e o continuum morfológico
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FACULDADE DE LETRAS/ UFRJ
O FORMATIVO PETRO- E O CONTINUUM MORFOLÓGICO
Rafael Rodrigues da Silva Cardoso
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
2
UFRJ
O formativo petro- e o continuum morfológico
Rafael Rodrigues da Silva Cardoso
Volume Único
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
(Letras Vernáculas), Faculdade de Letras,
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Letras Vernáculas, na Área
de Concentração Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
3
Cardoso, Rafael Rodrigues da Silva.
O formativo petro- e o continuum morfológico/ Rafael Rodrigues
da Silva Cardoso. - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013.
xi,64.: il.; 31cm.
Orientador: Maria Lucia Leitão de Almeida
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2013.
Referências Bibliográficas: f. 60-64.
1. Radicais Neoclássicos . 2. Linguística Cognitiva. 3.
Morfologia. 4. Continuum Morfológico. 5. Mesclagem
Conceptual. 6. Composicionalidade. 7. Frame e MCI.
I. Almeida, Maria Lucia Leitão de. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas. III. O formativo petro- e o continuum
morfológico.
4
O FORMATIVO PETRO- E O CONTINUUM MORFOLÓGICO
Rafael Rodrigues da Silva Cardoso
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
(Letras Vernáculas), Faculdade de Letras,
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Letras Vernáculas, na Área
de Concentração Língua Portuguesa.
Examinada por:
_____________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida – UFRJ
_____________________________________________________________________
Professora Doutora Regina Souza Gomes – UFRJ
_____________________________________________________________________
Professora Doutora Patrícia Teles Alvaro – IFRJ
_____________________________________________________________________
Presente à defesa o coorientador:
_____________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves - UFRJ
5
SINOPSE
Estudo do formativo petro-.
Comprovação da necessidade de
categorias morfológicas flexíveis e
demonstração dos processos
cognitivos operantes em
construções em que está presente o
formativo com base na Linguística
Cognitiva.
6
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a meus pais, que estiveram comigo em cada passo de minha
existência até hoje, dando apoio para que eu não tropeçasse e me ajudando a me levantar
quando era necessário. Eles me ofereceram não só a oportunidade de vir ao mundo, mas
também todas as condições para que eu me desenvolvesse. Também não posso deixar de
mencionar meus avós de ambos os lados, pois se eles não houvessem vindo para esta grande
metrópole que é o Rio de Janeiro, meus pais não teriam se encontrado, eu não teria nascido e
essa dissertação não teria sido escrita.
Um grande obrigado aos amigos que me acompanharam nesses dois anos de mestrado, em
especial Paulo Jorge e Camila Brito. Sem eles não seria possível aguentar as agruras dessa
vida (“que vidinha, meus amigos”). Também merecem destaque os amigos do NEMP, em
especial Laís, Aldo, Rosângela e Neide, com quem tive discussões muito produtivas sobre
diversos assuntos teóricos e não teóricos.
A minha orientadora Maria Lúcia, o meu muito obrigado por ter me conduzido ao NEMP no
fim da minha graduação e por ter me apresentado e ensinado a Linguística Cognitiva que
mudou minha vida. Ao meu coorientador Carlos Alexandre Gonçalves pelas aulas da pós e
todos os ensinamentos sobre morfologia. Devo a ele o próprio tema desse trabalho. E também
à prof. Lilian Ferreira pelas aulas da pós e pelas contribuições.
Agradeço também à banca, por ler e avaliar o trabalho, às instituições financiadoras CNPQ e
FAPERJ e ao programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas por ter me concedido o
título de bolsista nota 10 da FAPERJ.
7
“Vous devez avoir, dit Candide au Turc, une vaste e
magnifique terre ? – Je n’ai que vingt arpents, dit le Turc ;
je les cultive avec mes enfants ; le travail éloigne de nous
trois grands maux : l’ennui, le vice et le besoin”
(Voltaire)
8
Resumo
O formativo petro- e o continuum morfológico
Rafael Rodrigues da Silva Cardoso
Orientador: Maria Lúcia Leitão de Almeida
Coorientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
A dissertação trata das características morfológicas do formativo petro- e de como se
dá a relação de sentido com sua base quando o mesmo é utilizado em uma construção. É
sabido que os formativos eruditos têm passado por um processo chamado recomposição, nos
termos de Gonçalves (2011). Sendo assim, petro- passa a ser utilizado em construções
recentes em que não possui o significado de pedra, como em ‘petrografia’ (a descrição das
rochas), mas sim de “petróleo”, como em ‘petroquímica’ (a química do petróleo). Utilizo para
minha análise as ideias de Kastovsky (2009) e Gonçaves (2011) de um continuum
morfológico, que considero necessário para a compreensão do comportamento escorregadio
do formativo em questão. No que diz respeito ao sentido, sirvo-me do aparato teórico da
Linguística Cognitiva, principalmente Sweetser (1999) e Fauconnier e Turner (2002).
Pretendo demonstrar que o formativo petro-, além de requerer um conceito flexível de
categoria morfológica, tem em suas construções uma estrutura cognitiva subjacente que
permite a construção e a compreensão do sentido.
9
Abstract
The formative petro- and the morphological continuum
Rafael Rodrigues da Silva Cardoso
This dissertation’s goal is to describe the morphological characteristics of the formative petro-,
and the way it prompts meaning together with its base. It is known that neoclassical
formatives have been going through a process called ‘recomposition’, as Gonçalves (2011)
puts it. Therefore, petro- does not mean “rock” in recent constructions, like ‘petrography’ (the
description of rocks); it means “oil”, as in ‘petrochemistry’ (chemistry that deals with oil). In
my analysis, I make use of the ideas of Kastovsky (2009) and Gonçalves (2011), which argue
in favor of a morphological continuum that I think is needed in order to fully understand the
ambiguous behavior of the formative I study. As to the meaning, my theoretical apparatus is
Cognitive Linguistics, especially Sweetser (1999) and Fauconnier and Turner (2002). I want
to show that the formative petro- not only needs a flexible concept of morphological category,
but also depends on a cognitive structure that allows the construction and comprehension of
meaning.
10
SUMÁRIO
1. PALAVRAS INICIAIS ......................................................................................... 11
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................. 13
2.1. Compostos .............................................................................................................. 13
2.2. Compostos neoclássicos .......................................................................................... 15
2.2.1. Cunha, Said Ali e Rocha Lima ................................................................................ 15
2.2.2. Lüdeling e Caetano ................................................................................................. 17
3. FORMATIVO PETRO- EM PORTUGUÊS: MORFOLOGIA E ORIGEM .. 19
3.1. O Corpus ................................................................................................................. 19
3.2. Morfologia .............................................................................................................. 21
3.3. Homonímia na morfologia ...................................................................................... 24
3.3.1. Gregos ..................................................................................................................... 24
3.3.2. Idade Média ............................................................................................................. 24
3.3.3. Linguistas modernos ............................................................................................... 25
3.4. Homonímia versus polissemia ................................................................................ 26
3.5. Origem dos formativos petro- ................................................................................. 30
3.6. Indo mais fundo ...................................................................................................... 32
3.6.1. O continuum morfológico ....................................................................................... 32
3.6.2. Petro- afixo ou radical? ........................................................................................... 36
3.7. Teste de acesso lexical ............................................................................................ 39
4. SEMÂNTICA: O BLENDING NAS FORMAÇÕES PETRO-X...................... 42
4.1. Por que a Linguística Cognitiva .............................................................................. 42
4.2. Linguística Cognitiva .............................................................................................. 42
4.1.1. Frames e MCIs ........................................................................................................ 45
4.2.2. Mappings, espaços mentais e mesclagem ............................................................... 46
4.2.3. Tipos de Mesclagem ............................................................................................... 48
4.4. Análise semântica e formalização ........................................................................... 51
5. PALAVRAS FINAIS ............................................................................................ 58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 60
ANEXOS ......................................................................................................................... 65
11
1. PALAVRAS INICIAIS
A presente dissertação tem como objetivo descrever e analisar construções
morfológicas em que está presente o formativo petro- com o significado de “petróleo”, como
‘petroquímica’ e ‘petroroyalties’. O estudo se divide em duas frentes principais: a semântica e
a morfológica. Tal procedimento intenta organizar as reflexões e as conclusões às quais se
pode chegar por meio da análise, pois variam segundo o ângulo sob o qual o problema é
abordado.
Nas seções dedicadas à análise morfológica, argumentarei que categorias morfológicas
estanques e rigorosamente definidas não são adequadas para uma compreensão razoável do
comportamento do formativo em questão, pois o mesmo apresenta características de afixo e
de radical. Discutirei, portanto, a posição do formativo em questão dentro do continuum
morfológico proposto por Kastovsky (2009) e depois por Gonçalves (2011 a e b) e Gonçalves
& Andrade (2012). Para tal, utilizarei critérios propostos em Gonçalves (2011a), que definem
pólos prototípicos para as formações derivacionais e composicionais do português. Utilizarei
os modelos de análise desses autores e não um quadro teórico específico.
No plano morfológico, também investigarei se o formativo é ou não oriundo de
recomposição neoclássica, fenômeno amplamente estudado e comprovado com uma série de
outros formativos em trabalhos como os de Ferreira (2011), sobre o formativo tele-, e de
Belchor (2011), sobre os formativos auto- e moto-.
Ainda do ponto de vista morfológico, será importante discutir a homonímia e a
polissemia, pois há, nas construções morfológicas do português, duas possibilidades de
contribuição semântica para a sequência petro-: “pedra” e “petróleo”. Coloca-se, portanto, a
seguinte questão: há somente uma forma, polissêmica, ou trata-se de dois formativos de
origem diversa e geradores, portanto, de uma homonímia? Caso sejam efetivamente dois
formativos diferentes e homônimos, é necessário descrever a origem de cada um deles, com o
objetivo de justificar a preferência pela homonímia e explicar que nesse fenômeno não há
extensão de sentido de um mesmo formativo, mas dois formativos historicamente diferentes
que sincronicamente coincidem do ponto de vista formal.
No que diz respeito à análise semântica, farei uso da teoria da Mescla Conceptual,
construto teórico de Fauconnier e Turner (2002), para formalizar a relação semântica que
existe entre o formativo e sua base. O conceito de Mescla Simplex, idealizado por Fauconnier
12
e Turner (2002) pode mostrar as intricadas relações que se estabelecem entre os dois
elementos das construções e a construção do sentido final. O aporte teórico da Linguística
Cognitiva fez-se necessário porque a bibliografia consultada não explora exaustivamente as
possibilidades semânticas que existem entre os formativos e suas bases. As explicações
encontradas limitam-se a afirmar, de maneira generalizada, que os formativos especificam sua
base (BASILIO 1987 e VILLALVA 2003). É imprescindível definir de que modo ocorre essa
especificação, pois ficará claro, ao analisar o sentido de cada construção, que em cada uma
delas o formativo contribui de maneira diferente. Essa diversidade de contribuição pode ser
vista como um problema, pois uma análise estritamente composicional da formação do
sentido não satisfaz as necessidades explanatórias do fenômeno. Daí o emprego da teoria da
Mescla Conceptual de Fauconnier e Turner (2002) e as conclusões de Sweetser (1999) terem
grande importância na análise aqui proposta. Interpreto as construções que são o objeto do
meu estudo como pegadas a serem seguidas em busca do processo cognitivo subjacente que
as tornou possíveis. Por essa razão, ainda que cada construção tenha sua estrutura própria no
que diz respeito ao sentido, o processo de construção do sentido está ancorado nos
mecanismos cognitivos subjacentes que a Linguística Cognitiva se propõe a explicar.
A dissertação se divide nas seguintes partes: no capítulo 2, farei uma revisão
bibliográfica e observarei o que foi dito sobre composição e composição neoclássica; o
capítulo 3 se dedica à morfologia e aborda questões como o corpus, homonímia, continuum
morfológico e o teste de acesso lexical; já o capítulo 4 tem como tema a semântica e contém
uma breve definição da Linguística Cognitiva, com uma atenção especial dedicada aos
conceitos que são úteis na análise, e a análise semântica propriamente dita; e no capítulo 5, as
palavras finais. Ao fim da dissertação, pode ser consultado em anexo o teste de acesso lexical.
13
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O formativo petro- apresenta, à primeira vista, características de radical neoclássico1.
É um elemento que tem origem no grego pétra,as, segundo o dicionário Aulete, e
frequentemente usado na formação de construções eruditas como ‘petrografia’2. Sob essa
perspectiva, nossas construções são, portanto, compostos3 (compostos de base presa, para
sermos mais precisos). Por isso, esta seção pretende explorar o que já foi dito sobre
composição de modo geral e composição neoclássica, numa tentativa de esclarecer as
características das construções e do formativo em questão. Ficará claro que, além de não
haver referência a petro- nas análises, os formativos eruditos não são bem enquadrados em
uma categoria morfológica uniforme e que a própria noção de composto não é muito clara
nesses casos.
2.1 Compostos
Para Rocha Lima (1983: 198), o que caracteriza a composição é, “além da unidade de
significação, a existência de mais de um radical”, isto é, quando ocorre a combinação de dois
ou mais radicais que possuem unidade de significação, o resultado é um composto. Ele diz
que os elementos de um composto podem justapôr-se, isto é, manter suas características
formais e de acento, como em ‘pontapé’ e ‘fidalgo-aprendiz’ ou aglutinar-se, isto é,
subordinar-se a um só acento e perder alguns elementos morfológicos, como em ‘aguardente’
e ‘pernilongo’. Nota-se que Rocha Lima só cita casos de bases livres, isto é, que têm livre
curso na língua, deixando de lado elementos problemáticos como os radicais neoclássicos. O
autor acrescenta, citando Bréal, que o sentimento de composição “tem seu critério no espírito”,
o que em termos atuais poderia ser considerado um aspecto cognitivo da composição.
