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A vida de Nitiren Daishonin A história do Budismo no Japão começou aproximadamente no meio do século VI. Foi ao redor dos meados do século VIII que os templos budistas foram construídos em cada província local, através de mandado imperial. O templo de Todaiji de Nara, famoso pela sua enorme estátua do Buda, foi construído como centro de todos aqueles templos. Aproximadamente na mesma época, as chamadas seis seitas budistas desenvolveram-se e competiram umas com as outras, tendo Nara como centro de propagação. Se examinarmos atentamente os diversos países onde o Budismo se propagou - Índia, China e Japão - pode-se visualizar o processo da transição em cada nação. Para cada uma das três épocas, a duração é geralmente considerada como sendo de mil anos para as duas primeiras e de dez mil anos ou mais para a última. A delimitação de cada época é feita sob a perspectiva global da história do Budismo. Na realidade, eles foram propagados em todos os locais através das duas eras. Particularmente dignos de nota são Tientai da China, e Dengyo no Japão, que organizaram os ensinos do Buda usando como núcleo a primeira metade do Sutra de Lótus, estabelecendo o mais elevado sistema budista de teoria e prática. O Buda havia indicado, na segunda metade do Sutra de Lótus, aquilo que devia ser propagado, e explicou quem devia encarregar-se da propagação no futuro - um futuro além da possibilidade de redenção pelos seus próprios ensinos. Entretanto, a maioria das pessoas estava longe de compreender a verdadeira intenção dos ensinos do Buda. Elas procuraram confiar então em outros Budas além de Siddarta, ou buscar a salvação sem recorrer a um Buda. Nitiren Daishonin compreendeu a natureza exata da Lei a ser propagada e despertou-se para a sua auto-identidade como Bodhisattva Jogyo, o líder dos Bodhisattvas da Terra que foram encarregados da missão de propagar a verdadeira Lei na cerimônia descrita na última metade do Sutra de Lótus. Apesar de tudo, Nitiren Daishonin teve que começar lutando para dar ciência do correto conhecimento das profecias do Buda ao povo de sua época, que as desconhecia totalmente ou preferia rejeitá-las. Seus esforços assumiram a forma de grande luta para descartar a má compreensão e os preconceitos. Ele batalhou contra a corrupção e a fraqueza humana inerente às seitas budistas que se gabavam da autoridade, baseando na má compreensão e preconceitos, e que procuravam angariar favores e ganhos lisonjeando as autoridades seculares. Com freqüência, fazendo um estudo de Nitiren Daishonin, uma pessoa tem a impressão de encontrar agressividades em suas atividades. É verdade que Nitiren Daishonin sempre lutou ferozmente durante a sua vida, mas isso foi uma necessidade ditada pelo fato das outras seitas tramarem em conjunto com as autoridades políticas para eliminá-lo. O próprio Daishonin jamais deu inicio a uma disputa ou lançou mão de armas. Em todos os conflitos, ele sempre foi o prejudicado. Nos tempos atuais podemos ver em sua vida o grande senso de missão, que lhe permitiu defender sempre o Budismo com sua absoluta fé, e também a sua imensa benevolência, mesmo com aqueles que o perseguiram implacavelmente.

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A vida de Nitiren Daishonin

A história do Budismo no Japão começou aproximadamente no meio do século VI. Foi ao redor dos meados do século VIII que os templos budistas foram construídos em cada província local, através de mandado imperial. O templo de Todaiji de Nara, famoso pela sua enorme estátua do Buda, foi construído como centro de todos aqueles templos. Aproximadamente na mesma época, as chamadas seis seitas budistas desenvolveram-se e competiram umas com as outras, tendo Nara como centro de propagação.

Se examinarmos atentamente os diversos países onde o Budismo se propagou - Índia, China e Japão - pode-se visualizar o processo da transição em cada nação. Para cada uma das três épocas, a duração é geralmente considerada como sendo de mil anos para as duas primeiras e de dez mil anos ou mais para a última. A delimitação de cada época é feita sob a perspectiva global da história do Budismo.

Na realidade, eles foram propagados em todos os locais através das duas eras. Particularmente dignos de nota são Tientai da China, e Dengyo no Japão, que organizaram os ensinos do Buda usando como núcleo a primeira metade do Sutra de Lótus, estabelecendo o mais elevado sistema budista de teoria e prática.

O Buda havia indicado, na segunda metade do Sutra de Lótus, aquilo que devia ser propagado, e explicou quem devia encarregar-se da propagação no futuro - um futuro além da possibilidade de redenção pelos seus próprios ensinos. Entretanto, a maioria das pessoas estava longe de compreender a verdadeira intenção dos ensinos do Buda. Elas procuraram confiar então em outros Budas além de Siddarta, ou buscar a salvação sem recorrer a um Buda.

Nitiren Daishonin compreendeu a natureza exata da Lei a ser propagada e despertou-se para a sua auto-identidade como Bodhisattva Jogyo, o líder dos Bodhisattvas da Terra que foram encarregados da missão de propagar a verdadeira Lei na cerimônia descrita na última metade do Sutra de Lótus. Apesar de tudo, Nitiren Daishonin teve que começar lutando para dar ciência do correto conhecimento das profecias do Buda ao povo de sua época, que as desconhecia totalmente ou preferia rejeitá-las.

Seus esforços assumiram a forma de grande luta para descartar a má compreensão e os preconceitos. Ele batalhou contra a corrupção e a fraqueza humana inerente às seitas budistas que se gabavam da autoridade, baseando na má compreensão e preconceitos, e que procuravam angariar favores e ganhos lisonjeando as autoridades seculares. Com freqüência, fazendo um estudo de Nitiren Daishonin, uma pessoa tem a impressão de encontrar agressividades em suas atividades. É verdade que Nitiren Daishonin sempre lutou ferozmente durante a sua vida, mas isso foi uma necessidade ditada pelo fato das outras seitas tramarem em conjunto com as autoridades políticas para eliminá-lo. O próprio Daishonin jamais deu inicio a uma disputa ou lançou mão de armas. Em todos os conflitos, ele sempre foi o prejudicado.

Nos tempos atuais podemos ver em sua vida o grande senso de missão, que lhe permitiu defender sempre o Budismo com sua absoluta fé, e também a sua imensa benevolência, mesmo com aqueles que o perseguiram implacavelmente.

Além disso, o que caracteriza a singular existência de Nitiren Daishonin não foi somente a sua prática como homem de missão e profeta despertador. Ele foi o Buda que, iniciou um novo Budismo para levar as pessoas que vivem nessa época onde o ensino do Buda Siddarta não mais as pode salvar.

Siddarta atingiu o Estado de Buda em Gohyaku Jintengo, enquanto que a capacidade de Nitiren Daishonin como Buda estende-se ao infinito passado. Esse infinito passado é conhecido como Kuon Ganjo; por isso, Nitiren Daishonin é referido como o Buda de Kuon Ganjo.

Nitiren Daishonin nasceu na atual prefeitura de Tiba, adjacente à metrópole de Tóquio.

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Seu local de nascimento foi o vilarejo de pescadores situado ao longo da costa do Pacifico - atravessando a península de Bosso desde a baía de Tóquio. Seu pai era um pescador. Olocal era na época, denominada província de Awa. O nome do pai era Mikuni-no Tayu, e o da mãe era Umeguiku-nyo. O nascimento foi 16 de fevereiro de 1222.

Com relação ao seu nascimento, há uma história contada por Nikko Shonin, o seu sucessor direto que a ouviu do próprio Daishonin.

