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aspas duplas ‘‘ arte e educação, educação e arte Meu corpo fala, ANO 1 SETEMBRO 2017 revistaaspasduplas.com.br GRITA, , CONTOS POESIAS CRÔNICA Da Bíblia de Gutenberg aos e-books da Amazon RESULTADO DO I CONCURSO LITERÁRIO ASPAS DUPLAS Assim eu me expresso! silencia chora ENTREVISTA Autor de ‘Olhos Sujos’ da Chiado Editora daniel pizani marcal 1 Um salto na chuva O não inumado Uma tempestade solar Sólida solidão sucumbida Às margens do mundo A Jerusalém brasileira Próxima parada: Santa Rita de Euclidelândia Que a arte nos aponte uma resposta... Hotel Bela Vista Imperceptível Flores

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aspas duplas‘‘arte e educação, educação e arte

Meu corpo fala,

ANO 1SETEMBRO 2017

revistaaspasduplas.com.br

GRITA, ,

CONTOS POESIAS

CRÔNICA

Da Bíblia de Gutenberg aos e-books da Amazon

RESULTADO DOI CONCURSOLITERÁRIO

ASPAS DUPLAS

Assim eume expresso!

silenciachor

a

ENTREVISTA

Autor de ‘Olhos Sujos’ da Chiado Editoradaniel pizani marcal

1

Um salto na chuvaO não inumado

Uma tempestade solarSólida solidão sucumbida

Às margens do mundo

A Jerusalém brasileiraPróxima parada:Santa Rita de Euclidelândia

Que a arte nos aponte uma resposta...

Hotel Bela VistaImperceptível

Flores

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NESSA EDICAO10 DA BÍBLIA DE GUTENBERG AOS E-BOOKS DA AMAZONComo a invenção da prensa revolucionouo mundo e popularizou o maior tesouro da humanidade: o conhecimento

22 PRÓXIMA PARADA: SANTA RITA DE EUCLIDELÂNDIAUma viagem de 150 anos emhomenagem à Euclides da Cunha

8 QUE A ARTE NOS APRESENTE UMA RESPOSTA......mesmo que ela não saiba. Uma reflexão inspirada na música‘Metade’ de Oswaldo Montenegro

34 MEU CORPO FALA, GRITA, CHORA, SILENCIA. ASSIM EU ME EXPRESSO!Ensaio fotográfico

16 ENTREVISTA COM DANIEL PIZANI MARÇALAutor de ‘Olhos Sujos’ da Chiado Editora

POESIAS7 Às Margens do Mundo 30 Uma Tempestade Solar 32 Sólida Solidão Sucumbida

33 Flores 55 Horizonte Bárbaro 58 Imperceptível

2 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

CONTOS46 Um Salto na Chuva 48 O Não Inumado 52 Hotel Bela Vista

CRÔNICA56 A Jerusalém Brasileira

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no

@revistaaspasduplas

aspas duplas‘‘arte e educação, educação e arte

Editor-chefe Rafael Caputo

Revisão Ericson Henrique Caron

Ensaio fotográfico Ana Carolina Paiva

Colaboradores desta edição

Textos José Huguenin

Designer gráfico

Rua André João Gasparin, 215/805 - Novo MundoCuritiba/PR - CEP: 81020-240

www.revistaaspasduplas.com.br

setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 3

Contos Daguito Rodrigues

Neiva Silvana HackRafael Caputo

Poesias Douglas Oliveira

Crônica Edson Amaro de Souza

Fotos Aline Moraes

Ana Vitória Max (Modelo)

Rafael CaputoDiagramação

Entrevista Daniel Pizani Marçal

25 PRIMEIRO CONCURSO LITERÁRIO DA REVISTA ASPAS DUPLASResultado

Paulo BarbosaSonia Regina Rocha Rodrigues

Fábio Dantas A. Lisbôa da SilvaGiovanna Suleinam DoresJaqueline Nazaré S. Costa SantosLuis Henrique KulikSilmara Nogueira

Gerson Machado de AvillezJosé HugueninTércio SantosThiago Scarlatta

Revista eletrônica de publicação trimestral, distribuição gratuita e produção colaborativa.

Os artigos publicados são de inteira responsabilidadedos autores e não refletem, necessariamente,a opinião dos editores. A reprodução parcial ou

total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

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noInstagram@revistaaspasduplas

Já conhece nosso instagram? recheado de referências para se inspirar nas mais belas artes da natureza humana. Colabore você também. Use as hashtags e e fique ligado! #aspasduplas #revistaaspasduplas

4 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

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caro leitor

RAFAEL CAPUTO | Fundador e editor-chefe da Revista Aspas Duplas

setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 5

Nunca é tarde para ser quem você poderia ter sido. Essa frase tem sido meu lema nos últimos meses. A encontrei à deriva pela grande rede e cheguei a emoldurá-la, fixando-a na parede da sala, estrategicamente posicionada para seruma das primeiras coisas que vejo ao levantar. O Google - na maioria das vezes - a atribui a George Elliot, ironicamente umaromancista britânica que usava um pseudônimo masculino para ser levada a sério. Tal frase me acertou em cheio. Demorei 40anos para decidir ser um escritor. Antes tarde do que nunca!

Sempre trabalhei no meio acadêmico, mas nunca dediquei meu tempo à escrita, a mantive adormecida como uma espécie de paixão proibida. Nunca soube o que fazer com o desejo de exteriorizar meus devaneios, reflexões, contos e poemas, não necessariamente nessa mesma ordem. Nunca soube como ganhar dinheiro com isso. E ainda não sei, confesso! A verdade é queo dinheiro não é - e nunca será - o mais importante. Não para quem tem alma de artista, assim como eu. Então decidi voltara estudar: de professor a aluno. Atualmente, curso licenciatura em Letras e decidi iniciar um projeto ambicioso, uma revistaeletrônica voltada para o que mais amo: educação e arte, arte e educação. Um espaço para quem deseja ver seus trabalhos publicados e também queiram compartilhar dessa mesma paixão.

‘‘Consegui reunir, em pouco tempo, alguns amigos que gostaram da ideia e essa é anossa primeira edição. Aspas Duplas nasce como um periódico - a princípio -trimestral e gratuito. Os colaboradores são voluntários e a publicaçãode suas obras, um sonho realizado. Espero que gostem.

Boa leitura!

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EDITORIAL ossa primeira edição surge assim: despretensiosa. Para atrair a atenção de colaboradores - todos voluntários, diga-se de passagem - criamos um concurso literário aberto a escritores de todo o Brasil e, também, de outros países. Foi um sucesso! As categorias foram: Poesias, Contos, Crônicas, Fotografias e Ilustrações. Recebemos excelentes trabalhos de vários estados brasileiros e também de outros países. Grande parte do material desta edição - e provavelmente de edições futuras - é fruto de tal iniciativa. O resultado você pode conferir na página 25. O leitor também se depara com um artigo sobre a contribuição histórica de Gutenberg para a humanidade: a invenção da prensa móvel. Curiosamente, foi esse artigo - como trabalho para a faculdade - que originou a criação da Revista Aspas Duplas. O que comprova a importância de que, nós educadores, devemos estimular o imaginário e o intelecto de alunos e pupilos. Temos ainda uma bela reflexão, inspirada na música ‘Metade’ de Oswaldo Montenegro, sobre o papel da arte em nosso cotidiano como busca às questões aparentemente sem respostas; e uma ‘viagem’ à Santa Rita de Euclidelândia, uma homenagem aos 150 anos daquele que ainda hoje é considerado um dos maiores intérpretes do Brasil: Euclides da Cunha. O primeiro entrevistado da Revista é um jovem brilhante e promissor: Daniel Pizani Marçal, autor do livro ‘Olhos Sujos’, que nos prestigia com sua sensibilidade e amor incondicional à arte e suas diversas facetas. De fato, um presente. Como ensaio fotográfico - e capa desta edição -, compartilhamos o olhar da fotógrafa Ana Carolina Paiva ao captar as nuances da linguagem corporal como forma de expressão. Agradecimentos especiais à modelo Ana Vitória Max, que, gentilmente, cedeu o uso de suas imagens. Por fim, - além de outras belas obras - temos a poesia ‘Uma tempestade solar’, da mato-grossense Silmara Nogueira, que, apesar de não parecer, é estreante em concursos literários; o maravilhoso conto poético ‘Um salto na chuva’, do escritor e roteirista Daguito Rodrigues; e a crônica-desabafo ‘A Jerusalém brasileira’, de Edson Amaro de Souza. Todos primeiros lugares nas respectivas categorias do I Concurso Literário Aspas Duplas.

4 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

RAFAEL CAPUTO | Fundador e editor-chefe da Revista Aspas Duplas.

@revistaaspasduplasGostaria de contribuir com a Revista e ver seus trabalhos publicados:

[email protected]

Procure essa e outras edições, que podem serlidas na íntegra, no nosso site:

www.revistaaspasduplas.com.br

N

6 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 7

Às margens do mundoVou-me

Assomando aos vaziosEscritos em mim,

Vou abandonandoNo fio do tempoO peso do nadaA ilusãoDo ser sem existir.

DOUGLAS OLIVEIRA | Às margens do mundo.

THIAGO SCARLATTA | O trevo

ÀS MARGENSDO MUNDO

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antas vezes nossos dias são tomados de preocupações, de dúvidas. Nos vemos tomados por um conjunto de inquietações; de sonhos, desejos e buscas; de necessidade de vida... que por muitas vezes não parece ser plenamente satisfeita; e de um anseio quase infantil de que alguém nos dê a resposta certa. Almejamos pelo melhor caminho, pela decisão mais acertada. Ah, e quanto nos custa tomá-la.

Assim, empresto inspiração de Oswaldo Montenegro e coloco em aspas duplas a mensagem de uma resposta que vem da arte... não porque ela saiba, seja precisa ou científica... nem porque detenha certezas ou dogmas. Mas porque, sob o meu olhar, ela tem o potencial de despertar em nós o conhecimento de mistérios que cognição nenhuma consegue alcançar.

A arte nos permite experienciar o mundo de uma maneira distinta, maravilhando-nos com as inúmeras combinações de cores, sons e expressões. Descobrindo harmonias e sincronias que não apenas se renovam, mas que parecem atualizar a criação. Uma fonte inesgotável de inspiração que transcende toda cronolog ia e presente ia , de mane i ra completamente autêntica, cada nova geração... enriquecendo, ainda, o legado tão bem composto ao longo do tempo.