Said Ali (1931:258) define a composição como “tôda combinação de vocábulos que
serve de nome especial para certo gênero de seres, ou com que se exprime algum conceito
nôvo, diferenciado do sentido primitivo de elementos componentes”. Segundo ele, os
vocábulos que constituem as palavras compostas podem ser: dois substantivos; dois adjetivos;
1 Isto é, um elemento formativo de compostos neoclássicos, que segundo Gonçalves (2011b), são “construções
com bases presas de origem grega ou latina, a exemplo de sociopata, pedofilia, xenófobo entre tantas outras’’. 2 O estudo das rochas
3 Mateus et alii (2003) atentam para o fato de que, ‘’na tradição gramatical portuguesa, formas como ortografia
ou sociocultural não são consideradas compostos, ou são tratadas como compostos literários ou eruditos’’, o que
já sugere sua dificuldade de classificação.
14
dois adjetivos combinados com substantivo; um dos termos pode ser pronome adjunto, ou
numeral, sendo o outro um substantivo; partícula (preposição ou advérbio) a um nome ou a
um verbo; e verbo com substantivo ou com outro verbo. Quanto ao sentido, declara que “o
composto representa uma idéia simples, porém caracterizada geralmente pela alteração ou
especialização do sentido primitivo” (p. 259). Nos elementos formadores de palavra composta,
não lista os radicais eruditos. Também não se vê nenhum caso de composto erudito entre seus
exemplos. Em outras palavras, em Said Ali (1931), os compostos eruditos não existem ou não
são interpretados como compostos.
Villalva (2003: 972) diferencia composição sintática de morfológica ao tratar dos
compostos. Segundo ela, os dois tipos de composição possuem estruturas bem diferentes no
que se refere à realização de gênero e de flexões. Reproduzo aqui a tabela que exemplifica
esse contraste:
Compostos morfológicos Compostos morfo-sintácticos
luso-brasileiro surdo-mudo
luso-brasileira
cf. *lusa-brasileira
surda-muda
cf. *surdo-muda
luso-brasileiros
cf. lusos-brasileiros
surdos mudos
cf. *surdo-mudos
A composição morfológica, em que os radicais estão disponíveis para a formação de
neologismos, é “um processo de concatenação de dois ou mais radicais, que exige a presença
de uma vogal de ligação como delimitador de fronteira entre esses radicais. Os radicais que
integram este tipo de compostos podem estabelecer entre si uma relação de modificação ou
uma relação de coordenação”. Para a autora, as formas de núcleo à direita são formas de
modificação. 4
Basílio (1987) considera a derivação e a composição como os processos mais gerais de
formação de palavras. Para a autora, a composição se caracteriza pela junção de duas bases –
4 Petro- só aparece em primeira posição, por isso pertence a essa categoria. Assim, em ‘petrografia’, “descrição
das características das rochas”, petro- refere-se a “pedra”, modificador, e ‘grafia’ a “descrição”, núcleo.
15
presas, como agri-, ou livres, como chuva. Para ela, a derivação é mais produtiva pela
generalidade das noções envolvidas no processo de formação: “enquanto na derivação temos
a expressão de noções mais comuns e gerais, a composição é um processo que vai permitir
categorizações cada vez mais particulares” (Basílio 1987: 30). Isso porque, para a autora, o
objetivo do processo de composição é a função de nomeação e/ou caracterização de seres,
eventos etc. Os compostos eruditos são tratados como compostos de bases presas e a autora
afirma que são de grande produtividade na língua formal e têm por objetivo a denominação na
linguagem científico-tecnológica. Nesse tipo de composição, que envolve pelo menos uma
base presa, o segundo termo é o núcleo e o primeiro é o especificador.
Pode-se observar que, à exceção de Basílio (1987), que utiliza o termo “base presa”
para caracterizar os radicais eruditos, nada é dito na literatura sobre o fato de os mesmos não
terem livre curso na língua. Além disso, o que caracteriza um composto é, em Rocha Lima e
Villalva, a presença de dois radicais e, em Basílio, a existência de duas bases (presas ou
livres). Basílio é, portanto, uma autora que reconhece uma das características mais
importantes dos formativos eruditos: sua impossibilidade de livre curso na língua. Ficará claro
mais à frente que, por ser uma categoria prototípica, a classe dos formativos eruditos abarca
elementos que não possuem essa característica e podem ser usados livremente, como é o caso
do formativo -fobia5. Ainda assim, a presença das bases presas na formação de palavras
compostas é digna de nota.
2.2 Compostos neoclássicos
2.2.1 Cunha, Said Ali e Rocha Lima
Cunha (1986) dedica uma seção inteira ao que ele chama compostos eruditos. Segundo
o autor, a nomenclatura científica, técnica e literária é fundamentalmente constituída de
palavras formadas pelo modelo greco-latino de composição, que consiste em associar dois
termos de maneira que o primeiro é determinante do segundo. Para ele, o motivo de sua
existência é a necessidade de nomeação de coisas novas, oriundas do progresso técnico e
científico. Para o autor: “Uma coisa nova exige uma denominação também nova. Por isso,
vemos entrar em nossa língua, todos os dias, um número apreciável de vocábulos, criados por
exigência do espantoso progresso da ciência e da técnica” (CUNHA, 1986: 124)
5 Pode-se dizer “José tem fobia de elevador”.
16
Cunha (1986) trata pormenorizadamente de radicais gregos e latinos, apresentando
uma lista de radicais latinos de primeira posição, na qual estão, por exemplo, igni-6 e tri-
7, e
de segunda posição como –cida8 e –voro
9. Entretanto, petro- não consta de nenhuma das duas.
Segundo ele, os compostos eruditos gregos são mais numerosos do que os latinos. O
autor faz dois comentários importantes quando trata dos radicais gregos de primeira posição
(grupo no qual se encaixaria petro-). Afirma que “a maioria destes radicais assume na
composição uma forma terminada em –o”. Acrescenta que “certos radicais gregos adquiriram
sentido especial nas línguas modernas” (p. 128) e dá como exemplo auto- que significava em
grego “próprio, de si mesmo”, como em ‘autodidata’ e ‘autógrafo’, e que passou a ter a
acepção de “automóvel”, como em ‘auto-pista’, ‘auto-ônibus’ e em vários outros novos
compostos.
O formativo petro- não consta das listas de elementos gregos de Cunha (1986)10
. Não
obstante, o insight de Cunha (1986) é muito importante para o início da discussão, como
ficará claro adiante.
Said Ali (1931: 258-254), como já referido acima, não menciona formativos e nem
compostos eruditos. Talvez isso se deva ao fato de que em sua análise são excluídos todos os
elementos de classificação duvidosa. Os compostos usados como exemplo em sua exposição
têm comportamento regular, pois sempre são casos em que o que ocorre é a junção de bases
livres11
, como em ‘linda-flor’, ‘pica-pau’ e ‘peixe-espada’. Assim, sua classificação se limita
a determinar a classe gramatical das palavras formadoras do composto.
Rocha Lima (1983) também não diz nada sobre os compostos eruditos, mas dedica
uma seção às famílias de palavras. Segundo ele, “Pertencem à mesma família as palavras que
possuem o mesmo radical, que, às vezes, coincide com a raiz. A elas também se dá o nome de
co-radicais” (Rocha Lima 1983: 188). Indica nessa seção alguns co-radicais de procedência
latina e grega. Dentre os co-radicais latinos, há opus, operis e as palavras relacionadas à obra:
‘cooperar’, ‘operário’, ‘opereta’, ‘opúsculo’. Nessa lista, há alguns compostos eruditos, como
os da família –cida (‘fratricida’, ‘homicida’, ‘regicida’), elemento morfológico que tem
6 Igni- significa “fogo”, como na palavra ‘ignívomo’, “aquele que vomita fogo” (Aurélio)
7 Tri- significa “três”, como em ‘tricolor’, “que tem três cores” (Aurélio)
8 Regi- significa “assassinar”, como em ‘regicida’, “aquele que mata um rei ou rainha” (Aurélio)
9 Voro- significa “que come”, como em ‘herbívoro’, “aquele que se alimenta de vegetais” (Aurélio)
10 Não surpreende o fato de que Cunha cite o fenômeno como específico dos radicais gregos e ocorra com nosso
formativo. Podemos supor que o falante não possui conhecimento diacrônico e por isso não diferencia radicais
gregos e latinos quando da aplicação do processo referido. 11
Que o autor chama ‘vocábulos’.
17
origem na palavra caedo, caedis, cedici, carsum, caedere (“cortar”). Porém, o foco aqui não é
a composição, mas a presença do radical em duas palavras diferentes. Na lista de co-radicais
gregos, há uma quantidade maior de compostos eruditos, como: ágo (“que conduz”), que tem
em sua lista as palavras ‘demagogo’ e ‘pedagogo’; bios (“vida”), com as palavras ‘anfíbio’,
‘biografia’, ‘biologia’, ‘macróbio’; e phoné (“som”), com em ‘fonologia’ e ‘telefone’. Petro-,
no entanto, não consta de nenhuma das listas.
Rocha Lima (1983: 197) comenta também os casos de hibridismos, que define como
"...palavras constituídas por elementos de procedências diferentes". Nesse momento são
elencados diversos tipos de hibridismo, dentre os quais francês e grego (‘burocracia’) e latim
e germânico (‘moscardo’). Nos hibridismos de tipo latim e grego e grego e latim, há diversos
compostos eruditos, como ‘automóvel’, ‘monóculo’, ‘bígamo’ e ‘sociologia’.
Não se faz, porém, nenhuma referência aos elementos formativos desses compostos e
ao seu estatuto morfológico na língua portuguesa. Os compostos de Rocha Lima (1983: 198)
se dividem em justapostos, "conservando cada qual sua integridade de forma e sua
acentuação", e aglutinados, ''subordinados a um acento único, perdendo-se então, por via de
regra, alguns elementos morfológicos''. Entre os exemplos desses tipos de compostos, não há
casos de compostos eruditos.
2.2.2 Lüdeling (2006) e Caetano (2010)
Em sua análise mais detalhada da composição neoclássica, Lüdeling (2006) levanta
diversas questões da maior importância para o entendimento do fenômeno12
. Ela defende que
uma palavra ou elemento neoclássico não é simplesmente qualquer elemento de origem
etimológica grega ou latina, pois muitos termos dessas línguas se incorporaram às línguas
europeias de tal maneira que seu comportamento na formação de palavras não difere do de
elementos nativos13
. Por isso, o que considera composição neoclássica é o uso de elementos
de assimilação incompleta que passam por mecanismos diferentes dos elementos nativos.
Assim, duas perguntas colocadas e que considero essenciais são: qual a diferença entre os
elementos neoclássicos e nativos e qual o estatuto morfológico desses elementos?
12
Sua análise se baseia principalmente na língua inglesa. Por essa razão, farei comparações com o português
quando necessário. 13
Essa afirmação tem um peso grande para o inglês, pois boa parte de seu vocabulário tem origem clássica por
causa da influência francesa no vocabulário inglês. Constata-se o mesmo em português com palavras de origem
estrangeira como chá (do chinês) ou chope (do alemão): essas palavras comportam-se como nativas.
18
Quanto à primeira pergunta, Lüdeling (2009) afirma que há propriedades estruturais
que permitem essa distinção, que podem ser fonológicas (os elementos neoclássicos possuem
sílaba tônica), morfofonológicas (tendem a se combinar com outros neoclássicos),
ortográficas (podem conter grafias antigas como ‘ph’) e de uso (usadas em registros mais
eruditos). Com relação à segunda questão, que será abordada em seções seguintes mais
pormenorizadamente, afirma que a formação de compostos neoclássicos é regida por um
sistema diferente do de elementos nativos e que não é uma classe homogênea.
Caetano (2010) também atenta para o fato de que as formações neoclássicas não
podem ser adequadamente descritas pelas tradicionais categorias de composição e derivação.
Sua lista extensa de autores exemplifica a grande gama de tratamentos que recebem. Ela
também nota o fato de que esses elementos que chama ‘mais rentáveis’14
, como bio- e geo-,
ocupam sempre a mesma posição15
. Além disso, sua rentabilidade faz com que sejam
considerados sufixos ou prefixos por alguns autores (CAETANO, 2010: 138).
14
Isto é, produtivos. 15
A autora acrescenta que os elementos mais rentáveis são os que podem se juntar a bases vernáculas ou a
palavras que são empréstimos a outras línguas.
19
3. O FORMATIVO PETRO- EM PORTUGUÊS: MORFOLOGIA E ORIGEM
Este capítulo se dedica ao estudo das características morfológicas do formativo. A
seção 3.1 apresenta e define o escopo do corpus e justifica a exclusão de algumas construções.
Em 3.2, demonstro que as análises dos dicionários, assim como a dos linguistas, não são
homogêneas. Em 3.3 falarei sobre a homonímia e sua relação com a polissemia. As seções
seguintes tratarão de minha proposta de análise para o formativo e também da apresentação
dos resultados do teste de acesso lexical.
