a abolição - osório duque estrada

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Conselho E ditorialEdies Eletrnicas

A Abolio

Osrio Duque Estrada

Biblioteca Bsica

Classicos da Poltica

Brasil 500 anos

Memria Brasileira

O Brasil Visto por Estrangeiros

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Sumrio

Aoite em praa pblica. Aquarela de Jean-Baptiste Debret extrada do livro Brasil: uma Histria, de Eduardo Bueno, Editora tica, 2004, So Paulo SP.Pgina anterior

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A ABOLIO

Mesa DiretoraBinio 2003/2004

Senador Jos Sarney Presidente Senador Paulo Paim 1 Vice-Presidente Senador Romeu Tuma 1 Secretrio Senador Herclito Fortes 3 Secretrio Senador Eduardo Siqueira Campos 2 Vice-Presidente Senador Alberto Silva 2 Secretrio Senador Srgio Zambiasi 4 Secretrio

Suplentes de Secretrio Senador Joo Alberto Souza Senador Geraldo Mesquita Jnior Senadora Serys Slhessarenko Senador Marcelo Crivella

Conselho EditorialSenador Jos Sarney Presidente Joaquim Campelo Marques Vice-Presidente

Conselheiros Carlos Henrique Cardim Joo Almino Carlyle Coutinho Madruga Raimundo Pontes Cunha Neto

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Edies do Senado Federal Vol. 39

A ABOLIO

Osrio Duque Estrada

Braslia 2005

EDIES DO SENADO FEDERAL Vol. 39 O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997, buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cultural e de importncia relevante para a compreenso da histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do pas.

Projeto grfico: Achilles Milan Neto Senado Federal, 2005 Congresso Nacional Praa dos Trs Poderes s/n CEP 70165-900 Braslia DF [email protected] Http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Duque-Estrada, Osrio, 1870-1927. A abolio / Osrio Duque Estrada. -- Braslia : Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. 258 p. (Edies do Senado Federal ; v. 39) 1. Abolicionismo (1630-1888), Brasil. 2. Abolio da escravido (1888), Brasil. 3. Escravido no Brasil (1539-1888). I. Ttulo. II. Srie. CDD 981.0435

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SumrioPREFCIO

pg. 13INTRITO

pg. 19 A Colonizao pg. 27 A Lei de 1831 pg. 31 O Contrabando pg. 43 Os Precursores pg. 49 Rio Branco e o Ventre Livre pg. 59 Os Ministrios pg. 75 Emancipadores e Abolicionistas pg. 77 A Confederao Abolicionista pg. 85 A Libertao do Cear pg. 97

O Municpio Neutro pg. 107 A Libertao do Amazonas pg. 109 Ministrio Dantas (1884) pg. 113 Um Punhado de Fatos pg. 123 Ministrio Dantas (1885) pg. 127 Ministrio Saraiva pg. 137 Ministrio Cotegipe pg. 143 A Marcha da Abolio pg. 155 Cotegipe (1887) pg. 165 O 13 de Maio pg. 179 Lei n 3.353, de 13 de Maio de 1888 pg. 201 Estatstica sobre a Populao Escrava do Brasil pg. 203 Hino da Redeno pg. 205

Panteo Abolicionista pg. 207 Lus Gama pg. 209 Andr Rebouas pg. 211 Ferreira de Meneses pg. 213 Jos do Patrocnio pg. 215 Sizenando Nabuco pg. 217 Jos Bonifcio, o Patriarca pg. 219 Jos Bonifcio, o Moo pg. 221 Joaquim Nabuco pg. 223 Ferreira de Arajo pg. 227 Joaquim Serra pg. 229 Joo Clapp pg. 231 Antnio Bento pg. 233

Obiturio Abolicionista pg. 235 A Escravido e o Trono pg. 237 Histria Triste pg. 247 O ltimo Libertador pg. 251 Fiat Libertas pg. 253 Nota do Autor pg. 255

A sorte do negro o romance da nossa histria. Frederica Bromer A escravido um roubo. Divisa da Confederao Abolicionista

Sumrio

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Prefcio

N

consultei como devia as minhas circunstncias e possibilidades, quando assenti no compromisso de dar prefcio ao livro do Sr. Osrio Duque Estrada a respeito da abolio no Brasil. Esse trabalho, nas primcias de cuja leitura me foi dado saborear algumas horas de agradvel instruo e suave revivescncia de anos extintos, ainda to prximos e j to longnquos, merecia mais do que as honras vulgares de um breve prembulo, que alis o nome do autor e o interessante aspecto da matria bem descareciam. O elevado ponto de vista, donde o provecto escritor a considerou e lhe escorou o quadro, era digno de uma ainda introduo, que o acompanhasse em toda a extenso do horizonte explorado, e acentuasse, luz da boa crtica, as linhas caractersticas dessa fase do nosso existir nacional, que mais do que todas as outras nobilita o gnio do nosso povo. Mas, ator e parte nos sucessos dessa poca, em cujas lides me embebi to ardentemente desde 1869, quando ainda estudante, muito antes de aberta a campanha abolicionista, at depois do seu termo, nas agitaes que lhe sobreviveram, no era eu quem poderia assumir, com esperanas de bom xito, uma incumbncia, no desempenho da qual seO

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Osrio Duque Estrada

requeria a maior serenidade e a imparcialidade mais rigorosa quanto maneira de observar e ao critrio adotado em julgar homens, idias e coisas. Testemunha dos fatos, com a idoneidade moral para os atestar, de que a minha conscincia me d toda a segurana, isto, sim, poderia eu abalanar-me, sem receio, a ser; pois tenho a convico de que atravessei esses contrastes, e me despedi, afinal, dessas lutas, sem liames nem queixas pessoais, conhecendo os meus correligionrios, e respeitando os meus antagonistas. Ainda assim, porm, nenhuma necessidade tinha eu, quando a tal sacrifcio nenhum dever me solicitava, de ver expostos a contestao ou dvida os meus depoimentos pela suspeita de bem ou mal afeto aos indivduos, cujo nome, valor, ou crdito neles se achassem, porventura, envolvidos. Se Deus me viesse a permitir, mais tarde, algum lazer, para deixar escritas as memrias de parte, ao menos, da minha vida, desses lanos dela, que, tantas vezes, tem prendido intimamente com a da nao, nenhum captulo dessas minhas conversaes com o passado me seria mais grato que o das reminiscncias daquela cruzada redentora, em que a poltica, entre os lidadores da causa bem dita, sacudiu a poeira das misrias humanas, e se exalou s alturas da eterna verdade, intemerata no sentimento da sua pureza e intimorata na prescincia do seu triunfo. Mas no seria este o lugar nem o ensejo adequado ao primeiro ensaio de recordaes, que, tendo, necessariamente, alguma coisa de pessoais, no podiam constituir o intrito mais consentneo a uma obra impessoal de sinceridade e iseno como a do Sr. Osrio Duque Estrada. O nimo com que ele a concebeu reflete-se nas qualidades evidentes do seu livro, desataviado, escrupuloso e severo. O amor transparente da justia, com que o empreendeu, lhe imprime o mais sensvel relevo utilidade e ao merecimento. a primeira iniciativa resoluta e larga de preparao dos materiais para a histria do abolicionismo no Brasil.

A Abolio

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As tendncias do nosso temperamento e os vcios da nossa educao entretm no pas um meio moral extremamente desfavorvel preservao da verdade nos Anais da poltica nacional. A tradio dos acontecimentos corrompe-se logo ao nascedouro. Os fatos surdem flor da corrente que os traz, j decompostos, revoltos e meio afogados na lenda. Vendo como se turva e abastarda to cedo, to depressa, to de repente, a face da realidade, em relao aos sucessos da mais grave importncia e da expresso mais notria, que ainda ontem corriam, e ainda hoje vo correndo aos nossos olhos, os que viveram, como ns, a vida mesma desses acontecimentos, assistimos sua rpida transmutao numa silva de fbulas monstruosas ou extravagantes, em meio das quais se acaba, at, perdendo o tino da verdade. Cada faco, cada grupo, cada interesse, cada seita, cada fanatismo, cada dio, cada vingana tem o seu dolo, ou a sua vtima, a sua calnia, ou a sua apologia, e, de cada oportunidade, em cada comemorao, a cada aniversrio, os mesmos nomes e os mesmos estribilhos, os mesmos ataques e as mesmas loas, os mesmos entusiasmos e os mesmos esquecimentos, os mesmos silncios e as mesmas ovaes renovam periodicamente as injustias consagradas. destarte que se tem amanhado, em grande parte, para os vindouros a verso dos maiores acontecimentos polticos e sociais destes ltimos trinta anos. Dos homens que tiveram ao considervel nos fastos desse perodo capital na evoluo brasileira, desse perodo ao correr do qual vimos acabar a propriedade servil, e nascer o sistema de governo republicano, alguns, pelo menos, certamente no poderiam reconhecer, em muitas das noes que por aqui circulam acerca desses episdios memorveis, onde lhes coube papel assinalado, a realidade real das graves conjunturas, em que intimamente participaram, e notoriamente influram. Entregando-se ao trabalho de minudenciosa documentao e crtica imparcial, a que se entregou, o douto e laborioso autor deste estudo arredou-se da trilha dessa costumeira inveterada, e abriu, com o seu excelente exemplo, o caminho aos que, de futuro, quiserem, com seriedade,

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aprofundar o balano dessa poca obscurecida pelas adulteraes contemporneas, elucidando e desfabulando a histria das duas revolues, onde tem as suas origens imediatas o Brasil atual. Dessas duas revolues sucessivas, ambas incalculveis nos seus resultados, elegeu ele por objeto do seu tentmen a que, tendo a precedncia na ordem do tempo, tem, juntamente, a primazia em todos os sentidos; porquanto, estreme de toda e qualquer mescla de mal, sobressai inconcussa na sua justia, inquestionvel na sua excelncia, infalvel nos seus benefcios, e, consumando-se por obra do sentimento nacional na plenitude da sua madureza, a que mais honra a nao, de cuja vontade emanou, e a que traduz a mais bela, a mais lmpida, a mais santa, a mais profunda, a mais til de todas as nossas conquistas morais, de todas as nossas transformaes econmicas, de todas as nossas renovaes sociais nos quatro sculos de existncia deste ramo do gnero humano. A repblica originou-se de um acidente gerado pelas desordens de um organismo predisposto pelas suas condies de irresistncia e inrcia a no lhe resistir. Certas reformas, necessrias, urgentes, improrrogveis, t-la-iam prevenido e evitado. Certas emergncias, a que, nos seus primeiros momentos, a vimos arriscada, poderiam ter abortado o movimento nascena. A nao aceitou-o. Mas no era seu. No havia sido elaborado por ela mesma. No lhe derivava das entranhas, como o abolicionismo, que evolveu com exuberncia irresistvel do seio do povo, do mago da sociedade brasileira, do entusiasmo nacional em conflito com as trs nicas foras ento organizadas no pas: a riqueza territorial, a poltica conservadora e a Coroa. Da a relativa simplicidade, com que se apresenta s investigaes do historiador o curso dos sucessos, que ultimaram com a medida salvadora e regenerativa de 13 de maio de 1888. Os partidos, arrastados pela caudal abolicionista, desde que a aspirao que ela exprimia se pronunciou declaradamente no terreno dos fatos, no representaram, no desdobrar dos acontecimentos, seno um papel subalterno, constrangido e impotente contra a marcha torrencial das idias, que se apoderou dos es-