A história diz que, certa noite, Umeguiku teve um sonho: sentada no alto do Monte Hiei, o centro do Budismo daquele tempo, lavando suas mãos no lago Biwa, ela viu o sol levantar-se do Monte Fuji, no leste, e ela o abraçou junto ao peito. Quando contou ao seu marido, Mikuni-no Tayu, ele contou-lhe em troca um outro sonho místico que tivera: O Bodhisattva Kokuzo, com uma criança de belas feições sentada em seu ombro, disse-lhe: Esta criancinha é o Bodhisattva Jogyo, e tornar-se-á mais tarde um grande líder, pelos povos, através da eternidade. Eu lhe concedo esta criança. A seguir, há um episódio sobre a concepção de Umeguiku. Ela teve um outro sonho na noite anterior ao nascimento: ela estava de pé no alto do Monte Fuji e podia ver claramente todos os mundos ao seu redor, assim como as três existências do passado, presente e futuro, que os permeava. Os deuses celestes, tais como Bonten e Taishaku, desceram e expressaram sua alegria, dizendo: A pessoa, que é o Buda do tempo sem inicio e também o Bodhisattva Jogyo, está prestes a nascer. O Rei Dragão e o Deus Dragão traziam água para o primeiro banho. Quando espalharam o que transbordava sobre o mundo todo, tudo brilhava em cor dourada, enquanto que as plantas e a grama floriam e davam frutos.

Após o nascimento, Umeguiku estava sonolenta e percebia os seres celestes proclamando três vezes, em coro: Maravilhoso! Menino Zenniti, o Sakyamuni dos Últimos Dias da Lei, e deixaram a seguir o local.

Definitivamente, estes episódios contêm uma aura de misticismo. É provável que Nitiren Daishonin os tenha ouvido de sua mãe e tenha contado a Nikko Shonin. A História sobre o Nascimento, que contêm estes episódios, foi tradicionalmente mantido em segredo. Era considerado como um documento que não devia ser amplamente divulgado.

A inclusão destes episódios aqui não pretende induzir o leitor a acreditar que houve uma profecia onírica, como base mística para reverenciar Nitiren Daishonin. Esses episódios místicos que cercam o seu nascimento jamais devem fornecer bases para o raciocínio. Pelo contrário, a prática que ele empreendeu, a vida que ele realmente viveu e as obras reais que ele deixou - todas essas realidades objetivas fazem correta justiça à nobreza e grandiosidade de Daishonin. Esse é o ponto de vista que o próprio Daishonin manifestou constantemente em seus escritos.

O nome que os pais deram à criança foi Zenniti-maro. Zenniti significa _ esplêndido sol, e maro era um nome japonês comum dado aos meninos daquele tempo. Não existe nenhum registro confiável descrevendo a sua infância.

Aos doze anos, Zenniti-maro ingressou no templo Seityoji, um templo budista da mais prestigiosa tradição na província de Awa. Ele tornou-se discípulo de Dozembo, o bonzo-chefe local.

Não existem registros indicando se ele teve ou não irmãos ou irmãs. O fato de um pescador comum ter colocado seu único filho num templo para estudar, indica que os pais esperavam alguma coisa dele. Uma das razões porque tomei a liberdade de introduzir os episódios dos sonhos, mesmo sob o risco de parecer exageradamente místico, foi a suposição de que poderia haver alguma coisa que pudesse dar uma evidência sobre os motivos dele ter sido levado a estudar.

Evidentemente, não foi o único caso daquele tempo em que um pobre camponês ou pescador enviou um de seus filhos para um templo para que se tornasse, um dia, um bonzo.

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Geralmente, porém, isso acontecia quando os pais tinham um número muito grande de filhos para criar, havendo, portanto uma justificativa para pensar que foi um fato incomum uma família com um único filho proceder dessa forma. Deve ter existido uma indomável confiança nos corações dos pais de Zenniti-maro com relação à sua missão inata para o Budismo e o povo, tendo os seus sonhos assegurados o fato.

O templo Seityoji possui uma longa história. Ele foi construído em meados do século VIII e seu objeto de adoração original era o Bodhisattva Kokuzo. Finalmente, quando Dengyo, o Grande, estabeleceu a seita Tendai Hokke no Japão, o templo passou a pertencer á mesma. Mas quando a própria seita converteu-se à seita Shingon em meados do século IX, o templo Seityoji, que existia numa área afastada oriental, acompanhou o acontecimento e aderiu à crença Shingon.

Mais tarde, quando a seita Jodo, liderada pelo bonzo Honen, predominou em todo o Japão no início do século XIII, o templo Seityoji caiu sob sua influência juntamente com os demais templos existentes. Portanto, na época em que Nitiren Daishonin foi ao templo Seityoji para estudar, ele havia se transformado num templo onde eram praticadas as seitas Shingon e Nembutsu, embora mantendo as tradições da seita Tendai.

Entretanto, os templos budistas daquela época não devem ser encarados como os da era contemporânea. A leitura e a escrita eram ensinadas pelos bonzos, e os templos budistas eram, praticamente todos, instituições educacionais primárias.

O que Zenniti-maro aprendeu inicialmente no templo foi, com quase certeza, os princípios fundamentais da leitura e escrita. Apesar disso, o que ele aprendeu no templo não era inteiramente alheio à prática budista. Talvez ele tivesse aprendido a recitar o nome do Buda Amida, que era a mais fácil prática, e que ele deve ter seguido.

Mas a sua atitude para com a fé parece ter sido sempre extremamente sincera, como ele próprio afirmou numa carta que enviou a Shijo Kingo em 1277: Desde a infância, eu, Nitiren, jamais orei por coisas seculares desta vida, e procurei, com mente única, tornar-me Buda. Levado por sua sinceridade submeteu-se à cerimônia da tonsura para tornar-se bonzo subordinado a Dozembo, e optou por uma vida dedicada à busca ao Budismo, em 8 de outubro de 1237. Estava então com 16 anos de idade.

Embora as seitas Tendai, Shingon e Jodo coexistissem no templo Seityoji, este mantinha ainda as tradições da seita Tendai, da qual havia se originado. Portanto, os bonzos do templo estudavam mais dedicadamente a doutrina da seita Tendai Hokke, estabelecida por Tientai, Miao-lo e Dengyo. Isso se evidencia numa carta que Daishonin enviou mais tarde a um discípulo antigo do templo chamado Guijobo, onde citou predominantemente passagens das obras de Tientai e Miao-lo.

No Japão daquela época, admitia-se que os homens atingissem a maturidade com a idade de 16 anos. Nas famílias samurais, os homens que chegavam àquela idade, observavam a cerimônia em que admitiam a toga virilha, denominada guenpuku em japonês, substituindo o nome infantil por outro digno de samurai. Semelhantemente, aqueles que viviam no mundo do Budismo, ao atingirem a idade de dezesseis anos, optavam voluntariamente por viver a vida toda como bonzos ou retornar às famílias para terem vidas leigas.

Mesmo nos casos em que uma criança era colocada aos cuidados de um templo por decisão paterna e independente de sua vontade, a decisão de tornar-se ou não um bonzo ficava a cargo da própria pessoa.

Mesmo que um homem optasse por tornar-se maturo, ele ainda podia voltar à vida leiga, se a situação ou a sua própria mente tivesse passado por mudanças. A volta à vida secular era denominada guenzoku em japonês.

De qualquer forma, Zenniti-maro decidiu viver toda a sua vida como bonzo e mudou seu nome para Zeshobo Rentyo. Zesho significa ter nascido aqui, e o caráter chinês ze é constituído de três radicais, significando respectivamente a pessoa, sob e o sol. Rentyo indica

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o Lótus em desenvolvimento. Aqui se encontra a raiz do seu posterior nome Nitiren, quando ele declarou o seu Budismo aos trinta e dois anos.

Considerando o profundo significado contido em seu nome e a sua disposição pessoal, pode-se notar que Nitiren Daishonin jamais poderia ter se submetido à tonsura para iniciar a sua vida como bonzo com atitude relaxada, mesmo diante do fato de que, em termos gerais, era possível a um bonzo retornar à vida secular. Ele deve ter ponderado profundamente antes de solidificar sua determinação. Uma vez tornado bonzo, foi-lhe impossível demonstrar amor filial na forma como faziam as pessoas comuns. Rentyo deve ter sentido agudamente a dor de viver como bonzo, afastado de seus pais que envelheciam numa casa onde não havia outros filhos. O fato de ele haver, mesmo assim, rejeitado o mundo secular parece indicar que ele percebeu profundamente a missão que deveria cumprir no mundo do Budismo.