3.1 O corpus
O corpus da dissertação é constituído de 14 dados coletados dos dicionários Aurélio,
Aulete e Houaiss e a partir da ferramenta de busca Google. Os dados da internet foram
importantes porque muitas formas não estão dicionarizadas. Alguns termos, como petrodólar
e petroroyalties, têm origem estrangeira, mas incluo-as na análise, já que o padrão de
formação foi bem acolhido pelo português e as palavras são usadas e compreendidas
correntemente. Elenco-os aqui junto com as definições:
1 - Petrocrise -> crise no mercado do petróleo
2 - Petrodependência -> dependência econômica do lucro gerado pelo(s) (royalties do)
petróleo
3 - Petromercado -> mercados petrolíferos
4 - Petroroyalties -> royalties originários da exploração do petróleo
5 - Petroderivado -> produto derivado do petróleo, como a parafina, o querosene e
diversos solventes
6 - Petrocombustível -> combustível feito com base no petróleo
7 - Petronegócio -> negócios relacionados ao petróleo e seus derivados
8 - Petroemprego -> emprego gerado no setor petrolífero
9 - Petroindústria -> indústria do petróleo
10 - Petroguerra -> guerra que tem como objetivo a obtenção do petróleo
20
11 - Petrodiesel -> combustível diesel derivado do petróleo
12 - Petroquímica -> atividade industrial onde se produz, através da transformação,
derivados do petróleo
13 – petrodólar -> dinheiro proveniente de país exportador de petróleo
14 – petro-rentista -> que gera lucro relativo aos royalties do petróleo16
15 – Petroesporte -> esporte que é financiado pelos lucros advindos do petróleo
Deve-se ter em mente que eu também farei, durante o texto, referência a construções
em que petro- não significa “petróleo”, mas “pedra”. Esses itens lexicais foram utilizados no
teste de acesso lexical realizado com falantes e são essenciais para a descrição aqui proposta.
Tais dados não fazem propriamente parte do corpus, mas são extremamente importantes para
o encaminhamento da análise, já que servem para comprovar a hipótese central do trabalho, a
de que não há relação de polissemia entre os dois significados de petro-. Por esse motivo,
reúno aqui algumas das construções às quais faço referência e que, repito, não são objeto
principal da pesquisa, junto com seus respectivos sentidos (retiradas do dicionário Aulete e da
Enciclopédia Mirador):
Petrologia -> Ciência que trata da origem, formação, composição, estrutura e
classificação das rochas
Petrografia -> Ciência que descreve e classifica as rochas.
Petróglifo -> Gravação de imagens, representações ou grafismos que se encontram nas
partes interiores ou exteriores de cavernas, da autoria de homens dos períodos neolítico e
calcolítico
Petrofábrica -> indica todas as feições estruturais e texturais impostas a uma rocha
durante sua formação e seu desenvolvimento posterior. É empréstimo do inglês. (Enciclopédia
Mirador: 8850)
Merecem menção também dados que infelizmente tive de descartar porque são de
Portugal, mas que poderiam igualmente ser explicados pelo raciocínio exposto na dissertação:
16
Essa expressão é usada para referir-se, por exemplo, a municípios que recebem royalties de petróleo.
21
Petrolíngua -> termo usado em um blog, para descrever a língua portuguesa. Segundo
o autor, o acordo ortográfico teria transformado o português em uma petrolíngua, pois o
acordo privilegiou os países em que há petróleo (Brasil, Guiné, Angola, por exemplo)
Fonte: http://manliusj.blogspot.com.br/2008/08/petrolngua-lngua-de-trapos-ou-o-
acords.html
Petrodesenvolvimento -> desenvolvimento com base em recursos advindos do
petróleo.
Fonte: http://www.cmjornal.xl.pt/noticia.aspx?channelid=00000093-0000-0000-0000-
000000000093&contentid=18C1B46A-0B6D-4EC5-99C6-5CA29A080B5E
Petroexploração -> exploração do petróleo
Fonte: http://catbox.info/big-bang/ecologiaemdialogo/plataforma.htm
Foram excluídos os nomes de empresas como Petrobras e Petrosal, por serem estas
fruto de um trabalho intelectual intencional com um objetivo diferente da mera comunicação.
Seu objetivo é unicamente servir de nome às empresas e não caracterizar um determinado
elemento em relação ao petróleo.
3.2 Morfologia
O formativo petro- não tem livre curso na língua; logo, corresponde ao que Basílio
(1987) chama base presa. Além disso, assemelha-se à classe dos radicais eruditos, que
formam os chamados compostos neoclássicos. Algumas características desse tipo de
composto, segundo Gonçalves (2011b, p.10), são: ausência de realização sintática na língua-
alvo, tipo de vocabulário que servem para formar e o tipo de significado que atualizam. Nesse
aspecto, petro- segue também uma tendência da maioria dos formativos neoclássicos, isto é,
não apresenta mobilidade posicional (aparece em posição pré-determinada na estrutura da
palavra, como afirma Gonçalves (2011b)). O resultado da composição com petro- é
invariavelmente um nome, exceto em dois casos que também podem ser usado como adjetivo:
petroderivado e petro-rentável.
Os três dicionários consultados diferem quanto ao tratamento formal dispensado à
estrutura morfológica de construções em que está presente o formativo petro-. No dicionário
22
Houaiss, temos duas formas: petr-, que significa “pedra” e petrol, que serve para formar
palavras como ‘petroleiro’ e ‘petrolífero’. Segundo esse dicionário, a palavra ‘petrologia’ é
formada de PETR- + O + LOGIA. Já ‘petroquímica’ tem como elementos constituintes
PETRO (que é considerado um derivado de petrol) + QUÍMICA. Não há, portanto,
tratamento unificado do formativo.
O dicionário Aurélio apresenta petro- com o significado de “rocha” e liga formas
como petroquímica e petroleiro a um elemento reduzido, da seguinte maneira: PETR(óleo) +
O + QUIMICA; PETROL(eo) + EIRO.
O dicionário Aulete apresenta para ‘petroquímica’ a seguinte descrição: [petróleo + -
o- + química. Ideia de: petro- e quimi(o)-.]. Para ‘petroleiro’ a descrição é [petróleo + -eiro.
Ideia de petrol-.], já para petrologia, temos [petro- + -logia. ] . Não se explica o que significa
“ideia de”, mas os dois sentidos do formativo são tratados de maneira diferente do ponto de
vista formal.
O formativo petro- possui inicialmente o significado de “pedra” e foi utilizado em
compostos nos séculos XVII, XVIII e XIX com esse significado, como em ‘petrologia’.
Concomitantemente, começou a ser mais usada em português a palavra ‘petróleo’17
, pela
importância cada vez maior do petróleo como combustível. Proponho que essa palavra não foi
composta artificialmente como os compostos neoclássicos; já existia e veio por filiação direta
do latim18
. Posteriormente, houve redução da palavra ‘petróleo’ e hoje temos o formativo
petro- com o significado de “petróleo”, que é ativamente usado em novas construções ao lado
de elementos do vernáculo, diferentemente de petro- com o significado de pedra, que se une a
outros formativos eruditos. Apesar de foneticamente iguais, os formativos possuem duas
origens diferentes. Ao lado desses formativos petro-, temos, para a derivação, o radical petrol-,
que se junta a afixos, como em ‘petrolaria’, ‘petrolífero’ e ‘petroleiro’, além do radical livre
pedr-, presente em ‘pedreira’, e seu doublet petr-, como em ‘petrificar’ (Gonçalves, 2005).
Não endosso, portanto, a hipótese de que o formativo em questão é oriundo de
recomposição, que compreendo segundo Gonçalves (2011a):
“Outro processo que, no nosso entendimento, atua nos limites entre a
composição e a derivação é a chamada recomposição, mecanismo pelo
qual se cria um composto a partir de um truncamento de outro. Nas
17
Segundo A.G da Cunha, o primeiro registro se dá em 1844. 18
Ainda que A.G da Cunha afirme, sem apresentar justificativa, que ela vem do fr. Pétrole.
23
novas formações, entretanto, a base, numa espécie de metonímia
formal, remete à acepção do composto que lhe deu origem, afastando-
se com isso, de seu significado original.”
Não se pode, nesse caso, falar de recomposição, já que a forma originária não é
composta: a palavra ‘petróleo’ não é sentida pelo falante brasileiro como composta, pois
entrou na língua por meio do latim petroleum. O termo existia em latim e não faz parte das
construções artificiais dos séculos XVII, XVIII e XIX. Há duas formas petro- em português: a
primeira é um radical erudito que tem sua origem no latim petra; a segunda é um formativo
que tem origem na compactação da palavra ‘petróleo’. O fragmento da palavra ‘petróleo’
coincide, do ponto de vista formal, com o radical erudito petro-, configurando assim um caso
de homonímia que será tratado na seção seguinte. Proponho, por isso, que se diferenciem
petro-1, “pedra” e petro-2, “petróleo”.
O que acontece com o formativo petro- é uma situação inteiramente diferente da dos
formativos tele- e auto-, por exemplo. Pode-se argumentar que também existem: tele-1, “ao
longe”; tele-2, “telefone” e tele-3 “televisão”19
. Nesses casos é possível argumentar que as
palavras que foram compactadas e geraram os sentidos 2 e 3 são compostas: ‘televisão’ e
‘telefone’. Além disso, fica claro que os próprios termos são mais recentes e que não se
poderia encontrar uma filiação direta do latim, como mostrei com a palavra ‘petróleo’.
Além disso, gostaria de ressaltar que de fato faz sentido interpretar o processo de
compactação como metonímico, como faz Gonçalves (2011a). Sendo assim, a motivação para
petro-2 é uma compactação, mas não gera uma recomposição.
Como a Linguística Cognitiva tem como base a ideia de que os processos cognitivos
operam em todos os níveis da língua, é desejável que encontremos exemplos de metonímia no
nível da morfologia. Porém, que noção de metonímia deve ser adotada?
A metonímia é geralmente definida em Linguística Cognitiva como “projeção dentro
de um mesmo domínio”, no que se opõe à metáfora, que é uma “projeção entre domínios”
(LAKOFF 1987, KÖVECSES 2010). Croft (2003) advoga em favor de uma reformulação
desses conceitos, no sentido de a metonímia ser não uma projeção dentro de um mesmo
domínio, mas uma projeção dentro de um mesmo domínio matriz. Peirsman e Geeraerts (2006)
contestam essa definição, pois consideram que a noção de domínio não é clara o bastante para
servir de base para definir e diferenciar a metonímia da metáfora. Eles propõem que a
metonímia seja definida como uma categoria prototípica que tem como núcleo a contiguidade
19
Os sentidos abordados por Ferreira (2011: 145)
24
material ou espacial. Assim, a relação metonímica mais prototípica dentro dessa relação de
contiguidade seria a relação parte/todo, que inclui metonímias do tipo “parte pelo todo” e
“todo pela parte”. (PEIRSMAN e GEERAERTS, 2006: 280). É essa relação metonímica
prototípica que ocorre com o formativo petro-: uma relação de parte pelo todo entre petro- e
‘petróleo’.
3.3 Homonímia na morfologia
3.3.1 Gregos
Sabe-se, desde os gregos, que a relação entre o significado e o significante não é
biunívoca. Em seu diálogo Crátilo, Platão discute a motivação ou arbitrariedade da linguagem.
Nesse diálogo, como bem lembra Silva (2006), Demócrito apresenta quatro argumentos em
favor da arbitrariedade20
, entre os quais aparecem pela primeira vez, sob o rótulo generalizado
de homonímia, a polissemia e a homonímia21
.
Aristóteles também dá atenção especial ao assunto. Como explica Silva (2006),
Aristóteles distingue a homonímia "casual" e a homonímia "intencional" ou "racional" e,
nesta segunda, entre "dizer em relação a um princípio único" e homonímia "por analogia". A
homonímia casual, continua Silva (2006), corresponde ao que hoje se compreende como
homonímia e a homonímia intencional, à polissemia. Aristóteles se ocupa principalmente da
homonímia racional, ou polissemia, preterindo, portanto, a homonímia.
3.3.2 Idade Média
Posteriormente, na Idade Média, comentadores dos Elencos Sofísticos 22
dividem o
que chamam aequivocatio (a tradução latina da homonímia grega) em vários tipos. Nessa
divisão, ficam evidenciadas, respectivamente, a homonímia, a polissemia e a vaguidade.
Reproduzo aqui o esquema exposto em Silva (2006):
20
Demócrito é o primeiro a justificar essa tese com argumentos empíricos (Dicionário de Filosofia: 587). 21
Adianto o conceito mais moderno de homonímia, que será de extrema relevância: duas palavras que possuem
origens diferentes, porém formas fonológicas idênticas. Eu me servirei, mais à frente, do conceito de
homomorfia, em que o fenômeno acontece com dois elementos morfológicos, com base em Almeida e
Gonçalves (2008). 22
Livro de Aristóteles que faz parte do Organon, título com o qual designaram os comentadores gregos o
conjunto das obras lógicas de Aristóteles (Dicionário de Filosofia: 704)
25
(i) aequivocatio "ex diversis institutionibus": um mesmo nome é "imposto" (impositio)
a várias coisas diferentes e significa diversas coisas. São exemplos canônicos canis, ”cão”,
“cão-marinho” e “canícula” e Alexander, “filho de Príamo” e “filho de Filipe”. Em palavras
como essas, os diferentes sentidos existem a título principal (principaliter, aequaliter).
(ii) aequivocatio "ex usu locutionum": os diferentes sentidos são hierarquizados
(secundum prius et posterius). Geralmente, um sentido primeiro, principal, original, opõe-se a
um sentido "impróprio". O exemplo canônico é prata rident, “os prados riem” por prata
florent, “os prados crescem”.
(iii) aequivocatio "ex diversis adiunctis": a origem do sentido diferente da palavra é
contextual. Exemplos: adjetivos como bonus ou simplex, cujo sentido depende do substantivo
que qualificam.