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pritos, inflamou o povo, invadiu o elemento militar, promoveu o xodo irreprimvel dos escravos, e arrancou ao trono a capitulao, que ele envidava todos os meios por iludir e retardar. Foi, pois, uma questo, que se resolveu, por assim dizermos, em cena aberta. Raros mistrios se lhe podero ocultar nos bastidores. Mas, ainda assim, no se depara a to singelo e limpo de tropeos, quanto seria de crer, o processo de ventilao da verdade histrica. Embora a sucesso dos acontecimentos se operasse quase toda no largo cenrio da publicidade, no so poucas as lacunas, os erros, as falsidades, as injustias, que, a mesmo, o tempo, a ignorncia, a inveja, a circulao, a malignidade, insinuaram, nutriram e desenvolveram. Foi recorrendo aos elementos mais positivos de averiguao, ora desconhecidos, ora sumidos, ora esquecidos, aos documentos mais solenes, aos atos pblicos, aos debates parlamentares, aos textos legislativos, aos arquivos da imprensa, da tribuna, das relaes internacionais, que a bem intencionada e bem lograda tentativa do Sr. Osrio Duque Estrada buscou debuxar os lineamentos da grande epopia nacional com estrita fidelidade, restituindo-lhe em muitos pontos, em pontos essenciais, a fisionomia verdadeira, demudada por imagens inexatas. No era a histria completa. No era a reconstituio definitiva do assunto. No era a liquidao metdica, sistemtica e decisiva do tema adotado o que ele cometia. O autor mesmo o definiu como mero esboo histrico. Mas, nestes limites, e, talvez, ainda alm destes limites, uma obra de conscincia, de boa f, de clareza, de verificao autenticada, que, de repositrios at agora mal utilizados, traz a lume abundantes e preciosos materiais, que desbasta o campo de ao a ulteriores cometimentos, e que, para o estudo seguro daquela poca, nos fica sendo um itinerrio, um manual, um tesouro de elementos indispensveis. Petrpolis, 27 de fevereiro, 1918.RUI BARBOSA

Sumrio

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Intrito

elemento servil a mais generosa, a mais entusistica e a mais popular de quantas at hoje se tem pelejado no Brasil est, desde muito, reclamando o seu historiador. No temos ombros nem nos sobeja tempo para levar a cabo empresa de tamanho tomo. Procurando estudar, ainda que superficialmente nos Anais parlamentares e documentos que a ele se referem, o perodo de 1830 a 1871, e depois a fase propriamente revolucionria do abolicionismo, cujos fatos principais testemunhamos, e em que, nos ltimos anos, de algum modo fomos parte, ainda que obscura e modestssima, tivemos apenas em mira estes dois patriticos e desinteressados escopos: concorrer com alguns subsdios histricos pacientemente restolhados, para facilitar a iniciativa de quem porventura se julgue com foras para a realizao da tarefa, e prestar um depoimento sincero e estreme de qualquer eiva de suspeio e parcialidade, acerca dos principais acontecimentos que se passaram diante dos nossos olhos. O intuito que ditou a elaborao deste modestssimo livro foi o de desbravar o terreno, com o registro dos fatos acumulados na pesquisa

A

CAMPANHA travada em prol da abolio do

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dos arquivos, ao futuro historiador da Abolio, a quem ficar reservado o encargo (sem dvida muito mais dificultoso) de socilogo e de crtico, encarregado de apreciar os fenmenos e as leis sociais relacionadas com a soluo daquele magno problema. No lhe escaparo, por exemplo, na explanao desses assuntos, as memorveis palavras do ministro americano que, ao erguer do tapete do Senado, em 1871, algumas das flores que o povo atirara sobre a cabea de Rio Branco, assim se exprimiu: Vou mandar estas flores para o meu pas, para mostrar como aqui se fez uma lei que l custou tanto sangue. Esta frase o advertir, desde logo, de que a escravido no Brasil no se caracterizou por uma guerra de raas, como nos Estados Unidos, mas deu ensejo, pelo contrrio, sua fuso e sua solidariedade, pela expanso de sentimentos nobres e altrusticos de confraternizao, de piedade e de filantropia. Caber-lhe- tambm a tarefa de assinalar, mais uma vez, a diversidade dos dois centros distintos (o do norte, localizado em Pernambuco, e o do sul, localizado em S. Paulo), que dirigiram a evoluo poltica da nossa nacionalidade; reconhecendo as causas vrias da acentuada predominncia do segundo nos movimentos vitoriosos da Independncia, da Abolio e da Repblica. Uma dificuldade, que se tem alegado sempre, com referncia revoluo de 15 de novembro, revolta da Armada, ao papel de Floriano, ao quatrinio de lama de 1910 a 1914, etc., e que Nabuco alegou tambm com referncia Abolio, a de poder ser a sua histria escrita com imparcialidade por um contemporneo, sem deixar entrar nela a paixo poltica, o preconceito sectrio e a predileo pessoal. Isso, porm, acontece (como com o prprio Nabuco sucedeu) quando, ao invs de deixar que s os fatos, fielmente reproduzidos, deponham em favor dos seus heris, procura o historiador, desprezando os materiais histricos, perder-se em consideraes abstratas, ou desacompanhadas de provas, e colo-

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car as figuras no plano privilegiado que a simpatia ou a predileo lhes assinala. Ainda nesse particular poder o presente trabalho, pela grande cpia de documentao autntica que oferece, orientar de algum modo o futuro historiador que se quiser entregar misso de oficioso distribuidor de palmas e coroas; e muito melhor ser que sejam desde logo expostos e discutidos os fatos, enquanto vivem os contemporneos, que os podero contestar ou retificar, do que relegados para um futuro remoto em que venham a ser deturpados, ou invertidos, ao sabor das convenincias e do interesse de cada um. Nabuco, que, por sinal, s em rpida passagem se limitou a citar e classificar apenas uma meia dzia de companheiros, teve a franqueza e a lealdade de confessar que, em tal caso, no lhe podia caber a misso de juiz. Foi, pois, coerente com o conceito que havia momentos antes expendido, e que a ele, mais do que a nenhum outro, devia naturalmente excluir, no s por ser parte na causa, como em virtude da sua dedicao pelo trono, ao qual procurou contraditoriamente emprestar um grande esprito de iniciativa em favor da reforma. Contraditoriamente dizemos porque, neste ponto, falam os fatos com mais eloqncia que as palavras e as lamrias, e s ltimas afirmaes do propagandista pernambucano se podem opor outras por ele mesmo pronunciadas em diversas ocasies. A legio dos falsos triunfadores tende a aumentar, dia a dia. Eis por que se no quer que a crnica da Abolio venha a ser feita pelos contemporneos, e sim pelos falsificadores da histria, que se deixam facilmente sugestionar e inspirar nas lendas e nos romances urdidos pelo interesse dos usurpadores de glrias e adesistas de ltima hora. Preferimos, por nossa parte, levantar a mscara hipocrisia e denunciar francamente o embuste de tal comdia, arrancando desde logo cabea de certos heris de fancaria a aurola de apoteose teatral com que se enfeitam, e as falsas insgnias com que a si mesmos se condecoram. Estes ex-

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purgos so necessrios, para que s o ouro puro da verdade venha a ser aproveitado na decantao dos materiais histricos de que se ho de servir os futuros Tcitos da Abolio. Os fatos, os documentos e o testemunho dos arquivos ho de depor com mais eloqncia e mais circunspectamente que as palavras, para reconduzir ao plano inferior de onde nunca deviam ter sado, as figuras apagadas, e, antes, reatoras, dos estadistas e dos prncipes, que a solidariedade congregou no momento da capitulao extorquida pelo povo, pretendendo metamorfose-los irrisoriamente em heris e pioneiros daquela santa cruzada.***

A histria do trfico africano e do contrabando negreiro, de que promanou quase toda a massa da escravido brasileira, no tem neste livro o desenvolvimento que comporta o assunto. Tratando especialmente da Abolio, e de preferncia da sua fase revolucionria, no quisemos recalcar por muito tempo o dedo naquela chaga, que, num decurso de mais de vinte anos, cancerou hediondamente o nosso organismo social, e enxovalhou a civilizao americana durante toda a primeira metade do sculo XIX. Ocupamo-nos apenas com mais detalhe da meia conquista de 1871, que teve a vantagem de despertar o sentimento nacional e desvendar ao pas a fortaleza negra do escravagismo impenitente, onde se encastelou durante cerca de vinte anos a resistncia frrea dos Paulinos, dos Cotegipes, dos Andrades Figueiras e dos Saraivas; e, com mais amor e cuidado, da fase militante e revolucionria do verdadeiro abolicionismo, que comea em 1879, com o movimento emancipador de Joaquim Nabuco, sobe de intensidade, em 1883, com a ao demolidora de Jos do Patrocnio e da Confederao Abolicionista, empolga a nao inteira em 1885 com o ministrio Dantas e a efervescncia dos comcios em que troveja constantemente a palavra fulminadora de Rui Barbosa, conquista

Sumrio

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ao mesmo tempo a Escola Militar e o Exrcito, provocando o xodo dos escravos, e tem, por fim, o seu eplogo fatal na alvorada luminosa de 13 de maio de 1888. essa a verdadeira epopia da Abolio, que h de ter no futuro o seu Homero, j que no logrou encontrar at agora o seu Tucdides.* * *

Na elaborao deste modesto trabalho1 cotejamos vrias vezes as informaes ministradas no livro do Sr. Tobias Monteiro e as interessantes notas fornecidas por Joaquim Nabuco, haurindo os melhores elementos de colaborao no valiosssimo arquivo do nosso amigo J. Ferreira Serpa Jnior nico sobrevivente ento dos diretores da Confederao Abolicionista e benemrito colaborador de Patrocnio e de Joo Clapp durante todo o tempo do perodo revolucionrio. Tudo mais resultou de paciente pesquisa feita nos arquivos e bibliotecas, ou decorreu da prpria reminiscncia dos fatos, autenticada pelo nosso testemunho individual.

1

Foi todo ele escrito em menos de dois meses, no perodo de 18 de dezembro de 1913 a 10 de fevereiro de 1914.

Prxima pgina

Sumrio

I A ESCRAVIDO AFRICANA; ANTECEDENTES HISTRICOS. O PERODO DE 1830 A 1850; A ABOLIO DO TRFICO E O CONTRABANDO

Pgina anterior

Sumrio

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A Colonizao

D2

ATA dos primeiros tempos do regime colonial a escravi-

do dos negros africanos em nossa terra. Ao instituir, em 1534, o malogrado sistema das capitanias hereditrias, de que fez doao a diversas pessoas gradas da sua Corte, estabeleceu D. Joo III, entre as concesses feitas aos donatrios, a de poderem cativar os gentios que quisessem para o seu servio e dos seus navios, e mandarem vender anualmente em Lisboa um certo nmero, livres da ciza QUE PAGAVAM TODOS OS OUTROS, E PAGANDO SOMENTE O DZIMO. Estes ltimos dizeres invalidam por completo a opinio de alguns historiadores menos avisados, segundo os quais teria sido na expedio de Antnio de Oliveira, j no governo de Tom de Sousa, que vieram para a Bahia, em 1551, os primeiros escravos importados da frica; e confirmam a do Visconde de Porto Seguro: Escravos africanos vieram para o Brasil desde a sua primitiva colonizao.2A importao direta comeou exatamente ao tempo das capitanias hereditrias, pois desse mesmo ano de 1534 que data a invaso dos portugueses em Guin, onde Alonso Gonalves aprisionou alguns naturais do pas, vendendo-os como escravos. Nem foi outra, certamente, a origem do trfico africano para o Brasil, posto que de Lisboa nos houvessem vindo alguns escravos desde 1532, ou mesmo antes.