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QUE A ARTE NOS

8 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

E esta mesma arte nos faz descobrir um novo universo também dentro de nós. Sem nos permitir grande resistência, ela tem o poder de nos tocar, sensibilizar, fazer vibrar... Somos imersos em um conjunto de sensações que nos torna mais vivos. Nos faz capazes de acessar e expressar os sentimentos mais profundos. Nos conduz às lágrimas, aos sorrisos, aos gritos valentes de paixão ou euforia. E nos ajuda a encontrar respostas.

Essa arte que nos recobra a vitalidade e impulsiona nossos sentimentos, também é capaz de limpar os ruídos, baixar a poeira, calar as vozes que insistem em nos confundir. Como o efeito de um espelho de essência, nos apresenta a nós mesmos, nos revela nossos reais desejos e potenciais. E quem diria, nos faz perceber que trazemos em nós todas as respostas das quais necessitamos.

Penso que a arte é um tipo de benção, que, gratuitamente, nos dá a dose necessária para viver com maior plenitude, para que possamos descobrir a vida e o valor em nós mesmos. E como vale a pena investir nessa relação. Ganhamos ao descobrir quais de suas expressões mais nos influenciam e quais talentos trazemos para também criar, desbravar e bem desfrutar dessa generosa dádiva.

APONTE UMA

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 9

por NEIVA SILVANA HACK

É um fecundo percurso de experimen-tação que, inevitavelmente, nos enriquece, nos torna melhores.

E ainda que em meio às turbulências do dia-a-dia, aos conflitos próprios da arte de viver e aos sobrepesos colocados pelo exagero ou maldade alheia... ainda assim, dentro de nós habita força suficiente para tomar as decisões necessárias. Não nos valerá muito uma resposta pronta, acabada e externa. Sejamos antes compel idos a buscar tamanha competência em nosso interior. E baste-nos, enfim, escolher a forma como queremos cumprir esta trajetória. Pois então que seja ela, a arte, a nos apontar uma resposta.

Penso que a arte é um tipo de benção, que, gratuitamente, nos dá a dose necessária para viver com maior plenitude... E como vale a pena investir nessa relação.

‘ ‘

Neiva Silvana Hack

Assistente Social, Gestora de Projetos Sociais e Professora Universitária. É especialista em

gestão social e mestre em tecnologia em saúde. Uma curiosa das sabedorias da vida,

liberdade e felicidade. Dedicada à ações e reflexões para a promoção do

desenvolvimento humano integral.

*Oswaldo Montenegro, em sua música ‘Metade’

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Como a invenção da prensa revolucionou o mundo permitindo a

popularização do maior tesouro da

humanidade: o conhecimento.

por RAFAEL CAPUTO

10 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

Imagem: prensa_de_Gutenberg. Reprodução Shutterstock Images.

O

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Bibliotecas chegaram a ser usadas pelo Império Romano como forma de dominação intelectual e demonstração de poder. Houve épocas em que a riqueza de uma nação era medida pela quantidade de exemplares (livros) que possuíam.

Copista moderno da Torá mantendo a tradição dos antigos Escribas. Foto: Zev Radovan.

E

setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 11

É exatamente por isso que entre as grandes invenções da humanidade está a prensa móvel, ou simplesmente prensa, criada na década de 1430 pelo alemão Johann Gutenberg, que mudou radicalmente a história da leitura e da circulação das ideias em escala mundial, dando origem ao termo "imprensa".

ngana-se quem pensa que a comu-nicação é uma exclusividade dos seres humanos, muitos animais possuem a capaci-dade de se comunicar e, inclusive, de transmitir ensinamentos a próxima geração. Porém, verdade seja dita, o homem é o único ser vivo desse planeta capaz de registrar seus feitos. E isso é um feito e tanto.

Desde a idade da pedra, nossos ancestrais primitivos buscaram eternizar seus pensamentos ainda que em paredes de cavernas, rochas, tábuas ou pergaminhos. Mais do que uma simples necessidade de comprovar sua própria existência, tal compor-tamento funciona como um rico legado que é deixado de geração para geração, disseminando o saber e compartilhando o conhecimento outrora adquirido, facilitando assim a própria evolução intelectual da espécie.

Durante milênios a escrita limitou-se a modos muito restritos de reprodução, como as tábuas de textos cuneiformes dos povos sumérios, os papiros egípcios e os ideogramas chineses, entre outros. Livros, por exemplo, eram escritos à mão, por monges e escribas; e demoravam meses para serem concluídos. Seu preço era elevadíssimo e a maioria das pessoas sequer tinham condições de adquirir um exemplar que fosse.

‘OKS DA AMAZON

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Quando ouvimos a expressão “impren-sa” nos lembramos automaticamente das instituições que divulgam notícias e opiniões como jornais e revistas. Esse nome, entretanto, remete-se ao dispositivo técnico inventado por Gutenberg capaz de reproduzir palavras, frases, textos ou mesmo livros inteiros através de caracteres ou os chamados tipos móveis.

Apesar de sua aparência rústica, a invenção da máquina de imprensa criada no século XV mudou drasticamente o mundo por completo. Além de aperfeiçoar a escrita e facilitar a leitura, os textos passaram a ser feitos de uma forma rápida e eficaz. O mundo começara, assim, a partilhar o seu conheci-mento, facilitando a disseminação de tesouros intelectuais, tornando-se, por exemplo, um importante catalizador para o rápido desenvol-vimento das ciências na era moderna.

Mas como tudo começou? Gutenberg vivia numa região caracte-rizada pelo cultivo de vinho. Curiosamente, prensas eram utilizadas para a obtenção da bebida, a fim de “exprimir” o suco das uvas. Foi a partir daí que esse ourives metido a inventor teve uma ideia maluca: transformar a prensa de vinho em uma impressora tipográfica.

A tipografia consiste, ainda hoje, na confecção e combinação de tipos móveis, ou seja, símbolos gráficos moldados em metal, que são passados em tinta e impressos em papel por meio da pressão que, naquela época, era feita numa prensa movimentada por uma barra de madeira. A técnica possibilitou, pela primeira vez, uma maior agilidade no processo de cópias pois utilizava tipos móveis metálicos,

Imagem: nautilus-tipos.jpg em ‘O Surgimento dos jornais impressos’, do blog A Arte de Informar.

12 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

Apesar desse tipo de técnica - impressão com tipos móveis - não ser originalmente uma invenção de Gutenberg, pois a China, no século XI, já havia conseguido fazer algo seme-lhante e outros modelos também haviam sido desenvolvidos na Europa, é unânime o fato de que Gutenberg foi quem obteve o maior sucesso tornan-do-a completamente viável.

fator esse crucial para a lucratividade da imprensa no mundo inteiro, pois por serem de metal absorviam muito menos tinta do que os de madeira e o processo de fabricação acabava envolvendo também um número menor de pessoas.

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CAIXA ALTA e caixa baixa

Você sabia que os termos "caixa alta" e "caixa baixa" surgiram da organização das caixas tipográficas? Os tipos das letras maiúsculas ficavam armazenadas em cima, enquanto que as minúsculas eram guardadas na parte debaixo.

setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 13

Funcionamento passo-a-passo

A prensa de Gutenberg funcionava com tipos, que nada mais eram do que pequenos blocos metálicos esculpidos em relevo (letras maiúsculas e minúsculas, sinais de pontuação, símbolos e também áreas de espaçamento), que eram distribuídos em placas chamadas de matrizes.

Essa placa (matriz) com todos os caracteres necessários para a formação de uma página, por exemplo, era organizada e fixada na prensa.

A prensa aplicava uma pressão na matriz contra as folhas de papel gerando assim a impressão e, consequentemente, a cópia dessas páginas a serem usadas futuramente.

A primeira página era analisada e somente caso fosse aprovada é que as outras cópias seriam feitas.

Depois disso, a matriz era inteiramente desmontada e receberia uma nova organização de caracteres para a impressão de uma nova sequência de páginas que daria continuidade ao processo até a conclusão do impresso final, fosse ele um jornal, revista ou livro.

Imagem: 9_29_Upper_Lower_Case.jpg em ‘10-fascinating-typographical-origins’. Listverse.com.

1

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Conforme os tipos iam se desgastando, poderiam ser fundidos novamente e remodelados. Era justamente essa característica que tornava a invenção de Gutenberg tão versátil.

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Uma "prensa" na igreja

No início do século XVI, os efeitos provocados pela imprensa de Gutenberg começaram a preocupar a Igreja que se deparou com a popularização dos panfletos críticos de Martinho Lutero. A Reforma Protestante atingiu a população letrada da Alemanha, justamente em virtude da circulação das teses e dos panfletos impressos. Posteriormente, uma contribuição ainda maior de Lutero para a história da leitura estaria de "mãos dadas" com a imprensa de Gutenberg: a tradução da Bíblia do latim para o alemão. Tal tradução poten-cializou ainda mais a disseminação da leitura e a proliferação do protestantismo na Europa, tornando esses dois fatos históricos correla-cionados: a Reforma e a Imprensa.

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Imagem: exemplar da Bíblia de Gutenberg. Fonte: Davies, Martin (1996). The Gutenberg Bible.

14 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

O historiador francês Roger Chartier, um dos grandes estudiosos da história do livro, destacou que a invenção de Gutenberg foi tão revolucionária que só pode ser comparada à invenção do computador e da reprodução digital da escrita, como mostra o trecho a seguir:

‘Minha primeira pergunta será a seguinte: como, na longa história do livro, situar a revolução anunciada,

mas, na verdade, já iniciada, que se passa do livro (ou do objeto escrito), tal qual o conhecemos para o texto

eletrônico e a leitura num monitor? […] A primeira revolução é técnica: ela modifica totalmente, nos

meados do século XV, os modos de reprodução dos textos e de produção dos livros. Com os caracteres

móveis e a prensa de imprimir, a cópia manuscrita deixa de ser o único recurso disponível para assegurar a

multiplicação e a circulação dos textos.’

A ideia deste inventor europeu do sé-culo XV, aparentemente maluca, de transfor-mar uma prensa de vinho em máquina de imprimir foi tão importante que anualmente,

A Bíblia de Gutenberg

O primeiro livro impresso só poderia ser mesmo um: a Bíblia. Conhecida como a Bíblia de 42 linhas (número de linhas por página), ou ainda como a Bíblia de Gutenberg ou Bíblia de Mainz (cidade natal de Gutenberg), ela foi impressa em 1452. Originalmente em latim, foram reproduzidas cerca de 200 Bíblias, dividida em dois volumes.

De todas elas, 48 sobrevivem até hoje e estão espalhadas em museus de diversos países, inclusive aqui no Brasil, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Sem dar conta do grande feito, Gutenberg tornou-se um dos maiores "evangelizadores" da história ao disseminar a Palavra de Deus numa escala sem precedentes.