Uma carta endereçada aos seus discípulos mais velhos no Templo Seityoji, em janeiro de 1276, aos cinqüenta e cinco anos, pode inequivocamente explicar os eventos que ocorreram logo antes da cerimônia da tonsura. Ele afirmou: Recebi grande sabedoria do Bodhisattva Kokuzo. Ele deve ter sentido compaixão pela minha oração a ele, para que eu me tornasse o homem mais sábio do Japão. Recebi uma grande pedra preciosa como uma estrela, que ele me concedera, em minha manga direita. Desde então, estudei todos os Sutras budistas e quase compreendi a superioridade e a inferioridade entre eles, assim como as Oito Seitas.

Ele faz uma afirmação semelhante em uma de suas cartas aos discípulos: Eu, Nitiren, sou um residente do Monte Kiyosumi, que está localizado na vila Tojo, na província de Awa. Desde a infância, orei ao Bodhisattva Kokuzo para que me tornasse o homem mais sábio do Japão. O Bodhisattva reencarnou-se como um venerável bonzo diante dos meus olhos e deu-me uma pedra preciosa de sabedoria, tão brilhante como uma estrela. Como resultado, quase compreendi os cânones textuais das seitas Zens e Nembutsu, assim como das Oito Seitas do Budismo no Japão.

Nitiren Daishonin também narrou a época anterior à tonsura ele diz: Não somente busquei o saber desde a infância, conforme disse antes, como também comecei a orar aos doze anos diante do Grande Bodhisattva Kokuzo, para que me tornasse o homem mais sábio do Japão. Existem profundas razões para as orações, mas não posso explicá-las detalhadamente aqui. Depois, ouvi primeiramente as seitas Jodo e Zen, e então estudei no Monte Hiei, Templo Onjoji, Monte Koya, e em outros templos de Kyoto e regiões suburbanas. Embora eu tenha dessa forma estudado o ensino de outras seitas, assim como os da minha, encontrei dificuldades para esclarecer as dúvidas que eu tinha...

Segundo essa obra, Nitiren Daishonin escreve como se não tivesse conseguido nada significativo, mesmo tendo orado ao Bodhisattva Kokuzo aos doze anos e estudado mais tarde em Kamakura e Kyoto. O significado é completamente diferente dos dois escritos anteriores, onde ele afirma que recebeu uma grande pedra preciosa de sabedoria, e que ele conseguiu praticamente compreender os ensinos de outras seitas.

Com toda a probabilidade, ele deve primeiramente ter orado ao Bodhisattva Kokuzo aos doze anos, mas, aos dezesseis anos, deve ter chegado à percepção a que ele referiu como o recebimento de uma pedra preciosa de sabedoria. Nos anos posteriores, quando se encontrava exilado em Sado, afirmou: Desde que sou um descendente de um caluniador da Lei, tornei-me um bonzo da Nembutsu e, por muitos anos, também ridicularizei os devotos do Sutra de Lótus dizendo que Não há uma única pessoa que tenha atingido a iluminação com o Sutra de Lótus.

É razoável supor que por muitos anos, subentenda o período entre os doze aos dezesseis anos, quando estudou e praticou o Budismo com Dozembo. Porém, como Dozembo era particularmente ligado á Nembutsu, é muito provável que lhe tenha ministrado ensinamentos da Nembutsu juntamente com a educação fundamental a Zenniti-maro, que havia se tornado seu discípulo.

Se Zenniti-maro havia recebido uma pedra de sabedoria logo aos doze anos, jamais teria recitado a Nembutsu depois um ensino que ele iria mais tarde refutar, proclamando ser

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um ensino herético que faz as pessoas caírem no inferno dos incessantes sofrimentos. Ele orou para se tornar o homem mais sábio do Japão; portanto, a afirmação de que recebeu uma pedra preciosa de sabedoria, tão brilhante quanto uma estrela, deve ser considerada como expressão do fato de que sua oração foi respondida.

Além disso, como ele escreveu sobre isso aos quarenta e nove anos e aos cinqüenta e cinco anos a pedra preciosa de sabedoria que o Bodhisattva Kokuzo lhe concedera na época constitui, sem dúvida, o núcleo do seu Budismo, que ele declarou ser a verdade última do Budismo e que ensinou ao povo durante sua vida. Supõe-se que isso seja o Nam-myoho-rengue-kyo.

Por que Zenniti-maro alimentou o desejo de tornar-se o mais sábio homem do Japão? A razão seria esta: no Japão daquela época, o sistema governamental imperial e aristocrático caiu e, em seu lugar, os samurais tomaram o poder. Os imperadores e os nobres eram profundamente apegados ao Budismo, devendo, por isso, serem protegidos pelo Budismo. Entretanto, por que teriam sido tão derrotados?

Um outro motivo, relacionado ao primeiro, refere-se ao próprio Budismo. A seita Tendai, baseada no Sutra de Lótus, e a seita Shingon, apoiada no Sutra Demiti, constituía a parte central do mundo budista no Japão após iniciar o período Heian (794-1185). Entretanto, no final dessa era, começaram a se erguer às seitas Nembutsu, que reverenciava o Buda Amida como objeto fundamental de adoração, e a Zen, que não recorria a nenhum dos Sutras. Esses novos ensinos budistas começaram a aumentar rapidamente os seus poderes, em resposta à transferência do poder dos imperadores e aristocratas aos samurais. E então, qual seria o verdadeiro ensino budista: alguns daqueles novos ensinos, ou alguma outra coisa diferente?

Essas são duas razões possíveis que podem ser coletadas de suas próprias afirmativas em escritos hoje existentes, embora outros fatores pudessem ter motivado Zenniti-maro a alimentar esse desejo. Para solucionar qualquer uma daquelas questões, era necessário esclarecer um ponto vital: qual é o ensino correto do Budismo? Provavelmente ele se referia como o homem mais sábio do Japão àquele que pudesse responder corretamente a essa questão.

Ao mesmo tempo, ocorre uma outra questão: por que ele orou ao Bodhisattva Kokuzo? Afirma-se que a origem do Templo Seityoji está ligada ao aparecimento de um monge budista chamado Fushigui (Mistério) naquela montanha, em 771. Ele derrubou um pé de carvalho, esculpindo nele uma estátua do Bodhisattva Kokuzo, e construiu um relicário, onde colocou a imagem como objeto de adoração. O relicário foi relegado ao esquecimento, até que foi restaurado no século seguinte quando o Grande Mestre Jikaku visitou o Japão Oriental para ensinar o Budismo. Ele nasceu na atual prefeitura de Totigui, no leste do Japão, e subiu o Monte Hiei, para tornar-se o terceiro chefe principal do Templo Enryakuji. Afirma-se que, desde o tempo de Jikaku, Seityoji desenvolveu-se transformando num templo prestigioso.

Como mencionado anteriormente, Seityoji caiu mais tarde sob a influência da seita Shingon, e permitiu também o ingresso da Nembutsu. Não obstante a esses acontecimentos o Bodhisattva Kokuzo havia provavelmente se transformado num objeto especial de fé, pois era o objeto de adoração do qual havia se originado o próprio templo. Zenniti-maro fez do Bodhisattva Kokuzo o seu objeto de adoração e orou a ele, provavelmente por ter uma confiança profunda que resultava do seu passado. Além disso, o nome do Bodhisattva Kokuzo tem o significado de que a sua sabedoria, segundo se afirma, contém o universo; adicionalmente, o Bodhisattva Kokuzo simboliza a sabedoria da vida universal. Portanto, pode-se interpretar que Zenniti-maro aprendeu o principio último do Budismo diretamente da vida cósmica.

Essa realização intuitiva e abstrata, entretanto, não era suficiente para permitir-lhe ensinar as pessoas, não importando quanto ele estivesse convencido da sua própria iluminação. No mínimo, Zenniti-maro teve que compará-lo com ensinos do Buda indiano, que compreendera o mesmo principio último muito antes, e teve que apresentá-los às pessoas utilizando esses ensinos primitivos como meio. Simultaneamente, para mostrar que o que ele

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apresentava era correto, precisou trazer à luz o fato de que, tudo o que as outras seitas sustentavam estava incorreto.

