos
estabelecimentos correccionais haverá officinas e trabalho agrícola. O
producto do trabalho do individuo recolhido ao estabelecimento será
dividido: metade para o custeio do estabelecimento, e a outra metade ser-lhe-
há entregue quando for solto. Se o preso tiver família, a esta será entregue a
metade do producto do trabalho do preso, ficando a outra metade para o
estabelecimento. Os directores dos estabelecimentos poderão pedir o
augmento da pena para os presos que não derem boas contas de si, e
mostrarem pouco amor ao trabalho , assim como a diminuição para os que
revelarem vontade de trabalhar e tiverem bom comportamento. A pena será
aggravada : quando a pessoa que for passível d’ella, tiver dissipado a fortuna
própria ou alheia ; os criados que se desempregarem repetidas vezes sem
motivo; e outros28.
27 Gazeta de Notícias, 27 de Março de 1888. 28 Gazeta de Notícias, 02 de Maio de 1888.
É no mínimo curiosa essa lei, já que aos olhos de muitos pode ter parecido uma
lei para reprimir ex-escravizados que não quisessem ficar nas lavouras do seu ex-senhor
e partissem rumo aos centros urbanos em busca de outros empregos. Nessa coluna essa
reforma é explicada, primeiramente nos dizendo: “projecto que é uma medida geral
contra os vagabundos e não uma lei de repressão contra os ex-escravos29”. Além desse
projeto, o governo estava cada vez mais incentivando a vinda de imigrantes, por isso
nesse período é recorrente as várias notícias sobre a imigração como forma de
substituição do trabalho escravizado.
No dia 03 de Maio de 1888, houve a abertura da câmara, acontecimento no qual
a princesa Isabel anunciara algumas medidas que seriam adotadas a partir daquele
momento, principalmente em relação ao trabalho escravizado. A Gazeta de Notícias,
divulgou no dia 04 de Maio de 1888 parte do discurso de Isabel:
A extincção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das
liberalidades particulares, em honra do Brazil, adiantou-se pacificamente de
tal modo, que é hoje aspiração acclamada por todas as classes, com
admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o
próprio interesse privado vem espontaneamente collaborar para que o Brazil
se desfaça da infeliz herança que as necessidades da lavoura haviam
mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única
excepção que n’elle figura, em antagonismo com o espírito christão e liberal
das nossas instituições30.
O discurso é revelador, pois atribui a extinção do elemento servil somente aos
interesses particulares, ou seja, interesses do governo e dos próprios fazendeiros que
como vimos nos últimos meses do ano de 1888 estavam libertando seus escravizados
antes mesmo de uma lei a respeito disso ser instituída. Após o anúncio da abolição, no
dia 13 de Maio de 1888, a Gazeta de Notícias dedicou no dia 14 de Maio o jornal a esse
grande acontecimento. A princípio, abaixo do nome da folha o jornal trouxe a descrição
com a seguinte frase: “Brazil livre: treze de maio: extincção da escravidão” e abaixo os
dois artigos da lei Áurea. Após a exposição dos dois artigos da lei, que diziam que a
escravidão a partir daquela data estava abolida e que se revogava todas as disposições
contrárias, o jornal foi dedicado a José Do Patrocínio. Vejamos o discurso do jornal em
homenagem a esse líder abolicionista.
Tem-se dito e escripto, que na questão do elemento servil não há vencedores
nem vencidos. Isto não é rigorasamente exacto. Pode não haver vencidos,
porque há convencidos; mas incontestavelmente há vencedores, e entre esses
destacam-se no primeiro plano aquelles que offereceram francamente,
destemida e ousadamente, o seu peito à lucta pela idea de que se achavam
possuídos, e que por ella pelejaram valentemente, battendo-se dia e noite, a
29Gazeta de Notícias, 03 de Maio de 1888. 30 Gazeta de Notícias, 04 de Maio de 1888.