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Das mesmas palavras se conclui ainda que foram duas as grandes nascentes da escravido entre ns: a que submeteu os ncolas brasileiros ao jugo destico dos colonizadores da terra, e a que subtraiu liberdade os infelizes habitantes da costa dfrica. A primeira localizou-se principalmente no norte; a segunda avassalou quase todo o centro do litoral, de Pernambuco a So Paulo, alm da corrente direta que foi ter ao Maranho. O ressurgimento da escravido nos tempos modernos foi condenado pelo chefe da Igreja, como uma abominvel revivescncia do paganismo; mas a colonizao americana, realizada principalmente por espanhis e portugueses, cujos sentimentos de humanidade e de altrusmo se haviam de todo embotado nas ltimas lutas, cristalizou em fato a existncia da instituio maldita, apoiada principalmente nos interesses da indstria. Nunca, porm, faltou contra ela o enrgico protesto dos filantropos, cuja voz comeou a ser ouvida nos meados do sculo XVIII e coroou-se, afinal, com a grande vitria proporcionada pelo intrpido Marqus de Pombal, que, alm de decretar a liberdade imediata dos ndios, por lei de 6 de junho de 1755, prestou igualmente civilizao e humanidade o grande servio de abolir o trfico africano para a metrpole, tolerando-o apenas para as possesses portuguesas, como expediente indispensvel reclamado pelas necessidades da colonizao.3 Foi um grande mal para o Brasil essa tolerncia do egrgio estadista, a quem ficamos devendo apenas a emancipao dos nossos silvcolas. Mas dentro em pouco a represso do trfico africano passou a ser exercida pela Inglaterra, que se tornou, por isso, benemrita pioneira da civilizao ocidental. Com ela teve de se haver o Brasil desde a poca da nossa independncia. Em 1580, data em que foi a colnia incorporada aos domnios de Filipe II da Espanha, em virtude do direito de herana reconhecido pelas cortes de Thomar, a populao de escravos africanos podia ser computada ainda em menos de oito mil indivduos, assim distribudos: Ita3 A Inglaterra libertou os escravos das suas colnias em 1833; a Sucia e a Holanda em 1846; a Frana e a Dinamarca em 1848; os Estados Unidos em 1865 e Portugal em 1856.

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marac, 200; Pernambuco, 2.000; Bahia, 4.000; Ilhus, 500; Porto Seguro, 100; Esprito Santo, 200; S. Vicente, 500; Santo Amaro, 200. Havia, por este tempo, 120 engenhos, que produziam a mdia anual de 70 mil caixas de acar. Em 1628, pouco antes do domnio holands, computava-se em cerca de 30.000 indivduos o total da populao escrava do Brasil; reduzindo-se de um tero a de 1755, com a promulgao da lei pombalina, que libertou os ndios escravizados. Foi nos primeiros anos do sculo XIX que a escravido aumentou consideravelmente entre ns com o extraordinrio desenvolvimento que teve o trfico africano. Em 1822 data da nossa emancipao poltica, a Inglaterra, que j vinha desde muito entabulando negociaes no mesmo sentido com a Coroa de Portugal,4 compreendeu as nossas dificuldades, e props ao Brasil a assinatura de um tratado abolindo o trfico africano, como condio preliminar para o reconhecimento da nossa independncia. Surgiram da a conveno de 1826 e a lei de 7 de novembro de 1831.

4

Para que se desse cumprimento a uma das estipulaes do Congresso de Viena.

Sumrio

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A Lei de 1831

E5

M 1826 assinou o Brasil com a Inglaterra uma conven-

o em que ficou estipulada entre essas duas naes a abolio do trfico africano,5 consagrando-se, ao mesmo tempo, o direito recproco de visita sobre os navios ingleses e brasileiros. Em 1827 foi a conveno impugnada no parlamento, alegando-se que s a este competia estabelecer penalidades, no tendo para isso competncia o Poder Executivo. Era, evidentemente, uma chicana; mas foi para arredar esse pretexto e responder a inmeras reclamaes da Inglaterra, que se decretou a lei de 7 de novembro de 1831, pela qual foram solenemente ratificados os compromissos cinco anos antes assumidos, dando-se sano legislativa quele pacto internacional. A iniciativa partiu da Regncia, composta de Lima e Silva, Brulio Muniz e Costa Carvalho, tendo sido o decreto referendado pelo Padre Diogo Feij, que era ento ministro da Justia. Estava, pois, completado o ato do Executivo.Baseados em um aviso do Ministro Sousa Frana, que, em maio de 1831, mandou instaurar vrios processos por contrabando, equivocaram-se alguns propagandistas da Abolio, supondo que o trfico estava de fato abolido dede 1826. A verdade, porm que a conveno estipulava que o transporte de africanos para o Brasil s comearia a ser tratado como pirataria a contar de 1 de maro de 1830.

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Osrio Duque Estrada

Isso, porm, no impediu que a lei de 1831 fosse, at mesmo depois de 1850, constantemente ludibriada, e que o contrabando campeasse impune por toda parte. Segundo os clculos ingleses, foi de cem mil o nmero de africanos contrabandeados em 1830. Eusbio de Queirs estimou em vinte mil a mdia para cada um dos anos decorridos de 1831 a 1841,6 ou sejam ao todo 220.000. Para os perodos subseqentes a seguinte a estatstica de Pereira Pinto, organizada de acordo com os documentos do Foreign-Office:1842. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1844. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1845. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1846. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1847 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1848. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1849. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1850 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1851. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1852 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17.435 22.249 19.453 50.324 56.172 60.000 54.000 23.000 3.287 700

1843 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19. 095

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325.715

Adicionando-se as trs parcelas encontradas em todos esses clculos, verifica-se que monta a 646.315, no mnimo, o total dos africanos introduzidos por contrabando de 1830 a 1852.7 De onde se conclui que, sendo de pouco mais de um milho o nmero dos cativos em 1880, era quase toda a escravido ilegal,8 por6 7 8 Lorde Palmerstron avaliava em 70.000 negros a importao anual antes de 1845; Ferdinand Denis computava-a em 90.000; o Visconde de Mau dava a mdia de 54.000 para a importao at 1850. O Conselheiro Rui Barbosa, baseando-se provavelmente nos dados fornecidos por Lorde Palmerstron, avaliou esse total em um milho. Andr Rebouas reforou este argumento, lembrando que antes de 1830 quase no se importaram mulheres; as que vieram depois, contrabandeadas, eram portanto de ventre livre.

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que provinha de um comrcio infame, fulminado pelas leis do Imprio com as penas cominadas ao crime de pirataria. Essa vergonha prosseguiu, no entanto, at 1853, embora em muito pequena escala nos dois ltimos anos, isto , depois da lei de 4 de setembro de 1850, que tomou o nome de Eusbio de Queirs. At essa data tudo conspirava para burlar a lei da Regncia, e o escndalo chegou a ponto de se apresentar no Senado, em 1837, um projeto cujo artigo 13, denominado por Nunes Machado o artigo monstro, concedia completo indulto aos piratas. O projeto arrastou-se at 1850, data em que foi rejeitado quase unanimemente pela Cmara dos Deputados. Antes, porm, havia atingido o trfico o seu cmulo; e, confessando os ministros brasileiros que no dispunham de meios eficazes para reprimi-lo, foi votada no parlamento ingls uma medida violenta, conhecida pelo nome de Bill Aberdeen, que autorizava os cruzeiros daquela nao a perseguir os navios brasileiros at mesmo nas nossas costas, aprision-los, vend-los, incendi-los, met-los a pique e entregar as respectivas tripulaes ao julgamento dos tribunais da Serra Leoa. Os mares brasileiros, seus portos e suas prprias fortalezas foram considerados como valhacoutos de piratas, e a voz do canho imps pela violncia o que no havia conseguido o apelo constantemente feito lealdade e f dos tratados. Nunca se vira tamanha humilhao como a que sofremos naquela poca. Fez-se preciso pr um paradeiro a semelhante vergonha. Foi, ento, adotada, em 4 de setembro de 1850, a lei de Eusbio de Queirs, que fulminou de morte o trfico africano. Dispunha ela no seu art. 1:As embarcaes brasileiras, encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importao proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, sero apreendidas, etc.

E no artigo 4:A importao de escravos no territrio do Imprio fica nele considerada como pirataria, e ser punida com as penas declaradas no art. 2 da lei de 7 de novembro de 1831.

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Mas os traficantes de carne humana obstinavam-se no propsito de prosseguir no infame comrcio; e, a despeito da vigilncia dos cruzeiros ingleses e da energia revelada por Eusbio de Queirs na represso severa do contrabando, ainda assim foram introduzidos 3.000 africanos em 1851, e 700 em 1852. Diante de tanto despudor e tamanha audcia, no estava completa a obra do benemrito estadista; era preciso apertar, ainda mais, o crculo de ferro dentro do qual o decreto de 4 de setembro de 1850 havia colocado os piratas. Essa misso estava reservada a um outro grande estadista do Imprio, que veio a ser, pouco depois, uma das maiores glrias do Partido Liberal. Em 1853 (ano em que subiu ao poder o ministrio CaxiasParan, do qual fazia parte, como ministro da Justia, o famoso tribuno e jurisconsulto Nabuco de Arajo) continuavam ainda os abusos e as infraes contra a lei repressora do trfico africano, que os contrabandistas impenitentes procuravam constantemente burlar. Nabuco decide-se, ento, a reprimir por todos os meios qualquer nova tentativa de pirataria negreira, e no hesita mesmo em propor medidas primeira vista antipticas e em contradio aparente com o seu esprito de jurisconsulto e de liberal. A mais importante de todas essas providncias foi a de cassar ao jri, nos lugares menos povoados, o julgamento das causas crimes, e essa ele a defendeu da tribuna da Cmara, nos seguintes termos:Em 1850, vs o sabeis, o grande mercado de escravos era nas costas; era a que havia grandes armazns de depsito onde todos iam comprar. Mediante essa lei de 4 de setembro de 1850 as circunstncias tornaram-se outras; os traficantes mudaram de plano. Apenas desembarcados os africanos, so para logo, por caminhos imprvios e por atalhos desconhecidos, levados ao interior do pas. face destas novas circunstncias, que pode o governo fazer com a lei de 4 de setembro de 1850, cuja ao somente restrita ao litoral? Se desejamos sinceramente a represso, se no queremos sofism-la, devemos seguir os africanistas nos seus novos planos... No para abusar que o governo quer estas disposies, porque para abusar eram bastantes e poderosos os meios que esto hoje sua disposio... Um governo, a menos que desconhea a sua misso, no pode, por amor de um interesse, comprometer os outros interesses da sociedade: na combinao de todos eles que consiste o grande problema da administrao pblica.

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Eu vos disse que o governo tinha o desejo sincero de reprimir o trfico e no queria sofismar a represso: no ser sofismar a represso o encarregar ao jri o julgamento deste crime? Os africanistas no ho de deixar de procurar para o desembarque aqueles stios em que a opinio for favorvel ao trfico; no ho de internar os africanos seno para os lugares em que acham proteo; e o jri desses lugares, os cmplices, os interessados, os coniventes no crime, podem julg-lo?