Em virtude de estar localizado na área suburbana da província de Awa, o Templo Seityoji não tinha meios de colecionar todos os Sutras do Buda, sem falar nos tratados dos bonzos eruditos que surgiram durante a história do Budismo. Zenniti-maro teve também que ir aos centros de outras seitas e ouvir as suas autoridades a fim de obter o correto conhecimento de suas afirmações. Logo que Rentyo tornou-se formalmente um monge budista, dedicado aos estudos desde a idade de 16 anos, saiu pela primeira vez para Kamakura.

Naquele tempo, o governo do Shogunato estava situado em Kamakura, que era o centro do poder político. Correspondentemente, os templos eram construídos em rápida sucessão e os bonzos de prestigio eram convidados de Kyoto. As seitas que prevaleciam em Kamakura, naquele tempo, eram principalmente as novas seitas budistas como Nembutsu, Zen e Ritsu. Dificilmente se viam as seitas mais antigas como Tendai, Shingon e Kegon. De qualquer forma, era útil ir a Kamakura para adquirir certo conhecimento do Budismo.

Portanto, as dúvidas que Nitiren Daishonin tinha, devem ser consideradas não como dúvidas sobre o principio último do Budismo, mas dúvidas sobre como as outras seitas abordavam ou ensinavam aquilo que ele já havia compreendido dentro de si.

Rentyo passou primeiramente quatro anos em Kamakura, durante os quais leu todos os Sutras na casa de escrituras do Relicário Hatiman, em Tsurugaoka, estudando ao mesmo tempo as seitas Jodo e Zen: Depois, retornou temporariamente a Seityoji, em 1242, aos vinte e um anos.

Entretanto, para aprofundar o estudo das doutrinas e Sutras de outras seitas, ele teve que viajar a Kyoto e Nara, que eram os centros do Budismo do Japão. O monte Hiei, em particular, situado no nordeste de Kyoto, era o centro de maior autoridade do Budismo Mahayana baseado no Sutra de Lótus. Mesmo depois de ter declarado o seu Budismo e adotado o nome de Nitiren, ele ainda homenageou o monte Hiei e o seu fundador, o Grande Mestre Dengyo, quando lhes fazia referência, embora os colocando no passado.

No monte Hiei, Rentyo estudou com um bonzo chamado Nansho-bo Shunpan, e a tradição afirma que foi um extraordinário estudioso budista, que gozava de especial respeito mesmo no monte Hiei. Nitiren Daishonin não fala sobre aquele período de estudos, exceto numa curta passagem de suas escrituras, que diz:... E então estudei no monte Hiei, templo Onjoji, monte Koya e em outros templos em Kyoto e regiões suburbanas. Por essa razão, os detalhes daquele período são desconhecidos.

Com respeito aos templos acima mencionados, o monte Hiei já foi mencionado; e o Templo Onjoji, mais comumente chamado Mudera e localizado no lago Biwa, aos pés do monte Hiei, pertencia à seita Tendai. O monte Koya era o centro de estudo e prática da seita Shingon, que fora fundado por Kobo Daishi. Falando da região de Kyoto, ele provavelmente se referia a Toji, um outro famoso templo da seita Shingon e outros templos localizados na antiga capital. Além do Budismo, ele deve ter estudado extensivamente os livros de história da China, assim como o confucionismo, e adquirido ampla cultura na velha cidade. Nas regiões suburbanas estava a atual cidade de Osaka, onde havia um templo chamado Shitennoji, fundado pelo príncipe Shotoku (574-622). Osaka começou desenvolver-se como cidade ao redor do Século XV; por isso, era considerado como subúrbio naquele tempo.

Todas as obras que escreveu antes de declarar o seu Budismo são existentes. Elas foram provavelmente consideradas de pouco significado para compreender os ensinos de Daishonin, porque cada uma delas foi escrita para organizar o conhecimento que ele havia adquirido até então, e também porque não continham afirmações de sua própria doutrina.

Através dos doze anos de estudos em Kyoto, Rentyo não apenas conheceu as declarações dos mestres budistas e estudiosos, assim como as dos Sutras que corroboravam sua iluminação, mas também formou uma visão definitiva sobre os erros e falhas das seitas

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budistas existentes. Na primavera de 1253, Rentyo despediu-se de Shunpan e voltou á sua terra natal de Awa. Ao meio-dia de 28 de abril de 1253, Rentyo declarou o seu Budismo na ala Jibutsu-do do Shobutsu-bo do Templo Seityoji. Ele afirmou que o Nam-myoho-rengue-kyo é a entidade última do Budismo e também o caminho da iluminação.

Nitiren Daishonin descreve claramente a sabedoria do Budismo: Numa análise final, todos os fenômenos estão contidos na mente de uma pessoa, mesmo uma simples partícula de pó. O corpo de uma pessoa contém os elementos das nove cadeias de montanhas e os oito grandes mares entre elas. O sol, a lua e as estrelas estão na mente de uma pessoa. Enquanto as pessoas não compreenderem este fato serão como cegos que não conseguem ver o seu reflexo no espelho. São como bebês que desconhecem o medo do fogo e da água. Esta passagem revela que todos os fenômenos, todas as leis, todos os corpos celestes - de fato, todas as vidas no universo - estão contidos na vida de cada indivíduo.

A vida de cada indivíduo possui o mesmo poder intrínseco e a mesma sabedoria que dá vida e nutre todas as coisas no universo. Ela contém uma imensa energia dinâmica suficiente para influenciar até o macrocosmo. Contudo, a maioria das pessoas não consegue reconhecer o fluxo fundamental da vida que permeia todas as coisas. Os ensinos do Budismo revelam a forma de fazer fluir essa fonte da vida. Eles estabelecem critérios dentro das verdadeiras qualidades da vida e do universo tal como elas são.

Nitiren Daishonin compreendeu que Nam-myoho-rengue-kyo, a Lei Última da Vida, foi revelada nas profundezas do capítulo Juryo do Sutra de Lótus. O caminho que Siddarta seguiu quando ele atingiu o Estado de Buda, no passado distante de Gohyaku Jintengo foi o mesmo do Nam-myoho-rengue-kyo.

O título de cada Sutra é na verdade a sua essência cristalizada em poucas palavras. Cada um dos caracteres do titulo do Sutra de Lótus, Myoho-rengue-kyo, tem um profundo significado filosófico. Nitiren Daishonin elevou este titulo original com dois caracteres chineses - nam e mu (pronunciados juntos - nam). Nam origina-se do sânscrito, e transcrito em caracteres chineses significa devotar a vida. Nam-myoho-rengue-kyo, portanto, significa dedicar-se decididamente ao Myoho-rengue-kyo. Significa unir-se com Myoho-rengue-kyo - a essência da vida cósmica - e assim fazer com que este seja o ritmo de nossas próprias vidas. Contudo, nam muito mais do que uma mera devoção. Significa não somente dedicar-se a algo, mas também torná-lo a base de toda uma vida. Nam-myoho-rengue-kyo, portanto, indica uma interação de duas vias: a devoção total a verdade universal de Myoho-rengue-kyo e a ação poderosa e dinâmica efetivando essa verdade dentro de nossas vidas. A fé e a prática são os processos efetivos através das quais o poder de Myoho-rengue-kyo vibra, ativo e gera a força fundamental da vida.

O Budismo não sobreviveria se limitasse à mera conscientização ou ideologia. Seria como projetos de uma casa. Eles explicam muito bem a verdadeira entidade da vida, mas o que eles ensinam só se tornam vivos e reais somente com a execução final - Nam-myoho-rengue-kyo.

Eis aqui um exemplo específico. O Sutra de Lótus revela que o universo e o homem são únicos e semelhantes, isto, a nossa vida e o próprio macrocosmo. Apesar de que a compreensão teórica desta doutrina não seja difícil, não se consegue aceitá-la como uma realidade enquanto não se puder sentir o próprio ser fundir-se com o imenso universo e a sua energia pulsar na suas próprias vidas.

