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se fa A aplicação da biblioterapia no processo de reintegração social CDU : 615.8:028:364 Maria Helena Hees Alves* 54 Biblioterapia: definição, histórico, evolução, técnicas usadas, campo de ação e aplicação nas instituições correcionais. 1. INTRODUÇÃO o presente trabalho procura dar al- gumas noções sobre o que é biblioterapia, suas origens, evolução e técnicas usadas na sua aplicação, mostrando também, um novo campo de trabalho para o bibliote- cário. Seu objetivo é o de demonstrar a pos- sibilidade de sua atuação corno terapia au- xiliar no interior do sistema carcerário, com indicações essenciais sobre as medi- das mais indicadas. 2. EVOLUÇÃO HISTORICA E DEFINiÇÕES A biblioterapia é urna forma de trata- mento bastante recente. Vários autores a ela têm se referido corno meio eficaz na recuperação de pessoas psiquicamente doentes ou portadoras de problemas. Apesar do uso recente, vem de longa data a idéia do valor terapêutico da leitura. Há •Aluna do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Espírito Santo Rev. bras. Bibliotecon. e Doe. 15 (1/2):54-61.jan./jun. 1982 ,- ... ~ r ? I [ l l ~ A aplicação. da biblioterapia no processo de reintegração social milênios atrás, o faraó egípcio Ramsés II mandou colocar no frontispício de sua bi- blioreca a inscrição: "Remédios para a al- ma". Entre os romanos do primeiro sé- culo, nós vamos encontrar em Aulus Cor- nelius Celsus, palavras de estímulo ao uso da leitura e discussão dos preceitos dos grandes oradores .como forma terapêuti- ca. Na Idade Média, na abádia de São Gall, havia a inscrição: "Tesouro dos remédios da alma". Nos Estados Unidos, o uso da biblio- terapia começou por volta de 1800. Ben- jamim Rush foi um dos primeiros ameri- canos a recomendar a leitura para doentes mentais. No seu livro "Medical inquiries and observations upon the diseases of the mind", ele aconselha o uso da leitura co- rno forma de apoio à psicoterapia, não só para doentes mentais, mas para pessoas portadoras de conflitos internos, melan- colia, medos, manias ou, mesmo, para idosos. Vários autores publicaram em segui- da, artigos relatando suas experiências com doentes mentais. O termo biblioterapia, porém, só foi definido em 1941 pelo Dicionário Médico "Dorland's Illustrated MedicaIDictionary" corno "o emprego de livros e de sua leitura no tratamento de doenças men- tais". A palavra, entretanto, já havia sido usada anteriormente. O primeiro dicionário, não especiali- zado, a registrá-Ia foi o "Webster's Third International Dictionary", em 1961, co- rno: "uso de material de leitura seleciona- da, corno adjuvante terapêutico em Medi- cina e Psicologia" e também: "guia na so- lução de problemas pessoais através da leitura dirigi da ", tendo sido essa adotada oficialmente pela Associação para Biblio- tecas de Hospitais e Instituições. Várias outras definições são encon- tradas em autores diversos. Segundo Do- ming Buonocori, no seu "Diccionario de bibliotecologia" a biblioterapia é "a arte de curar as enfermidades por meio da lei- tura". Ruth Tews, também, definiu bi- blioterapia corno "um programa de ativi- dade selecionada envolvendo materiais de leitura planejado, conduzido e controlado para tratamento, sob orientação médica, de problemas emocionais". Segundo a au- tora, esse tipo de tratamento pode ser ad- ministrado por um bibliotecário especial- mente treinado. O importante é o registro minucioso e atento de todas as reações dos pacientes, o que deverá ser apresenta- do ao médico para avaliação. As primeiras experiências em biblio- terapia foram feitas por médicos ameri- canos em 1815 e 1853. Eles recomenda- vam a seus pacientes hospitalizados a lei- tura de livros cuidadosamente seleciona- dos e adaptados às necessidades indivi- duais. 3. O PAPEL DO BIBLlOTECARIO Em 1914, a biblioterapia passa a ser considerada corno um ramo da bibliote- conornia, quando urna certa bibliotecária, assumindo a direção de urna biblioteca hospitalar, em Massachusetts; resolve fa- zer suas próprias experiências. Até hoje há controvérsias sobre a aplicação de biblioterapia por bibliotécá- rios. Alguns autores acham que cabe a eles, tão somente, a escolha do material empregado. Outros acham que, graças ao seu "background", eles estão gabaritados para aplicar a biblioterapia, bastando ape- nas um treinamento especial. O fato é que as primeiras experiências foram feitas por médicos em bibliotecas hospitalares. Nas instituições correcionais americanas, a bi- blioterapia é aplicada por bibliotecários . enquanto que nos hospitais eles apenas Rev. bras. Bibliotecon. e Doe. 15 (1/2) :54-61. jan./jun. 1982 55