De geração para geração

A Bíblia de Gutenberg marcou o início da produção em massa de livros no Ocidente e foi além, impulsionou a democratização do saber e lançou as bases materiais para a moderna economia do conhecimento, pois além de torná-lo acessível a um público maior também permitiu que as novas gerações conhecessem o trabalho das gerações anteriores.

Consequentemente, a invenção de Gutenberg também promoveu um aumento acentuado da alfabetização em escala global e resgatou a valorização de línguas vernáculas em detrimento do latim, que acabou perdendo força. Como se tudo isso já não fosse o bastante, podemos considerar que a mesma contribuiu ainda para presentear a humanidade com obras magníficas de grandes nomes da

literatura mundial, dentre eles: Willian Shakespeare, Ernest Hemingway, Oscar Wilde, Charles Dickens, Leon Tostói, Gabriel Garcia Marques, José Saramago, Eça de Queirós, Clarice Lispector, Pablo Neruda, Fernando Pessoa, Machado de Assis, dentre outros. Quer contribuição mais importante do que essa?

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 15

Imagem: Fãs de Ziraldo com o autor na Feira do Livro em Joinville. Foto: Leo Munhoz / Agência RBS.

Maluquices à parte, mesmo com os e-books de hoje em dia, tudo nos leva a crer que a herança da invenção de Gutenberg irá nos acompanhar por um bom tempo. Graças a Deus!

nos Estados Unidos, é realizado o "Festival Gutenberg", uma espécie de feira de inovações nas áreas do desenho gráfico, da impressão digital, da publicação e da conversão de texto, comprovando que sua invenção consegue, ainda hoje, atrair seguidores dispostos a adaptar tal invento às tecnologias modernas e às necessidades do mundo atual.

Ler é mais importante...

A criança não pode chegar à internet sem passar pelo livro, porque a palavra gravada é que fica, que cria consciência, que localiza você no tempo e no espaço. Ler é muito mais importante que estudar. (...) O mundo será de quem tiver este tipo de vivência.

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Ziraldo

Rafael CaputoCarioca por natureza e curitibano por opção, professor e coordenador pedagógico doColégio Excelência em Curitiba - PR. Considera-se um escritor em início de carreira. Tamanha paixão pelo universo literário fez com que se tornasse, atualmente, um acadêmico do curso de Letras, para o qual escreveu este artigo como trabalho de faculdade. Artigo esse que o inspirou a criar a Revista Aspas Duplas, tornando-se assim, seu fundador e editor-chefe.

Referências: BURKE, Peter e BRIGGS, Asa. Uma história social da mídia: de

Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

CHARTIER, Roger. Do códice ao monitor: a trajetória do escrito. Estud. av.[online]. 1994, vol.8, n.21, pp. 187.

Prensa de Gutenberg em Artigos de apoio Infopédia. Porto Editora, 2003-2017. Disponível na Internet:

https://www.infopedia.pt/$prensa-de-gutenberg

FERNANDES, Cláudio. "Invenção da imprensa"; Brasil Escola. Disponível em http://brasilescola.uol.com.br/historiag/invencao-

imprensa.htm

Falando em atualidade, coinciden-temente em uma outra feira, a do Livro de Joinville, o nosso querido escritor Ziraldo, famoso por criar o personagem Menino Malu-quinho (outra gostosa coincidência), acredi-tando que a leitura é o diferencial para o futuro das crianças que hoje já nascem atraídas pela tecnologia, aconselhou as futuras gerações de uma forma simples e brilhante:

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ENTREVISTA

16 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

completamente, as ideias e imagens, e isto é o que me mantém afim delas, o que me mantém a buscá-las. Meu trabalho consiste em estar disposto à imaginação e ao que ela oferece, minha verdadeira intenção para com tudo o que faço, mais uma vez até onde creio saber, é imaginar e então buscar conceber criativamente o mais que posso.

Quais foram suas maiores fontes de inspiração? Minhas fontes de inspiração em literatura não são estritamente literárias, em termos de palavras apenas, mas concernem também aos universos do cotidiano, do sonho, do desenho, da pintura, da gravura, do cinema, da música e até mesmo dos jogos: tudo o que me incita imagens e narratividade. Mas se posso citar alguns escritores que me inspiram eu certamente o faria com Hilda Hilst, João Cabral de Melo Neto, Federico García Lorca e Jorge Luís Borges

Olhos Sujos: poesia filosófica ou filosofia poética? Como foi escrever esse livro fascinante e como você o descreveria? Olhos Sujos surge de uma inclinação bastante ocasional que tive em revisitar alguns textos, dentre pequenas histórias e poemas, que vinham sendo escritos e armazenados desde a adolescência, o que acusa a imaturidade de muitos deles. À altura em que decidi organizá-los eu tomava nota de alguns sonhos e escrevia também alguns outros textos tendo por inspiração pessoas, mitologias, emblemas e

Quando você soube que queria ser escritor? Bem, na verdade o que eu sei, ou ao menos julgo saber, é que quero poder lidar com a imaginação a todo tempo, que o que existe para mim é tão somente um desejo criativo constante para o qual a escrita, tanto quanto outros processos, é um caminho misterioso e fascinante a ser percorrido sempre. Não me é muito clara a ideia de ser um escritor ou o que isto significa em termos mais práticos, diretos. Ser escritor não é exatamente um projeto para mim, quero dizer, escrever é um exercício contínuo, eu apenas escrevo, tendo pela escrita, claro, uma consideração bastante apaixonada e uma sincera necessidade. Como ou porquê essas ideias e imagens acabam aparecendo de uma ou outra maneira, especialmente através do desenho e da escrita, é uma coisa ainda bastante inconsciente para mim e para falar a verdade eu não me pego muito questionando isto, eu não as entendo

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 17

por RAFAEL CAPUTO

Entrevista com Daniel Pizani Marçal, autor do livro “Olhos Sujos”, Chiado Editora.

circunstâncias muito próximas a mim, pessoas, situações e histórias pelas quais eu nutria profundos sentimentos e para as quais eu acabei dedicando o livro em si. O interesse em publicar esses textos, parece-me, estava numa certa possibilidade de “embaralhamento” que eu observava entre todos eles à medida que os lia, escrevia e reescrevia. Pensei que aproximá-los e mesmo fundi-los uns aos outros provocaria, a nível pessoal, uma espécie de labirinto íntimo ou choque memorial, e a nível de diálogo com o outro, uma “reunião de sentidos permutáveis”, digo, de muitas possibilidades de leitura para um mesmo texto ou para as relações que se poderia estabelecer entre eles dentro do livro.

De qualquer modo ainda sinto que o livro como um todo, por assim dizer, escapou-me muito cedo às mãos, eu tive pressa e o que ele precisava mesmo era de mais refinamento, de mais disposições e cuidados, não sei. Escrevê-lo e organizá-lo, entretanto, mostrou para mim um pouco mais do meu próprio procedimento em escrita, algo em fluxo constante, uma cadência interminável e sedenta de ideias e imagens com muita sugestividade, muitas pontas soltas e nenhum objetivo suficientemente esclarecido. Enfim, acho que eu descreveria o livro apenas como um primeiro pequeno atrevimento poético ou exercício de experimentação escrita mesmo, algo como uma mistura bastante confusa e caótica de sonho, ficção, memória, sentimentos, talvez nada de realmente filosófico ou para além disso, risos.

Por que o título do livro e o interesse, em particular, pela figura mitológica do Minotauro? Se há um labirinto, provavelmente há também um minotauro, risos. O interesse pela figura do minotauro é mais um enigma para mim também, mas suponho, e apenas suponho, que o minotauro é a figura representativa da presença sempre eminente de algo incompreendido, aquilo que verdadeiramente existe, está à espreita e também em contato conosco de alguma forma, mas que não pode ser visto e inteiramente explicado por uma condição puramente lógica: entre nós e o minotauro de nós mesmos há muitas galerias, passagens com ecos, presenças, assombros, todo um labirinto de paredes bem sólidas.

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18 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

Existe algo em especial que você quis despertar nos leitores de “Olhos Sujos”? Como disse, eu tinha pessoas bastante específicas em mente enquanto o escrevia e organizava. Não sei se há algo de especial nisso, mas eu gostava muito que tudo o que eu fizesse fosse um pouco também como um convite a esse estado de imaginação e resistência pela fantasia contra a realidade convencionada, não como se se pudesse drasticamente alterá-la, mudá-la, mas repensá-la e reimaginá-la sempre um pouco mais. Mas enfim, eu só estou mesmo preocupado e interessado em fazer o que posso o quanto eu puder, não sinto que eu possa ou queira ter a pretensão de que o que eu faço mude a vida das pessoas ou as “desperte” de alguma maneira para qualquer coisa que seja, não posso esperar que o que eu faço sirva de manifesto, isto nunca, talvez de algum incentivo, sim, mas realmente não sei. Eu estou aberto ao diálogo e gosto da ideia de que o livro seja o ponto de encontro entre três nexos: o do leitor, o do próprio livro e o do autor, no entanto eu só quero mesmo poder fazer o que eu mais amo com bastante paixão.

Há um trecho no seu livro - páginas 50 e 51*- que não possui nenhum sinal de pontuação, você poderia explicar o porquê de tamanha ousadia e provocação? Acho que compete a cada um de nós buscar na língua original a nossa própria língua, isto é, fazer, neste caso especialmente da escrita, um espaço para nossas exper imentações, invent iv idades e necessidades poéticas. Não digo que não devam haver certos critérios e regras mais ou menos entendíveis, risos, mas os critérios e regras não podem nos incapacitar e impedir que experimentemos e pratiquemos livremente a nossa própria língua. Há muita poesia, creio, na maneira como cada língua surge e se elabora ao longo do tempo, e os

Entre nós e a realidade, pois, muitas camadas de percepção. Para acessá-lo, ao minotauro, é preciso conduzir-se ao estado em que se o imagina ali e, só assim, se o acolhe, sem nunca, no entanto, entendê-lo de todo. Às vezes, porque não podemos palpar as coisas que imaginamos e foram imaginadas por outros, e também pela força original que têm os mitos, nossa tendência é ou acreditar que não existem em absoluto ou então associá-las ao mal, obscurecendo tudo relacionado a uma ideia. Para nós, para nossas consciências, há o bom e o ruim, mas é preciso querer estar para além do bem e do mal.

Acho que o artista tem de dispor o seu fazer ao inevitável caos de si mesmo e não se ponderar muito, não se censurar nem um pouco. O minotauro é, para tanto, a quimera, o signo, o sonho, a entidade, o ser ambíguo entre a fúria, o amor, a violência, a paixão, o desespero, a angústia, a solidão e o mistério contidos em cada um de nós. Não sabemos o que de fato faz um minotauro no labirinto senão esperar. Já o título do livro foi apenas retirado a uma pequena passagem de um dos textos do próprio, nada além disso.