A invocação de Nam-myoho-rengue-kyo é a exata essência do Budismo de Nitiren Daishonin. Como tal, o único princípio de Nam-myoho-rengue-kyo cobre todas as leis, toda a matéria e todas as formas de vida existentes no Universo. Inclui a Terra, a galáxia, e o espaço infinito iluminado pelas estrelas, estendendo-se além do alcance do olho telescópico.

Em outras palavras, o Nam-myoho-rengue-kyo é a vida do Buda que alcançou a suprema iluminação. Se expandir ao espaço ilimitado, é idêntico à vida do Universo, e se condensar ao espaço limitado, é igual às vidas individuais dos seres humanos.

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Há uma lei atuando na vida - tanto viva como morta. Por vida morta, quero dizer a vida da matéria tal como a água, rocha e metal. Vida viva é o que as pessoas chamam comumente de vida.

Há uma comparação interessante no Budismo entre o homem e o firmamento. Aqui estão alguns exemplos. A cabeça redonda do homem é modelada à maneira do firmamento. O cabelo é comparado às estrelas pontilhando o céu. A queda do cabelo é como estrelas cadentes. Existem 12 principais juntas no corpo humano, indicando os meses do ano. Há 360 juntas ao todo, significando os 365 dias em um ano. De acordo com o calendário lunar, um ano compreende 360 dias. Além disso, os ossos são comparáveis às rochas, a carne ao solo e as veias aos rios. A respiração é como o vento soprando através de um vale.

A citação acima mencionada é para descrever a analogia entre a vida do homem e a do Universo. A substância da vida que existe inata no homem é exatamente a mesma inerente ao Universo. Nam-myoho-rengue-kyo é a essência básica da vida, qualquer que seja a forma que tomem as vidas individuais.

Tudo isto é unicamente para ter alguma idéia de Nam-myoho-rengue-kyo, a fim de analisar a palavra em suas quatro partes e narrar o profundo significado que ela contém.

Primeiro Nam é um desvio fonético do sânscrito Namas que significa devotar a própria vida ao Buda. O objetivo de devoção de uma pessoa é, portanto, o elemento decisivo de sua felicidade. Devotando-se ao Nam-myoho-rengue-kyo, a vida de uma pessoa, gradualmente, funcionará em compasso com o ritmo do Universo e desta forma poderá alcançar a felicidade absoluta. Uma passagem do Capítulo Juryo diz: No desejo sincero de ver o Buda, eles não tiveram pena de suas próprias vidas.

A seguir, Myoho significa a Lei Mística. Myo significa místico, mas elimina qualquer sombra de milagre. É assim chamado porque o mistério da vida é de inimaginável profundidade e, portanto está além da compreensão do homem. Ho significa lei. A intrínseca natureza da vida é tão mística e profunda, que transcende o âmbito do conhecimento humano. Ainda há leis nos fenômenos aparentemente complexos e caóticos da vida.

Uma lei familiar é encontrada no desenvolvimento do homem. Ele nasce como um bebê, cresce para ser um jovem e torna-se idoso para morrer. Isto é, obviamente, uma inquebrável lei regulando cada espécie de vida. Ninguém jamais pode nascer como um adulto.

Terceiro Rengue é a lei de causa e efeito. O Budismo esclarece esta lei em todos os fenômenos do Universo. Realmente, há muitos fenômenos místicos no Budismo, mas não milagre. Um milagre é um fenômeno, em que o fio da lei causal quebra-se repentinamente. É apenas um efeito sem uma causa. O Budismo nega qualquer fenômeno que esteja livre da lei de causa e efeito.

A flor de Lótus é chamada Rengue, em desde que ela significa a lei de causa e efeito, pois, dá semente (causa) e flor (efeito), simultaneamente. A natureza simultânea da causa e efeito compõe um importante principio budista que é conhecido como Inga Guti, em japonês.

Na filosofia da vida, um simples momento do presente tem um grande significado, desde que revela o efeito de tudo o que uma pessoa tem feito para este momento.

Uma quantidade enorme de todos os atos passados forma o efeito da condição presente. Ao mesmo tempo, o momento presente é a causa do futuro. Assim, a vida é a continuação dos momentos combinados pela corrente de causa e efeito.

Finalmente, Kyo de Nam-myoho-rengue-kyo significa a função e a influência da vida. Portanto, Nam-myoho-rengue-kyo é a entidade da vida que causa tais mudanças caleidoscópicas.

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A existência momentânea da vida é indefinível. Se uma pessoa tenta falar deste momento particular, ele passou antes de pronunciar sua primeira palavra. É, contudo, inegável que ele exista. Assim, a unidade momentânea do presente é impalpável.

Este estado que não pode ser definido nem como existência nem como inexistência é chamado Kuu no Budismo.

A mente causa vários pensamentos e sentimentos. Tristezas e deleites, ira e prazer, melancolia e alegria - todos estes sentimentos são ondas causadas na mente. É inegável a existência da mente. Entretanto, ninguém pode especificar em que parte do corpo humano a mente existe. Mesmo com a retaliação do corpo humano não se pode localizá-la. Não há mente então? Sim, há. O misterioso estado no qual a mente existe é o conceito budista de Kuu.

Há um outro principio vital que devo expor em relação à filosofia da vida de Nam-myoho-rengue-kyo. Revela a natureza inseparável de corpo e mente ou o que o Budismo chama de Shiki-Shin-Funi. Shiki significa o que é visível tal como a matéria, forma ou corpo físico e shin o que é invisível tal como a qualidade, natureza, espírito e poder inato. Funi significa a combinação inseparável dos dois.

A tendência corrente do mundo do pensamento é dividida em duas: materialismo e espiritualismo. A primeira é uma filosofia baseada na crença de que todas as ações, pensamentos e sentimentos podem ser explanados pelos movimentos e mudanças da matéria. A última toma uma posição oposta, subordinando a matéria ao espírito ou proclamando que a matéria é à sombra do espírito.

Estas duas filosofias lançam luz sobre uma verdade apenas parcial da vida. Elas falham ao revelar a visão total da vida. Com semelhantes visões unilaterais da vida, nem o materialismo nem o espiritualismo fazem as pessoas verdadeiramente felizes.

Em termos de vida diária, os materialistas cuidam muito da riqueza material e negligenciam as necessidades espirituais. Mesmo que um homem esteja materialmente beneficiado, ele não é, necessariamente, feliz.

Teoricamente, o corpo e a mente podem ser tomados como duas existências separadas, mas, na realidade, é impossível tomar um sem o outro. Esta inseparável natureza da vida compreende uma boa parte da filosofia de vida budista.

Juntamente com a declaração, Rentyo provavelmente apresentou as refutações das quatro seitas maiores, e que são hoje conhecidas como as Quatro Máximas - Nembutsu é a seita que leva as pessoas ao inferno dos incessantes sofrimentos; Zen é a própria ação que leva o país a ruína; e Ritsu é o ensino dos demônios; Shingon é o ensino da traição. Ele declarou também que mudaria o seu nome de Rentyo para Nitiren.

Os habitantes da vila e os monges da montanha, assim como os samurais do local e áreas vizinhas, reuniram-se naquela ocasião talvez por esperarem ouvir sermões construtivos sobre o Budismo de Rentyo, que havia estudado em Kyoto por doze anos, como prodígio daquela área local. Além disso, desejavam ouvir dele as experiências da viagem à capital, o que era coisa rara e emocionante para eles. Vivendo numa área afastada como a Província de Awa, dificilmente poderiam ouvir histórias de Kyoto, situada tão distante deles.

Portanto, Nitiren Daishonin deve ter surpreendido completamente as pessoas reunidas, quando refutou severamente as seitas Nembutsu e Zen, das quais eram adeptos, a Shingon, à qual o próprio templo pertencia, declarando, ao contrário, a sua intenção de propagar o Nam-myoho-rengue-kyo que ninguém havia ainda ouvido falar.