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A aplicação da biblioterapia noprocesso de reintegração social

CDU : 615.8:028:364 Maria Helena Hees Alves*

54

Biblioterapia: definição, histórico,evolução, técnicas usadas, campo de açãoe aplicação nas instituições correcionais.

1. INTRODUÇÃO

o presente trabalho procura dar al-gumas noções sobre o que é biblioterapia,suas origens, evolução e técnicas usadasna sua aplicação, mostrando também, umnovo campo de trabalho para o bibliote-cário.

Seu objetivo é o de demonstrar a pos-sibilidade de sua atuação corno terapia au-xiliar no interior do sistema carcerário,com indicações essenciais sobre as medi-das mais indicadas.

2. EVOLUÇÃO HISTORICA EDEFINiÇÕES

A biblioterapia é urna forma de trata-mento bastante recente. Vários autores aela têm se referido corno meio eficaz narecuperação de pessoas psiquicamentedoentes ou portadoras de problemas.Apesar do uso recente, vem de longa dataa idéia do valor terapêutico da leitura. Há

•Aluna do Curso de Biblioteconomiada Universidade Federal do Espírito Santo

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A aplicação. da biblioterapia no processo de reintegração social

milênios atrás, o faraó egípcio Ramsés IImandou colocar no frontispício de sua bi-blioreca a inscrição: "Remédios para a al-ma". Entre os romanos do primeiro sé-culo, nós vamos encontrar em Aulus Cor-nelius Celsus, palavras de estímulo ao usoda leitura e discussão dos preceitos dosgrandes oradores .como forma terapêuti-ca. Na Idade Média, na abádia de SãoGall, havia a inscrição: "Tesouro dosremédios da alma".

Nos Estados Unidos, o uso da biblio-terapia começou por volta de 1800. Ben-jamim Rush foi um dos primeiros ameri-canos a recomendar a leitura para doentesmentais. No seu livro "Medical inquiriesand observations upon the diseases of themind", ele aconselha o uso da leitura co-rno forma de apoio à psicoterapia, não sópara doentes mentais, mas para pessoasportadoras de conflitos internos, melan-colia, medos, manias ou, mesmo, paraidosos.

Vários autores publicaram em segui-da, artigos relatando suas experiênciascom doentes mentais.

O termo biblioterapia, porém, só foidefinido em 1941 pelo Dicionário Médico"Dorland's Illustrated MedicaIDictionary"corno "o emprego de livros e de sualeitura no tratamento de doenças men-tais". A palavra, entretanto, já havia sidousada anteriormente.

O primeiro dicionário, não especiali-zado, a registrá-Ia foi o "Webster's ThirdInternational Dictionary", em 1961, co-rno: "uso de material de leitura seleciona-da, corno adjuvante terapêutico em Medi-cina e Psicologia" e também: "guia na so-lução de problemas pessoais através daleitura dirigida ", tendo sido essa adotadaoficialmente pela Associação para Biblio-tecas de Hospitais e Instituições.