3.3.3 Linguistas modernos
Ao tratar da relação entre as formas linguísticas e os significados que essas formas
ativam, os linguistas também se deparam com a assimetria de vários significantes para um
significado ou de vários significados para um significante. Quando há vários significados para
um mesmo significante, temos uma ambiguidade segundo Ullmann (1964). De acordo com, o
fator mais importante para a ambiguidade é o lexical, pois é nesse tipo de ambiguidade que tal
aspecto fica mais em evidência23
. Quando uma mesma forma fonológica está associada a dois
ou mais conceitos diferentes, fala-se tradicionalmente de dois fenômenos: a homonímia e a
polissemia.
Encontram-se diversas definições para a homonímia em linguística moderna. Para
Crystal (1985: 140, 141), a homonímia é um termo usado para indicar itens lexicais de mesma
forma e significações diferentes. O exemplo dado pelo autor é a palavra portuguesa quarto,
que pode significar o “cômodo da casa onde se dorme” ou o “sucessor do terceiro numa
ordem”. Crystal (1985) aponta ainda a possibilidade de homonímia parcial, isto é, que só
ocorre em um dos meios: são a homofonia, em que a similaridade ocorre do ponto de vista
fonético, mas na escrita as palavras se diferenciam, como em ‘cozer’ e ‘coser’; e a homografia,
caso inverso, como em ‘soco’ (substantivo) e ‘soco’ (conjugação do verbo socar na primeira
23
O autor também fala de outros dois tipos de ambiguidade: gramatical e fonética.
26
pessoa do singular do presente do indicativo), em que a forma gráfica é igual, mas se
diferenciam as pronúncias, pois o substantivo tem /o/ fechado e o verbo /o/ aberto.
Dubois et alii (1973: 326, 327) definem a homonímia como identidade gráfica ou
fônica de dois morfemas que não têm o mesmo sentido. Na entrada homônimo, além de uma
explicação retirada do dicionário de Mattoso Câmara, que citarei a seguir, há uma referência
aos homônimos sintáticos, no contexto da gramática gerativa. Sob essa abordagem teórica, os
homônimos sintáticos são frases de superfície que podem corresponder a estruturas profundas
diferentes. 24
Mattoso Câmara (1981: 139, 140) considera a homonímia uma propriedade de duas ou
mais formas de significados diferentes terem a mesma estrutura fonológica. Observa que a
homonímia é "uma deficiência do princípio geral da distinção fonológica como base da
distinção formal". Para a distinção entre polissemia e homonímia, o autor indica dois
caminhos: o diacrônico, em que se consideram homônimas as formas convergentes25
da
gramática histórica; e o sincrônico, em que os homônimos são formas fonologicamente iguais,
cujas significações não se adequam a um campo semântico26
definido. Em outras palavras, o
autor propõe que, do ponto de vista sincrônico, as formas que possuem mesma estrutura
fonológica, mas pertencem a campos semânticos diferentes são homônimas.
3.4 Homonímia versus Polissemia
Segundo Ullmann (1964), Aristóteles desprezava a polissemia porque a considerava
uma maneira de desorientar os ouvintes. Porém, o próprio Ullmann pondera que esse
fenômeno é essencial para a língua porque permite a economia e a flexibilidade da mesma:
“Se não fosse possível atribuir diversos sentidos a uma palavra, isso corresponderia a uma
tremenda sobrecarga na nossa memória: teríamos que possuir termos separados para cada
tema concebível sobre o qual quiséssemos falar” (ULLMANN 1964: 374). A homonímia e a
24
Em linguística gerativa, as estruturas profundas correspondem às estruturas universais inatas que permitem a
aquisição da linguagem. Essas estruturas sofrem transformações, de acordo com cada língua, que as transformam
em estruturas de superfície, que são as frases efetivamente realizadas. (Dubois et al., 1973: 316) 25
Segundo o verbete ‘convergentes’ da mesma obra, estas são vocábulos provenientes de étimos diferentes e que
apresentam uma mesma estrutura fonológica em português, mas não em latim. O exemplo é são: são (sadio) vem
do lat. sanu-; são (santo), por próclise; são (verbo ser), lat. sunt. 26
Segundo o verbete ‘léxico’, os campos semânticos são associações de significação para um certo número de
semantemas, como os termos para cor, para partes do corpo animal, para os fenômenos meteorológicos, etc.
27
polissemia são frequentemente definidas e opostas com base no critério da “relação entre os
sentidos” (LYONS 1979: 431, ULLMANN 1964: 329, 330) 27
.
Mattoso Câmara, por exemplo, define a polissemia como a “propriedade da
significação linguística (v.) de abarcar toda uma gama de significações, que se definem e
precisam dentro de um contexto” (CÂMARA JR., 1977: 194) e a homonímia como a
“propriedade de duas ou mais formas, inteiramente distintas pela significação ou função,
terem a mesma estrutura fonológica: os mesmos fonemas, dispostos na mesma ordem e
subordinados ao mesmo tipo de acentuação” (CÂMARA JR., 1977: 139). Em Estrutura da
Língua portuguesa, o autor dedica algumas páginas ao problema (CÂMARA JR., 1970: 27-29)
e afirma que, apesar de a diferenciação entre as duas poder ser feita por uma intromissão
diacrônica na descrição sincrônica28
, é necessário um critério estritamente sincrônico, que,
segundo ele, seria o da distribuição das formas: uma distribuição semelhante indicaria
polissemia e uma distribuição diferente seria sinal de homonímia. Ainda segundo o autor,
cabo é uma palavra polissêmica porque sua distribuição na sentença é a mesma para os
diversos sentidos; já canto substantivo e canto forma verbal seriam homônimos, visto que a
distribuição sintática dos dois é diferente. Ele comenta ainda o exemplo de pata (“fêmea de
pato”) e pata (“membro de locomoção dos quadrúpedes”), pois no primeiro há uma
desinência de feminino –a, inexistente no segundo. Silva (2006) também distingue a
homonímia absoluta ou perfeita, quando os homônimos pertencem a classes gramaticais
iguais, da parcial ou imperfeita, quando os homônimos não pertencem à mesma classe
gramatical.
Ainda sobre a oposição entre polissemia e homonímia, cumpre salientar o papel da
homonímia na linguística formalista. Ao falar sobre a posição difícil da polissemia (tema
principal de seu estudo) no contexto da linguística formalista, na qual é minimizada ou até
mesmo eliminada, Silva (2006) cita a "estratégia homonimista" de ataque à polissemia. Essa
estratégia consiste, segundo o autor, em "descrever e representar os diferentes usos de um
item lexical em termos de listas de entradas independentes homônimas" (SILVA 2006: 29).
27
Lyons aponta, porém, a imprecisão dessa diferenciação: "A distinção entre homonímia e polissemia é
indeterminada e arbitrária. Depende, em última análise, do juízo do lexicógrafo sobre a plausibilidade da
extensão do significado, ou de alguma prova histórica de ter ocorrido particular extensão". Essa ideia está
presente nas ideias de Mattoso Câmara, como mostrei na seção precedente. 28
Deve-se lembrar que, desde Saussure, os estudos linguísticos ficaram divididos entre sincrônicos e diacrônicos,
sendo considerados os sincrônicos como a verdadeira linguística.
28
Também Lakoff e Johnson (1980), em seu estudo sobre metáforas29
, atentam para essa tática
de "eliminação" do que chamam ‘conceitos metafóricos’. Para eles, as duas estratégias
principais que os lógicos e os linguistas usaram para manejar o que eles consideram conceitos
metafóricos são a homonímia e a abstração. Utilizarei como exemplo o ‘‘pé’’ (do corpo
humano) e o ‘‘pé’’ (da mesa). A estratégia da abstração consiste em afirmar que os dois
‘‘pés’’ são casos especiais de um conceito abstrato mais geral. Já a homonímia tem uma
versão forte e uma versão fraca. Na homonímia forte, não haveria relação nenhuma entre os
dois ‘‘pés’’. Na homonímia fraca, os dois conceitos continuam sendo diferentes, porém
admite-se aqui uma similaridade em alguns aspectos e uma relação entre eles (nega-se, porém,
que um conceito seja compreendido em termos de outro). 30
O que pretendo defender nesta dissertação é a necessidade de estudo dos casos de
homonímia, não em detrimento da polissemia, mas paralelamente a este. A Linguística
Cognitiva passou por um momento de afirmação em que a homonímia foi negada em favor da
polissemia. Argumento que nesse momento inicial houve uma relação conflituosa com a
homonímia, já que para afirmar a compreensão de um conceito em termos de outros era
necessário negar que havia homonímia. Portanto, a homonímia era, em Lakoff e Johnson
(1980), um dos "inimigos" a serem combatidos. As ideias centrais da Linguística Cognitiva
dependiam dessa negação da homonímia. Foram conduzidos vários estudos buscando
evidenciar que a polissemia de itens lexicais não era acidental, mas motivada pela estrutura
conceitual do pensamento humano. Como salienta Suchostawka (2008):
Os estudos em semântica cognitiva demonstram que o
desenvolvimento de múltiplos sentidos de um item lexical não é
arbitrário e acidental, mas motivado e bastante regular. Na
maioria dos casos, os múltiplos sentidos não de um item lexical
não são exemplos de homonímia, mas sim intimamente ligados
entre eles.31
Embora isso seja verdade, o estudo da homonímia deve ser retomado. O que ocorre
com os formativos petro- pode ser compreendido mais precisamente tendo-se como base a
29
O estudo tem como objetivo desfazer a ideia corrente de que a metáfora é um artifício da linguagem e coloca-
la no nível da cognição humana. Assim, para os autores, a metáfora é a compreensão de conceitos abstratos em
termos de conceitos mais básicos, físicos e corporificados. 30
Apesar de as metáforas nada terem a ver com as construções que são o tema do meu estudo, considero
importantes esses comentários, pois esses estudos constituem os primeiros passos da Linguística Cognitiva. 31
"Cognitive semantics studies demonstrate that the development of multiple meanings of a lexical item is not
arbitrary and acidental but motivated and quite regular. In most cases, multiple meanings of a polysemous lexical
item are not examples of homonymy, but are closely related to each other" (2008: 137)
29
ideia de homomorfia. O termo foi cunhado por Gonçalves (2005) e retomado em Gonçalves e
Almeida (2008), sendo usado para se referir à homonímia presente na morfologia. Os
exemplos compreendem formas que participam de classes diferentes, como o afixo –s, que
indica plural nos nomes e a 2ª pessoa do singular nos verbos, mas também formas que atuam
numa mesma classe, como o formativo –al, que em ‘‘regional’’ provém do sufixo latino –alis,
e em ‘‘laranjal’’ é relacionado aos étimos latinos -are e -ar. Analogamente, os sentidos do
formativo petro- não possuem origem comum.
Ainda sobre o assunto ora em discussão, merece destaque a já clássica análise do
verbo 'deixar' por Silva (2006), em que o autor faz uso do conceito de tensão homonímica,
que é um alargamento da polissemia a ponto de dois sentidos de uma palavra não terem mais
uma clara relação de sentido entre si e as palavras serem interpretadas como homônimas.
Após elencar todos os sentidos do verbo, analisá-los com conceitos teóricos da linguística
cognitiva, como a dinâmica de forças de Talmy, e relacioná-los do ponto de vista conceitual
por meio de protótipos, Silva (2006) afirma que a categoria ainda mantém uma coerência
interna e por isso a homonimização dos diversos sentidos de 'deixar' ainda não se completou.
Em outras palavras, apesar de se observar uma grande gama de sentidos para o verbo
(gerando o que chama de tensão homonímica), há coerência ainda que estes sentidos estejam
muito afastados do ponto de vista conceitual, uma vez que é possível retomar a cadeia de
associações que pôde gerar cada um dos sentidos.
Pretendo defender que a homonímia também ocorre na morfologia, como bem
demonstraram Gonçalves & Almeida (2008), e é o que ocorre entre petro- (pedra) e petro-
(petróleo), doravante petro-1 e petro-2. O primeiro, de origem erudita, é praticamente um
fóssil linguístico; o outro, um encurtamento de ‘petróleo’, tem sido ativamente usado e vem
participando de novas construções. São homônimos porque têm origens etimológicas
diferentes, e eu estou, portanto, me servindo da intromissão diacrônica na descrição sincrônica
(no sentido de Mattoso Câmara), na impossibilidade de diferenciá-los pela distribuição
sintática. Configura-se um caso de homomorfia, nos termos de Gonçalves e Almeida (2008).
30
3.5 Origem dos formativos petro-
O formativo petro- tem sua origem no latim petra (“pedra’’), que é relacionado ao
grego Πέτρα (“pedra’’). Porém, como já explicitei anteriormente, em formações recentes,
petro- não faz referência a ''pedra", mas a "petróleo". Propus, portanto, uma separação
homonímica entre petro1 e petro2. Assim sendo, faz-se necessária uma documentação do
ponto de vista histórico, com o objetivo de mapear as diversas fases e a origem de cada
formativo. Além disso, não seria correto deixar de comentar o contexto histórico das
ocorrências, sob pena de não compreender o que os termos significavam à época. O objetivo
de tal reconstituição é observar minimamente a história e não se deixar levar pelas aparências.
À primeira vista, seria possível explicar o que ocorre com o formativo lançando mão
de dois conceitos, a saber: polissemia, definida por Silva (2006: 59) como “uma rede de
sentidos flexíveis, abertos adaptáveis ao contexto e abertos à mudança, de impossível
diferenciação precisa” e tensão homonímica32
.