Acho que o artista tem de dispor o seu fazer ao inevitável caos de si mesmo e não se ponderar muito, não se censurar nem um pouco.

*Reproduzido ao final da entrevista.

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ENTREVISTA

setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 19

responsáveis pela língua e por sua inovação e perpetuação não são e não podem ser somente os poetas, os escritores, os linguistas ou os pensadores em geral, mas toda e qualquer pessoa capaz de alcançá-la e aprendê-la seja como for. Não é preciso ser doutor e letrado para lidar com a magia da língua, da escrita, sobretudo da comunicação dos senti-mentos, todos nós levamos por capacidade a imaginação e é com ela que nós procedemos, inclusive na língua, todo tempo. É preciso reivindicar a língua como espaço de criação e renovação constante do nosso próprio ser e estar no mundo.

Você está trabalhando em algum livro atualmente? Tem algum projeto para o futuro? Estou sempre escrevendo algumas histórias. A princípio eu não as penso assim, como livros, apenas como histórias mesmo. Mas projetos, sim, vários, risos: há dois pequenos roteiros para filmes que estou escrevendo e que eu gostaria muito de poder realizar algum dia como filmes mesmo. Estou também trabalhando numa h istór ia em quadr inhos atualmente, que é sem dúvidas o projeto pelo qual estou mais interessado agora porque é o mais acessível em termos de execução prática. Ainda quero escrever outros livros, tenho ideias para livros, mas é preciso dar tempo ao tempo e seguir trabalhando e descobrindo os meios possíveis para aquilo que se quer fazer.

Há muita poesia, creio, na maneira como cada língua surge e se elabora ao longo do tempo, e os responsáveis pela língua, sua inovação e perpe-tuação não são somente os poetas, os escritores, os linguistas... mas toda e qualquer pessoa capaz de alcançá-la e aprendê-la seja como for.

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ENTREVISTA

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Trecho do livro ‘Olhos Sujos’ de Daniel Pizani Marçal. Pag 16.

certa vez plantaram naquele solo aquela pedra: triste ela era em ser fadada de ser somente. Fadada porque pesava muito aquela muito pedra e, sendo pedra, que outro destino haveria ela de ladrilhar. E triste. Triste porque era coisa que à primavera da vista sabia de si um muito pouco que era quase um nada que é só pedra. Triste porque ultra impedida era essa pedra de ser voar neste perdido mundo por aí e por aqui. Mas só se pode ser assim, mas será mesmo triste a pedra quando pode ser que nem saiba de si: pedraquando. Ela mesma, amenapedra, pode ser que dormia apenas um tudo só seu, altiva para sempre ao que supunha eu detrás de um desmaio de olhos meus. Mas altiva como, se dormia. Não podia ser nada senão pedra. De todo jeito, viera o sol, viera a chuva plantar uma torga sobre a resistência da pedra, que se tornara menos si, menos pedrapedra. Viera também pedro, celebrar sobre aquela pedra a sua muito igreja. Sobre a igreja lançaram-se outras pedras menos torgas: dogmas e fiéis.

Curioso trecho questionado durante a entrevista e presente nas pags 50 e 51:

vou me perder no sortilégio de teus olhos azuis-maria doravante só vamos pelas sendas que surgirem os teus intestinos por ali nos casamos pela última vez e definitiva vez sob as bênçãos caleidoscópicas do sol e a querela dos últimos pássaros do céu dali para sempre fui dela mais vezes do que fui de minha mãe e olha que costumava ser o filho único de uma rapariga prendada e astuta feiticeira das que têm poder sobre a água e sabem fazer chover mas já eu era da esposa quando ainda mancebo em maio a vi pela primeira vez se rebatendo em frente à igreja no meio da praça de nosso pequeno sítio natal se debatia no chão e se debatia de maneira tal que mais parecia uma salamandra em cujo dorso se sabia despejado sal dos passantes bons cristãos receosos da obra magna do cão ganhava olhares de ojeriza e pedradas foi aí que para da amada ser eu estive quando ninguém mais para subtrair de seu rosto a espuma selvagem para em seus olhos esfregar alfarrobas e em sua fronte empapada pregar um beijo ali do alto de uma estação indefinida que é quando as flores já estão fartas de tanto florear e de servir de encantamento para os amantes atravessada em meus braços trêmulos de paixão primeira estava a moça de pasmos olhos vesgos e azuis pois eu já sabia eu já sabia era dela antes das fugas pelo mato antes de chegar ao mar e além amém...

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perfil

O que você diria para os que almejam escrever um livro? Que dicas você daria aos futuros escritores? Eu diria: escrevam um livro, risos. Não há dicas ou atalhos possíveis, sério, é apenas uma questão de sentar e fazer e fazer e fazer, sem estar atento a nenhuma lei ou regras que não sejam as suas próprias. Como acima, assim abaixo. Se é o que você realmente quer, você só precisa ser fiel a você mesmo e assim você notará todo o universo, você só precisa ser fiel àquilo em que acredita, à sua poética e a seu próprio meio de investigar o mundo a seu redor. Tudo vai ficar bem independente de nossas forças, inteligências, atribuições, capacidades e esforços. De qualquer forma, é preciso, no final, aceitar que nada vale realmente tanto a pena assim. Foi como disse Saramago, “o universo não saberá que Homero escreveu a Ilíada”, mas para entender isso, mesmo que só um pouquinho, é preciso trabalhar continuamente com aquilo que se queira e esforçar-se ao máximo. Acho que há muita força em reconhecer a nossa insignificância num quadro mais geral de existência, há, sem que ele seja minimamente privilegiado, um sentido que me soa bastante pleno e enriquecedor nesse tipo de pensamento. Nós somos muito e mesmo tudo somos sem deixar de sermos nada e vice-versa.

Para finalizar, que pergunta o leitor Daniel Pizani Marçal faria a si mesmo como escritor? E como a responderia? Qual a sua cor preferida? Azul.

DANIEL PIZANI MARÇAL nasceu em 1994, na cidade de Caratinga, Minas Gerais. Ainda cedo descobriu o encantamento permitido pelo que hoje são duas de suas linguagens preferidas: o desenho e a escrita. Sempre gostou de conhecer e inventar histórias. Atualmente é estudante e pesquisador de artes pelo curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, e tem um particular interesse pelo estudo relacionado de fenômenos como a poética, a visualidade, o imaginário e a linguagem. Antes de tudo, é uma pessoa em permanente processo.

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uando aprendi as primeiras lições de geografia política sobre a constituição administrativa de minha terra natal, o muni-cípio de Cantagalo — RJ, fiquei maravilhado ao aprender o nome do terceiro distrito, Santa Rita de Euclidelândia.

Maravilhado por dois motivos. Primeiro, porque sendo do segundo d ist r i to , a encantadora vila de Santa Rita da Floresta, achei curioso haver duas Santas Ritas. Neste dia soube que no feriado municipal de 22 de Maio, Floresta dividia a importância com Euclidelândia.

O segundo motivo era este nome sonoro, longo para uma criança soletrar. De acordo com os programas infantis da época eu sabia que devia ser a terra de alguém, pois ouvia muito falar na televisão sobre a Disneylândia, o mundo mágico de Walt Disney. Esse “Euclide” devia ser importante. Imagina, ter um nome de uma cidade e que não era parque de diversões, não. Era um lugar onde gente morava e tinha até três fábricas de cimento! Logo me falaram que ele havia escrito o livro Os sertões, que ele havia nascido em uma fazenda lá em Euclide-lândia, que na época ainda não chamava Euclidelândia, pois esse nome era uma home-nagem e, por isto, o distrito de Santa Rita do Rio Negro onde ele nasceu havia trocado de nome.

Q

por JOSÉ HUGUENIN

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As coisas começaram a fazer sentido. Descobri a razão do nome da melhor manteiga do mundo se chamar “Os sertões”. Na carroceria de uma kombi adaptada, vendendo verduras com o Tio João, passei em frente a Casa de Euclides da Cunha, ao lado do Colégio Estadual Maria Zulmira Torres, onde viria a estudar. Era um museu onde estava o seu cérebro. Era mesmo importante esse escritor. E o menino, quando ia para algum lugar longe, fazia questão de dizer que era da terra de Euclides da Cunha. Mas o dia que este menino sentiu mais orgulho mesmo foi quando, já adolescente, no ensino médio, estudando literatura, viu no livro didático o ilustre cantagalense, como ícone e marco inicial de um movimento intitulado de “pré-modernismo”, justamente por não caber em nenhuma escola l i te rá r ia t rad ic iona l , por, j unto com romancistas como Graça Aranha e Lima Barreto, representar uma virada no jeito de escrever e pensar o Brasil. Antecederam e influenciaram o modernismo.

Para um adolescente sonhador, antever e influenciar o moderno era uma coisa muito grande. Quando se tem uma celebridade dessas, logo quer se saber de sua vida e, neste quesito, romancista nenhum(a) seria capaz de imaginar tamanha trama trágica deste brasileiro.

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Orfandade aos dois anos, mudanças, o fim trágico assassinado pelo amante de sua esposa. Também convivemos em Cantagalo com uma espécie de “desorgulho” frente a tragédia do conterrâneo. Tal fato se acentuou por ocasião de uma série televisiva que expunha ao país o cantagalense traído, como se isto diminuísse nossa terra. Não raro a menção a Euclides despertava um comentário de quase desprezo. Fico buscando na memória para ver se acho situações em que como papagaio repeti comentários depreciativos de colegas mais fortes e populares com a intenção de fazer parte da turma. Não me lembro, mas com certeza deve ter acontecido.

Aí veio a Semana Euclidiana em São José do Rio Pardo — SP, que participei como estudante. Que orgulho saber que intelectuais do porte de Walnice Nogueira, Roberto Ventura, Oswaldo Galoti, Adelino Brandão e tantos outros, gente do estrangeiro traduziu as palavras do conterrâneo para outras línguas. A maratona intelectual da Semana Euclidiana influenciou algumas gerações de estudantes cantagalenses, dando origem a um grupo que

Uma viagem de 150 anos em homenagem a

Euclides da Cunha.

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:

Foto: Euclides da Cunha. Acervo/Estadão.

NOTA: Euclides Rodrigues da Cunha, ou apenas Euclides da Cunha, nasceu em 20 de janeiro de 1866 e ficou conhecido por escrever um dos maiores clássicos da literatura brasileira: Os Sertões.