Tojo Kaguenobu, autoridade local do distrito Tojo, que se encontrava na audiência, ficou especialmente enraivecido, ao extremo, por ser um fervoroso adepto da seita Jodo e também um homem de temperamento inflamado. Ele dominou sua ira no meio da multidão,

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mas preparou uma emboscada para Nitiren Daishonin quando este descia do monte do Templo Seityoji após efetuar a declaração do seu Budismo.

O velho mestre de Daishonin, Dozembo, por ser um seguidor da Nembutsu, ficou descontente com Rentyo, mas ainda amava seu discípulo, e ajudou-o a escapar, mandando dois discípulos superiores, Joken-bo e Guijo-bo, acompanharem Rentyo como guias. Durante toda a sua vida, Nitiren Daishonin apreciou profundamente a calorosa consideração que eles mostraram naquela ocasião.

Tendo descido do Templo Seityoji em segurança, Nitiren Daishonin visitou imediatamente os seus pais, convencidos dá sua fé. Os pais tornaram-se seus primeiros discípulos. Ele deu o nome de Myoniti e Myoren respectivamente ao seu pai e à sua mãe. Ele mal repousou ali e logo tomou um barco para Kamakura, onde começou a propagação com afinco.

A declaração do seu Budismo foi um acontecimento vital, na vida de Nitiren Daishonin. Refletindo sobre o que aconteceu, a primeira questão que vem à mente seria: Porque ele escolheu o Templo Seityoji, na província de Awa, para declarar o seu Budismo? Talvez fosse mais eficaz se o tivesse feito no monte Hiei, que era o centro do Budismo. Pode-se supor, como especulação, que Nitiren Daishonin foi a Awa meramente para dar primeira voz à sua declaração, sem outro maior significado.

Entretanto, uma razão mais profunda pode ser encontrada numa carta em que ele afirma:... Por eu ter proclamado pela primeira vez o meu Budismo diante de Joken-bo e de um pequeno número de pessoas em 28 de abril de 1253, na fachada sul da ala Jibutsu-do, no Dozenno-bo do complexo do Templo Seityoji, localizado no distrito Tojo, da Província de Awa, foi para retribuir a gratidão ao Bodhisattva Kokuzo. Em outras palavras, foi o Bodhisattva Kokuzo quem respondeu exatamente a oração de Zenniti-maro para se tornar o homem mais sábio do Japão e lhe conferiu a iluminação do Nam-myoho-rengue-kyo como suprema sabedoria, para ensinar toda a humanidade nos Últimos Dias da Lei. Portanto, ele escolheu o Templo Seityoji, que abrigava o Bodhisattva Kokuzo, para expressar sua profunda apreciação.

Sob uma perspectiva diferente, ele deu uma outra razão em uma carta, que escreveu em 1 de outubro de 1279. Ele diz: Foi ao meio-dia do vigésimo-oitavo dia do quarto mês do quinto ano de Kentyo (1253), no lado sul do Jibutsu-do, no Shobutsu-bo do templo, localizado na vila Tojo. Tojo é hoje um distrito, mas era na ocasião parte do Distrito Nagassa na Província de Awa. Aqui se encontra o que foi o segundo, mas é agora o mais importante relicário do país à deusa do Sol, construído por Minamoto no Yoritomo, fundador do Shogunato Kamakura. E preciso pensar sobre a razão porque Nitiren Daishonin afirmou que o mais importante relicário do país à Deusa do Sol está localizado na vila Tojo, na Província de Awa. Acredita-se que a deusa do Sol era a ancestral divina do Japão, que simboliza a vida de todo o povo japonês. O fato do mais importante relicário do país à deusa do Sol estar localizado naquele local especifico significa que, em termos de vida dos japoneses, o centro mais vital do Japão está na província de Awa. É geralmente considerado que esta é a chave para o outro motivo que levou Daishonin a escolher o Templo Seityoji, na província de Awa.

Em outras palavras, um dos motivos seria prestar gratidão àquele que lhe concedeu a iluminação, e o outro àquele que deu origem à sua vida nesta existência; portanto, não é muito afirmar que, como esses dois eventos ocorreram na mesma vila Tojo, na província de Awa, Nitiren Daishonin escolheu Seityoji para declarar o seu Budismo.

Atravessando de barco o atual Canal Uraga, que é o portal da atual Baia de Tóquio, Nitiren Daishonin desceu na praia de um local atualmente chamado Yokossuka. E depois, pela estrada Miura, ele chegou num lugar chamado Nagoe, a sudeste de Kamakura. Naquele lugar, o lorde Nagoe, de Kominato, a sua terra natal, e também o chefe de uma das famílias do clã Hojo, possuía um feudo. Nitiren Daishonin construiu uma cabana num vale chamado Matsubagayatsu, provavelmente através dos bons ofícios daquela família, e fez dali um centro de atividades de propagação em Kamakura.

Não existem registros disponíveis descrevendo como Daishonin empreendia as atividades de propagação. Como ele havia passado quatro anos em Kamakura durante o

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período do seu estudo, não lhe teria sido impossível visitar e falar com as pessoas. Entretanto, do que se sabe, Nissho foi o seu primeiro discípulo.

Nissho era originário de Shimoussa, atualmente a parte setentrional da prefeitura de Tiba, de onde Nitiren Daishonin também tinha vindo, e era um ano mais velho que Daishonin. Na época em que Nitiren Daishonin estudava o Budismo no Monte Hiei, ainda com o nome de Rentyo, Nissho também estudava doutrinas budistas sob o nome de Joben. Entretanto, ele começou a alimentar dúvidas sobre as doutrinas do Monte Hiei, e que continuavam sem solução. E então, ouvindo que Nitiren Daishonin estava proclamando um novo ensino budista, visitou-o. Perguntou a Nitiren Daishonin sobre a dúvida e recebeu imediato esclarecimento. E assim, afirma-se que ele se tornou discípulo de Daishonin em novembro de 1253. Nissho é o nome dado por Nitiren Daishonin quando aquele se tornou discípulo, e bende Joben é o prefixo para chamá-lo Ben-ajari Nissho. No ano seguinte, duas pessoas tornar-se-iam discípulos de Daishonin, um depois do outro. Um deles foi o sobrinho de Nissho, que tinha apenas dez anos de idade. Mais tarde recebeu a tonsura e chamou-se Nitiro. A outra pessoa foi um crente leigo chamado Toki Goro Tanetsugu, que residia num lugar chamado Nakayama, em Shimoussa, que era a terra natal de Nissho. Ele foi um oficial que trabalhou para o governo do Shogunato. Era um poderoso samurai em Shimoussa e, através da sua influência, Ota-nyudo e Soya-nyudo tornaram-se também crentes, nos anos que se seguiram. Mais tarde, outro grupo de crentes também se converteu em 1256. Eles eram Shijo Kingo em Kamakura, Kudo Yoshitaka, que era um lorde do distrito de Amatsu, na província de Awa, Ikegami Munenaka e Ebara Yoshimune, da província de Mussashi, atual Tóquio.

Assim formou-se uma nova organização religiosa, embora em escala extremamente pequena, por pessoas bastante conscientes e insatisfeitas com as seitas budistas existentes.

Aproximadamente na época em que Nitiren Daishonin começou suas atividades em Kamakura, grandes calamidades assolavam quase todo ano, concentrando-se na cidade. Em agosto de 1256, veio uma grande tempestade que inundou a cidade, e que foi acompanhada por uma peste. Um terremoto de Incrível violência ocorreu em 18 de maio do ano seguinte, seguido de outro ainda pior em 1 de agosto, e por mais outros, até novembro. Em particular, o terremoto que ocorreu em 23 de agosto foi tal que, segundo relatos históricos, todos os relicários e templos de Kamakura foram desintegrados, sem única exceção.