Espero demonstrar, porém, que os referidos conceitos não se aplicam ao caso em
estudo, já que não há uma evolução progressiva do sentido de um único elemento em direção
a uma abstratização. Não acontece o alargamento semântico de um único formativo e o
estabelecimento gradual de dois centros prototípicos, como no verbo ‘deixar’. O que ocorre,
de fato, é que o encurtamento de ‘petróleo’ coincide foneticamente com ‘petro’, um formativo
precedente que havia dado origem (em latim) à própria palavra que se encurtou.
Uma das primeiras referências ao petróleo está no livro VI das Histórias de Heródoto,
em que o grego conta como o rei Dário da Pérsia lidou com escravos da Erétria quando da
invasão persa à Grécia. Nessa ocasião, Heródoto descreve um poço de onde os Persas tiram
um tipo de óleo negro e de cheiro forte que estes chamam rhadináke. É possível constatar que
Heródoto comenta sobre o petróleo nessa ocasião porque ele está viajando por uma região rica
em petróleo, como se pode encontrar na explicação do Léxico Inglês-Grego de Lidell-Scott-
Jones, disponível online33
. O termo usado por Heródoto (em grego) é έλαιον 'Élaion', que tem
como parente latino o termo oleum. Em grego, essa palavra significa inicialmente “azeite”, e
posteriormente é usada para qualquer tipo de óleo. É importante ressaltar que os gregos talvez
conhecessem algumas características dos óleos, entre elas, que não se dissolvem na água. Isso
32
O autor usa o termo para se referir ao complexo semântico do verbo ‘deixar’, que possui dois pólos distantes
um do outro: um em que o centro prototípico é ‘não impedir, não intervir’ e outro que tem como centro o sentido
de ‘permitir, consentir’. (Silva 2006, 203) 33
A Grécia é, ainda hoje, a região com mais reservas de petróleo de toda a União Europeia.
31
provavelmente permitiu que Heródoto chamasse o petróleo encontrado na Pérsia, que ele não
sabia o que era, de 'Élaion'. Além do termo ‘Élaion’, o Léxico Inglês-Grego de Lidell-Scott-
Jones indica que o grego ἄσφαλτος, Asphaltos, também pode significar um certo tipo de
petróleo. Reproduzo abaixo o trecho retirado de Heródoto, destacando a palavra ‘Élaion’ e a
tradução:
Mais tarde, os romanos exploraram petróleo na província da Dácia, região que hoje
corresponde à Romênia. Não foram encontrados dados dessa época sobre o tema, mas é de se
supor que um termo similar a ‘petróleo’ tenha surgido, já que é encontrado posteriormente em
Latim Medieval.
Na Idade Média, com o desenvolvimento das línguas românicas e do latim medieval,
encontram-se registros de termos aparentados a 'petróleo' nessas línguas. O dicionário de
francês antigo de Godefroy documenta a palavra petroleon com o sentido de “petróleo”
(GODEFROY 1990: 390), e é provável que palavras similares estivessem presentes em outros
dialetos românicos. Além disso, o Léxico do Latim Medieval de Niermeyer contem a palavra
petroleus (NIERMEYER 1976: 796), que está presente em uma crônica da abadia de Tegerns,
na Bavária. Fala-se nessa crônica das propriedades medicinais do petróleo. Esse dado permite
confirmar que a palavra 'petróleo' não foi cunhada na onda dos cientificismos dos séculos
XVIII e XIX, mas na Idade Média, o que, pelo menos do ponto de vista histórico, já a
diferencia das outras formações. Reproduzo o trecho da crônica em que petroleus é citado34
:
34
Nota-se que está o termo está devidamente declinado. Fonte: Oefele, Andreas Felix von. Rerum Boicarum
Scriptores Nusquam Antehac Editi Quibus Vicinarum Quoque Gentium nec non Germaniae universae Historiae
Ex Monumentis Genuinis Historicis Et Diplomaticis Plurimum Illustrantur. Bd.: 1. Augustae Vindelicorum,
1763
32
A.G. da Cunha (2010) registra como primeira ocorrência de ‘petróleo’ no português o
ano de 1844. É preciso lembrar que a difusão do uso do petróleo ocorre quando a substância
se torna combustível para motores a explosão (Enciclopédia Mirador: 8851). ‘Petrografia’, de
1873, e ‘petrologia’, de 1899, são mais recentes (A.G. da Cunha, 2010). Ainda segundo o
autor, a formação ‘petroquímica’, em que petro- designa “petróleo”, é ainda mais recente,
pois só ocorre no século vinte. Portanto, até o século XX, não há registros de petro-2. A partir
do momento em que se torna possível utilizar a forma encurtada de ‘petróleo’, o formativo
petro-2, em formações como ‘petroquímica’, surge a relação homonímica entre petro1 e
petro2. Apesar de terem origem relacionada, possuem natureza distinta e devem ser
considerados homônimos (ou homomorfes, na esteira de Gonçalves & Almeida, 2008).
3.6 Indo mais fundo...
3.6.1 O continuum morfológico
Bauer (2005) aponta que há formas morfológicas que cruzam os limites entre a
composição e a derivação e coloca entre essas formas os compostos neoclássicos e os
splinters35
. Se definirmos um composto como um lexema do qual os constituintes imediatos
são representativos de outros lexemas, então os compostos neoclássicos e as construções com
splinters não seriam propriamente incluídos, porque os radicais eruditos e os splinters não
funcionam livremente na língua36
. Apesar disso, Bauer (2005) afirma que radicais eruditos,
como socio- (em inglês, mas que se aplica igualmente ao português), têm algumas
35
Um splinter é, segundo Bauer (2005: 104), “um fragmento de palavra usado repetidamente na formação de
novas palavras”. 36
Talvez por essa razão as formações neoclássicas recebam tantas análises diferentes, como salienta, entre outros
autores, Caetano (2010)
33
características de palavra, como a fonologia e a semântica, e é por isso que chamamos os
neoclássicos de compostos. Uma autora que também que comenta o assunto é Lüdeling
(2006), que manifesta a dificuldade de categorização dos formativos eruditos, pois possuem
densidade semântica de radicais, mas só aparecem como formas presas37
.
Em uma análise do inglês, Kastovsky (2009) descreve o que, segundo ele, chama-se
normalmente combining forms (formas combinatórias). Apesar de a situação do inglês com
relação a esses empréstimos ser um pouco diferente da do português, já que o inglês é uma
língua germânica e o português, latina, sua análise pode auxiliar a compreensão do que
acontece em português. A lista de palavras no início de seu artigo, por exemplo, pode ser
quase inteiramente traduzida para o português. Algumas delas são: astronaut (‘astronauta’),
cosmonaut (‘cosmonauta’), hyperactive (‘hiperativo’), extraordinary (‘extraordinário’),
astrology (‘astrologia’), biology (‘biologia’), geologist (‘geólogo’), geological (‘geológico’).
Segundo o autor, o termo combining forms surgiu no New English Dictionary (Novo
Dicionário de Inglês) e foi usado para descrever partes de empréstimos do latim e do grego ou
formações em inglês que usavam elementos que não eram propriamente palavras e nem
facilmente identificáveis como afixos. Ele argumenta, porém, que não havia sistematicidade
na classificação, pois alguns termos eram assinalados com duas classificações38
. O problema é,
portanto, que o estatuto morfológico desses termos não foi claramente explicado. Em seguida,
Kastovsky apresenta outros autores dos quais discorda, como Marchand, Stein, Bauer e Préié.
Marchand simplesmente exclui elementos como astro- e electro- do seu manual de
morfologia por serem "de interesse unicamente para os dicionários" (Marchand, apud
Kastovsky 2009). Mas inclui outros, como poly-, multi- e auto- ao seu grupo de prefixos, o
que torna seu tratamento da questão confuso e incoerente. Bauer separa as formas
combinatórias em iniciais e finais. Préié tenta, então, distinguir as formas combinatórias
iniciais dos prefixos, o que tem como resultado a confirmação de que a categoria combining
forms é inadequada.
Só então Kastovsky apresenta sua solução, que é se basear no conceito de lexema, que
define como "uma entrada de dicionário simples ou complexa, i.e. uma entidade léxico-
37
O que não é verdade, pelo menos para o português, pois o radical neoclássico fobia, por exemplo, não é preso. 38
Um dos exemplo é neo-, que é tratado como forma combinatória e prefixo. Nota-se que os formativos
neoclássicos não geram problemas só em português.
34
semântica abstrata que faz parte do léxico de uma língua"39
; assim, a formação de palavras é,
para ele, formação de lexemas. O autor diferencia três tipos de morfologia inspirados em três
representações prototípicas, que elenco aqui, resumidamente (aproveitando, quando possível
os exemplos do autor traduzidos em português):
(1) Palavra: um elemento sintático independente, que pode ser usado em sentenças;
pode ser simples ou complexa e é portanto, a realização concreta de uma flexão de palavra
(forma flexional) em uma instanciação, e.g., homem, homens, vai, vais, escritor, escritores, ou,
o, etc., i.e., é uma forma livre.
(2) Radical: uma representação lexêmica específica a uma classe de palavra, que não
pode ocorrer sozinho como palavra, pois deve combinar-se com morfemas flexionais ou
derivacionais para funcionar como palavra, i.e., é uma forma presa. Exemplos incluem cient
N- (-ista) e ‘ciência’; dramatN- (-ico) e ‘drama’, bio-, astro-, -nauta, em que cientN-, dramatN-,
bio-, astro- e nauta- são radicais.
(3) Raiz: o elemento que sobra quando todos os elementos flexionais, formadores de
radical e derivacionais são retirados e que precisa de informação morfológica para se tornar
um radical, ao qual mais material deve ser adicionado para que o radical se torne palavra.
Assim, há três orientações morfológicas: word-based (baseada em palavras), stem-
based (baseada em radicais) e root-based (baseada em raízes). Para Kastovsky, o indo-
europeu era inicialmente baseado em raízes e, nos estágios mais avançados das línguas de
origem indo-europeia, há uma predominância de morfologia baseada em radicais, já que os
formativos de radicais desapareceram, pois se aglutinaram às raízes ou às terminações
flexionais. O resultado foi um sistema em que havia radicais presos seguidos de terminações
flexionais, como é o caso das línguas germânicas mais antigas e do latim. Posteriormente, a
perda de terminações flexionais levou as línguas germânicas a uma morfologia baseada em
palavras, mas, por causa de empréstimos do latim e do grego, o inglês acabou adotando a
formação de palavras baseada em radicais, que geram palavras que ele chama não-nativas,
como scient-ist (cientista) e dramat-ic (dramático).
Kastovsky (2009) também fala dos encurtamentos que esses radicais estrangeiros
podem sofrer e chama esse fenômeno de clipping. Os exemplos fornecidos em inglês incluem
39
''A simple or complex dictionary entry, i.e. an abstract lexico-semantic entity as part of the lexicon of a
language, e.g. WRITE, RITER, REWRITE, BEARD, BEARDLESS, UNBEARDED, HELP, HELPER,
HELPLESS, BIRD, BIRDLIKE, BIRDCAGE, etc.'' (Kastovsky, 2009: 8)
35
Europa-> Euro em eurocentric e laboratory > lab. As palavras nativas também podem sofrer
esse encurtamento, como em breathalyser (breath + (an)alyser) e guesstimate
(guess+estimate). Compostos gerados por esse encurtamento são chamados clipping
compounds. Há ainda o que Marchand chama de "blending", que seria a mescla de duas
palavras em uma só, como em transceiver (transmitter+receiver) e oxbridge (Cambridge +
Oxford).
Frente a todas essas possibilidades e à dificuldade de classificação, Kastovsky
argumenta que a composição, a afixação, o clipping e o blending devem ser interpretados
como padrões prototípicos numa escala que vai do mais independente ao menos independente.
Reproduzo abaixo, traduzida, sua proposta de continuum prototípico:
Composto (formado por palavras) > composto (formado por radicais) > afixóides > afixação
propriamente dita (baseada em palavras e radicais) > compostos de clippings (de palavras ou
radicais) > blending > splinters > acrônimos
O formativo petro- também tem característica semântica de palavra. Porém, a situação
das novas construções é indefinida, pois não é claro se se trata de composto ou forma derivada
(BAUER, 2005; GONÇALVES, 2011a).
Para resolver esse impasse, remeto a Gonçalves (2011a), que propõe pensar derivação
e composição como polos de um continuum40
, no que segue a ideia de Kastovsky (2009), e
deixar de lado as noções correntes de que a composição combina palavras ou radicais para
formar um item morfologicamente complexo (ideia encontrada nas gramáticas consultadas)
enquanto a derivação requer a presença de um afixo. Por conseguinte, também se descarta a
noção de categorias estanques para radical e afixo41
.
Segundo Gonçalves (2011a), dois dos processos menos prototípicos e que causariam
mais problemas para a já citada distinção entre derivação e composição seriam a
recomposição e a formação por splinters.
40
Gonçalves (2011a: 7) entende o continuum como uma escala com polos prototípicos. 41
Como nota Gonçalves (2011a), a postulação de categorias como afixoide ou pseudo-afixo por alguns
morfólogos evidencia a ausência de fronteiras claras entre os dois.
36
3.6.2 Petro– Afixo ou radical?
Gonçalves e Andrade (2012) partem da idéia, já referida, de que os constituintes
envolvidos nos processos diferenciam a composição (que envolve radicais/palavras, como foi
mostrado em Lima, Cunha e Villalva) e derivação (que envolve necessariamente um afixo).
Na verdade, segundo os autores, para uma análise mais precisa, é necessário propor um
continuum radical/afixo que invalida a distinção clara dos processos em alguns casos. Eles
citam petro- como elemento de difícil caracterização. Com o objetivo de desenvolver a
questão, listarei os critérios propostos pelos autores para identificar os afixos e comentarei a
situação de petro-2 em cada um deles.