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tanto que foi o único cadete que atirou o sabre aos pés do Ministro da Guerra em protesto pró-república, o que gerou sua saída do exército. Esta formação também o fez ter atitudes e pensamentos que sob a ótica de hoje certamente geram questionamentos. Há ainda quem lhe impinja a pecha de racista. Ele pode ter enveredado no uso de teorias antropo-lógicas sectaristas, o que estava em voga na época, ao tentar descrever o homem. Mas sangrou sua consciência de cidadão a cam-panha nefasta de Canudos, reconheceu que antes de tudo o sertanejo era um forte, escreveu o livro vingador. Creio que não podemos condená-lo pelo fato do mundo ser o que era quando nasceu em 1866…

E chego à razão destas linhas. Em 2016 comemorou-se os 150 anos do nascimento de Euclides da Cunha. Uma data que não passa em branco para um cantagalense orgulhoso por ter um conterrâneo imortal cuja obra o mundo reverencia.

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José HugueninNatural de Santa Rita da Floresta, Cantagalo - RJ, é Doutor em Física e professor da Universidade

Federal Fluminense de Volta Redonda - RJ, onde mora. Laureado em vários prêmios literários de poesias e contos. Tem 5 livros publicados. Teve em 2015 o conjunto de poemas ‘O movimento das

palavras’ publicado na Revista Brasileira, tradicional publicação da Academia Brasileira de Letras - ABL. É Grebalista e ocupa a Cadeira 17 da Academia Volta-redondense

de Letras (AVL), onde atua como Coordenador Editorial.www.josehuguenin.com

NOTA: A cidade de Cantagalo, naturalidade de Euclides da Cunha, mantém viva a memória deste escritor através de eventos e um museu dedicado a suas obras. Em 2009, ano do centenário de sua morte, realizou-se o ‘Seminário Internacional 100 anos sem Euclides’ e no ano seguinte, foi fundado o ‘Ponto de cultura Os Sertões do Seu Euclides’, que conta com o ‘Cineclube da Cunha’ e o ‘Arquivo de memória Amélia Tomás’. Ano passado, comemorou-se 150 anos do nascimento desse intelectual.

mantém viva a chama euclidianista na sua terra natal. Foi na Semana Euclidiana que conheci mais da história de sua vida. A vida que viveu, e a vida no sertão que ele apresentou ao mundo. E não foi só o sertão não. Ele ajudou a dar contorno ao mapa do Brasil na expedição do alto Purus, no Acre. Ele, que invejou a letra do hino nacional peruano, insistiu com Coelho Neto que era preciso uma campanha para termos uma letra para o hino Nacional Brasileiro. Lá mesmo viu e denunciou “Contrastes e confrontos” que deixavam trabalhadores, muitos sertanejos fugidos do sertão em chamas, que sobreviviam da lida nos seringais, deixados “À margem da história”. Ó pátria amada, um filho teu não foge à luta. Um jovem que entrou para escola militar onde bebeu da fonte do positivismo de Auguste Comte que, associada à formação científica, racional, e ao pensamento da época, amalga-mou uma personalidade forte, de coragem,

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RESULTADOConheça os vencedores!

I CONCURSO

ASPAS DUPLAS por RAFAEL CAPUTO

Imagem original: “once-upon-a-time-stars-new-mansion-1030x579.jpg” em ohlmeyerteam.com. Autor: desconhecido. setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 25

LITERARIO

‘ ‘

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01 - UMA TEMPESTADE SOLAR - Silmara Nogueira - Campo Grande/MS - pág 3002 - SÓLIDA SOLIDÃO SUCUMBIDA - Giovanna Suleiman - São Paulo/SP - pág 3203 - FLORES - Luis Henrique Kulik - São José dos Pinhais/PR - pág 33 04 - HORIZONTE BÁRBARO - Fábio Dantas - Florianópolis/SC - pág 5505 - IMPERCEPTÍVEL - Jaqueline Costa - Euclides da Cunha/BA - pág 5806 - ÀS MARGENS DO MUNDO - Douglas Oliveira - Belém do Pará/PA - pág 7 07 - DOS SENTIMENTOS INOMINÁVEIS - Danielle Vilas Boas - Poços de Caldas/MG08 - ESTALACTITE - Ricardo Lacava Bailone - São Paulo/SP09 - DEPOIS DA GRANDE ESCURIDÃO - Rodrigo Menezes - Brasília/DF10 - NÃO SOU MAIS - Cleonice Alves Lopes-Flois - Toledo/PR11 - A BUSCA - Priscila Mancussi - Sorocaba/SP12 - LADO NEGRO - Carlos Vinicius Veneziani dos Santos - São Paulo/SP 13 - O QUE ESCREVER? - Maria João Torres - Minho/Portugal14 - NÃO CALO-ME - Andarilho Amador - Poços de Caldas/MG15 - LIDA COM A PALAVRA - Felipe Augusto Monteiro Cravo - Sorocaba/SP16 - POEMA ESQUIZOPATA - Leo Mascarenhas - Belo Horizonte/MG17 - DISTINTOS - Elisabeth Cristina Alves Marques - Rio de Janeiro/RJ18 - TÃO POUCO - Diógenes Carvalho Veras - Natal/RN19 - JUNTO AO VENTO - Patrícia Luongo - Salermo/Itália20 - SOU DE LÁ - Regina Ruth Rincon Caires - Araçatuba/SP

RESULTADO

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poesias

Recebemos um total de 190 maravilhosas poesias, porém, por questões editoriais, selecionamos apenas 20 delas. E olha que a ideia era selecionar somente 10. Mas a verdade é que não resistimos. As seis primeiras já foram publicadas aqui mesmo nesta edição e as demais serão publicadas em edições futuras. É só aguardar. Também nos surpreendeu a idade deveras variada dos participantes: de 16 a 64 anos. Uma comprovação de que não existe idade quando o assunto se trata de arte.

I CONCURSO litera

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‘‘ rimeiramente, obrigado! Agradecemos a participação de todos. Ficamos muito felizes por terem atendido ao nosso chamado. Eu, particularmente, não imaginei que fosse dar tanto trabalho. Porém, foi proporcionalmente prazeroso conhecer escritores tão talentosos. Decidimos, portanto, selecionar mais obras do que a quantidade prevista. Isso, por si só, já é um grande feito. Todos estão de PARABÉNS! Se você não teve seu trabalho selecionado, não significa que ele não tenha valor, apenas não temos como publicar todos. Quem sabe da próxima vez. A ideia do Concurso Literário foi justamente a de reunir material não só para a primeira edição da Revista Aspas Duplas, mas também para edições futuras. E conseguimos. Recebemos material de várias partes do Brasil e também do exterior, angariamos alguns colaboradores voluntários que se propuseram a contribuir assiduamente com a Revista e ainda nos deliciamos com poesias, contos e crônicas emocionantes. Dividimos o concurso em cinco categorias: poesias, contos, crônicas, fotografias e ilustrações. Algumas fotos presentes nesta edição foram enviadas

pelos participantes interessados. Uma contribuição significativa que valorizou ainda mais o periódico. Afinal de contas, a velha premissa de que uma imagem diz mais do que mil palavras nunca deixará de ser uma verdade universal. Por fim, gostaria de agradecer em especial ao professor Bruno Felipe Marques Pinheiro, do Colégio Dom José Thomaz, de Sergipe, que incentivou suas jovens alunas Hellen Vitória Barboza dos Santos e Camila da Cunha Mota Santos, ambas com 16 anos, a participarem deste concurso e que, inclusive, por muito pouco não foram selecionadas. São iniciativas encorajadoras como essa que nos mostram que, assim como essas meninas, estamos no caminho certo.

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CATEGORIASPOESIASCONTOS

CRÔNICASFOTOGRAFIASILUSTRAÇÕES

P

A arte é tão maravilhosamente irracional, exuberantemente sem sentido, mas ainda assim é necessária. Inútil, porém, necessária, e isso é difícil para um puritano compreender. ‘ ‘

Günter Grass

rio aspas duplas

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I CONCURSO litera

01 - UM SALTO NA CHUVA - Daguito Rodrigues - São Paulo/SP - pág 4602 - O NÃO INUMADO - Paulo Barbosa - Belo Horizonte/MG - pág 4803 - HOTEL BELA VISTA - Sonia Regina Rocha Rodrigues - Santos/SP - pág 52 04 - TIRO CURTO - Alex Xavier - São Paulo/SP05 - MARIA, O CARA - Paulo Ribeiro Neto - São Bernardo do Campo/SP06 - MEU NARIZ DE BULDOGUE, AS VEZES DE POODLE - Roselaine Hahn - Cachoeirinha/RS07 - ALÉM DO CORTE - Thúlio Phelipe - João Pessoa/PB 08 - VAL - Paulo Emílio Azevedo - Rio de Janeiro/RJ09 - LUIZA - Stefany Rodrigues de Araújo - São Paulo/SP10 - COLCHA DE PATCHWORK - Edih Longo - São Paulo/SP

RESULTADO

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contos

Na categoria FOTOGRAFIAS, a foto escolhida em primeiro lugar aparece aí na página ao lado: ‘Felino sereno na tempestade’, de Tércio Santos, no melhor estilo dos contos de Edgar Allan Poe.

Já a categoria ILUSTRAÇÕES foi a única sem resultado. Infelizmente, recebemos pouco material. As ilustrações recebidas não chegaram a ser suficientes para uma seleção justa e apurada.

01 - A JERUSALÉM BRASILEIRA - Edson Amaro de Souza - São Gonçalo/RJ - pág 5602 - O MITO DAS RUAS DA ILHA DE SANTO AMARO - Rudolph Parreira - Guarujá/SP03 - A RECORDAÇÃO VAI ESTAR PRA SEMPRE AONDE EU FOR - Cintia Brasileiro - Araçatuba/SP04 - TRIBUTO A CRISTIANO X DA DINAMARCA - Edson Amaro de Souza - São Gonçalo/RJ05 - VAPOR DE CHÁ - Cleonice Alves Lopes-Flois - Toledo/PR

cronicas

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‘‘rio aspas duplas

Imagem original: “once-upon-a-time-stars-new-mansion-1030x579.jpg” em ohlmeyerteam.com. Autor: desconhecido. setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 29

fotografiaS

01 - FELINO SERENO NA TEMPESTADE - Tércio Santos - Palmas/TO - pág 2902 - O TREVO - Thiago Scarlata - Rio de Janeiro/RJ - pág 703 - LUZ NO CÉU - José Huguenin - Cantagalo/RJ - pág 58 04 - RASTRO DE FOGO - Gerson Machado de Avillez - Rio de Janeiro/RJ - pág 5605 - PEDRA DA GÁVEA - Gerson Machado de Avillez - Rio de Janeiro/RJ - pág 5506 - FUCA - Alline Moraes - Guaçui/ES - pág 50 07 - AURORA - Thiago Scarlata - Rio de Janeiro/RJ08 - FLORAÇÃO DE PESSEGUEIRO - Ana Paula Camargo - Pelotas/RS09 - POSTE AO LAGO - Alline Moraes - Guaçui/ES10 - ANOITECER - Letícia Lorenzo - Santos/SP

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UMA TEMPESTADE SOLAR

POESIAS

e ensaboei de saudade,

Me veio você com seu abraço,

E me enxaguou.