Apesar da oposio levantada, a proposta foi aceita, e prevaleceu o critrio de se localizar o jri nos centros de grande populao, onde pudesse funcionar e decidir com toda a independncia necessria. Com essa providncia salutar e outras medidas complementares, conseguiu Nabuco levar a cabo a sua patritica empresa, promulgando o decreto de 5 de junho de 1854. Nunca mais se contrabandearam escravos nas costas do Brasil, e a nica tentativa de desembarque, ocorrida em Serinham, no ano de 1857, teve, por parte do governo, a mais severa represso. Foi o Sr. Rui Barbosa, se no nos enganamos, o primeiro abolicionista que, baseado na lei de 7 de novembro de 1831,9 proclamou, desde 1869, a ilegalidade da escravido no Brasil, fornecendo o principal argumento de que se serviram mais tarde os propagandistas radicais de 1880, no incio da fase revolucionria que terminou com a conquista de 13 de maio de 1888. Em 1885, na memorvel festa realizada no teatro Politeama, em homenagem ao ministrio Dantas, dizia, com efeito, o Conselheiro Rui Barbosa, em um brilhantssimo discurso, saudando a tribuna popular:Do alto dela, no perodo, por assim dizer, de suas primeiras balbuciaes, bem longe daqui, na ptria de Jos Bonifcio, que o escravismo entregou ao senhor Moreira de Barros, coube-me, ainda estudante, consagrar a minha vida civilizao de minha ptria, protestando, com a lei de 7 de novembro em punho, contra a ilegalidade impune, vitoriosa, opulenta do cativeiro, sacudindo a verdade inflamada do direito s faces da pirataria triunfante sobre a runa da lei e dos tratados. (Aplausos.) Do alto dela, hoje dezesseis anos depois, desiludido pelas decepes pblicas que nos envergonham, penitente da nossa credulidade na transign9 Em rigor, o contrabando comeou desde maro de 1830, de acordo com a clusula j citada da conveno de 1826; e, segundo os documentos apresentados ao parlamento ingls, s naquele ano receberam as costas do Brasil cem mil africanos.

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Osrio Duque Estradacia dos interesses negreiros, ensinado por uma experincia de fel a conhecer as oligarquias corrilheiras que nos governam (aplausos), venho anunciar-vos que cessou a quadra da esperana, mentirosa ludibriadora da vossa honra, e que s nos resta o combate.

Para se compreender bem o que era a lei de 1831, e quais os motivos em que se basearam os abolicionistas de 1880, estribados na argumentao do genial orador baiano, preciso ler o discurso pronunciado pelo mesmo Conselheiro Rui Barbosa, em 7 de novembro de 1885, no teatro Lucinda, em uma festa comemorativa daquela lei e que foi tambm abrilhantada pela palavra de Jos do Patrocnio e Ciro de Azevedo. Referindo-se ento lei de 28 de setembro de 1885, cujo artigo 1 consagrava a nova matrcula de escravos, sem declarao de naturalidade, burlando assim a lei de 7 de novembro de 1831, e, conseqentemente, sancionando a pirataria que se exerceu em larga escala desde 1830 at 1850, mostrava o orador como ela nos transportava pelo esprito a uma quadra ominosa em que a monarquia, associada escravido, procurava embair a Inglaterra, violando despejadamente o tratado de 1826. Prosseguindo na anlise do monstro, que tiveram a dupla paternidade de Saraiva e Cotegipe, lembrava ainda o orador a conduta desleal do governo brasileiro, infringindo aquele convnio, durante o bero do segundo reinado e os onze primeiros anos da maioridade, com a agravante de desrespeitar sistematicamente a lei que fixara a liberdade dos africanos contrabandeados, cominando ao trfico negreiro a penas estabelecidas para o crime de pirataria. Referindo-se declarao de Eusbio de Queirs, de que o mrito da extino do infame comrcio de carne humana pertencera ao governo brasileiro, cuja vontade se fez obedecer, logo que ele energicamente o quis, recordava o Sr. Rui Barbosa que tanto maior fora nesse caso o nosso crime, porque o governo brasileiro s o quis seriamente quando a presso da Inglaterra, de morres acesos, fez sentir que recorreria superioridade da fora para impedir a continuao de semelhante prtica de barbaria no seio da civilizao ocidental. Quando, trinta e quatro anos depois, parecia que a realeza devia estar penitenciada da sua antiga aliana com a escravido, eis que o africanismo subia de novo os degraus do trono, para se sentar mais uma vez entre as instituies do pas.

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Compulsando os dados fornecidos em 1865 por um ex-representante do governo britnico no Brasil, avaliava o orador em cerca de um milho o nmero de africanos introduzidos em fraude e em desafio lei de 7 de novembro de 1831. No esquecia ainda o grande tribuno as instrues de Lorde Palmerstron, em 1850, ao ministro ingls no Rio de Janeiro, para que negociasse conosco uma comisso mista, qual incumbisse a emancipao dos negros detidos em cativeiro ilegal; nem a resposta do governo brasileiro, que refugou a proposta, alegando que a interferncia da Inglaterra em tal assunto seria uma usurpao da nossa autoridade e um desaire ao pundonor nacional. Citava em seguida as palavras do maior estadista da Inglaterra, consubstanciadas nas seguintes linhas:Temos um tratado com o Brasil (discorria Gladstone, na Cmara dos Comuns, em maro de 1850), tratado que esse pas dia a dia quebra, h vinte anos. Forcejamos de assegurar a liberdade aos africanos livres; trabalhamos at conseguir que os brasileiros declarassem criminosa a importao de escravos. Esse acordo incessantemente transgredido. Ns temos o direito mais cabal de exigir a sua execuo; e, se temos o direito de exigi-la, no menos direito nosso obt-la, em caso de recusa, ponta de espada. nosso jus perfeito dirigirmo-nos ao Brasil, reclamar que emancipe todos os escravos introduzidos desde 1830, e, se o no fizer, abrir-lhe guerra at o extermnio.

Confirmando a justia e a verdade dessas afirmaes, lembrava o orador brasileiro que pelo tratado de 1826, ratificado pela lei de 1831, a abolio do trfico assumira a carter de dever internacional; de onde se conclua que a restituio da liberdade aos africanos escravizados depois da lei de 7 de novembro era uma obrigao formal do direito das gentes, cujo desempenho nos poderia ser imposto pela outra parte contratante. Mostrava ento o grande apstolo da liberdade, com tresdobrada razo, que nem sequer o nosso patriotismo se poderia sentir humilhado com tal exigncia, ainda mesmo que imposta pela fora, porque mais humilhante seria para ns o oprbrio de cinqenta e quatro anos de conivncia criminosa com a dupla infmia da escravido ilegal inflingida a quase um milho de homens e perpetuada na sua descendncia. Eis a segunda parte do seu discurso:

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Osrio Duque EstradaDeparou-me, h alguns dias, o estudo destes assuntos, um despacho dirigido pelo representante do Reino Unido na Corte do Brasil ao Conde Russel, em 24 de junho de 1864. Chamando a ateno do governo imperial para o sem-nmero de anncios que, nas colunas do Jornal do Comrcio, reclamavam a apreenso de africanos evadidos, manifestamente livres pela lei de 1831, o ministro ingls obteve do gabinete declarao de que a polcia velaria, e recebeu solicitao de quantos esclarecimentos pudesse ministrar s autoridades brasileiras o plenipotencirio da Gr-Bretanha. O S e Albuquerque (reza esse despacho) confessou a responsabilidade do governo brasileiro quanto aos escravos importados de 1830 em diante. Cerca de dois meses h, se me no engano, que me aconteceu a fortuna de receber a visita de um co-provinciano meu, que chegava de uma das provncias do sul, onde exercera a judicatura de Direito, e seguia para uma provncia do norte, cuja presidncia lhe confiara o gabinete de 20 de agosto. Bem que conservador, esse moo ilustre honra-me com a sua amizade. Praticando ns, pois, cordialmente, sobre as coisas do dia, ofereceu-se-me ocasio de dar justos louvores a esse magistrado exemplar pela inteireza das suas sentenas, nas questes de liberdade que envolvem a lei de 7 de novembro, e congratulei-me com ele como confrade em abolicionismo. Sabeis o que me disse? Nada pratiquei ainda que autorize a qualificao de abolicionista a meu respeito. No aplicar a lei de 1831 seria pura e simplesmente prevaricar. Quaisquer que sejam as opinies polticas do magistrado sobre o problema servil, no h fugir entre a prevaricao ou a execuo da lei de 7 de novembro. Ora, no virtude, nem profisso de f, evitar a pecha de prevaricador. O Sr. Cotegipe conhece muito do ntimo esse magistrado.10 Entretanto, ainda h poucos dias, se dava a lume, no Dirio Oficial, um edital de praa, em que eram postos em hasta pblica, entre caldeires furados e vacas magras, vrios africanos que, pela idade anunciada, no podiam ter chegado s nossas costas antes de 1831; e, ao lado do Sr. Cotegipe, nos conselhos da Coroa, se senta, ministro da Fazenda, um correligionrio seu, que, numa escritura de hipoteca ao Banco do Brasil, enumera, entre as propriedades que obriga ao pagamento do seu dbito, duas africanas de quarenta anos e, portanto, forosamente livres. (Aplausos). Tais so, senhores, os intuitos que presidiram ultima reforma servil.

10 Referia-se o orador ao Dr. Anfilfio Freire de Carvalho, que foi mais tarde ministro do Supremo Tribunal, e ia, ento, assumir a presidncia da provncia de Alagoas.

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........................................................ Referindo-se ao processo de dois africanos, que, nesta capital, foram submetidos a jri por suspeita de roubo e absolvidos, sendo autora na lide a Justia, ponderava um antigo ministro ingls entre ns: Ocorreu acaso s autoridades brasileiras indagarem se esses dois africanos, contra quem se executava a lei, por indiciamento em roubo, no eram vtimas, eles mesmos, de roubo muito maior, contra a lei, em detrimento da sua liberdade? (Aplausos). Assim , senhores. O africano que lance mo violenta s migalhas dos vossos tesouros, perpetra um roubo, transgredindo um direito que no conhece, desconhecendo um cdigo para cuja elaborao no contribuiu, arrostando uma Justia organizada pelos seus carrascos, aventurando-se, unidade miservel, contra a multido, a polcia e a riqueza da populao opressora, rebelando-se contra um meio social que, aos olhos do escravo, no pode simbolizar seno o dio e a pilhagem, cedendo aos impulsos do instinto animal, nico princpio de vida consciente que a condio servil no destri. (Aplausos). E vs, com todo esse patrimnio de sentimentos morais que a vossa civilizao se ensoberbece de monopolizar; vs, que constitus o Direito feio da vossa vontade; que criais os cdigos para proteo da vossa honra; que dispondes dos tribunais para garantia da vossa opulncia; vs, vos comprometeis, perante a Europa, a no continuar a saquear de almas a frica (aplausos)... cominais, no papel, a ignomnia e o castigo de pirataria aos flibusteiros que desrespeitem a vossa palavra.... vs o estipulais com o outro continente e, no obstante, vs mesmos, vs, no indivduos dispersos, mas vs nao, vs governo, vs Estado, vs monarquia constitucional, vs vos fazeis o pirata mximo, cobrindo, aos olhos do mundo, com a improbidade nacional, os salteadores do tratado de 1826 e da lei de 1831. (Sensao. Aplausos.). E depois nos dizeis: Isto uma propriedade sagrada. Se entre os escravos evadidos das mos dos traficantes e as garras do trfico renascido puserdes a inviolabilidade de vossas casas, sereis arrastados aos tribunais como roubadores do alheio. Pois bem: ns vos desafiamos a que o faais. Essa lei calunia a nao: os nossos tribunais ainda se no compem de feitores de escravos, e, quando se compusessem, o mais caro desafogo de nossa conscincia seria aoitar-lhes as faces com o nosso desprezo. (Aplausos). Vinde, ns vos desafiamos! A Justia acusadora h de sair dessas audincias enfiada, como se a perseguisse a imagem da calceta (aplausos), por-