Várias outras definições são encon-tradas em autores diversos. Segundo Do-

ming Buonocori, no seu "Diccionario debibliotecologia" a biblioterapia é "a artede curar as enfermidades por meio da lei-tura". Ruth Tews, também, definiu bi-blioterapia corno "um programa de ativi-dade selecionada envolvendo materiais deleitura planejado, conduzido e controladopara tratamento, sob orientação médica,de problemas emocionais". Segundo a au-tora, esse tipo de tratamento pode ser ad-ministrado por um bibliotecário especial-mente treinado. O importante é o registrominucioso e atento de todas as reaçõesdos pacientes, o que deverá ser apresenta-do ao médico para avaliação.

As primeiras experiências em biblio-terapia foram feitas por médicos ameri-canos em 1815 e 1853. Eles recomenda-vam a seus pacientes hospitalizados a lei-tura de livros cuidadosamente seleciona-dos e adaptados às necessidades indivi-duais.

3. O PAPEL DOBIBLlOTECARIO

Em 1914, a biblioterapia passa a serconsiderada corno um ramo da bibliote-conornia, quando urna certa bibliotecária,assumindo a direção de urna bibliotecahospitalar, em Massachusetts; resolve fa-zer suas próprias experiências.

Até hoje há controvérsias sobre aaplicação de biblioterapia por bibliotécá-rios. Alguns autores acham que cabe aeles, tão somente, a escolha do materialempregado. Outros acham que, graças aoseu "background", eles estão gabaritadospara aplicar a biblioterapia, bastando ape-nas um treinamento especial. O fato é queas primeiras experiências foram feitas pormédicos em bibliotecas hospitalares. Nasinstituições correcionais americanas, a bi-blioterapia é aplicada por bibliotecários .enquanto que nos hospitais eles apenas

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auxiliam o terapeuta na busca e seleçãodo material empregado.

Várias discussões têm ocorrido a res-peito do papel do bibliotecário como te-rapeuta, começando a aparecer uma ter-minologia nova: "the clinical librarian"(o bibliotecário clínico). Seria ele um pro-fissional com conhecimento de psicologiae relações humanas especialmente treina-do para essa atividade.

Outros profissionais podem tambémtrabalhar dentro dessa especialidade: psi-cólogos, psiquiatras, enfermeiros e tera-peutas ocupacionais.

A biblioterapia, no entanto, faz par-te do trabalho bibliotecário mas os pro-fissionais do ramo não assumiram aindaessa tarefa correndo o risco de se tornaruma especialidade dentro de outras áreas.

4. TÉCNICAS USADAS

Os elementos presentes na bibliote-rapia são comparáveis aos da psicoterapia:universalização, identificação, catharsis e"insíght" .

O conteúdo do livro é apresentadocomo uma experiência que pode trazer arecordação de um fato ao qual o leitor es-tá preso. O conteúdo da leitura pode tra-zer a identificação entre o leitor e um per-sonagem do texto apresentado. Esta expe-riência pode provocar também subitamen-te o "insight" levando o paciente à aceita-ção da realidade. Os sintomas tornam-semenos angustiantes, quando percebemosque são comuns a muitas pessoas.

A aplicação da biblioterapia não estálimitada aos livros tão somente, apesar desua origem grega (biblon = livro e thera-peia = tratamento). Ela utiliza tambémmaterial audio-visual, assim Como a leitu-ra propriamente dita, a capacidade literá-ria dos pacientes, ou qualquer outro tipode documento. A composição de um gru-

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po de leitura dirigida varia muito de acor-do com o local e o tipo de paciente a elesubmetido. De qualquer forma, cabe sem-pre ao bibliotecário a escolha do materialque deve ser cercado de muita atenção ecuidado, de maneira a corresponder aosgostos, nível intelectual, tendências e ida-de do grupo. A seleção dos documentosdeve, também, ser feita de maneira a levarotimismo e alegria às sessões, evitando,sempre, inibir ou deprimir o paciente. Olivro deve ajudá-lo na solução de seus pró-prios problemas, sem aumentar-lhe o sen-timento de culpa, mas também, sem ino-centá-lo, procurando sempre um exemploimitável.

A terapia pode ser aplicada de váriasmaneiras. A leitura do material escolhidopode ser feita antes ou durante a reunião.O terapeuta pode ler alto ou o grupo po-derá ler alto, junto ou individualmente.