-Ah, isso é para poucos...

Poucos têm abraços que lavam a alma.

E você têm! Tem no olhar um sorriso, como se fosse um abraço embutido.

Irresistivelmente, abraça com os olhos.

De um jeito que deixa saudade, saudade que pousou em mim,

E nunca mais quis voar.

Mas saudade só tem graça, quando vem sublinhada com teu cheiro.

Que é feito chuva perfumando o vento no entardecer das cores.

Teu cheiro é de flor, mas, não uma qualquer...

É a flor que fala a língua dos sentimentos,

-A flor da pele.

E o idioma é universal...

E quando penso que não, você sorriu! -Meu coração... “Acelerou bem devagar”...

30 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

por SILMARA NOGUEIRA

M

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 31

Silmara NogueiraDe Campo Grande/MS. É compositora, cantora, backing vocal, gaitista e poetisa. A escrita é sua paixão e a publicação de suas poesias, um sonho. É a primeira vez que participa de um concurso literário.

Confesso que na hora me deu vontade de ser raio de sol, uma tempestade solar,

Entrar pela janela beijando seu rosto, te recitar o verbo amar.

Você sorriu, e foi como anestesia, (que leva a dor e deixa leve).

Isso! Pode sorrir...

Pó de me fazer feliz!

Sorria, porque o teu sorriso ilumina! E eu?

-Eu ando por aí alucinada,

Procurando aquele sorriso aceso, que derramou estrelas em mim...

E os teus olhos que me “abajuram”.

É que pessoas de luz, iluminam...

Tanto, que nos inspiram a inventar novos verbos.

POESIAS

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SÓLIDA SOLIDÃO SUCUMBIDA

POESIAS

s notas entoavam ao ar de desafinadas

Finas maravilhas de mãos errantes

Sob a mesa uma taça e sob o peito um único instante

Minguante, cortante, incessante

Sólida-solidão-sucumbida

Vire sete shots de vida

Vire a palma da mão para cima

Vire pó ou poesia sem rima

32 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

por GIOVANNA SULEIMAN DORES

A

Gilvanna Suleiman DoresJovem estudante de Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Leitora ávida e escritora

compulsiva. Tenta achar refúgio da caótica vida paulistana na literatura.

A assombração de partituras desarmônicas

Sambou nas partes do meu chão molhado

Cortou o risco de eu nunca ter amado

E arriscou em explicações cósmicas

Sólida-solidão-sucumbida

Me interno em sua saudade

Por ser da humanidade

Por ser de verdade

As paixões já jazidas.

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 33

FLORES

u trouxe flores

Alguns copos de leite para termos taças

Beber o néctar, e matar esta sede devassa,

Até mesmo minha maior injúria, aos goles passa

Com o sabor dessa dor alegre, brindes ciprestes

Corações a clamar por faíscas de ar destilado.

Orquídeas negras que da Lucina são regadas por anões de jardim

Tiradas da terra, feito vitórias régias na água pelos querubins

por LUIS HENRIQUE KULIK

E Transbordam o licor devido, mantido em seu caule desprovido

Feitas de neon pela saliva de serafins mantidos em cativeiro divino

Desabrocham com as hosanas primaveris

Em nome do Senhor e sua beleza

Postas com graça em cima de um prato na mesa

São estas flores hipocondríacas de Santa Maria

E todas as suas filhas legítimas de transverberações Terezinas.

Luis Henrique KulikEstudante de Direito 4º período, fluente em inglês. Administrador da página ‘Poesia para Almas Solitárias’ no facebook.

POESIAS

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34 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

Meu corpo fala,GRITA, ,

Assim eume expresso!

silenciachor

a

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 35

ENSAIOpor ANA CAROLINA PAIVA

modelo ANA VITÓRIA MAX

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4 ASPAS DUPLAS | setembro 20174 ASPAS DUPLAS | setembro 20174 ASPAS DUPLAS | setembro 201736 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 45

ENSAIOpor ANA CAROLINA PAIVA

A FotógrafaA Fotógrafa

ANA CAROLINA PAIVA, 24 anos, cristã e filha do Criador. Nascida na Capital Federal e enraizada em Macaé - RJ, cidade onde o mar beija a areia morena. Apaixonada por fotografia, música e filmes.

Amo admirar as coisas simples pois nelas encontro essências únicas. Componho minha fotografia com poesia e luz. Busco a inspiração que vem do Criador pois suas obras são perfeitas. Amo a luz dos finais de tarde e do comecinho da manhã. A câmera tem sido minha maior parceira desde que tinha 15 anos quando fiz minhas primeiras fotos. Antes de tudo fotografo com todo amor que existe dentro de mim e me dedico o máximo que posso. Amo o que faço, amo admirar as coisas e as pessoas. Amo poder parar o tempo e o transformar em eterno. Sem dúvidas é o que quero fazer para o resto da minha vida, e enquanto Deus permitir. Me chamo Ana Carolina, mais conhecida como Aninha ou Carol.

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CONTOSUM SALTO NA CHUVA

CONTOS

Venta lá no alto. No céu carregado de nuvens e de Niltons. O Nilton carinhoso, o Nilton estudioso, o Nilton piadista, o Nilton pegador. O Nilton do segredo. Ele é como cada um de nós, muitos num só. Camaleão social, adaptável a cada ambiente. Por isso voa. O que mais poderia fazer? Lutar contra a gravidade? Nilton aceita, como sempre foi. Algumas pessoas olham para o alto. Veem um pássaro diferente. Vestido em roupas de adolescente. O cabelo sempre muito bem penteado balança com a brisa. A franja se foi. É a carteira que sai do bolso de trás? Couro marrom. Que caia perto dele. Será mais fácil de identificar, de avisar a todo mundo. O ponto mais alto da curva do salto já passou. Está em queda. A rua se aproxima. Sinos badalam ao longe. Não, são as moedas batendo no molho de chaves no bolso da frente. Vão se espalhar pelo chão. E cada uma delas encontrará um novo dono. E circulará por lanchonetes e lojas. Trocados. Ou se perderão em potes de vidro em estantes de apartamento. E ninguém vai saber que foram de Nilton. Nem que um dia ele existiu. Se não tivesse marcado o encontro, não perderia as moedas. Nem a carteira. Não desmancharia a franja. Nem seria um beija-flor planando na chuva. Mas também não seria

orria encharcado quando o carro surgiu pela direita. Uma trombada na tormenta. Nilton agora flutua no ar chamuscado pela chuva. Do alto, vê o carro patinar a poucos metros abaixo dele. De braços abertos, bate asas na tempestade. Não sente dor, só medo. Quando seu corpo bater no asfalto molhado, quando seus braços se partirem ao meio, quando sua cabeça estilhaçar como uma melancia, estará tudo acabado. Esparramado na avenida. Ao menos, para ele. Porque para amigos e família será um novo começo. Não pela ausência do garoto, mas por uma dúvida que ficará no ar, como o corpo dele está agora. E é isso que provoca tanto temor em Nilton. Por que estava ali naquele bairro? Disse aos pais que ia ao Cinema. A namorada se perguntará por que carregava camisinhas no bolso. Traição. Ia para um encontro, ela teria certeza. Com quem? Nilton sempre pareceu fiel. São esses os mais perigosos. Se descobrirem a senha do celular, se abrirem as conversas, se lerem a última mensagem dizendo que ele estava chegando, talvez enxerguem o que Nilton tentou esconder por tantos anos. Mas a queda pode destruir também o aparelho. E este Nilton que ninguém conhece irá se perder como a vida dele.

46 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

por DAGUITO RODRIGUES

C

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Nilton. Pois era escondido, na surdina dos aplicativos de celular, que ele descobria quem era de verdade. Era ali que ele se despia sem vergonha. E marcava horário, saía de casa, chegava no apartamento de um desconhecido, beijava, tirava a roupa e transava com outros jovens. Garotos como ele. Nilton, o mulherengo. Nilton, o mentiroso. O envergonhado, o medroso, o promíscuo, o confuso. O passarinho.

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Agora não está mais protegido pelo sigilo. Os olhares da via estão no corpo arremessado. Metralhado por gotas que se esparramam como sangue pela pele dele. Um sangue que logo irá jorrar pela cidade. Nilton vai cair. Está caindo. Baterá no solo. O maior salto de sua vida, um salto para o nada. Do alto, vê o carro patinar a poucos metros abaixo dele. De braços abertos, bate asas na tempestade. A chuva não para.

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Daguito RodriguesEscritor e roteirista. Foi repórter da Folha de São Paulo, Diretor de Criação na agência Publicis Brasil e dirigiu e escreveu o curta O Santo Salvador e o Demônio, entre outros. Acumula prêmios nos principais festivais de criação do mundo, como Cannes Lions, Prêmio Abril e Clube de Criação. Quer muito que você leia o primeiro romance dele, “Vozes na rua” (Kazuá, 2016).