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Osrio Duque Estradaque nossos filhos, que nos ho de rodear, no carecero que lho digamos, para sentirem que esse o mais nobre exemplo da vida de seus pais; e o rgo do libelo pblico no ter palavras com que nos replique, quando lhe bradarmos: Esto trocados os lugares entre ns e vs. Ns somos a conscincia crist e a conscincia nacional, abraados ao mais legtimo dos seus direitos e ao mais santo dos seus deveres; o saque sois vs, o saque ungido em instituio legal (aplausos); porque os encobridores oficiais dos furtos cometidos contra a lei de 7 de novembro, a ciganagem que ainda se quer locupletar com os sobejos de vinte anos de contrabando humano, incorre em trplice roubo: roubo moral de centenas de milhares de liberdades; roubo de lesa-ptria conta a honra nacional, penhorada nos tratados; mas tambm roubo direto, positivo, material, pecunirio, do capital metlico que essa soma de cativeiros ilegais representa. (Aplausos). Se Tcito escrevesse os Anais destes tempos, a Nmesis da histria diria que, sob este regime, o Estado protegeu cinicamente a pirataria, definida pelos tratados, infamada pelo direito das gentes, fulminada pela legislao nacional, e quando os cargos e as honras pblicas se desacreditaram, pela preterio habitual do merecimento, o reformador inventou uma espcie inaudita de crime, cuja taxa os homens de bem ambicionavam como o ttulo mais expressivo do patriotismo e da virtude. (Sensao.) Uma ordem social sob cujo influxo, tais catstrofes morais se consumam, e coroam, dir-se-ia um mundo apagado, que garrou da rbita das leis eternas, e se precipita sinistramente para um ocaso misterioso. (Aplausos.) Para conquistarmos a lei de 1831, foi preciso que a realeza se eclipsasse na regncia. Ter o abolicionismo que aguardar de novo, para a sua vitria definitiva, segundo obumbramento da monarquia? A resposta dos fatos no pode estar muito longe.11 Como quer que seja, se h a, ao alcance da minha voz, algum emissrio, incumbido de levar ao centro onde cochila a grande aranha, notcias desta assemblia v dizer, aos que, como o Sr. Paulino de Sousa e o Sr. Belisrio de Sousa, perguntam com escrnio se o abolicionismo ainda respira v dizer ao gro-vizir deste governo muulmano, batizado pelo Sr. Cotegipe , v dizer-lhes que deixou aqui um ncleo de abolicionistas, resolvidos a recomearem a campanha, a despeito seja de que perseguies forem (aplausos); v dizer-lhes que em torno desse grupo se agita uma populao estreme do grmen dos piratas, disposta a dar-nos o conforto

11 Dupla e extraordinria profecia, que se realizava dois anos depois.

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das suas simpatias, a inspirao dos seus aplausos, a muralha dos seus peitos honrados (aplausos); v dizer-lhes, enfim, que contra a legalidade espria, inconstitucional, urdida pelo parlamento de 1885, esta comunho de espritos livres, face da constituio do Imprio, do direito ptrio e das Justias do pas, proclama o domnio da lei de 7 de novembro, a liberdade incondicional dos sexagenrios e o direito sacratssimo de asilo aos foragidos da escravido.(Aplausos repetidos e prolongados.)

Sumrio

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O Contrabando

ARA se imaginar o que era o trfico africano, basta haver lido algum dia as inspiradas estrofes do Navio Negreiro, de Castro Alves. Para que se faa, porm, uma pequena idia de quanto se multiplicaram e agravaram, durante a poca do contrabando, todos aqueles inominveis horrores, preciso, pelo menos, relancear os olhos por sobre esta pgina pungente e eloqentssima de Brougham, magistralmente traduzida pelo maior dos oradores brasileiros: Sendo descoberto, e ao perceber que o cruzador o persegue, tem que resolver o contrabandista se deve empregar esforos para tornar atrs, escapando por essa vez e aguardando ocasio mais oportuna, ou se tentar a travessia do oceano, e consumar o seu crime, chegando s costas americanas com parte, ao menos, da sua carga. Quantos horrores no se compreendem nestas palavras: parte da sua carga! Mas assim ; porque mal o bandido percebe que o cruzador o vai alcanando, concebe logo o projeto de aliviar o navio, e escolhe de preferncia as mercadorias mais pesadas, como se se tratasse de simples objetos materiais. Alija ento ao mar homens, mulheres e crianas! E cuidais que primeiro os alivia dos ferros? No! Sabeis por qu? Porque essas cadeias com que estavam jungidos no para garantir a tripulao dos piratas contra qualquer insurreio dos negros, mas para ter segura a mercadoria contra a hiptese do suicdio, com que o africano buscaria no tmulo do oceano o termo do seu martrio no se parafusam nem esto unidas por meio de

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Osrio Duque Estradacadeados que se possam abrir, em caso de tempestade ou de incndio; mas so chumbadas e soldadas ao fogo, para que nunca mais se possam tirar, nem afrouxar, enquanto, ao cabo da viagem tormentosa, no forem os mseros entregues ao cativeiro no mundo civilizado, onde se iro tornar sditos de monarcas cristos! As algemas so, s vezes, aproveitadas como pesos; e, juntam-se-lhes ainda mais pesos, para que os infelizes, impossibilitados de flutuar, sejam levados para o fundo. Por qu? Porque o negro, dotado de fora extraordinria e de um estranho poder de flutuao, que quase lhe empresta uma natureza de anfbio, poderia permanecer ainda com vida, ser apanhado pelo cruzador e servir de corpo de delito contra o assassino. Assim se prepara a fuga do criminoso, que no s torna mais leve o seu navio, como procura apagar os vestgios do delito. Mas no tudo. H exemplos de outras cautelas tomadas para o mesmo fim. Enchem-se pipas e pipas com criaturas humanas. S um navio alijou doze delas ao mar, carregadas de gente. Em outra perseguio aos piratas, em que dois navios debalde procuravam fugir, os contrabandistas atiraram ao mar quinhentas criaturas de todas as idades e de ambos os sexos! Esses fatos so referidos por oficiais ingleses ao servio da Rainha! Uma vez, eram perseguidos dois navios. De longe os nossos marinheiros viram lanar de bordo um negro, mais outro, e mais outro, at cento e cinqenta, de todas as idades; os mais vigorosos eram carregados de ferros, para que no pudessem nadar, ou boiar, os mais fracos sem cadeias, para que perecessem afogados. Esse espetculo tremendo passou-se s vistas dos nossos cruzadores. Eles presenciaram, sem que a distncia lhes permitisse qualquer socorro, a esta cena pungente: os homens afundando-se acorrentados, as mulheres e (quadro horripilante!) as pobres criancinhas bracejando debilmente nas ondas, at serem tragadas pelo mar e sepultadas no fundo da voragem!

Comentando, em um dos seus extraordinrios discursos, a monstruosidade dos crimes praticados no perodo ominoso do contrabando negreiro, tolerado pelo governo do Brasil durante mais de vinte anos, assinalou o Sr. Rui Barbosa que, para terem recebido as costas do Imprio cem mil escravos durante o ano de 1830, como consta dos documentos apresentados ao parlamento britnico, devia ter embarcado, pelo menos, duzentos ou trezentos mil negros no litoral africano! Em outra passagem das suas oraes, como se quisesse colorir com mais uma pincelada de mestre o quadro sinistro desenhado pela pena de Brougham, oferece-nos, extrado dos debates que se travaram naquele tempo, na Cmara dos Comuns, este sugestivo rol das munies

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encontradas a bordo de um navio negreiro, capturado no princpio do sculo XIX pelos cruzadores britnicos e julgado boa presa pelos tribunais ingleses: 55 dzias de cadeados, 93 pares de algemas, 197 grilhes, muitas toneladas decorrentes de ferro, 1 cofrezinho com objetos de culto religioso, e 1 ambulncia no valor de 50$000, para 800 escravos amontoados nos pores durante uma travessia que se prolongava por semanas e meses! Foi essa a principal e inesgotvel fonte da escravido brasileira, cujo patrimnio de africanos contrabandeados no perodo de 1830 a 1850 pode ser estimado em mais de meio milho de cabeas! Bastante razo tinha, pois, a musa herica de Castro Alves para exclamar indignada: E existe um povo que a bandeira empresta Pra cobrir tanta infmia e covardia! E, pouco depois, soltando o vo inspirao condoreira, que aos 24 anos de idade j o sagrava o mais genial de todos os nossos poetas, bradar, com a alma revoltada e vibrando nos acentos msculos daquela admirvel imprecao patritica: Auriverde pendo da minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balana! Estandarte, que luz do sol encerra As promessas divinas da esperana. Tu, que da liberdade aps a guerra Foste hasteada dos heris na lana, Antes te houvessem roto na batalha Que servires a um povo de mortalha!

Sumrio

II A EVOLUO EMANCIPADORA. RIO BRANCO E O VENTRE LIVRE(18531871)

Sumrio

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Os Precursores

BRINDO o primeiro captulo do livro Pesquisas e Depoimentos para a Histria, afirma o Sr. Tobias Monteiro logo nas linhas iniciais, que depois da abolio do trfico em 1850, a questo servil jazia adormecida; que uma ou outra voz isolada procurava agit-la, e logo se extinguia sem repercusso nem abalo, como simples manifestaes de filantropos ou filsofos; e que no campo da poltica, entre os homens de responsabilidades na vida pblica, no havia sinal de preocupao acerca desse assunto. Para o Sr. Tobias o incio do movimento emancipador data de 1867, ano em que os projetos de Pimenta Bueno foram submetidos ao estudo do Conselho de Estado, e Zacarias de Gis incluiu, na fala do trono um tpico muito discreto e cauteloso, relativo questo do elemento servil tentativa meramente platnica, s repetida em 1870, na vigncia do ministrio S. Vicente, e, afinal, corporificada em realidade, um ano depois, pelo Visconde do Rio Branco. Muito pobre e muito falha , como se v, a histria dos movimentos precursores da reforma, no livro do Sr. Tobias Monteiro, que abre nela um hiato de cerca de 15 anos. Sem ser preciso recordar que a abolio definitiva do trfico s se operou em 1853, graas ao enrgica do Senador Nabuco de Arajo, bastaria, para contrariar as afirmaes acima citadas, o seguinte trecho do Manifesto Abolicionista, redigido em 1883 por Andr Rebouas e Jos do Patrocnio:

A

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Osrio Duque EstradaEm vo desde 1852 comeou um trabalho persistente de alguns representantes da nao, para obter do governo a emancipao gradual; ora os projetos no eram julgados objeto de deliberao, como os de Pedro Pereira da Silva Guimares, ora eram sepultados nos arquivos, ou rejeitados, como os dos Senadores Jequitinhonha e Silveira da Mota.