. Geralmente o livro é escolhido pelá pa-ciente dentro de um limite de opções. Emseguida, o médico debate o assunto. Issopoderá ser feito em forma de uma simplesdiscussão ou através de psicodrama, cria-ção literária nos diversos estilos, em gru-po ou isoladamente. Existem nos EstadosUnidos, até mesmo, grupos organizadosnesse sentido como o "poetry TherapyAssocíatíon" fundada em 1959.0 tera-peuta poderá também atuar simplesmen-te Como um contador de estórias. Já em1919, Freud acentuava o fascínio do con-tador de estórias, capaz de transmitir hu-mor, guiar as correntes de nossas emoçõesou conseguir represá-Ias ao seu bel prazer.Com o mesmo material, ele é capaz deconseguir uma grande variedade de efei-tos.

A discussão que se segue à apresenta-ção do material nada tem a ver com críti-ca literária. O que importa são as reaçõesindividuais diante do que foi lido ou con-tado. Cabe ao terapeuta uma minuciosa

observação de todas as reações do grupo.Para isso é muito importante o conheci-mento prévio de cada paciente, que deve-rá ser levado a relacionar o que foi lidocom o seu próprio caso. O terapeuta de-verá registrar na ficha do paciente tudo oque foi observado não só para futuras ava-liações, mas, também, para que outraspessoas, que compartilham do tratamen-to, possam se beneficiar dessas anotações.Emprega-se, até mesmo, o "videotape"como forma de registro da sessão.

A biblioterapia carece de experimen-tação para se tornar uma ciência, apesarde ser comprovada a sua eficácia quandoaplicada à criança com bom desenvolvi-mento na leitura. Como disse AngelaRatton, "é condição básica para a apli-cação da biblioterapia, que o paciente se-ja um leitor, pelo menos, em potencial".

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~5. CAMPO DE AÇÃO

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A biblioterapia pode ser usada: noCampo Correcional, na Educação, na Me-dicina e na Psiquiatria.

Na medicina, o livro pode ser muitoútil como fonte de recreação para pessoashospitalizadas, ou para informação sobretratamentos especiais ou cirurgias a quetenham que se submeter, ou ainda, parapessoas portadoras de problemas comoobesidade ou afasia. Para o velho a biblio-terapia é muito indicada pois, além dotempo disponível para leitura, eles infor-mam-se sobre assuntos cercados de mui-tos preconceitos, conseguindo assim o alí-vio de suas preocupações. Eles tomam,através do livro, conhecimento do proces-so de envelhecimento sob seus aspectospsicológicos, físicos e sexuais.

Na psiquiatria a biblioterapia é umvalioso coadjuvante. Há casos em que odoente tem grande dificuldade de expres-são e comunicação, exigindo um trata-

mento prévio para a terapia propriamen-te dita. Em outros casos, pelo mesmosmotivos, grupos de leitura dirigi da São or-ganizados simultaneamente à psicotera-pia. Em ambos os casos os progressos ob-tidos são altamente benéficos no proces-so terapêutico. As primeiras experiênciascom grupos de leitura foram feitas comdoentes mentais. São beneficiados tam-bém com esse tipo de tratamento os al-coólatras ou viciados em drogas ou ascrianças excepcionais.

Na educação o livro tem sido usadodesde longa data como apoio em crisesde adolescentes ou com crianças comproblemas especiais como morte em fa-mília, divórcio, etc. Educadores e biblio-tecários têm se valido do livro, em muitasocasiões, como precioso auxiliar no pro-cesso educacional.

No campo correcional várias expe-riências têm sido feitas com jovens de-linqüentes e criminosos adultos, na espe-rança de solucionar, através de modernastécnicas biblioteconômicas, os seus múl-tiplos problemas.

6. BIBLlOTERAPIA NASPRISÕES

A aplicação da biblioterapia nas ins-tituíções correcionais está condicionada,obviamente, à existência de uma bibliote-ca prisional.

No Brasil as deficiências são muitograndes nesse setor e não podemos nosafastar da nossa realidade .sócío-econômí-ca ao fazer qualquer tipo de proposição.

