a vida não me parece mais que um continuum de estações a caminho do meu trabalho

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A vida não me parece mais que um continuum de estações a caminho do meu trabalho, onde sou um assalariado, eufemismo para um escravo que, em troca da aparente liberdade de ir e vir, recebe um salário que será gasto com moradia, comida, alguns bens duráveis e algum entretenimento para não ficar completamente maluco; ou seja, um escravo que está completamente dominado não por chibatadas, não pela força física, mas pela força da ideologia. O dinheiro, que acreditam emancipador, não é nada mais que o meio pelo qual continuo escravo, com a vantagem (para os donos do sistema) de que agora eu tenho que pagar pela minha moradia e pela comida. Tenho a aparente liberdade de comprar o que desejo, embora esse desejo seja minuciosamente esculpido no meu inconsciente pela atividade criminosa da publicidade. Acordo, cago, tomo um banho, faço a barba, me visto... entro num buraco onde um trem me levará, junto a milhares de pessoas, ao que, acreditei um dia, me faria ver sentido nisto tudo... e o único sentido que consegui foi o de leste-oeste, norte- sul, dia após dia, para cumprir metas que não são minhas...

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Page 1: A vida não me parece mais que um continuum de estações a caminho do meu trabalho

A vida não me parece mais que um continuum de estações a caminho do meu trabalho, onde sou um assalariado, eufemismo para um escravo que, em troca da aparente liberdade de ir e vir, recebe um salário que será gasto com moradia, comida, alguns bens duráveis e algum entretenimento para não ficar completamente maluco; ou seja, um escravo que está completamente dominado não por chibatadas, não pela força física, mas pela força da ideologia.

O dinheiro, que acreditam emancipador, não é nada mais que o meio pelo qual continuo escravo, com a vantagem (para os donos do sistema) de que agora eu tenho que pagar pela minha moradia e pela comida. Tenho a aparente liberdade de comprar o que desejo, embora esse desejo seja minuciosamente esculpido no meu inconsciente pela atividade criminosa da publicidade.

Acordo, cago, tomo um banho, faço a barba, me visto... entro num buraco onde um trem me levará, junto a milhares de pessoas, ao que, acreditei um dia, me faria ver sentido nisto tudo... e o único sentido que consegui foi o de leste-oeste, norte-sul, dia após dia, para cumprir metas que não são minhas...