Ningum dir que esses venerveis patrcios, membros proeminentes do parlamento nacional, no pertencessem ao campo da poltica nem fossem homens de responsabilidade na vida pblica. Mas outros muitos houve ainda, igualmente ilustres e respeitveis, que no podem ser esquecidos, e cujos nomes a histria registrar como de verdadeiros precursores da reforma de 1871. A Silva Guimares, que desde 1851 reclamava a liberdade dos nascituros e a proibio de se alienarem separadamente os cnjuges escravos, seguiu-se (de 1857 a 1865) a ao ininterrupta de Silveira da Mota, cujos projetos propugnavam o afastamento dos escravos das cidades, a proibio de estrangeiros, conventos e o Estado possurem escravos, etc. Em 1859 notabilssima a ao de Teixeira de Freitas, que incide na sua formidvel Consolidao das Leis Civis este grito de revolta, digno de ser gravado em caracteres de ouro:CUMPRE ADVERTIR QUE NO H UM S LUGAR NO NOSSO TEXTO ONDE SE TRATE DE ESCRAVOS. TEMOS, VERDADE, A ESCRAVIDO ENTRE NS MAS ESSE MAL UMA EXCEO, QUE LAMENTAMOS, CONDENADA A EXTINGUIR-SE EM POCA MAIS OU MENOS REMOTA. FAAMOS TAMBM UMA EXCEO, UM CAPTULO AVULSO, NA REFORMA DAS NOSSAS LEIS CIVIS; NO AS MANCHEMOS COM DISPOSIES VERGONHOSAS, QUE NO PODEM SERVIR PARA A POSTERIDADE: FIQUE O ESTADO DE LIBERDADE SEM O SEU CORRELATIVO ODIOSO. AS LEIS CONCERNENTES ESCRAVIDO (QUE NO SO MUITAS) SERO, POIS, CLASSIFICADAS PARTE E 12 FORMARO O NOSSO CDIGO NEGRO. 12 Chamou-se Cdigo Negro ao edito que regulava a sorte dos escravos das colnias francesas. Foi respondendo crtica dos jurisconsultos, pelo fato de no haver na Consolidao nenhuma referncia ao cativeiro, que Teixeira de Freitas levantou mais tarde esse eloqente protesto, consentindo apenas em classificar parte as leis odiosas referentes escravido, mas recusando-se de novo a inclu-las no corpo de sua obra.

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A atitude de Teixeira de Freitas inspira a conduta dos jurisconsultos e primeiros presidentes do Instituto dos Advogados, destacando-se os nomes de Nabuco, Saldanha Marinho, Montezuma (Jequitinhonha), Caetano Soares, Urbano, Perdigo Malheiros, Carvalho Moreira (B. de Penedo), etc. De Jequitinhonha, considerado pelo Visconde de Jaguari como o primeiro abolicionista do Brasil, diz Joaquim Nabuco no livro Um Estadista do Imprio: ele o primeiro que sustenta a abolio sem indenizao e a prazo curto (projeto de 17 de maio de 1865): Art. 4: No fim de dez anos cumpridos, contados da data da promulgao desta lei, sero livres todos os escravos maiores de 25 anos. Art. 5 Quinze anos depois da promulgao desta lei, fica abolida a escravido civil no Brasil; os escravos que ento existirem sero sujeitos s medidas decretadas pelo governo.

Em 1863 e 1865 registra-se ainda a ao de Tavares Bastos nas Cartas do Solitrio e na carta Anti-Slavery Societ; bem como em 1865 e 1866 a de Silva Neto, Cmara Leal e F. A. Brando. Destes dois ltimos anos que datam as primeiras cogitaes oficiais acerca da reforma. Com efeito, Nabuco, que fazia parte do ministrio Marqus de Olinda (24 de maio de 1865 a 3 de agosto de 1866), instou com o presidente do Conselho para que chamasse a ateno do parlamento, incluindo na fala do trono algumas palavras relativas ao elemento servil. No foi de simples evasivas, como se tem feito supor, a atitude assumida ento pelo marqus pois que, segundo o depoimento de Rio Branco, teria sido esta a sua resposta clara e positiva: Uma s palavra que deixa perceber a idia da emancipao, por mais adornada que seja, abre a porta a milhares de desgraas. em 1866 que Pimenta Bueno redige os cinco projetos (calcados uns sobre leis portuguesas, inspirados outros nas tentativas de Jequitinhonha e Silveira da Mota), sendo que o de n 4 estabelecia o prazo de cinco anos para a alforria dos escravos do Estado, e o de n 5 marcava o de sete para a libertao dos que pertencessem s ordens reli-

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giosas. (Estes eram emancipados incondicionalmente pelo projeto radical de Silveira da Mota.) Limitou-se Olinda a mandar submeter os projetos de Pimenta Bueno ao estudo de uma simples seo do Conselho de Estado, composta de Sousa Franco e Sapuca, que opinaram pela oportunidade da medida. Em 3 de agosto, porm, subiu ao poder o ministrio Zacarias, entrando Martim Francisco para a pasta dos Estrangeiros, e Dantas para a da Agricultura. Foi ento que se comeou a cogitar mais seriamente da reforma servil, maxime depois da mensagem dirigida ao Imperador pelos abolicionistas franceses, entre os quais figuravam o Duque de Broglie, o Conde de Montalembert, Guizot, E. Laboulaye, A. Cohin, o Prncipe de Broglie, Henri Martin, E. de Pressens, Wallon, Eug. Youg, etc. A fala do trono fez uma ligeira referncia questo, e os projetos foram remetidos ao Conselho de Estado. Houve neste grandes divergncias, salientando-se Olinda e Itabora na resistncia reforma, e Jequitinhonha e Nabuco em proclamar a sua necessidade. Rio Branco, membro tambm do Conselho de Estado, mostrou-se indeciso e votou pelo adiamento, alegando, como principal motivo, o fato de estarmos ento a braos com a guerra do Paraguai. Em vista da divergncia de opinies, e de terem sido rejeitadas algumas idias de S. Vicente, coube a Nabuco a incumbncia de redigir um projeto substitutivo, o qual entrou em nova discusso no Conselho de Estado, em abril de 1868, preponderando nessa memorvel reunio as idias retrgradas de Bom Retiro, e do prprio Rio Branco, que no aceitava a inalienao dos escravos sem os filhos menores, nem tampouco a liberdade dos nascituros sem indenizao. A 16 de julho, porm, ocorreu a queda de Zacarias, dando-se a ascenso dos conservadores, com a chamada de Itabora para organizar o novo gabinete. Estava, portanto, adiada a reforma, no s por serem conhecidas as idias do presidente do conselho, como porque do novo ministrio faziam parte, alm de outros, Paulino de Sousa, Cotegipe, Rio Branco e Jos de Alencar.

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O gabinete Itabora, que se conservou no poder desde julho de 1868 at setembro de 1870, assinalou, para a histria da abolio, um verdadeiro perodo de trevas dentro do parlamento, embora o entusiasmo de Nabuco no houvesse esmorecido, e a ele se viesse a dever a queda do ministrio, em virtude da aprovao de um aditivo emancipador, apresentado ao oramento da Receita. A ascenso dos conservadores, que fora recebida com grandes e violentos protestos pela maioria da Cmara, determinou desde logo a reorganizao do Partido Liberal, em cujo programa foi includa a idia da emancipao, sendo, pouco depois (1869), publicado o Manifesto, que terminava com o grito de: reforma ou revoluo!13 Em 1869, estando o poder ocupado por aquele gabinete escravocrata, o movimento abolicionista acentua-se na imprensa e na tribuna das conferncias. a vez de Rui Barbosa e Lus Gama secundados por Bernardino Pamplona, Amrico de Campos, Freitas Coutinho, Vicente Mamede e outros. Em 17 de maio publicava O Radical Paulistano, rgo do Club Radical, o seguinte programa:1 Reforma eleitoral, conforme as bases constantes do anexo n 1. 2 Reforma policial e judiciria, conforme as bases do anexo n 2. 3 Abolio do recrutamento. 4 Abolio da guarda nacional. 5 Emancipao dos escravos; consistindo na liberdade de todos os filhos de escravos, que nascerem desde a data da lei, e na alforria gradual dos escravos existentes, pelo modo que oportunamente ser declarado. A emancipao dos escravos no tem a mnima relao com o objetivo principal do programa, limitado a uma certa ordem de abusos; , porm, uma grande questo da atualidade, uma exigncia imperiosa e urgente da civilizao, desde que todos os Estados aboliram a escravido, e o Brasil o nico pas cristo que a mantm, sendo que na Espanha esta questo uma questo de dias. Certo, um dever inerente misso do Partido Liberal, e uma grande glria para ele, a reivindicao da liberdade de tantos milhares de homens, que vivem na opresso e na humilhao. 13 Esse Manifesto foi redigido por Nabuco e pugnava principalmente pela reforma eleitoral. a esta que se referem aquelas palavras.

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Em 25 de junho publicou O Radical Paulistano um vibrante artigo do Sr. Rui Barbosa, sob o ttulo A Emancipao progride. O artigo terminava assim:O Brasil, segundo a expresso de Laboulaye no congresso abolicionista de 1867, o Brasil est bloqueado pelo mundo. O poder cruza os braos? Pior para ele; a torrente o destruir. A abolio da escravido, quer o governo queira, quer no, h de ser efetuada num futuro prximo. Tal a realidade.

Esta profecia e este grito de guerra no eram simples manifestaes de filantropos ou filsofos, nem, muito menos, indicam que no campo da poltica no havia sinal de preocupao acerca desse assunto. Foi essa, pelo contrrio, uma verdadeira e brilhantssima fase de agitao abolicionista; e em duplo equvoco incide o autor das Reminiscncias, quando atribui, no s ao movimento em prol do ventre livre, como ao da abolio imediata, uma iniciativa toda parlamentar. A reforma de 1871 no procedeu da tentativa de Zacarias, nem a de 1888 do aviso de Joaquim Nabuco dado Cmara, como pretende o Sr. Tobias; o que caracteriza a campanha abolicionista no Brasil exatamente o fato de ter sido ela transportada vitoriosamente das ruas para o parlamento, como uma imposio e uma conquista da imprensa e da tribuna popular. Na fase de 1869, precursora da interveno decisiva de Rio Branco, cabe, ainda uma vez, ao Sr. Rui Barbosa, futuro campeo da liberdade dos brancos em plena vigncia do regime republicano, a glria de ser o apstolo e o evangelizador dos direitos da raa negra submetida violentamente ignomnia do cativeiro. Sua ao na imprensa foi desde ento assdua e ininterrupta. Do seu papel na tribuna d-nos conta a seguinte referncia, estampada na edio de O Radical Paulistano de 23 de setembro de 1869:QUINTA CONFERNCIA RADICAL: Domingo, 12 do corrente, teve lugar a 5 conferncia do Club Radical Paulistano, orando o Sr. Rui Barbosa sobre o tema o elemento servil. O orador depois de demonstrar que, sendo a emancipao um princpio de interesse universal, e no uma reforma poltica, tem, entretanto, sido convertida pelos partidos do pas numa questo de programa governativo, aludindo posio movida pelos histricos, em 1867 e 1868, contra os progressistas, pela insero dessa idia na fala do trono, bem

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como ao inopinado silncio guardado a esse respeito pelo gabinete Itabora no ltimo discurso da Coroa passa a provar que a existncia do elemento servil uma abominao moral, um ncleo de corrupo na vida pblica e domstica, e, argumentando com as leis da cincia econmica, esclarecidas com a histria da Unio Americana antes e depois de 1863, estabelece a infinita superioridade do trabalho livre sobre o trabalho servil.