cada momento, com a palavra e com a penna, com a sua coragem e com a sua
convicção, não só contra os adversários naturaes, mas contra a calumnia,
contra a injuria, contra a conspiração dos interesses feridos, e contra a
avalanche das conveniências opportunistas. José do Patrocínio combateu e
venceu. O que esta feito não é exclusivamente obra do seu trabalho, da sua
dedicação e das suas convicções. Não é tudo d’elle; mas é o principal. A alma
, o espírito popular e desinteressado, foi elle que os introduziu na campanha
cujo resultado ahi esta festejado enthusiasticamente por um povo inteiro. A
Gazeta de Notícias onde esse moço glorioso, cujo nome há de figurar na
historia pátria como o de um dos seus maiores beneméritos, desfechou os
primeiros tiros contra o então vasto campo inimigo, orgulha-se e torna
publico o seu orgulho por esse facto, e presta-lhe no dia da victoria o mais
enthusiastico e o mais sincero testemunho do seu respeito e da sua
admiração. Na lucta triumphante do abolicionismo José do Patrocínio foi a
concretisação do espírito nacional. Mais de uma vez foi buscar os argumentos
a favor da grande causa, não é lógica dos compêndios, mas ao seu grande
coração. Para elle, o abolicionismo não foi unicamente uma questão social,
mas um dever de solidariedade humana. No ardor da peleja, confiava mais no
quadro descriptivo dos horrores da escravidão , do que nas vantagens
econômicas da abolição de tão nefanda instituição. E com essas armas,
venceu e com essa victoria não há ninguém que se julgue mais bem
recompensado de tantos sacrifícios e de tantas injustiças, o seu nome esta
inscripto para sempre no vasto coração de uma nação. A esse heroe do
abolicionismo, no qual vê a consubstanciação da grande alma nacional, faz a
Gazeta de notícias a mais fraternal demonstração do seu respeito e de seu
enthusiasmo. O dia 13 de maio de 1888, não é só o maior dia de nossa
história, é maior que toda a nossa história, na bella phrase de Affonso Celso
Junior. Não há mais escravos; todos são livres; todos são iguais; todos têm
aberta diante de uma carreira por onde avançar até onde seus talentos o
permittirem. Nada mais simples , é o que sucede em todo mundo civilisado ;
e entretanto nem um facto custou jamais tanto no Brasil...A Joaquim Nabuco,
que desde o principio de sua carreira jogou toda a sua fortuna n’esta causa em
cuja victoria ninguém acreditava, e honra para todos! Ganhou a causa e não
perdeu a fortuna; a Dantas, que converteu em programa de governo as
aspirações tímidas da população, A José Bonifácio, José Mariano, Leopoldo
de Bulhões, Affonso Celso Junior, Aristides Spinola, Jaguaribe . Ruy
Barbosa, Amaro Beserra, muitos outros, tantas vezes iguaes, tantas vezes
superiores aquelles dois astros de primeira grandeza... A fuga heroica dos
escravos de Capivary, ao aviso ministerial mandando dar baixa nas
matriculas dos escravisados libertos condicionalmente, a proposta dos
republicanos da libertação immediata, o assassinato do Rio do Peixe , tudo
foi material, tudo foi lenha que ateiou a fogueira immensa, a cujo calor nos
reunimos. A causa da libertação estava tão adiantada , que o actual
ministério teve de propor a abolição immediata, em que, ao menos na forma
que hontem recebeu a sanção imperial, provavelmente não cogitava. Se nos
permittisse o illustre abolicionista, preferiríamos até que se declarasse dia de
grande penitencia. Não é o que os escravisados vão gozar, é o que sofferam
gerações sucessivas que devemos ter em mente, e de que devemos nos
arrepender eternamente31.
Assim como o discurso da princesa Isabel, em que exaltou a iniciativa de
particulares para a abolição, a Gazeta exaltou um líder abolicionista, José do Patrocínio
e ainda em seu discurso cita também Joaquim Nabuco. Não estamos tirando aqui a
contribuição dos abolicionistas no processo de abolição, já que muitos líderes
31 Gazeta de Notícias, 14 de Maio de 1888.
contribuíram para que os escravizados ganhassem processo contra seus senhores,
apoiavam a fuga dos escravizados e compravam sua alforria. Mas, o discurso da Gazeta
de Notícias, não exalta a participação dos escravizados nesse processo, afinal, eles não
foram seres passivos, mas sujeitos conscientes de sua condição e que lutavam para se
livrar dela.
Araújo, portanto, não representava em seu jornal, tudo referente ao mundo
escravo, justamente para não interferir em seu projeto que visava principalmente a
manutenção da ordem, ou seja, a abolição deveria ser feita antes pelas forças políticas
do que pelos escravizados. Esse fato nos diz muito sobre a forma que o sujeito
escravizado aparecia na Gazeta de Notícias. Durante os meses em que analisamos o
periódico, encontramos a representação no jornal do mundo dos escravizados, de várias
formas, mas não encontramos nas colunas desse periódico o escravizado como sujeito
ativo nos debates em torno da abolição.
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PERIÓDICO ESTUDADO:
Gazeta de Notícias. (1875-1942).