A reeducação do apenado é uma ta-refa difícil e de resultados duvidosos.

Qualquer que seja o grau de evoluçãodo sistema prisional de um país, dele éinseparável a segregação do preso que éobrigado a guardar silêncio na sua cela apartir de certa hora ou, de fazê-lo na hora

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das refeições ou no desempenho de seupróprio trabalho.

O confinamento do ser humano é umfator de deterioração de sua personalida-de. Arrancado de seu meio social, por for-ça da sentença condenatória, ele ingressaem um estabelecimento penal que podeser de natureza industrial ou agrícola.Desde os primeiros dias de convivênciacom outros condenados ele sente que pre-cisa ser duro para ser respeitado, para nãosucumbir às perniciosas lideranças de ou-tros presos, procurando, sempre, mostrar-se pior do que realmente é.

O ideal seria que todo preso, ao in-gressar numa instituição correcional, fossesubmetido a testes psicológicos e encami-nhado para tratamento adequado ao seucaso. Essa idéia tem sido muito debatidae várias experiências têm sido feitas nessesentido. Constatou-se, porém, que o de-tento, ao ser considerado um doente, enão um infrator, pernicioso à sociedade,passou a assumir menos a sua responsabi-lidade, a sua culpa. "Tratamento" parapresos virou modismo. Como, porém, osresultados não foram satisfatórios, pas-sou-se a contestar, até mesmo, o uso dessapalavra, procurando substituí-Ia por ou-tras mais adequadas. Hoje, chegou-se àconclusão de que o melhor tratamento éaquele que visa desenvolver nos presos osenso de responsabilidade.

De um modo teral, é aceita a idéiada falência do sistema prisional como for-ma de reintegração. Na realidade, apesarda constatação de que a pena privativa daliberdade não recupera ninguém, nadaexiste para substituí-Ia. Atualmente, pro-cura-se incrementar a construção de pre-sídios abertos ou semi-abertos e substi-tuir a privação de liberdade por penaspecuniárias. Evita-se, com isso, a super-população das penitenciárias e os proble-mas dela decorrentes.

Entre os criminólogos, é generaliza-da a idéia de que o tempo de reclusão,além da função punitiva, deve ser apro-veitado para a recuperação do detento.

Para que se reeduque o apenado éimportante criar-se um ambiente adequa-do e que o pessoal administrativo seja de-vidamente treinado e possua condiçõesmorais e intelectuais para o desempenhode suas funções. As prisões devem teruma arquitetura condizente com a sua fi-nalidade, evitando-se as adaptações gros-seiras e desconfortáveis, geradoras de pro-miscuidade e super população.

Em nosso país a população carcerá-ria é constituída, na sua maioria, de anal-fabetos ou serni-analfabetos não possuin-do, muitas vezes, nem mesmo, uma habi-litação profissional. Daí porque se tornaobrigatória a freqüência ao MOBRAL, apar do aprendizado profissional.

E aconselhável que se procure tam-bém melhorar as condições de saúde dodetento, oferecendo-lhe assistência médi-ca e dentária, tornando-o apto a uma vidamelhor.

Uma das regalias oferecidas aos reclu-sos é o direito a algumas modalidades delazer, tais como a prática de esportes, aassistência à televisão, atividades artísti-cas, etc. Aqui entra o papel do bibliote-cário no sentido de introduzir a leituranas horas convenientes.

Nas Regras Mínimas para o Trata-mento dos Presidiários aprovadas no "Se-minário Latino-americano sobre preven-ção do delito e tratamento dos delinqüên-tes", realizado pela ONU no Rio de Janei-ro, em 1953, vamos encontrar nos artigos39 e 40 as seguintes recomendações:

"Art. 39 - Os reclusos deverão serinformados periodicamente dos aconteci-mentos mais importantes, seja por meiodos jornais, revistas ou publicações peni-tenciárias especiais, seja por meio de ernis-

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soras de rádio, conferências ou qualqueroutro meio similar, autorizado e fiscaliza-do pela administração.

Art. 40 - Todas as instituições de-vem manter uma biblioteca, para uso dospresos de todas as categorias."