Além disso, um incêndio envolveu a cidade em janeiro de 1258, reduzindo a cinzas o templo Jufukuji, o relicário Hatiman, de Tsurugaoka, e outros, e uma tempestade causou imensos prejuízos nas áreas rurais no mês de agosto. Os danos causados às plantações durante o verão inevitavelmente causaram uma séria diminuição nas colheitas, dando como resultado a fome generalizada no ano seguinte. As pessoas encontravam a morte em todos os lugares, e a peste atacava com a diminuição da energia vital de todos. E, assim, mais e mais pessoas encontravam como destino à morte. A epidemia continuou até o ano seguinte.

Diante de tantas calamidades em sucessão, os recursos médicos e o mecanismo político da época, ainda não plenamente desenvolvidos, tornaram-se naturalmente ineficazes por inteiro. Tudo que o governo do Shogunato podia fazer era ordenar que os relicários e templos oferecessem orações para trazer um fim às misérias.

Daishonin dedicou dois anos em Jissoji à procura das raízes da miséria dentro da explicação dos Sutras, e à procura de uma solução dentro do Budismo. No final desses dois anos Nitiren Daishonin elaborou uma admoestação formal para submeter ao governo de Kamakura, a fim de efetivar a extinção da miséria, o que consistiu no Rissho Ankoku Ron (A Pacificação da Terra através do Verdadeiro Budismo). Nitiren Daishonin completou essa carta de admoestação em 16 de julho de 1260 e apresentou-a a Hojo Tokiyori, através de Yadoya Mitsunori.

Cinco anos mais jovem que Nitiren Daishonin, Hojo Tokiyori tomou o supremo poder do governo como regente em 1246, aos 20 anos. Ele continuou no poder na década seguinte, e cedeu o posto a Hojo Nagatoki, do mesmo clã Hojo. Assim Tokiyori estava afastado do mundo público em 1260. Seu nome budista era Kakuryo-bo Dossu, mas era comumente chamado Saimyoji-dono, nome esse derivado do templo onde residiu.

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Apesar de aposentado do seu posto como regente Tokiyori parece ter mantido profunda influência como chefe efetivo de todo o clã. Esse foi o motivo por que Nitiren Daishonin escolheu-o para enviar o Rissho Ankoku Ron. Yadoya Mitsunori trabalhava para Tokiyori como mordomo naquela época, mas depois aderiu aos ensinos de Daishonin, por sua própria iniciativa.

Embora Nitiren Daishonin tivesse submetido o Rissho Ankoku Ron a Hojo Tokiyori, ele esperava que fosse naturalmente circulado entre a hierarquia política do governo Kamakura, assim como entre os líderes intelectuais e religiosos. Assim, o seu estilo e expressão foram os mais refinados, o conteúdo era conciso, e o desenvolvimento da teoria foi sistemático.

O tratado toma a forma de um diálogo entre um viajante e um estalajadeiro. O diálogo inicia-se com o viajante (Hojo Tokiyori) deplorando as calamidades contemporâneas, enquanto que o estalajadeiro (Nitiren Daishonin) cita muitos Sutras e atribui as causas às crenças budistas errôneas do povo, que contrariam a correta fé no Budismo. Concluindo, o estalajadeiro salienta que a fé no seu Budismo irá certamente eliminar aqueles desastres.

É especialmente digna de nota a seguinte advertência: vários Sutras mencionam as três calamidades e os setes desastres, mas existem ainda alguns desastres que estão a chegar. A menos que a causa do desastre - a oposição ao meu Budismo - seja removida, eles certamente ocorreriam no devido tempo. Os desastres que já haviam ocorrido eram convulsões nos movimentos celestes, anomalias no tempo, e epidemias; entretanto, insurreições internas e invasões estrangeiras ainda deveriam chegar. A advertência tornou-se realidade quando ocorreram rebeliões no clã Hojo e ataques mongólicos abalaram o país.

Pelo resto da vida, Nitiren Daishonin orgulhosamente considerou esses eventos como testemunhos indiscutíveis de que ele era o sábio (Buda) que conhecia corretamente o Budismo.

Mesmo em nossos tempos modernos, o Rissho Ankoku Ron é considerado como a obra mais característica de Nitiren Daishonin. Eles possuíam a seguinte impressão: muitos budistas japoneses afirmavam que o mundo da iluminação ensinado no Budismo encontrava-se distante do mundo secular, e que a prática do Budismo seria apenas um meio de escapar deste mundo. Pelo contrário, Nitiren Daishonin ensina que o Budismo está profundamente ligado à sociedade real, e ele próprio viveu o espírito desse ensino.

Esta imagem havia concentrado a atitude do povo japonês em relação a Nitiren Daishonin. Alguns concordavam sumamente louvando e respeitando Nitiren Daishonin como um corajoso sacerdote budista que, desinteressadamente, clamou pela justiça da nação. Outros desprezaram-no, considerando-o um violento fanático sacerdote que agia barbaramente sem qualquer receio da autoridade, e que assistia a destruição de outras seitas.

Embora Nitiren Daishonin afirmasse que a política deve ser baseada no seu Budismo, jamais afirmou que a religião deve ser controlada pela força política. Pelo contrário, ele submete a precedência da religião sobre a política, e atribui naturalmente a escolha da religião à livre vontade da cada um, desde o começo até o fim. Sabendo que mesmo um homem no poder é um ser humano, Daishonin aconselha Hojo Tokiyori a ter uma correta fé no Budismo. Desse modo, Nitiren Daishonin não contraria o princípio da religião e do Estado e nem apóia o uso da violência.

Através de todo o seu trabalho, Nitiren Daishonin apela para a razão, desperta as pessoas para os erros, e as orienta rumo ao seu Budismo. A forma com que Nitiren Daishonin desenvolve sua argumentação no Rissho Ankoku Ron explica-se claramente por si. Como já mencionado, a argumentação desenvolvida por Nitiren Daishonin nesse escrito consiste num diálogo entre um viajante e um estalajadeiro. Dando resposta completa aos argumentos e dúvidas que o viajante levanta, ele dá prosseguimento à discussão. Subjacente a todo esse processo de diálogo encontra-se a total estima à posição, à forma de pensar e ao espírito - baseado nesse profundo entendimento mútuo - para respeitarem em comum o Verdadeiro Budismo e cooperarem para concretizar uma sociedade pacífica.

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Todavia, o Rissho Ankoku Ron não especifica o conteúdo do seu Budismo, apesar de recomendar a sua propagação. Nitiren Daishonin dedicou o resto de sua vida para esclarecer o conteúdo, ou seja, para estabelecer o próprio Verdadeiro Budismo.

Nesse sentido, o Rissho Ankoku Ron anunciou o início efetivo da sua tarefa da vida. São duas as realizações de Nitiren Daishonin em sua vida. Uma foi mostrar que a própria vida de Nitiren Daishonin é, em si, a vida do Buda que supera, o Buda Siddarta, para salvar todos os seres humanos nos Últimos Dias da Lei. Existem dois aspectos que servem para comprovar essa primeira realização: (1) a precisão com que previu o futuro; e (2) seu confronto com muitas perseguições, como Devoto do Sutra de Lótus, cujo aparecimento estava previsto para os Últimos Dias da Lei, descrito com precisão no Sutra.

A capacidade de correta antevisão e profecia de Nitiren Daishonin satisfazem o requisito para um Buda, e o fato de ter experimentado perseguições, exatamente como previstas no Sutra de Lótus, é também testemunho do fato de que ele é o Buda que fez seu advento nos Últimos Dias da Lei. O Rissho Ankoku Ron foi o trampolim que Nitiren Daishonin preparou para criar mais tarde aqueles dois testemunhos. Já nos referimos às profecias, mas, no que se refere às opressões, o fato é que a apresentação desta advertência deflagrou uma série de perseguições que serão examinadas mais tarde.

A outra realização de Nitiren Daishonin em sua vida foi o próprio estabelecimento do seu Budismo. Como Buda, Nitiren Daishonin inscreveu sua própria vida sob a forma de um mandala como Objeto de Adoração. E também, neste caso, o Rissho Ankoku Ron teve a intenção de servir como um trampolim para a segunda realização.