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O NÃO INUMADO

CONTOS

químicos regulares e injeções de formol. Tratavam-me ali de presunto, devotavam-me o mais puro asco, não me poupavam chutes e safanões. Pensava ficar para sempre naquele balneário sinistro, quando ligaram de uma clínica da capital à procura de espécimes. Havia quatro em bom estado, informaram, fariam o pacote a preço módico, bastava providenciar depósito e traslado. Fechado o negócio, penduraram uma etiqueta no meu pé, embalaram-me em plástico transparente e me embarcaram numa van climatizada, junto com outros colegas de pós-morte. A viagem foi longa e desconfortável, na traseira da van mal cabíamos nós quatro. Pelo meio da estrada, uma blitz fez sinal para parar. O motorista levou o carro para o acostamento, sacou a nota fiscal do porta-luvas, agiu com amistosidade. Estava tudo em ordem com os papéis, comprar defunto já figura em lei, senhor, leia-se o código penal. Mas a federal nunca lê nada direito, esnobou da papelada e pediu para vistoriar lá atrás. Esbarrou foi na parede espessa de formol: É cadáver, porra! Passa, cacete, passa! Sim senhor, sim senhor, quem manda não ouvir o motorista, defunto não se convida para um sorvete. Toca viajar, anda a comer poeira e buracos na estrada para chegar de manhãzinha ao nosso novo lar. Queimamos

empre quis experimentar a morte. Não a dos outros, estranha, distante, enigmática, mas a minha, íntima, concreta, palpável. Imaginava-me dissolvendo, a pele e a carne se fundindo numa pasta amorfa, os ossos se desfazendo num polvilho branco. Estou morto e é surpreso que não me vejo passar por nada disso. Descubro-me antes conservado, livre de vermes e bactérias, tratado por químicos de toda sorte. Sou um morto sem luto, um morto funcional e indigno, um morto não inumado. Junto com mais três, espero neste frízer um segundo fim, quem sabe fatiado, quem sabe desossado, a carne derretida num cozido amarelo. Que nos encontrem um lugar, qualquer lugar, num fosso, num monturo, na lata de lixo. É o que esperamos, eu e os outros, presos, enregelados, subtraídos ao sono dos mortos, impedidos de fenecer, privados de sentir o gosto último e derradeiro de nossa carne podre. Sei de mim, embora isto. Trago a pele sem marca, tatuagem ou cicatriz. Morri como morrem os cujo corpo se reaproveita, só, na rua, de frio invernal. Uns homens com luvas e macacões me recolheram ao necrotério da cidade onde desvaeci. Infâmia e execração pública naquela morgue, onde me deitavam numa banheira de plástico para tomar banhos

48 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

por PAULO BARBOSA

S

CONTOS

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 49

chão até as cinco, hora em que a van estacionou no pátio interno de um prédio velho, com paredes em amarelo ocre, as janelas piscando luzes foscas de neon. Deitados em macas e cobertos por lençóis, entramos na clínica pela porta dos fundos, a mesma que usam para doentes terminais. Seguimos por um corredor estreito até uma sala azulejada, onde nos meteram num frigorífico de aço escovado, apertaram uns botões coloridos e fecharam a porta. Pronto, está feito, somos agora nós e este frízer, uma caixa funda e retangular, não muito alta, com canaletas para o chorume e quatro andares internos. Acomodamo-nos em gavetas longas e corrediças, adaptadas às medidas de um homem de porte médio. Ocupo o último andar deste cárcere high-tech, de onde vislumbro meus colegas pelo canto do olho. Aqui, perdemos os nomes de batismo para ganhar apelidos. Hulk, Zezinha, Panetone e Tobias foram as alcunhas dadas a nós, gente sem identidade, útil em servir à ciência, inapta em passar ao glorioso sono dos mortos. Hulk é o mais velho entre os quatro, aparenta 50 anos, tem o pau grande como deve ser o do super-herói verde; Zezinha é uma garota magra, tísica, de piercing no umbigo e púbis de pelos ruivos; Panetone é um gordo seboso, com bolsas sob os olhos e um olhar vítreo assustador; e eu sou o Tobias, muito prazer. Todas as manhãs, técnicos vêm nos fazer uma visita rápida, dá para ver pelo visor. Nem sempre abrem as gavetas, preferem observar através da janela. Anotam números numa tabela, fazem cálculos, monitoram nosso grau de morbidez. O formol é dosado, não devemos passar do ponto ideal de abate. Sobretudo não devemos ser extraviados, como de outra vez ocorreu, ouvi-os comentar à boca pequena. Ora bem, folgo em saber que há

esperança, alguns de nós ainda conseguem fugir. Os dias passam, lentos como o chorume pingando nas canaletas. Nenhuma saudade, nada que valha a pena lembrar. Variam as caras que olham no visor: umas parecem mais objetivas, outras traem expressões de nojo. Em geral, veem-nos lívidos e horizontais, o que basta para satisfazê-los, gostam de defuntos bem cuidados. Um dia, uma semana, um mês e estamos já é fartos. Não há paz nesta nulidade fria, neste moderno modo de morrer sem morte. Estar pútrido, decomposto, uma necessidade. Cadáveres precisam putrescer, derivar em matéria morta. Em vez disso, tratam nossa carne, tapam nossas bocas e narizes, enfiam-nos químicos no rabo. Querem-nos em estado de bela carcaça, eles, os homens de branco. Fazem de nós o que bem entendem, eles mandam, são eles os justos, são eles os senhores da morte. Não tiro o olho do visor, ausculto os mínimos sons desta sala, vigio os homens, que vêm e vão. Há que esperar – gostamos de nos repetir –, esperar alguma coisa, qualquer coisa, pelo pior, sobretudo pelo pior. Tudo é possível neste limbo, há casos de corpos guardados em frigoríficos durante décadas, a famigerada criogenia. Não se trata disso, é o que julgo, não têm tecnologia para tanto, mais provável é que nos deem um destino tão logo comece o mês. O movimento vem minguando nos últimos dias, de fato, nenhuma cara espia no visor, nenhum dedo aperta botões. O silêncio foi ainda mais fúnebre hoje, quando nem mesmo as ridentes mulheres-hiena vieram cuidar da limpeza. A morte não faz barulho, pode ser o fim, com efeito, o difícil começo do fim, o capítulo em que nos retalham em bifes, quando não nos maceraram os ossos para pendurar na ponta de um prego.

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Que é mesmo o fim, fica nítido pela quebra do silêncio, de repente feito em caquinhos, como prato duralex estilhaçado numa sala de ecos. Lá vêm eles, ouço o alarido, a boiada irrompe sala adentro, ei-los ali, o bando de neófitos, os répteis, os abutres de jaleco branco. Arrastam mesas, deitam água fora, lavam pias, sacodem tubos, agitam pipetas. O tropel aumenta, novas caras apresentam-se ao visor, cá estamos, senhores verdugos, as peças anatômicas, as rezes para abate. Mãos se adiantam em digitar números e abrir a porta do frigorífico. Vestem luvas, empunham instrumentos, é o tudo ou nada, mais bem o nada, a hora D, o martelo na cabeça do boi. Estejam em paz, companheiros, passemos à lâmina dos açougueiros, vejo vocês no além. Fazem correr as gavetas do frízer, um a um, transferem-nos para as mesas de dissecação. Uns vomitam ao nos verem deitados nas mesas, é náusea de iniciante, logo se recompõem. Contam piadas, tiram fotos,

registram suas atrocidades para o futuro. Limas, serras, cutelos, talhadoras, agulhas, bisturis, enterótomos, cinzéis, costótomos e cizalhas esperam numa mesa forrada com toalha branca. Um deleitado preceptor ensina o manejo das ferramentas. Mãos à obra, o Hulk tem os olhos retirados das órbitas por um espéculo, expõem-lhe o nervo óptico. Serram também o crânio dele, deixam-lhe o cérebro à mostra, recheio mole em casca de noz. Dividem a vagina de Zezinha em duas, parece agora presunto fatiado, revolvem em seguida a barriga do Panetone com a broca, esgaravatam-lhe o estômago à cata de sobras da última refeição. O preceptor explica como funcionam cérebro, coração, estômago e outros órgãos, embora nada disso já funcione. Esgrime bem o cutelo, o que não interessa, atira numa pilha fumegante. Tudo vai chegando a termo, afinal, reúnem coisas no oco do meu peito, cobrem-me de novo a cara, fazem o mesmo com o que resta dos outros. Jogam serragem para dentro de

ALLINE MORAES | Fuca.

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nós, costuram-nos com linha cirúrgica. Os neófitos não são bons de faca, e o Panetone resulta seriamente desfigurado. Tentam resolver o desastre com suturas aqui e ali, piorando bastante a obra. Separam enfim nossos corpos em plásticos com um símbolo bizarro na frente e procuram se livrar da massa infecta. O preceptor invoca respeito aos mortos, nada de usar o forno, as sobras devem ser depositadas em jazigo banal, sem flores, lápides ou orações. Manda aqui a ciência, a velha e megera ciência, pródiga em fazer de nossa morte o mais próximo de nada. Um motorista nos guia até o cemitério, onde uma vala aguarda de boca aberta para nos tragar. A van estaciona ali perto e expele o motorista, que, sem muita ciência, arrasta-nos

para fora do carro. Ele joga os sacos dentro da vala, enquanto o coveiro despeja terra por cima com uma pá. E isso é tudo, eis-nos devolvidos à condição de húmus, algum sentido para nós afinal. O motorista confere o serviço, entra na van, cospe de lado, enfia a chave na ignição. Caso encerrado, quem sabe mereça uma dose, leva sempre uma pinga escondida debaixo do banco, sua única diversão. Abre a garrafa, dá um gole generoso, roda a tampa na garrafa. Avante, hora de partir, outra viagem o espera logo mais. Liga o carro, pisa no acelerador, tem pressa: mais tarde cruzará de novo a divisa, com a missão de recolher três novos espécimes, agora para uma Santa Casa de Misericórdia. E o resto que se cale, e o resto que repouse em dor e silêncio.

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Paulo BarbosaProfessor da Escola de Design da UEMG, onde leciona História da arte, História do cinema e Estudo da cor. Começou sua carreira como ilustrador publicando nos jornais Suplemento Literário e O Debate. Premiado em diversos salões de humor gráfico e quadrinhos pelo Brasil. Mestre em Artes Visuais e Doutor em História da Arte.

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HOTEL BELA VISTA

CONTOS

ituado as margens do Tâmisa, o hotel Bela Vista não é exatamente luxuoso. Confortável, oferece excelentes acomodações pelo preço da diária e tem fama de ser mal assombrado. Por quem? Por mim, cronista do The Times, dado como desaparecido durante a Guerra dos Seis Dias. Lembram-se dela? Na realidade, morri anônimo, em um dos quartos desse hotel. Não sou um desses fantasmas que arrastam correntes e ficam pela terra a expiar os seus crimes. Não, sou um escritor, apegado à terra pela absoluta curiosidade de espiar as vidas alheias. A vida, garanto, ganha longe da ficção. De rotina, assisto entediado as conversas fúteis dos turistas. No entanto, no último mês, aconteceram três visitas curiosas, ou pelo menos interessantes o suficiente para estimular meu desejo de voltar a escrever e colocar uma roupagem mais elegante nos dramas e comédias dessas pessoas comuns.