O detento . deve receber informação,através de cursos, palestras, visitas, paraque não fique completamente desatualiza-do e possa, com mais facilidade, readap-tar-se à comunidade de onde veio.

Para neutralizar os efeitos estressan-tes das prisões, a administração recorre àsterapias convencionais, em que sobrelevaa do trabalho. Prisão sem trabalho consti-tui um foco permanente de rebelião. As-sim, o trabalho diurno, em dois turnos, éo recurso habitualmente usado pela admi-nistração das prisões para aliviar as ten-sões psíquicas e os fatores enervantes domeio ambiente. A característica repetitivae monótona do trabalho exige, todavia, aaplicação de outras formas de terapia oude lazer, para evitar o processo de desinte-gração de sua personalidade.

Vários autores acham que o trata-mento do detento é um processo por de-mais oneroso para sair dos cofres públi-cos. Há sugestões válidas sobre a possívelparticipação da comunidade no trabalhode reintegração do delinqüente. É comumdizer-se que o criminoso é fruto da socie-dade e foi por ela criado. Cada cidadão se-ria, pois, responsável, com sua parcela deculpa, devendo, portanto, dar a sua quotade sacrifício para resolver esse grave pro-blema.

Quando a comunidade oferece traba-lho durante ou depois do cumprimentoda pena, ela está dando a sua colaboração.Pode-se também conscientizar estudantesuniversitários para desenvolver pesquisasou estagiarem dentro das instituições cor-recionais para darem a sua parcela de ajuda.

Ao bibliotecário cabe importante pa-

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pel nesse setor. A grande maioria das ca-sas correcionais brasileiras não possui bi-bliotecas, o que não acontece com os Es-tados Unidos e Europa.

As primeiras bibliotecas prisionaisapareceram na Europa por volta de 1813e nos Estados Unidos em 1802, na peni-tenciária de Kentucky. .

Na Itália, para resolver o sério proble-ma de verbas, o Ministério da Justiça con-seguiu com a lei do "esemplari d'obbligo",que as editoras doem liv-ros, que são dis-tribuidos entre as bibliotecas prisionaisdaquele país.

O ideal seria que as instituições pe-nais fossem compostas por populaçõeshomogêneas, o que viria facilitar a apli-cação de um único plano terapêutico.Mas, na' realidade, isso não acontece noBrasil, pois nossos presídios, de regra,abrigam as mais variadas categorias de de-linqüentes. Alguns são imunes a qualquertipo de tratamento.

A principal forma de terapia, como jádissemos, é a do trabalho, que não sómantém o preso ocupado, como, tam-bém, o prepara para o seu futuro reíngres-so na comunidade de onde saiu.

Toda instituição penal tem, geral-mente, no seu quadro de pessoal um psi-cólogo e um assistente social. O bibliote-cário poderá valer-se da sua ajuda.

A biblioteca prisional deverá incluirem seu planejamento cursos, palestras,apresentações artísticas, concursos literá-rios, etc., procurando despertar vocaçõesou desenvolver aptidões.

Não se tem notícia da aplicação dabiblioterapia nos presídios do DistritoFederal ou nos dos Estados, constituin-do, no Brasil, um espaço a ser ocupadopor uma experiência pioneira.

Não podemos nos esquecer de voltaros olhos para o problema do menor, e le-var às suas casas correcionais o apoio de

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nossa classe. Nunca se deve esquecer queé de lá que saem frequentemente os gran-des criminosos.

O jovem delinqüente é mais plasmá-vel e mais facilmente recuperável que ocriminoso adulto. Essa circunstânciaaconselha que se dê atenção especial aosdelinqüentes menores junto aos quais obibliotecário poderá colher resultadosmais compensa dores.

7. CONCLUSÕES

Com base no exposto chegamos às se-guintes conclusões:

- A principal terapia adotada nos es-tabelecimentos prisionais dos sistemas pe-nitenciários existentes nos países maisadiantados é a do trabalho (terapia ocupa-ciona!);

- A exigência do trabalho não excluia adoção de 0vtras modalidades terapêuti-cas de natureza complementar, tais Comoa psicanálise, a psicoterapia, etc.