(a) afixos possuem restrição posicional – O formativo petro- aparece em primeira posição em
todos os dados, como se pode observar em petrocrise e petromercado. Sendo assim, tem
comportamento de afixo42
.
(b) afixos constituem forma presa – Como já afirmei, petro- não funciona sozinho, ou seja,
não tem livre curso na língua. Não se pode dizer “minha empresa vende petro” ou “há muito
petro nesta camada do pré-sal”. Por isso, petro- tem, segundo esse critério, característica de
afixo.
(c) afixos não formam palavra prosódica independente – O formativo petro- forma palavra
prosódica independente. Sendo [‘pεtro] a pronúncia do formativo em questão, temos a vogal
[ε] que só aparece em sílabas tônicas nos dialetos do centro-sul e sul do Brasil. Isso indica que
há dois acentos e, por conseguinte, duas palavras prosódicas em construções como
petroquímica e petrocombustível, por exemplo. Quanto a esse critério, portanto, petro- se
afasta da categoria dos afixos.
(d) afixos são elementos estáveis com função sintática e semântica pré-determinada –
Mostrarei, na análise semântica, que as relações entre petro- e o segundo elemento da
construção podem fazer referência a certos aspectos do petróleo, mas isso não testemunha
contra o fato de petro- sempre caracterizar e classificar de alguma forma o segundo elemento.
Dessa maneira, quanto a este critério, petro- também se comporta como um afixo.
42
Segundo Gonçalves e Andrade (2012), não só petro-, mas os radicais neoclássicos em geral apresentam
restrições posicionais.
37
(e) afixos criam séries de palavras – Os dados mostram que petro- não cria muitas palavras
pelo fato de seu conteúdo semântico não ter um grau de generalidade elevado. Portanto,
considero que petro- se comporta como radical segundo esse critério.
(f) afixos atualizam significados largos – O significado atualizado por petro- é mais lexical e
menos funcional, e é por isso que não há muitos dados disponíveis, como foi constatado no
critério anterior. Portanto, com relação a esse critério, petro- não se comporta como afixo.
Apesar disso, a análise semântica evidencia que, mesmo sendo lexical, o significado de petro-
apresenta certas variações que não devem ser ignoradas.
(g) afixos atribuem a mesma ideia a todas as formas que se vinculam. – O formativo petro-
carrega um sentido relativamente concreto, podendo em alguns casos ser inferido o sentido do
composto de maneira composicional, como em petroguerra e petroemprego. Porém, em
outros casos, como petroesporte, em que petro- faz referência não ao petróleo em si, mas ao
dinheiro que ele gera, o resultado não é tão evidente. Podem-se propor até mesmo certos
padrões de sentido para os compostos. Isso exemplifica a própria situação ambígua de petro- e
contribui para que interpretemos radicais e afixos como polos de um continuum.
(h) afixos impõem restrições sintáticas e semânticas – O segundo elemento deve ser um nome,
exceto por ‘petro-rentável’, e deve ser relacionado com o mundo do petróleo para se combinar
com petro-. Ser relacionado ou não com o mundo do petróleo depende do conhecimento de
mundo do falante; por isso mesmo, essa restrição é, até certo ponto, relativa. Como apresenta
restrições, considerarei que, neste critério, petro- também se comporta como afixo.
(i) afixos não se combinam entre si – Ao contrário de outros elementos de primeira posição,
como eletro- (TAVARES DA SILVA, 2013), que pode ser combinado com um splinter
(‘eletronejo’), com um radical neoclássico (‘eletroteca’) ou com um sufixo (‘elétrico’), petro-,
do mesmo modo que elementos como pré-, anti- e pós-, combina-se exclusivamente com
palavras, o que mais uma vez o aproxima da classe dos prefixos.
Percebe-se que petro-2 se aproxima muito da classe dos afixos, pois de 9 critérios, 5
apontam para características de afixo. Desse modo, parece que o meio de expressão para o
sentido de “petróleo” se moveu para a esquerda no continuum abaixo, a partir do fenômeno do
encurtamento e podem se envolver em novas formações.
38
<-------------------------------->
Afixo Radical
O conteúdo semântico “petróleo” era expresso lexicalmente, nos termos de Bybee
(1985) e Gonçalves (2011c), e passou a apresentar a possibilidade de ser, como vimos acima,
representado morfologicamente por petro-2, em moldes mais semelhantes aos da derivação.
Mas o que desencadeou o fenômeno de compressão formal em ‘petróleo’ e fez com que petro-
2 passasse a ser um elemento ativamente empregado em novas formações morfologicamente
complexas, como petroesporte?
Gonçalves (2011c) afirma, baseando-se em Bybee, que há três formas de expressão:
lexical, flexional e sintática. Trata-se de polos de um continuum e, portanto, não devemos
interpretá-las de maneira discreta. Pode-se afirmar que a expressão do conteúdo “petróleo”
saiu do sintático e caminhou em direção ao morfológico. Isso ocorreu sem que fosse apagada
a possibilidade de expressão sintática, como será mostrado na seção de análise semântica pela
competição entre “indústria do petróleo”, “petroindústria” e “indústria petrolífera”. O que
poderia ter causado essa nova maneira de expressar o mesmo conteúdo?
Os princípios de relevância e generalidade de Bybee oferecem uma resposta a essa
questão. Segundo Gonçalves (2011c, p.97), “quando dois conteúdos são altamente relevantes
um para o outro, é provável que sejam representados lexical ou morfologicamente. Ao
contrário, quando não são muito relevantes, é mais natural que a expressão utilizada seja a
sintática. Logo, pode-se concluir que o conteúdo semântico de “petróleo” passou de menos
relevante a mais relevante. Nesse sentido, vale a pena ressaltar, lembrando a seção 3.1, que o
advento da expressão morfológica desse conteúdo coincide com o surgimento e
desenvolvimento da indústria petrolífera e da ampliação do uso do petróleo no cotidiano. Nos
dias de hoje, existe uma gama de produtos ligados ao petróleo e um mercado relacionado à
extração desse recurso natural que o torna, cognitivamente falando, mais saliente e importante
em nossa cultura e essa situação se reflete na língua quando passamos a empregar petro-2.
Porém, o fato de outros formativos como bio- e eco- apresentarem muito mais dados do que
petro-2 aponta que são muito mais relevantes e abrangentes na sociedade contemporânea.
Ao pensar no princípio da generalidade, com o qual se afirma que “o conteúdo
semântico tem de ser mínimo para ser flexional, isto é, deve ser o mais geral possível para se
aplicar a um grande contingente de formas da língua” (Gonçalves, 2011c: 100), conclui-se
39
que a generalização da indústria petrolífera levou à definição específica de diversos elementos
desse mundo (assim petro-2 foi aplicado a um grupo de substantivos específicos como
‘empresa’, ‘emprego’, ‘dólar’, ‘guerra’), o que significa que antes não havia nenhuma
generalização com relação a esse conceito, mas a saliência cultural levou a essa generalização
e à possível aplicação desse conteúdo para definir os elementos relacionados à indústria
petrolífera por meio do uso de petro-2.
Isso leva à interação entre generalidade e relevância e a Gonçalves (2011, p. 104), que
explica que a alta relevância e a média generalidade levam à expressão derivacional, e petro-2
corresponderia a um afixo, segundo essa ideia.
Além disso, sua explicação esclarece também por que o conteúdo “petróleo” não
poderia galgar sua posição mais acima no continuum morfológico e tornar-se, por exemplo,
uma flexão do português. Segundo ele, só conteúdos de alta generalidade atingem esse ponto
e o significado “petróleo” só pode se aplicar a elementos específicos do mundo do petróleo,
nunca atingindo o nível de generalidade da flexão, como o plural “s”, que se aplica a
praticamente todos os nomes em português, ou a flexão de futuro, que se aplica a todos os
verbos.
Há outro ponto que reforça a ideia de que petro-2 apresenta dificuldade de
classificação. Gonçalves e Avelheda (2013, artigo inédito) observam que “o aproveitamento
das sílabas iniciais de ‘Europa’ acabou tornando o splinter euro- bastante parecido com os
elementos que participam da chamada composição neoclássica: elementos
predominantemente paroxítonos e dissilábicos, sistematicamente terminados em -o”. Pode-se
dizer o mesmo de petro-2, que por essa razão acabou entrando em homonímia com petro-1.
3.7 Teste de acesso lexical
Com o objetivo de comprovar a interpretação dos falantes com relação a petro-2, foi
realizado um teste de acesso lexical, que pode ser conferido em anexo, com uma turma de
português I do curso de Letras da UFRJ. As vinte e uma pessoas que participaram, 3 do
terceiro período e 18 do primeiro período, tiveram dez minutos para fornecer o sentido das
palavras, que envolvem petro-1 e petro-2. Foram selecionadas três palavras para cada um
deles, além de distratores compostos de outros formativos. Foram escolhidos para petro-1:
40
petroindústria, petroroyalties e petroexploração43
; para petro-2: petróglifo, petrognosia44
e
petrografia.
A hipótese era de que o formativo petro- seria reconhecido e a interpretação
predominante seria ‘petróleo’, pela posição de evidência que ocupa na sociedade atual. A
predominância de petro2 permitiria duas conclusões: a confirmação da existência do
formativo e a comprovação da homonímia, pois há duas formas idênticas de sentido diferente.
Os resultados foram os seguintes:
43
O teste foi feito antes da exclusão dos dados de Portugal do corpus, daí a presença de petroexploração,
representante português. 44
Segundo o dicionário Aulete, ‘petrognosia’ é a parte da história natural que trata da história das rochas.
41
Os resultados não apresentaram nenhuma definição relacionada à palavra “pedra”. Em
geral, às palavras em que petro- tinha esse sentido (isto é, casos de petro-1) não foi dado
nenhum tipo de resposta e, em alguns casos, foi dada uma definição relacionada a “petróleo”.
O formativo foi, portanto, identificado e relacionado a “petróleo”.
Deve-se ter cautela ao analisar os dados, pois as palavras em que se encontra petro-1
são incomuns e podem causar estranheza. ‘Petrognosia’, por exemplo, recebeu todas as
respostas em branco. O que impressiona é o fato de nenhum informante ter mencionado algo
relativo à “pedra”, embora a língua portuguesa tenha o radical petr- (raiz doublet de pedr-),
que é muito similar foneticamente à sequência petro-. A artificialidade de petro-1 fica
evidenciada por esse fato, não porque a construção morfológica é artificial, mas porque o
sentido “pedra” não está em evidência para esses falantes. Não se pode, porém, afirmar que
seria impossível que alguém o reconhecesse45
. Tudo o que posso afirmar é que, em meu grupo,
não houve tendência a fazê-lo.
Isso significa que a saliência de petro-2 é tamanha a ponto de causar, pelo menos para
esses falantes, uma anulação da homonímia46
. Além disso, o fato de que alguns falantes
tenham respondido petro-2 onde se esperava petro-1 comprova que, ao menos para esses
falantes, sincronicamente o sentido de petróleo é mais evidente e que eles reconhecem o
formativo petro-2. Pode-se argumentar que isso ocorreu porque o petróleo é tema recorrente
na sociedade, entre outras coisas, por conta da poluição que pode causar ao ser despejado no
mar e de seu uso como combustível.
45
Geólogos provavelmente reconheceriam o formativo petro-1. 46
Uma análise rápida dos dados mostra que, para o caso de tele-, há pelo menos dois sentidos disponíveis:
televisão (resultados de telenovela) e telefone (resultados de telepizza). Alguns chegam até a acessar o sentido de
“à distância” (teletrabalho).
42
4. SEMÂNTICA: O BLENDING NAS FORMAÇÕES PETRO-X
4.1 Por que a Linguística Cognitiva?
Para a análise semântica das construções petro-X, utilizarei a teoria da Mesclagem
Conceptual de Fauconnier e Turner (2002). Antes de abordar as formações a partir da
Mesclagem Conceptual, é necessário apresentar, além dos conceitos-chave para a
compreensão dessa teoria, os principais aspectos da Linguística Cognitiva e suas diferenças
em relação a outros arcabouços teóricos. Falarei um pouco sobre os conceitos da Linguística
Cognitiva nas seções 4.1, 4.2 e 4.3 e posteriormente passarei à análise das construções.
Como explicitei anteriormente, muito foi dito sobre o estatuto morfológico de petro- e
suas características, ainda que não haja um consenso na bibliografia. Porém, com relação ao
sentido, pode-se dizer que não houve uma análise apurada. Afirma-se que há, em compostos,
uma especialização do sentido primitivo (SAID ALI, 1931), que o primeiro elemento é um
determinante, e o segundo, determinado (VILLALVA, 2003). A Linguística Cognitiva tem
uma grande contribuição a fazer com relação a essa ausência, pois permite uma abordagem
mais detalhada de como se dá a construção do sentido.