A primeira reserva - 1 de outubro

Ele, um homem de aproximadamente quarenta anos, aproximou-se da janela para fechar as cortinas. Por um breve instante, teve diante dos olhos a visão do rio e do Parlamento

52 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

por SONIA REGINA ROCHA RODRIGUES

S de Londres na outra margem. Da maleta que jogou sobre a cama ele tirou o indispensável: a navalha novinha em folha. Dirigiu-se à sala de banhos e fechou o ralo da banheira. Ligou as duas torneiras, regulou a temperatura desejada e ficou observando a água a subir. Decerto ele ouvira dizer que as artérias abrem-se mais quando mergulhadas em água morna. Olhando para cima, encontrou a imagem do fracassado que se tornara. Rascunhou um bilhete que enfiou no bolso, perdoando a esposa que o abandonara, os filhos que o ignoraram, o chefe que o demitira sumariamente, os colegas traíras que lhe viraram as costas, os amigos que imaginara ter. Deus que o abandonara. Seis horas. O carrilhão começou a tocar. Quem já ouviu o Big Ben sabe: é um som que toca a alma. Ele não ouvia um carrilhão desde a infância. Em sua cidade natal. Lembrou-se do perfume da mãe. Com voz alegre ela contava-lhe histórias. Como a do tocador do sino da igreja, despedido pelo novo padre por ser analfabeto. O pobre sacristão, sozinho no mundo, partiu para Londres e tornou-se milionário. Um famoso conto de Somerset Maugham, o leitor deve estar lembrado.

CONTOS

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 53

Ele fechou as torneiras. No espelho, o menino que ele fora um dia gargalhava. O carrilhão tocou pelo que lhe pareceu um longo tempo. Na manhã seguinte, ele arrumou-se, entregou na portaria um bilhete com seu último bem, uma corrente de outro e partiu, determinado a vencer.

A segunda reserva - 21 de outubro

O rapaz gostava muito de sua esposa. O sogro, no entanto, era um sujeito antiquado, que lhe rosnara ao sair da igreja: - Olhe lá, rapaz, que eu entrego hoje a minha menina purinha, purinha, do jeito em que ela nasceu. Olhe sua responsabilidade. Juízo, moleque. O namoro, longo, debaixo da vigilância severa da mãe dela, só aconteceu por conta do forte sentimento que ele nutria por ela. Animada por sair de sua torre, ela mal disfarçava a pressa em deixar a festa. A caminho do hotel, ela falava sem parar, enquanto ele ouvia. Ao chegarem ao hotel, ele deixou-a no quarto e retirou-se discretamente para a saleta da suíte. O sogro aconselhara que ele lesse um antigo Manual de Conselhos para a Noite de Núpcias. O livreto aconselhava os rapazes a deixarem a noiva sozinha no quarto para que ela se preparasse, que vestissem um pijama, se enfiassem completamente vestidos debaixo dos lençóis e apagassem as luzes. Para não assustar a inocente virgenzinha. Ela chamou: - Amor, vem logo, quero muito, muito carinho hoje. Contendo-se, ele entrou no quarto. Encontrou o leito vazio. Pela porta aberta do

banheiro ele avistou a esposa, iluminada pela luz de velas, deitada na banheira, coberta de espuma cheirosa, com duas taças de champagne nas mãos. - Um brinde à nova vida de casados! Ele sentou-se na borda da banheira e virou sua taça de uma só vez. Ela convidou: - Dizem que um seio perfeito cabe direitinho em uma taça de champagne. Quer conferir os meus? Ele esqueceu o sogro e o manual. Mergulhou.

A terceira reserva - 31 de outubro

Paulinha entrou no quarto saltitando. - Então isso é um hotel? Dá pra ver o rio da janela! E a torre do relógio. E o castelo. E... No instante seguinte, ela estava a abrir todas as gavetas, umas após as outras: - Tudo vazio. - Pois claro, ainda não desfizemos as malas. - disse a mãe. - Posso pular na cama? - sem esperar resposta, ela começou a pular - Upa! Upa! que colchão gostoso. - Oito horas de estrada - gemeu o pai - Estou cansado. - Querida, desce da cama, vamos deixar o papai dormir. Mamãe vai deixar a banheira enchendo para você tomar um banho, enquanto... - Banho de espuma? Como naquele comercial de sabonete? - Sais de banho. Trouxe dois tipos, você pode escolher o cheirinho. Rosa ou jasmim? A menina já jogava os sapatos e as meias para os lados. A mãe foi preparar o banho. - Pedi para colocarem uma caminha extra na saleta para você, filha. - contou o pai.

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54 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

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- Tem graça. Essa camona dessas e eu sozinha? Quero dormir aqui, no meio de vocês. Deixa? A mãe mexeu a boca silenciosamente, por trás dela, implorando ao marido: - Só por uma noite, vamos deixar. O pai capitulou. Jogou-se de costas na cama, a suspirar. A menina já estava no banheiro, desenhando carinhas risonhas no espelho embaçado pelo vapor. - Posso pegar esses vidrinhos aqui? Para que servem? - Esse é o sabonete, esse é para lavar os cabelos, esse é para depois do banho, para a pele ficar macia. Pode usar tudo. - Posso pegar lencinho? - Tudo que está aqui é para nós usarmos. Pode, sim, pegar lencinhos, mas só se precisar, certo? Quer uma coisa para brincar? - Meus brinquedos ficaram todos em casa. - Que tal um barquinho de papel? - Oba, vou brincar de tempestade,

- Mamãe está cansada. Vou deitar um bocadinho. Querida, tenta ficar so cinco minutos quietinha, para o papai poder dormir. - Cadê meu barquinho? Finalmente, banheira cheia, e mulher ajeitou-se ao lado do marido, gozando o breve silêncio. Silêncio repentinamente quebrado por sons estranhos e um único grito. No banheiro alagado, os dois adultos perceberam a menina, corpo meio caído para fora, e o secador de cabelos, ligado à tomada, caído na água.

Quando os seres de Luz apareceram para levar Paulinha, um deles voltou-se para mim: - Vem conosco? Recusei. As altas esferas de paz, amor e sabedoria me parecem tediosas. Ainda estou fascinado pelos altos e baixos da vida humana. - Se eu puder renascer... - minha palavras se perderam, os seres de Luz já haviam partido.

Sonia Regina Rocha RodriguesEscritora e médica, autora dos livros de contos ‘Dias de Verão’ (1998), ‘É suave a noite’ (2014),

‘Coisas de médicos, poetas, doidos e afins’ (2014) e um de programação neurolinguística ‘O você diz a seu filho?’ (1999). Em 1996, participou da fase regional do Mapa Cultural Paulista com o

conto ‘A Auditoria’, representando a cidade de Bebedouro. Sua monografia ‘A importância da cultura para a formação do cidadão’ foi utilizada na prova do ENEM em 2011.

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 55

HORIZONTEEle amanheceu-se num embaraço só

Como sempre e sempre...

Ele, de tanto silêncio, tanta reticênciaEle, cujo poema é antídoto

Imediato...

Ele, tão dado ao destrato de si mesmoAnda muito de verso em verso, suspenso

Ele, nesse diaNão mais que por acaso

Desembaraçou-seUm passo a cada sol

Um sol a cada passo...

Ele olhou pro ladoE além dele

Estava BárbaraNum braço

Respiração, inspiração, conselho, estrofe, cançãoAmbos desenhados

Como definitivo poemaNo coração do horizonte bárbaro.

FÁBIO DANTAS A. LISBÔA DA SILVA | Horizonte bárbaro

GERSON MACHADO DE AVILLEZ | Pedra da Gávea

BÁRBARO

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CRONICAA JERUSALÉM BRASILEIRA

CRONICA

u nunca conheci um judeu praticante. Os poucos judeus com os quais convivi eram ateus, mas me disseram que, no primeiro ano do calendário judaico – o calendário deles é diferente do nosso –, eles fazem uma oração que termina dizendo: “Ano quem vem em Jerusalém”. Se alguém da religião judaica estiver lendo esta página, vou dizer a essa pessoa que sei bem o que os adeptos dessa fé sentem por Jerusalém, pois é o mesmo sentimento de afeto que eu sinto pela cidade de Ouro Preto: creio mesmo que ali está o coração de nossa nacionalidade. Como disse Manuel Bandeira, ali nasceram “nossa vontade de autonomia nos sonhos frustrados dos Inconfidentes”, nossa arte nas igrejas e esculturas do Aleijadinho e nossa poesia nos versos de Gonzaga. Da última vez que estive em Ouro Preto, chorei como aqueles judeus do Salmo 137, o Salmo que inspirou a canção “Va, Pensiero”, da ópera “Nabucco”, de Verdi: o pranto pela cidade sagrada destruída. Não consigo entender como é possível que se permita que um tesouro como a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, dentro da qual jaz o Aleijadinho, esse homem extraordinário que deu nascimento à nossa arte, esteja em estado tão lamentável: fechada há mais de dois anos

56 ASPAS DUPLAS | setembro 2017

por EDSON AMARO DE SOUZA

E

GERSON MACHADO DE AVILLEZ | Rastro de fogo

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setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 57

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Edson Amaro de Souza Traduziu o romance ‘Valperga’ de Mary Shelley, publicado pela editora Buriti e é autor do livro de poesias ‘Ouro Preto e outras viagens’ da editora Fragmentos.

ameaçando cair, e este ano de 2015 ainda sofreu um princípio de incêndio. Sou professor de Língua Portuguesa, e, todos os anos, ao menos uma vez, visto uma camisa com a bandeira de Minas Gerais e leio textos de poetas e prosadores que celebraram essa cidade que Bandeira chamou de “a avozinha”. E dou um jeito de colocar nas minhas provas imagens de algum dos doze profetas de Congonhas. Escandaliza-me o fato de nossas crianças e adolescentes verem todos os dias na TV a Estátua da Liberdade e ouvirem falar de

George Washington nos desenhos animados, mas desconheçam o Aleijadinho e suas obras. Sinal inequívoco de que as concessionárias de TV não cumprem o que manda o artigo 221 da Constituição. Você que me lê, confira lá. – Aliás, estou usando trechos da Constituição nas aulas de Gramática, medida urgente para que a juventude compreenda o que é um Estado de Direito. Meu Deus! Estou escrevendo uma crônica ou um desabafo?

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58 ASPAS DUPLAS | setembro 2017 JOSÉ HUGUENIN | luz no céu

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Gosta de ser imperceptível,Mas aos olhos do poetaEste propósito se torna impossível.

As pistas deixadas pelas palavras suscetíveis,Expressões e olhar.O ser torna-se completamente compreensível.

É preferível manter o subliminar,Pois dele nasce a poesia.Escrita indefinível e difícil de acessar.

Incrível construção.Difícil fechar a janela se continua a olhar.O inacessível é intrigantemente poético.

Imperceptível é o início da inspiração.Imperceptível é a janela que separa.Imperceptível é a imprescindível emoção.

JAQUELINE NAZARÉ S. COSTA SANTOS | Imperceptível.

setembro 2017 | ASPAS DUPLAS 59

IMPERCEPTÍVEL

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