...................................................Considerando ento a reforma quanto s circunstncias atuais do Brasil, prova com argumentos cabais a sua necessidade urgente, imediata, absoluta, no s pela presso que exerce sobre ns o esprito do sculo e porque as potncias civilizadas nos ho de forar a realiz-la, se no o fizermos espontaneamente, quanto antes, irrogando-nos mais um estigma ignominioso; no s pela sede de imigrao em que ardemos, imigrao europia, que essencialmente incompatvel com a manuteno do trabalho servil, e no imigrao asitica, imigrao de coolies, que o pas deve repelir a todo transe, porque importa na introduo de outra escravaria, to vil, to imoral e to funesta quanto a escravaria africana; como tambm porque preciso evitar que a tendncia escravista se enlace mais profundamente nas instituies e nos costumes ptrios, agora que um movimento ainda latente prenuncia a regenerao futura do Brasil. A emancipao diz o orador muito mais fcil em nosso Pas do que em todos aqueles onde se tem efetuado at hoje: 1 porque uma poro imensa da propriedade servil existente entre ns, alm de ilegtima, como toda a escravido, TAMBM ILEGAL, EM VIRTUDE DA LEI DE 7 DE NOVEMBRO DE 1831, E DO REGULAMENTO RESPECTIVO, QUE DECLARARAM EXPRESSAMENTE QUE SO LIVRES TODOS OS AFRICANOS IMPORTADOS DAQUELA DATA EM DIANTE donde se conclui que o governo tem obrigao de verificar escrupulosamente os ttulos dos senhores, e proceder na forma do decreto sobre a escravatura introduzida pelo contrabando; 2 porque a populao escrava do Brasil acha-se para com a populao livre em uma proporo incomparavelmente inferior quela em que se achava nas colnias francesas e inglesas, nem entre ns se d a circunstncia da grande luta civil no meio da qual foi proclamada a emancipao dos Estados Unidos.

O Ipiranga, tambm autorizado rgo das avanadas liberais, analisou igualmente a conferncia do Conselheiro Rui Barbosa, fazendo-lhe as mais lisonjeiras e entusisticas referncias. Com o eminente brasileiro trabalhava j tambm nesse tempo Lus Gama, advogado, orador e jornalista brilhante, que se dedicava com entranhado ardor defesa da sua raa.

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Coube, pois, a S. Paulo a honra de ter ouvido os primeiros protestos do abolicionismo radical, levantados na tribuna e na imprensa pelos dois eminentes vultos brasileiros. A estes devia juntar-se mais tarde a figura gloriosa de Jos Bonifcio, cujos monumentais discursos concorreram poderosamente para a vitria da grande causa no bero da nossa independncia e, por fim, nos quatro cantos do vasto imprio do Brasil. Caindo, em setembro de 1870, o gabinete Itabora, em conseqncia da aprovao de um aditivo de Nabuco de Arajo que mandava aplicar do saldo oramentrio a quantia de mil contos alforria de escravos, foi chamado Pimenta Bueno (j ento Marqus de S. Vicente) para organizar o novo ministrio. Renasceram as esperanas emancipadoras; mas a pouca habilidade daquele poltico devia dentro em pouco desvanec-las. O gabinete ficou assim constitudo: Estrangeiros S. Vicente. Fazenda Inhomirim. Imprio Joo Alfredo. Justia B. Jaguari. Guerra Arajo Lima. Marinha Pereira Franco. Agricultura Teixeira Jnior. Alm da idia emancipadora, cogitava-se igualmente da reforma eleitoral, e em ambas essas questes o novo governo manifestou-se logo desunido, principalmente por causa de Jaguari (Trs Barras), cuja deslealdade se tornou patente com a declarao de que no considerava coisa sria a apresentao de um projeto sobre o elemento servil. A imprensa recebeu de lana em riste esse gabinete heterogneo, cujos dias de existncia ficaram desde logo contados, principalmente por causa da reforma eleitoral, que ele julgava s poder ser realizada por meio de uma constituinte. Talento apenas terico, sem o menor traquejo poltico, desconhecendo os homens e dotado de carter irresoluto, que ainda mais se agravava por uma extraordinria timidez, no pde o novo presidente

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do conselho arrostar a onda da oposio, dirigida principalmente por Zacarias e por quase todo o Partido Liberal. O resultado dessa falta de energia e de aptido para a luta foi a queda do gabinete, antes mesmo da abertura do parlamento, retirando-se S. Vicente no dia 6 de maro de 1871, depois de cinco meses apenas de governo, e quando mais propcia parecia a situao para ser encaminhado o problema, pois que desde a sesso anterior havia sido a questo agitada na Cmara, por Teixeira Jnior, relator de um projeto sobre emancipao, em favor do qual conseguira obter maioria na comisso, com o apoio de Junqueira e Barros Barreto, contra os votos de Rodrigo Silva e Andrade Figueira. S. Vicente indicou Rio Branco para seu sucessor, convencido de que era ele o nico chefe capaz de arrostar a situao e executar a reforma. Seria verdadeiro esse conceito? O futuro e a realidade dos fatos incumbiram-se de responder pela afirmativa; mas o passado, incoerente com estes, depunha positivamente em sentido contrrio. Basta examinar a atitude assumida por Paranhos, em 1867, nas duas sesses do Conselho de Estado, nas quais declarou preliminarmente no conhecer no Brasil questo mais grave e de mais extensas conseqncias do que a da emancipao. Na Frana e na Inglaterra, onde a escravatura no era to numerosa, nem dela dependia to profundamente a fortuna particular, e o trabalho produtivo do pas, ali, o mesmo problema, posto que circunscrito s possesses coloniais e limitado emancipao de alguns milhares de escravos, FOI EMPRESA DELONGO TEMPO PREPARADA E ANTE A QUAL RECUARAM MUITAS VEZES OS ESPRITOS MAIS LIBERAIS E AFOITOS.

Citando depois o exemplo das outras naes, e lembrando que em todas elas houvera uma presso moral ou material, que as obrigara a dar aquele passo, acabava por achar que tudo no Brasil aconselhava, a manter-se o status quo na debatida questo do elemento servil. Conclua, pois, pelo adiamento da reforma, depois de um discurso terrorista em que externava srias apreenses acerca do abalo que ela viria a produzir na situao moral e financeira do pas. Veremos adiante como Rio Branco se defendeu mais tarde das acusaes que lhe fizeram no parlamento, pela incoerncia que, alis,

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s existe no fato de assumir ele a iniciativa da reforma, em contradio com as idias expendidas em 1867 no Conselho de Estado, porque, quanto ao projeto, que se converteu na lei de 28 de setembro, nenhum conceito lhe quadrar melhor que a do senador francs pela Martinica, Victor Schoelcher: Se fosse possvel conceber uma instituio mais vil e mais infame que a escravido, essa lei odiosa a retrataria fielmente.

Sumrio

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Rio Branco e o Ventre Livre

O GABINETE S. Vicente, que durara apenas de 29 de setembro de 1870 a 7 de maro de 1871, sucedeu, nesta data, o de Rio Branco, que deveria permanecer no governo at 24 de junho de 1875. Esse ministrio ficou assim constitudo:

A

Fazenda Rio Branco. Imprio Joo Alfredo. Justia Saio Lobato. Estrangeiros M. F. Correia. Agricultura Teodoro Machado. Guerra Jaguaribe. Marinha Duarte de Azevedo.14 A grande capacidade de Rio Branco, no s como estadista, mas como chefe de partido (ver o perfil traado por Joaquim Nabuco, no 3 volume da sua obra, Um Estadista do Imprio, e bem assim o Elogio14 Posteriormente com a sada de Saio Lobato, passou Duarte de Azevedo para a pasta da Justia, entrando Joaquim Delfino para a da Marinha. Da dos Estrangeiros saiu tambm Correia, sendo substitudo por Carneiro de Campos (V. de Caravelas); Junqueira sucedeu a Jaguaribe na da Guerra, e a Teodoro Machado sucederam Itana, Barros Barreto e Costa Pereira.

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Histrico, de Rozendo Muniz Barreto, e em Esboo Biogrfico, de Escragnolle Taunay) revelou-se desde logo na organizao do gabinete 7 de maro, cujos membros, com exceo apenas de Saio Lobato, eram todos seus discpulos e parlamentares ainda novos na carreira poltica. Alm de conseguir assim a homogeneidade, que faltara ao ministrio S. Vicente, arredara tambm o inconveniente das rivalidades, porque a sua figura pairava em grande destaque, acima de todas as outras. Antes da abertura do parlamento, comeou o trabalho preparatrio das reformas que o presidente do conselho adaptara no seu programa: reforma judiciria, da guarda nacional e da instruo pblica; reorganizao do Exrcito e da Marinha, aquisio de material blico e de novos monitores e couraados, etc. Pouco depois de abertas as Cmaras, partiu o Imperador para a Europa, deixando como Regente do Imprio a Princesa D. Isabel, que tinha apenas vinte e cinco anos de idade. Nada fazia ainda prever a deciso do Partido Conservador e a tempestade que se havia de desencadear mais tarde com a resistncia escravocrata rigidamente organizada por Paulino de Sousa, Andrade Figueira e Ferreira Viana, e a que emprestariam toda a sua solidariedade Rodrigo Silva, Perdigo Malheiros, Jos de Alencar e Duque Estrada Teixeira. A proposta governamental, vazada nos moldes da que fora anteriormente formulada por Teixeira Jnior e refletida dos projetos de S. Vicente, foi apresentada Cmara por Teodoro Machado, ministro da Agricultura, na sesso de 12 de maio. Compunha-se de duas partes distintas, com dez artigos e quarenta pargrafos, ao todo, sendo que a primeira se ocupava particularmente da situao dos nascituros, regulando a segunda as libertaes que teriam de ser feitas pelo fundo de emancipao, sem cogitar de outros meios para extinguir o cativeiro. A primeira parte, composta de dois artigos e dez pargrafos, era assim redigida:PROPOSTA: Art. 1 Os filhos de mulheres escravas, que nascerem no Imprio desde a data desta lei, sero considerados de condio livre e havidos por ingnuos.

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1 Os ditos menores ficaro em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mes, os quais tero a obrigao de cri-los e trat-los at a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da me ter a opo ou de receber do Estado a indenizao de 600$, ou de utilizar-se dos servios do menor at a idade de vinte e um anos completos.15 No 1 caso o governo receber o menor e lhe dar destino em conformidade da presente lei. A indenizao pecuniria acima fixada ser paga em ttulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se consideraro extintos no fim de 30 anos. 2 Qualquer desses menores poder remir-se do nus de servio mediante prvia indenizao pecuniria, que por si ou por outrem oferea ao senhor de sua me, procedendo-se avaliao dos servios pelo tempo que lhe restar a preencher, se no houver acordo sobre o quantum da mesma indenizao. 3 Cabe tambm aos senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquelas estiverem prestando servios. Tal obrigao, porm, cessar logo que findar a prestao dos servios das mes. Se estas falecerem dentro daquele prazo, seus filhos podero ser postos disposio do governo. 4 Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito anos, que estejam em poder do senhor dela por virtude do art. 1, lhe sero entregues independentemente de indenizao, exceto se preferirem deix-los e o senhor anuir a ficar com eles. 5 Nos casos de alienao da mulher escrava, seus filhos livres, menores de 12 anos, a acompanharo, ficando o novo senhor da mesma escrava sub-rogado nos direitos e obrigaes do antecessor. 6 Cessa a prestao de servios dos filhos das escravas antes do prazo marcado no 1 se, por sentena do juiz, reconhecer-se que os senhores das mes os maltratam, inflingindo-lhes castigos excessivos, ou faltam obrigao de os criar e tratar. 7 O direito conferido aos senhores no 1 poder ser transferido, nos casos de sucesso necessria, devendo o filho da escrava prestar servios pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava. Art. 2 O governo poder entregar a associaes por ele autorizadas os filhos das escravas nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do art. 1 , 6. 15 E chamou-se a isso Lei do Ventre Livre!