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- Além desses recursos, pode-se utili-zar as horas de lazer do preso para ativida-des artísticas (música, teatro, etc.) quesão liberadoras das tensões provoca das pe-la prisão;

- A biblioterapia vem sendo usadacom êxito nos estabelecimentos hospita-lares de outros países e poderá, igualmen-te, ser proveitosa nos presídios;

- As bibliotecas públicas podem co-operar com essa forma de terapia, desdeque, periodicamente utilizem os carros-bibliotecas para fornecer e recolher os li-vros emprestados aos presos;

- A organização das bibliotecas pri-sionais deve ser objeto de pesquisas e es-tudos, tendo em vista a precariedade dabibliografia existente em nosso país;

- O presente trabalho visa, tão so-mente, chamar a atenção para as poten-cialidades desse recurso terapêutico, apre-ciando o problema em seus aspectos ge-rais. .

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7. CONCLUSÕES

Com base no exposto chegamos às se-guintes conclusões:

- A principal terapia adotada nos es-tabelecimentos prisionais dos sistemas pe-nitenciários existentes nos países maisadiantados é a do trabalho (terapia ocupa-ciona!);

- A exigência do trabalho não excluia adoção de outras modalidades terapêuti-cas de natureza complementar, tais comoa psicanálise, a psicoterapia, etc.

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- Além desses recursos, pode-se utili-zar as horas de lazer do preso para ativida-des artísticas (música, teatro, etc.) quesão liberadoras das tensões provoca das pe-la prisão;

- A biblioterapia vem sendo usadacom êxito nos estabelecimentos hospita-lares de outros países e poderá, igualmen-te, ser proveitosa nos presídios;

- As bibliotecas públicas podem co-operar com essa forma de terapia, desdeque, periodicamente utilizem os carros-bibliotecas para fornecer e recolher os li-vros emprestados aos presos;

- A organização das bibliotecas pri-sionais deve ser objeto de pesquisas e es-tudos, tendo em vista a precariedade dabibliografia existente em nosso país;

- O presente trabalho visa, tão so-mente, chamar a atenção para as poten-cialidades desse recurso terapêutico, apre-ciando o problema em seus aspectos ge-rais. .

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O jovem delinqüente é mais plasmá-vel e mais facilmente recuperável que ocriminoso adulto. Essa circunstânciaaconselha que se dê atenção especial aosdelinqüentes menores junto aos quais obibliotecário poderá colher resultadosmais compensadores.

- Além desses recursos, pode-se utili-zar as horas de lazer do preso para ativida-des artísticas (música, teatro, etc.) quesão liberadoras das tensões provoca das pe-la prisão;

- A biblioterapia vem sendo usadacom êxito nos estabelecimentos hospita-lares de outros países e poderá, igualmen-te, ser proveitosa nos presídios;

- As bibliotecas públicas podem co-operar com essa forma de terapia, desdeque, periodicamente utilizem os carros-bibliotecas para fornecer e recolher os li-vros emprestados aos presos;

- A organização das bibliotecas pri-sionais deve ser objeto de pesquisas e es-tudos, tendo em vista a precariedade dabibliografia existente em nosso país;

- O presente trabalho visa, tão so-mente, chamar a atenção para as poten-cialidades desse recurso terapêutico, apre-ciando o problema em seus aspectos ge-rais. .

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7. CONCLUSÕES

Com base no exposto chegamos às se-guintes conclusões:

- A principal terapia adotada nos es-tabelecimentos prisionais dos sistemas pe-nitenciários existentes nos países maisadiantados é a do trabalho (terapia ocupa-cional);

- A exigência do trabalho não excluia adoção de optras modalidades terapêuti-cas de natureza complementar, tais comoa psicanálise, a psícoterapia, etc.

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60 Rev. bras. Bibliotecon. e Doe. 15 (1/2):54-61, jan./jun. 1982 Rev. bras. Bibliotecon. e D.oc. 15 (l /2) :54-61, jan./jun. 1982