4.2 Linguística Cognitiva
A Linguística Cognitiva (doravante LC) tem como característica principal o foco no
estudo do significado e a utilização de princípios gerais da cognição humana como forma de
explicar o que se passa na linguagem. Como nota Fauconnier (1985: 3), houve na LC uma
mudança no enfoque dos estudos linguísticos: ao invés de analisar as formas linguísticas,
passou-se a examinar estruturas que são de ordem mais profunda e que servem de base para as
formas linguísticas. O autor dá como exemplos os estudos conduzidos com base em frames,
metáforas, pressuposição e fenômenos escopais (como opacidade e transparência). Isso
porque, ainda segundo o autor:
A linguagem não representa o sentido. Ela provê a construção do
sentido em contextos específicos com modelos culturais específicos e
recursos cognitivos. Uma gramática muito esparsa nos guia através dos
mesmos ricos caminhos mentais, fazendo com que executemos operações
43
cognitivas complexas. Portanto, grande parte da linguística cognitiva foca
a construção criativa e on-line de sentido à medida que o discurso se
desenrola no contexto. 47
Novamente ressalto a importância capital do estudo de Lakoff e Johnson (1980), que
deu uma nova roupagem à metáfora e enfatizou seu caráter cognitivo, ao cunhar a expressão
Metáfora Conceitual. Até então, a metáfora era considerada um artifício da linguagem, isto é,
era diferenciada do raciocínio que acontece por trás da linguagem. Os autores trazem uma
nova visão que entende a metáfora como processo cognitivo geral, não só atuante na
linguagem, mas no pensamento humano como um todo. Assim, o pensamento humano seria,
em sua essência, metafórico. Ao dizermos, por exemplo, que "os preços subiram", sob essa
perspectiva temos a metáfora conceptual PARA CIMA É MAIS e compreendemos o
fenômeno da mudança dos preços com base em uma estrutura formada por nossa experiência
sensório-motora no mundo, a saber, CIMA-BAIXO. Essa perspectiva altera, portanto, o foco
dos linguistas. Não se tem mais as formas linguísticas como objeto de estudo, mas a estrutura
conceitual subjacente a essas formas linguísticas. A metáfora só tem seu interesse para o
linguista cognitivo na medida em que revela a este uma estrutura conceitual subjacente que
contribui para a construção do pensamento do falante. É importante mencionar que existem
outras abordagens linguísticas da metáfora, que focalizam outros aspectos do fenômeno.
Da mesma maneira, Fillmore (1982) procura explicar a conceitualização com base no
conceito de frame, que permearia toda a linguagem. Um frame é, segundo Ferrari (2011: 50),
"um sistema estruturado de conhecimento, armazenado na memória de longo prazo e
organizado a partir da esquematização da experiência". Segundo Fillmore, o significado das
palavras só pode ser interpretado com base em frames, isto é, estruturas de conhecimento
prévias que servirão como um "molde" no qual a palavra será compreendida. Novamente, a
língua interessa ao linguista como meio de acesso a esse frame, que existe do ponto de vista
conceitual e tem como objetivo estruturar o mundo à volta do falante. Ferrari (2011) cita o
exemplo clássico do frame de EVENTO COMERCIAL, que serve de base para a
compreensão de palavras como ‘comprar’, ‘vender’, ‘gastar’, etc. Só se pode interpretar uma
dessas palavras se for ativado o frame de CENA COMERCIAL, no qual identificamos as
relações entre os papéis (roles) presentes, dentre os quais ‘comprador’, ‘vendedor’ e
47
Language does not "represent" meaning. It prompts for the construction of meaning in particular contexts with
particular cultural models and cognitive resources. Very sparse grammar guides us along the same rich mental
paths, by prompting us to perform complex cognitive operations. Thus, a large part of cognitive linguistics
centers on the creative on-line construction of meaning as discourse unfolds in context. (Fauconnier, 2003)
44
‘mercadoria’. Pode-se dizer, portanto, que um frame é uma estrutura gestáltica relativa à
organização de uma experiência. Ela é constituída de papéis e de relações entre esses papéis e
tudo isso é refletido na linguagem. Para quem não conhece o frame dessa cena, nenhuma das
palavras citadas faz sentido, pois trata-se de uma estrutura gestáltica, isto é, uma estrutura em
que os elementos são interligados e indivisíveis e na qual a percepção de cada elemento
depende da estrutura geral.
Os papéis de um frame podem ser marcados com valores (values). Assim, quando
interpretamos uma determinada cena do mundo, utilizamos bases de conhecimento prévias
para organizá-la, isto é, fazer corresponder um elemento do mundo a um papel do frame
ativado. Nossas bases de conhecimento dependem de nossa experiência no mundo. Se
dissermos ‘Marcos é pai’, isso significa que a situação de Marcos pode ser compreendida
dentro do frame de família. Há dois papéis principais postos em evidência na frase: o de ‘pai’,
ao qual foi dado o valor de Marcos; e o de ‘filho’ ou ‘filha’, que ficou sub-especificado, pois
sabemos que esse papel existe, mas a ele não foi assinalado nenhum valor. É importante
salientar que o frame e os papéis só farão sentido a partir da experiência vivida na nossa
sociedade, em que tudo isso é relevante. Em um mundo diferente em que, por exemplo, os
seres humanos se reproduzam por meio de um processo de incubação48
, não há pais nem
filhos, pois não há a experiência da convivência familiar. Logo, nesse mundo não há razão
para a existência do frame de família.
Dentre os autores da LC, os mais importantes para esta dissertação são Gilles
Fauconnier e Mark Turner. Fauconnier procurou, em um primeiro momento, descrever
relações de correferência nas quais se deparou diversos problemas. Para tal, desenvolveu a
teoria dos espaços mentais, que seriam, segundo o autor, ‘‘construtos diferentes das estruturas
linguísticas mas incorporados em todo discurso de acordo com diretrizes fornecidas pelas
expressões linguísticas. ’’49
Posteriormente, percebeu-se que os espaços mentais poderiam ser utilizados para
resolver uma série de problemas e foi constatado que este era um processo mais geral do que
inicialmente se pensou. Nesse momento, surgem as Mesclas Conceptuais. Esse construto
teórico vem sendo utilizado de várias maneiras pelos autores de LC. Sweetser (1999), por
exemplo, utiliza os espaços mentais e as mesclas de Fauconnier e Turner para analisar as
48
Como na obra de ficção científica Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. 49
...constructs distinct from linguistic structures but built up in any discourse according to guidelines provided
by the linguistic expressions (Fauconnier, 1985: 16)
45
diferentes possibilidades de sentido estabelecidas quando um nome é modificado por um
adjetivo. Assim, se dissermos ''a praia está segura'' e "o bebê está seguro", o adjetivo tem
funções diferentes em cada um dos contextos. Em "o bebê está seguro", ‘seguro’ significa que
o bebê não corre perigo. Em "a praia está segura", o objetivo é informar que aquele que for à
praia não correrá perigo e não que a praia não corre perigo, como no caso anterior. Portanto, o
que se efetua não é uma mera junção de sentidos, mas um processo cognitivo complexo que
tem como resultado o casamento perfeito entre o adjetivo e o nome.
A autora discute, portanto, o tema da composicionalidade fazendo uso das ferramentas
da LC. Segundo ela, essas ferramentas são necessárias para a descrição da simples relação de
sentido que se estabelece entre um nome e um adjetivo ou entre compostos N-N em inglês. O
objetivo desta dissertação é usar esse raciocínio na análise das construções com petro-.
4.2.1 Frames e MCIs
Os MCIs (Modelos cognitivos idealizados, do inglês Idealized cognitive models),
criados por Lakoff (1987), são devedores de várias ideias, dentre elas esquemas imagéticos,
metonímias, metáforas e frames. Esse conceito foi formulado com o objetivo de explicar os
efeitos prototípicos presentes na categorização humana. Assim como o frame, os MCIs são
estruturas de conhecimento inexistentes no mundo enquanto tal, mas usadas por nós para
categorizá-lo com base em nossas experiências. O exemplo clássico é o da palavra ‘solteirão’
(em inglês, bachelor), que só pode ser interpretada dentro de uma sociedade monogâmica e
com uma idade ótima para o casamento. O autor adverte:
Porém, o modelo idealizado não se adequa ao mundo de maneira
muito precisa. Ele é super-simplificado em seus pressupostos prévios.
Há alguns segmentos da sociedade em que o modelo idealizado se
adequa razoavelmente bem e em que um homem adulto solteiro pode
ser efetivamente chamado solteirão. Mas o MCI não se adequa ao caso
do papa ou pessoas abandonadas na floresta, como Tarzan. Em tais
casos, homens adultos e solteiros certamente não são membros
representativos da categoria dos solteirões. 50
50
The idealized model, however, does not fit the world very precisely. It is oversimplified in its background
assumptions. There are some segments of society where the idealized model fits reasonably well, and when an
unmarried adult man might well be called a bachelor. But the ICM does not fit the case of the pope or people
46
O autor afirma que os MCIs podem resolver o referido problema de inadequação por
serem idealizados e pelo fato de cada um deles poder se adaptar a uma determinada situação
perfeitamente, muito bem, razoavelmente bem, mais ou menos mal, mal ou não se adaptar de
maneira nenhuma. Assim, o conceito de MCI permite não só que compreendamos como
ocorre a categorização humana, mas também os efeitos prototípicos decorrentes dessa
categorização.
A noção de MCI engloba a de frame, pois um MCI pode ser ativador de diversos
frames diferentes, como no caso relatado por Lakoff (1987, p. 69) referente aos três sistemas
de dias da semana da língua balinesa. Nessa língua, cada dia da semana é compreendido com
base em três sistemas diferentes: de cinco dias, de seis dias e de sete dias. Cada palavra de
cada sistema será, portanto, evocadora de frames diferentes.
4.2.2 Mapping, Espaços mentais e Mesclagem
Outro conceito importante é o de mapping51
. Esta noção foi inicialmente utilizada para
lidar com problemas de anáfora e correferência linguística (FAUCONNIER, 1985). Foi
posteriormente ampliada e ocupa hoje em dia lugar central na LC. Fauconnier explica, em
uma valiosa nota de pé de página, a origem do conceito: "Um mapping é, no sentido
matemático mais geral, uma correspondência entre dois conjuntos que assinalam a cada
elemento do primeiro uma contraparte no segundo" 52
. Para o autor (FAUCONNIER, 1997: 1),
"mappings entre domínios estão no coração da faculdade cognitiva própria dos humanos de
produzir, transferir e processar significado" 53
.
Ainda segundo o autor, os conjuntos com os quais os mappings lidam são os espaços
mentais (1997: 11). Fauconnier e Turner definem os espaços mentais como segue:
Espaços mentais são pequenos pacotes conceptuais construídos
quando pensamos e falamos, com fins de compreensão e ação local.
Espaços mentais são conjuntos muito parciais contendo elementos, e
estruturados por frames e modelos cognitivos. Eles são
abandoned in the jungle, like Tarzan. In such cases, unmarried adult males are certainly not representative
members of the category of bachelors. (Lakoff, 1987: 70) 51
Por questões terminológicas, optei por não traduzir o termo. 52
A mapping, in the most general mathematical sense, is a correspondence between two sets that assigns to each
element in the first a counterpart in the second. 53
Mappings between domains are at the heart of the unique human cognitive faculty of producing, transferring,
and processing meaning.
47
interconectados e podem ser modificados durante o desenrolar do
pensamento e do discurso. (FAUCONNIER E TURNER, 2006, p.
307)54
Um espaço mental é, portanto, estruturado por MCIs55
e frames e admite mappings
com outros espaços mentais. Isso significa que um elemento de um dado espaço mental pode
ser correlacionado com um elemento de outro espaço.
No fenômeno chamado de Mescla, Mesclagem ou ainda Integração Conceptual, há
mapping parcial entre elementos análogos de dois ou mais inputs (que são espaços mentais).
A Mescla é licenciada por um Espaço Genérico que representa de maneira abstrata a estrutura
comum entre os dois inputs. Um espaço chamado Mescla reúne elementos projetados dos
inputs, criando uma estrutura emergente que não existia inicialmente (FERRARI 2011: 120,
121). Pode-se ver na figura 1 um diagrama de Mescla de tipo Simplex, conceito ao qual farei
referência na próxima seção.
54
"Mental spaces are small conceptual packets constructed as we think and talk, for purposes of local
understanding and action. Mental spaces are very partial assemblies containing elements, and structured by
frames and cognitive models. They are interconnected, and can be modified as thought and discourse unfold."
(2006, p. 307) 55
Cada MCI, quando usado, estrutura um espaço mental, como descrito por Fauconnier: “Each ICM, as used,
structures a mental space, as described by Fauconnier” (Lakoff 1987: 68)
48
A figura 1 representa a mescla dos inputs 1 e 2. Percebem-se alguns elementos
presentes nos dois inputs e uma linha indica a correlação entre dois elementos de inputs
diferentes, o input 1 e o 2. A relação entre esses elementos é verificada no espaço genérico e
posteriormente alguns deles são projetados para a Mescla, gerando uma estrutura cognitiva
nova. Percebe-se que, neste caso, só os elementos do input 1 vão para a Mescla e que um
desses elementos do input 1 recebeu uma contribuição de um dos elementos do input 2 com o
qual foi correlacionado. Sendo assim, ele é uma compressão dos elementos que foram
correlacionados e a mescla contém uma estrutura nova graças a esse elemento comprimido.
4.2.3 Tipos de Mesclagem
Como vimos na seção precedente, a Mescla é uma operação que cria novos sentidos
a partir da integração de elementos de diferentes espaços mentais, que são por sua vez
estruturados por MCIs e frames. Fauconnier e Turner (2002) definem quatro tipos diferentes
de Mescla: redes simplex, redes espelhadas, redes de escopo único e redes de escopo duplo.
O tipo útil para a explicação do fenômeno tratado nessa dissertação é a rede simplex (simplex
network).
Nas redes simplex, o input 1 contém uma estrutura de frame56
e o input 2 possui
valores isolados (isto é, não estruturados por frame). O que ocorre nesse tipo de integração é a
associação de papéis do input 1 a valores do input 2. Isso acontece quando dizemos, por
exemplo, ‘Paulo é pai de Maria’. A estrutura familiar, isto é, os papéis de ‘pai’ e ‘filha’, estão
no input 1; os valores Paulo e Maria estão no input 2; no espaço mescla, teremos o valor
Paulo associado ao papel de pai e o valor Maria associado ao papel de filha. Assim, a mescla
será organizada pela estrutura de frame do input 1 com os valores dos elementos do input 2.