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Osrio Duque Estrada 1 As ditas associaes tero direito aos servios gratuitos dos menores, at a idade de 21 anos completos, e podero alugar esses servios, mas sero obrigados: a) a criar e tratar os mesmos menores; b) a constituir para cada um deles um peclio, consistente na quota dos salrios que para este fim foi reservada nos respectivos estatutos; c) a procurar-lhes, findo o tempo de servio, apropriada colocao. 2 As associaes de que trata o pargrafo anterior sero sujeitas inspeo dos juzes de rfos. Esta disposio aplicvel s casas de expostos e s pessoas a quem os juzes de rfos encarregarem a educao dos ditos menores, na falta de associaes ou estabelecimentos criados para tal fim. 3 Fica salvo ao governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos pblicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigaes que o 1 impe s associaes autorizadas.

Tal proposta era, como se v, uma ridcula mistificao, criando para os nascituros uma situao em tudo comparvel do cativeiro, at que atingissem a maioridade. A verdade que por ela ningum nascia livre no Brasil: a liberdade era adquirida por servios, aos vinte e um anos de idade, ou aos oito, mediante indenizao de 600$000, paga pelo governo, SE A ISSO ANUSSE O SENHOR! O povo deixou-se iludir, e os prprios abolicionistas celebraram como uma vitria a passagem dessa lei vergonhosa e imoral, concorrendo para isso dois motivos: a engodo contido no falso ttulo de Lei do Ventre Livre e, ainda mais, a tempestade e a reao que esse mero impulso humanitrio levantou no grmio dos fazendeiros e senhores de escravos com assento na Cmara e no Senado. Como havia de acontecer mais tarde, com a simples idia generosa de Dantas, que visava conceder a liberdade aos sexagenrios, provocando as cenas mais escandalosas e a triste frase de Lacerda Werneck dem-nos ao menos um nquel!, assim aconteceu ento, abroquelando-se os escravocratas do parlamento numa resistncia de que no houvera at ali memria nos anos das duas Casas Legislativas. Entrincheirando-se na defesa de uma propriedade que Deus sequer ainda existia, apegavam-se ao velho brocardo latino segundo o qual partus sequitur ventrem.

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Essa resistncia monstruosa e desesperada deu ao povo a iluso de que se lutava realmente por um princpio de liberdade, e fez a glria de Rio Branco, coroando a luta herclea que este teve de sustentar contra a coligao do escravagismo ferrenho e intolerante. A leitura da proposta governamental congregou desde logo contra o projeto os inimigos da liberdade. A comisso especial incumbida de emitir parecer foi eleita por pequena maioria e ficou assim constituda: Pereira Franco, Pinto de Campos, Arajo Lima, Joo Mendes e ngelo do Amaral. Logo na sesso de 10 de junho, Perdigo Malheiros ocupou a tribuna e, produzindo um caloroso discurso, em que anunciava achar-se estremecida a propriedade agrcola e ameaados os lavradores, no s nos seus bens como na sua prpria segurana, apresentou, como recurso protelatrio, um requerimento em que pedia cpia de um sem-nmero de trabalhos, estudos, pareceres, informaes, ofcios e documentos relativos questo do elemento servil.16 Foi na sesso de 30 de junho que Pinto de Campos leu perante a Cmara o longo parecer formulado pela comisso. Esse trabalho conclua afirmando que a proposta do governo, com algumas ligeiras modificaes, era digna da aprovao da Cmara; tendo sido as modificaes consubstanciadas em vrias emendas aos artigos 2, 4, 6, 7, 8 e 9. Quando o projeto foi dado para discusso, em 10 de julho, Pereira Viana levantou a primeira tormenta, com um requerimento em que pedia preferncia para o projeto da comisso sobre a proposta do governo. Respondeu-lhe Rio Branco, sempre eloqente, sucedendo-lhe na tribuna Jos de Alencar, que acudiu em auxlio de Ferreira Viana. Alencar Araripe, querendo inutilizar o recurso de obstruo, requereu urgncia para que a discusso prosseguisse, com prejuzo de todas as outras matrias da Ordem do Dia. Andrade Figueira e outros escravocratas promoveram ento grande tumulto, at que pde usar da palavra Teixeira Jnior, que impugnou calorosamente o requerimento de Ferreira Viana.16 Nabuco atribui a esse deputado sentimentos abolicionistas, e pretende que foi esse o motivo da sua oposio ao projeto.

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A 11 encerrou-se a discusso e o requerimento foi rejeitado. Dado discusso, no dia 13, o art. 1 da proposta do governo, rompeu o debate Jos de Alencar, que comeou declarando no ser seu intuito discutir o assunto, mas levantar um protesto contra essa GRANDE CALAMIDADE SOCIAL que, sob a mscara da lei, AMEAA A NAO BRASILEIRA. Foi um discurso infeliz, como o que o ilustre literato havia pronunciado dois meses antes, impugnando a viagem do Imperador e concitando a Princesa a no aceitar a regncia. Os debates prosseguiram com violncia e provocando sempre incidentes tumultuosos. Acusado de incoerncia, por assumir, em 1871, a direo do movimento emancipador, que havia condenado, quatro anos antes, defendeu-se Rio Branco do seguinte modo, na Cmara dos Deputados:A opinio que manifestei em 1867, quando tinha a honra de assistir s conferncias do Conselho de Estado, foi trazida por alguns nobres deputados como acusao de incoerncia. Felizmente, senhores, os meus pareceres esto impressos. Ns estvamos ento em princpios de 1867, e pela primeira vez nos conselhos da Coroa se agitava esta grave questo. Conheci que j havia opinies muito adiantadas; fui, portanto, muito cauteloso, pelo que respeita questo de oportunidade; mas reconheci que no era possvel adiar por muito tempo a reforma, e adotei desde ento todos os meios que se acham consagrados no projeto que ora discutimos. Nessa poca cumpria considerar, pelo que respeita oportunidade de reforma, que a guerra intestina dos Estados Unidos chegava apenas ao seu termo; que a guerra do Paraguai nos assustava, e o seu termo no era previsto. Qual seria, qual poderia ser o seu desfecho? Qual o estado do Brasil depois dessa grande crise? Declarei, por isso, que convinha preparar o projeto, mas que se no podia desde logo assinar como poca de sua oportunidade a terminao da guerra do Paraguai. Eu me achei, porm, Sr. Presidente, depois disso, entre no menos de 50.000 brasileiros, que estiveram em contato com os povos dos Estados vizinhos; e sei por mim, e por confisso de muitos dos mais ilustrados dentre eles, quantas vezes a permanncia desta instituio odiosa no Brasil nos vexava e nos humilhava ante o estrangeiro. Cada vez mais me convenci de que uma das principais causas, se no a mais influente, das antipatias, das prevenes, e algumas vezes at o desdm, com que somos vistos nos Estados sul-americanos, nasce de uma falsa apreciao sobre o Brasil, em conseqncia do estado servil... Estamos em 1871, e no em 1867. As circunstncias do pas so diversas, os tempos so outros.

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J ento eu adaptava todos os princpios contidos na proposta, e por que sustentei que a reforma no era naquele tempo oportuna, hei de ser forado a sustentar eternamente a sua inoportunidade? Singular maneira de entender a coerncia, Sr. Presidente!

O art. 1 do projeto teve de ser largamente discutido, porque, diante da atitude da oposio, disposta a criar todos os embaraos passagem da reforma, o recurso do governo teria de ser futuramente o dos pedidos de encerramento, desde que se houvessem manifestado dois ou trs oradores sobre a matria em debate. Os amigos da situao eram obrigados a comparecer, ainda mesmo custa dos maiores sacrifcios, como aconteceu com um representante de Mato Grosso, que teve de ser conduzido para a Cmara, em estado grave, atacado de uma erisipela. A discusso prolongou-se at 22, dia em que Joo Mendes pediu o encerramento, sendo o seu requerimento aprovado debaixo de uma tempestade de protestos da oposio, com Andrade Figueira frente. Depois de um longo incidente tumultuoso, foi concedida votao nominal para o art. 1 da proposta, verificando-se o seguinte resultado: Votaram SIM, isto , aprovando o art. 1, os seguintes deputados: ngelo Amaral, Pinheiro, Fausto Aguiar, Siqueira Mendes, Gomes de Castro, Herclito Graa, Coelho Rodrigues, Sales, Bandeira de Melo, Pinto Braga, Moreira da Rocha, Domingues, Arajo Lima, Alencar Araripe, Gomes da Silva, Raposo da Cmara, Carneiro da Cunha, Pinto Pessoa, Diogo Velho, Henriques, Correia de Oliveira, Teodoro da Silva, Ferreira de Aguiar, Baro de Araagi, Portela, Melo Rego, Pereira de Campos, Manuel Clementino, Baro da Anadia, Casado, Melo Morais, Sobral Pinto, Meneses Prado, Fiel de Carvalho, Guimares, Afonso de Carvalho, Pinto Lima, Bahia, Leal de Meneses, Dionsio Martins, Gonalves da Silva, Pereira Franco, Arajo Gis, Junqueira, Teixeira Jnior, Benjamin, Camilo Figueiredo, Ferreira Lage, Cndido da Rocha, Vicente Figueiredo, Lus Carlos, Joo Mendes, P. Toledo, Floriano de Godi, Cardoso de Meneses, Camilo Barreto, Paranhos, Correia, Baro da Laguna, Galvo, Evangelista Lobato e Bittencourt (62).

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Osrio Duque Estrada

Responderam NO: Jansen do Pao, Jos de Alencar, Souza Reis, Taques, Silva Nunes, Ferreira Viana, Duque Estrada Teixeira, Francisco Belisrio, Almeida Pereira, Paulino de Sousa, Pereira da Silva, Andrade Figueira, Lima e Silva, Diogo de Vasconcelos, Perdigo Malheiros, Canedo, Pinto Moreira, Monteiro de Castro, Jos Calmon, Ferreira da Veiga, Barros Cobra, Cruz Machado, Cndido Murta, Joaquim Pedro, Rodrigo Silva, Gama Cerqueira, Capanema, Jernimo Penido, Costa Pinto, Antnio Prado, Nbias, Melo Matos, Azambuja, Joaquim de Mendona, Simes Lopes, Pederneiras e Leonel de Alencar (37).17 Dos cem deputados que se achavam desimpedidos, compareceram todos (havia algumas vagas, e a oposio contava ainda com alguns enfermos e ausentes na Europa e nas provncias.) O governo dispunha de 63, inclusive o presidente, isto , do nmero estritamente necessrio para fazer sesso, porque correspondia metade e mais um do total, que era 125. Essa circunstncia foi habilmente explorada pela oposio, que obrigava os partidrios do governo a comparecer em massa, por que ela s penetrava no recinto depois de iniciados os trabalhos. Ainda assim, e com o recurso de encerramento das discusses pelo processo chamado da rolha, ultimaram-se as votaes no dia 29 de agosto, seguindo nessa data o projeto para o Senado. No foi to calma nem to frouxa, como afirma o Sr. Tobias, a resistncia oposta reforma nesta lti