Um diagrama geral desse tipo de mescla, retirado de Fauconnier e Turner (2002: 121), está
representado na figura 2.
56
Utilizarei, em geral, o termo frame como elemento estruturador dos espaços mentais, seguindo Fauconnier e
Turner (2002).
49
Essa figura explica a integração do frame de família, no espaço mental do lado
esquerdo, com duas pessoas, Paul e Sally, no espaço mental do lado direito. O frame de
família foi estruturado com base na experiência, daí o uso do termo ego: nossa experiência
familiar, em que ocupamos um papel (representado por ego), estruturou nosso frame de
família. Os elementos presentes no espaço mental da esquerda são papeis e os da direita,
valores. O espaço genérico, em cima, mostra as similaridades entre os elementos dos frames
da direita e da esquerda, que permitem que seja feita a associação entre esses elementos, que
se chama 'conexão de frame a valores' (frame-to-values-connection). O papel de ‘pai’ é
relacionado a Paul, pois ambos têm o sexo masculino; já o de ego é relacionado a Sally, pois
ambos possuem o sexo feminino. O espaço mescla, que está embaixo, representa os papéis da
esquerda preenchidos com os valores da direita, isto é, Paul como pai de Sally. A associação
de um papel a um valor se chama compressão (compression). A compressão de papel é uma
das compressões mais frequentes, e por isso faz parte das chamadas relações vitais (vital
relations) (Fauconnier e Turner, 2002: 92).
50
Deve-se lembrar que elementos são papeis ou valores não de maneira absoluta, mas
só relativamente a outros elementos. Assim, ‘presidente’ pode ser um papel para o valor
Lincoln, mas também um valor para o papel ‘chefe de estado’.
Segundo Fauconnier e Turner (2002), podemos encontrar mesclas complexas em
construções linguísticas que são aparentemente simples. Eles usam como exemplo o adjetivo
'seguro' (safe), retomando Sweetser (1999), e o ligam a três nomes diferentes: ‘praia segura’,
‘criança segura’ e ‘pá segura’. Enquanto em ‘praia segura’ temos a ideia de que o local é
seguro, em ‘criança segura’ temos outra relação: a própria criança está segura. Já em ‘pá
segura’, a pá não é o objeto que está em segurança, mas sim o que potencialmente poderia
causar dano. Segundo os autores, o caso pode ser resolvido se pensarmos que o adjetivo
'seguro' evoca um frame com diversos papéis, entre eles a entidade que potencialmente pode
sofrer algum dano, a entidade que pode causar o dano ou o local em que o dano ocorre. Em
outro contexto, poderíamos imaginar que a criança poderia quebrar a pá, e por isso
distribuiríamos os papéis de maneira diferente (nesse caso, a pá seria a entidade em perigo).
O exemplo mostra que, apesar de pensarmos a relação nome e adjetivo como a mera
atribuição de uma característica a uma entidade, o assunto é muito mais profundo do que
parece, pois do ponto de vista cognitivo há operações complexas em ação, sem as quais não
seria possível a construção do sentido. Da mesma maneira, a relação entre petro-2 e as
palavras com que se combina para formar as construções que são o tema deste estudo
dependem do frame evocado por estas. Petro-2 realiza uma predicação sobre seu escopo, ou
seja, caracteriza e especifica de alguma maneira a palavra com que se combina. Sempre
preenchendo um dos papéis do frame evocado pelo radical. Em ‘petrocombustível’, por
exemplo, temos um frame evocado por ‘combustível’, que inclui o combustível consumido, o
processo de utilização, o objetivo da energia gerada etc. Ao utilizarmos ‘petrocombustível’,
preenchemos o papel que diz respeito ao combustível consumido com o petróleo.
51
4.3 Análise semântica e formalização
Proponho que os elementos das construções sejam considerados como ativadores de
dois espaços mentais que, ao servirem de espaços inputs para uma mescla, darão origem ao
significado da construção como um todo. Seguirei o padrão de análise de Sweetser (1999) e
Fauconnier e Turner (2002). Assim como o nome é modificado por um adjetivo, a base da
construção com petro-, ou seja, o elemento de segunda posição, evoca um frame que tem um
de seus papeis especificados com um valor vindo do espaço mental criado por petro2, isto é,
‘petróleo’. Esse será, portanto, um caso em que será necessário visitar os bastidores da
cognição para compreender como o sentido emerge a partir das construções que são objeto do
meu estudo.
Como foi mostrado, segundo Fauconnier e Turner (2002), em mesclas de rede simplex,
o frame do resultado vem somente de um dos inputs. Proponho que o elemento fornecedor do
frame da Mescla é o de segunda posição, ou seja, a base57
. Assim, em petroemprego, tem-se a
seguinte mescla.
57
Que os autores anteriores muito sabiamente consideram como o elemento modificado.
52
Vê-se na figura 3 que o espaço referente ao input 2 contém papéis evocados pelo
frame de ‘emprego’ (representado no quadrado à direita), isto é, o ‘empregador’, o
‘empregado’, o ‘setor do emprego’, entre outros que não foram representados. Esses papéis
dependem do nosso conhecimento de mundo e seria impossível representá-los em sua
totalidade, razão pela qual foram selecionados apenas três. O ‘emprego’, que pode ser
considerado sob vários aspectos, foi aqui extremamente simplificado como evocador desse
frame em especial.
A seta representa que o papel de ‘setor gerador do emprego’ foi associado, por meio
de mapping, ao elemento ‘extração e comércio de petróleo’, evocado por petro2. A
similaridade entre os espaços se dá porque ambos os elementos são atividades, como
mostrado no espaço genérico. Finalmente, temos no espaço mescla o resultado esperado: um
emprego que é gerado, isto é, pertence ao setor de extração e comércio do petróleo. Em outras
palavras, o papel "setor gerador do emprego" foi preenchido com o valor de "extração e
comércio de petróleo". As linhas pontilhadas mostram que outros elementos do input 2
também vieram para a mescla, o que caracteriza a mescla de tipo simplex, em que só os
elementos de um input vão para a mescla. A relação entre o papel escolhido na base e o
elemento do input 1 nem sempre é fácil de ser recuperada, como mostrarei no exemplo a
seguir.
'' De 2010 a 2016 o Brasil será o país do Petroesporte
Algo entre R$ 190 bilhões e R$ 260 bilhões em investimentos, de
2010 a 2016. Isso numa estimativa conservadora, que leva em conta
somente o orçamento da Petrobras para os blocos já licitados do pré-
sal (que respondem por 28% da área total) e o desembolso previsto em
instalações esportivas e infraestrutura de mobilidade para a Copa e os
Jogos Olímpicos. "
Fonte: http://negociosnainternet.blogspot.com.br/2009/11/de-2010-
2016-o-brasil-sera-o-pais-do.html
Se em ‘petroemprego’ o significado é relativamente fácil de ser recuperado,
‘petroesporte’ já pode apresentar algumas dificuldades para quem não lê o texto em questão.
53
Neste exemplo, retirado de um site sobre negócios, temos novamente uma rede simplex,
esquematizada na figura 4.
O papel de ‘patrocínio’, na estrutura evocada pelo input 2, receberá na mescla o valor
de ‘empresas’, que vem do input 1. Sabemos que o esporte é uma atividade na qual o
patrocínio é essencial, e no trecho acima, o ‘petroesporte’ é o esporte financiado pelas
empresas exploradoras de petróleo, que terão grande margem de lucro graças à recém-
descoberta camada do pré-sal. O patrocínio e as empresas têm em comum o fato de lidarem
com dinheiro. A mescla terá, novamente, outros elementos vindos do input 2, mas não do
input 1.
Uma formação mais conhecida do brasileiro é ‘petroroyalties’. Encontraremos na
mescla dessa formação um padrão similar ao das anteriores. Os royalties são uma quantia
paga ao Estado e aos Municípios pelas empresas exploradoras de recursos naturais, que são
bens não-renováveis. A figura 5 esquematiza a rede formada em ‘petroroyalties’.
54
Há uma associação entre o papel de ‘recurso natural’, no input 2, e o elemento
‘petróleo’, no input 1. A mescla é composta, portanto, do papel de ‘recurso natural’ associado
ao valor de ‘petróleo’, isto é, os ‘petroroyalties’ dizem respeito a royalties pagos pela
exploração do recurso natural petróleo e não de outro recurso. O recurso natural e o petróleo
têm em comum o fato de serem manipulados e se tornarem produtos e isso está presente no
espaço genérico. Há na mescla outros elementos advindos do Input 2, pois os ‘petroroyalties’
pressupõem, assim como os royalties, um valor a ser pago, um proprietário que recebe o
pagamento (no caso do pré-sal, esse proprietário é o governo) e um explorador dos recursos.
A próxima formalização a ser discutida é ‘petroquímica’. Aqui, a associação é feita
entre duas substâncias: de um lado, o material manipulado por meio da química, e do outro, o
‘petróleo’. A mescla contém elementos do input 2 e o valor de ‘petróleo’ associado ao papel
de material, ou seja, a ‘petroquímica’ é a “química que cria novas tecnologias para a refinação
do petróleo e modificação de suas propriedades, com o objetivo de torná-lo mais útil e
eficiente”. A figura 6 mostra a formalização.
55
Na Figura 7, a representação de ‘petrocrise’:
56
Em petrocrise, temos o frame de crise no input 2 e o de petróleo no input 1. O papel
contexto, do input 2, recebe o valor extração e comércio do petróleo. Toda crise ocorre em um
contexto e tem um estopim; no caso da petrocrise, esse estopim é a extração e o comércio do
petróleo. Portanto, na mescla, temos uma crise gerada pela extração e pelo comércio do
petróleo. A Figura 8 representa ‘petrodependência’:
57
A dependência, no input 2, tem o dependente e um recurso do qual se depende. Esse
recurso é relacionado ao petróleo, presente no input 1, por meio de uma relação papel-valor
temos na mescla uma dependência do petróleo. Podem ser conferidas no Anexo as
formalizações das construções restantes.
58
5. PALAVRAS FINAIS
Espero ter alcançado meu objetivo de mostrar dois aspectos, morfológico e
semântico, do formativo estudado e provar que não seria possível explorar toda a
complexidade do fenômeno se fosse contemplada apenas a uma linha de pesquisa.
Do ponto de vista morfológico, o estudo contribui para reforçar a necessidade,
defendida por Kastovksy (2009) e Gonçalves (2011a), de um continuum morfológico
que possui, de um lado do extremo, a derivação, e do outro a composição. Também é
preciso encarar a definição das categorias morfológicas em termos de prototipicidade
(e não de maneira estanque, nos moldes aristotélicos). As características híbridas do
formativo não permitem que ele se encaixe perfeitamente na categoria de radical ou de
afixo, como provei por meio dos critérios abordados, o que significa que a ideia de
continuum deve ser adotada caso desejemos incluir esse fenômeno em nossa análise
linguística e descrevermos de maneira satisfatória seu comportamento. Classificá-lo
com base nas categorias tradicionais seria ignorar sérios problemas que foram
abordados nesta dissertação. Demonstrei que o formativo se comporta como radical ou
como afixo a depender do critério que se elege para a classificação.
Além disso, defendi a posição de que a recomposição criou um tipo especial de
homonímia chamado homomorfia, nos termos de Gonçalves e Almeida (2008) e de
que há, na realidade, dois petro- distintos: petro1, que tem o significado de “pedra” e
teve origem na retomada de elementos clássicos pelas ciências nos séculos XVII,
XVIII e XIX; petro2, um encurtamento da palavra ‘petróleo’, usado ativamente em
construções mais recentes e acessado pelos falantes.
Já do ponto de vista semântico, mostrei a complexidade cognitiva presente nas
construções e a necessidade de um modelo que pudesse abarcar o conhecimento de
mundo que temos para alcançar o sentido desejado. As operações cognitivas em
atividade indicam que, mesmo para a junção do formativo ao elemento lexical, deve-
se levar em conta uma grande quantidade de informações para que seja atingido o
sentido desejado.
O estudo não se encerra aqui, pois outras construções podem surgir e o
formativo pode contrair outras características que não foram contempladas nesta
dissertação. Além disso, outros formativos eruditos e splinters também estão passando
59
por processos semelhantes, e é possível analisá-los com base em algumas aqui
propostas.
60
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65
ANEXO 1 – Teste aplicado com falantes
TESTE 1A
Idade: _____ Nacionalidade: ___________________
Escolaridade: Ensino Médio ( ) Série: ___ / Ensino Superior ( ) Período___
Instituição: ____________________
Diga, para cada palavra, o significado. Se não souber o que a palavra significa,
não escreva nada.
Exemplo: Bioquímica – química que ocorre nos seres vivos
Televisão - _________________________________________________________________
Petróglifo -_________________________________________________________________
Biocombustível - ____________________________________________________________
Telepizza - _________________________________________________________________
Petroexploração - ___________________________________________________________
Biossustentável - ____________________________________________________________
Telefone - __________________________________________________________________
Petroroyalties - _____________________________________________________________
Biomedicina - _______________________________________________________________
Telenovela – ________________________________________________________________
Petroindústria - _____________________________________________________________
Biologia - __________________________________________________________________
Telejornal - ________________________________________________________________
Petrognosia - _______________________________________________________________
Biodegradável - _____________________________________________________________
Teletrabalho - ______________________________________________________________
Petrografia - ________________________________________________________________
Biodiversidade - ____________________________________________________________
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Anexo 2 – Formalizações das Mesclas
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Anexo 3 – Resultados dos testes de acesso lexical
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