Hojo Tokiyori, que recebeu o Rissho Ankoku Ron, deve tê-lo circulado entre os altos oficiais do governo, para que o lessem. Além disso, deve tê-lo igualmente circulado entre os estudiosos confucionistas e os principais bonzos budistas que possuíam posições de conselheiros no governo. Todos os altos oficiais do governo da época eram adeptos das seitas Nembutsu, Zen e outras. Hojo Shiguetoki, tio-avô de Tokiyori, era um seguidor especialmente fervoroso do bonzo Ryokan, da seita Ritsu, que ditava as regras no mundo budista de Kamakura. O tio-avô construiu o templo Gokurakuji para Ryokan, e ele mesmo vivia ali em retiro.

Ryokan nasceu na atual prefeitura de Nara e estudou as seitas Ritsu e Shingon. Ele foi a Kamakura em 1253 e conquistou a confiança das figuras-chaves do governo, como Shiguetoki e Tokiyori. Assim, pôde fundar 95 templo Gokurakuji e Kossenji. Ele se envolveu também em atividades sociais e conquistou o respeito da população.

Naturalmente, o Rissho Ankoku Ron enfureceu as autoridades e os bonzos, por apontar que aquelas seitas do Budismo, representadas por esses veneráveis bonzos e seguida ardentemente pelos oficiais do governo, eram a causa última da miséria.

Em 27 de agosto de 1260, pouco mais de um mês depois de Nitiren Daishonin apresentar o Rissho Ankoku Ron, um bando de crentes da Nembutsu invadiu a cabana de Daishonin em Matsubagayatsu, numa tentativa de assassinado. Nitiren Daishonin conseguiu escapar do assalto e estabeleceu-se temporariamente na mansão de Toki Jonin em Shimoussa, atualmente norte da prefeitura de Tiba.

Toki Jonin construiu um relicário para Daishonin e pediu que ele pregasse ali todos os dias. A cada dia, ele convidava samurais residentes na área para ouvir a pregação. Alguns deles tornaram-se discípulos de Nitiren Daishonin - Soya Kyoshin, Ota Jomyo e Akimoto Taro Hyoe.

Nikko Shonin deu assistência a Daishonin integralmente. Ele havia se tornado seu discípulo devido à incumbência que havia recebido de servir Daishonin no templo Jissoji, onde este permaneceu quando se preparava para escrever o Rissho Ankoku Ron.

De qualquer forma, essa perseguição não foi tão grande como poderia ter sido para o próprio Daishonin. Pelo contrário, ela beneficiou-o grandemente no sentido de treiná-lo no desenvolvimento e busca de novos discípulos que, leigos ou bonzos, exerceriam suas atividades mais tarde.

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Nitiren Daishonin não se permitiu ficar indefinidamente na mansão de Jonin. Dentro de todas as circunstâncias, ele queria despertar a nação inteira para o seu Budismo. A fim de consegui-lo, tinha que partir para o seio da sociedade e continuar o seu papel-chave na propagação. Embora não existam informações exatas, aparentemente Nitiren Daishonin teria Ido a Kamakura outra vez no final da primavera do ano seguinte, 1261, para atividades de propagação.

Naquela ocasião, os bonzos e adeptos da Nembutsu planejaram livrar-se de Daishonin, através da força governamental, acusando-o de Reiniciar o Chakubuku (conversão). Naquele tempo, o governo do Shogunato tinha um código feudal chamado Joel Shíkimoku (Formulário dos Julgamentos), exarado em 1232 como lei. Um dos seus artigos proibia a difamação; como ela causa disputas entre pessoas, os difamadores deviam ser exilados ou presos, dependendo da seriedade da acusação. O governo aceitou a acusação movida pelos seguidores da Nembutsu, e Daishonin foi exilado a Izu em 12 de maio de 1261.

Nitiren Daishonin sempre lutou pela clara distinção entre o certo e o errado no Budismo.

Portanto, acusá-lo de mera difamação pode ser considerado como um meio astuto de procurar subterfúgios à essência da discussão. Daishonin havia pedido um debate público, onde poderia enfrentar bonzos de outras seitas e esclarecer o certo e o errado através de discussões doutrinárias. Para sentenciá-lo com base em acusações, era preciso que se comprovasse a falta de fundamento da critica de Nitiren Daishonin às outras seitas, através da realização de debate público. Hojo Tokiyori decidiu perdoar Daishonin do exílio, dois anos depois, por ter reconhecido que a decisão de exilá-lo era desarrazoada.

Originalmente, o exílio era uma das cinco espécies de pena prescritas no primeiro sistema estatuário no Japão. Elas consistiam no açoitamento, tortura, prisão, exílio e pena capital. Entretanto, durante o período Heian (794-1185), quando os pensamentos budistas tinham grande influência, a pena de morte não era usada e, em seu lugar, prevalecia amplamente o exílio. Além disso, havia três categorias de exílio, segundo o local: próximo, intermediário e distante. Izu era relativamente próximo a Kamakura, mas era considerado como um exílio distante pelos estatutos, que tinham origem na antiga capital de Kyoto.

Naquele tempo, as sociedades eram fechadas e fixas, e não aceitavam estranhos, especialmente aqueles exilados como criminosos. A impossibilidade de conseguir alimento e vestuário os levava à doença, frio, fome e à morte. Por isso, o exílio era um substituto eficaz para a pena de morte.

Mesmo durante o exílio a Izu, que foi a primeira perseguição imposta pelas autoridades, Nitiren Daishonin jamais amainou suas afirmações, mantendo-se firme em sua fé. Pelo contrário, ele aprofundou a sua convicção como Devoto do Sutra de Lótus e aumentou seu senso de missão mais do que antes.

O Sutra de Lótus afirma que fortes perseguições recairão sobre os que propagarem o Sutra num futuro mundo corrupto. O capitulo Kanji (13º) do Sutra de Lótus classifica os perseguidores em três categorias, e descreve com razoável exatidão a maneira como eles perseguirão o devoto.

Os perseguidores da primeira categoria são aqueles que ignoram o Budismo. Eles atacam o devoto com escárnio e censura e depois, com bastões e espadas.

Os da segunda categoria são bonzos que renunciaram ao mundo secular. Eles são astutamente habilidosos, suas mentes são pervertidas, e a arrogância os faz pensar que atingiram o estágio último do Budismo, quando na realidade ainda não o conseguiram; eles desprezam e criticam o devoto do correto Budismo partindo dos seus próprios pontos de vista limitados.

Os da terceira categoria são os bonzos que têm seguidores entre os homens do poder, exercendo, portanto grande influência sobre as pessoas. Eles próprios são escravos da fama e fortuna, mas culpam o Devoto do Sutra de Lótus de distorcer o Budismo em suas pregações, e

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semeiam o ódio nas mentes das pessoas influentes, tais como imperadores e ministros. Como resultado, o Devoto do Sutra de Lótus não é apenas desprezado e censurado, mas expulso repetidas vezes de sua terra onde vive. Nitiren Daishonin já havia encontrado o primeiro e o segundo perseguidores mencionados no capitulo 13, mas agora experimentava o terceiro perseguidor, pela primeira vez, ao ser exilado para Izu. O encontro dessa perseguição significa que Nitiren Daishonin viveu aquilo que o Sutra de Lótus descreveu em palavras. Em outros termos, sua própria experiência prova que ele é o legitimo Devoto do Sutra de Lótus.

Os oficiais do governo que levaram Daishonin a Izu de barco parecem não tê-lo conduzido até Ito, que era o local originalmente destinado ao exílio, e que ficava num ponto da península de Izu. Eles o deixaram na praia de Kawana durante o trajeto, e partiram como se quisessem deixá-lo ali, expostos. Um pescador chamado Yassaburo, que residia nas proximidades, passou pelo local e levou Daishonin á sua residência. Ele o abrigou e deu alimento durante trinta dias. Como Yassaburo dirigia barcos como pescador, ele era conhecido comumente como Funamori (condutor de barcos) Yassaburo. Mais tarde, ele tornou-se discípulo de Daishonin, e recebeu deste várias cartas em sinal de agradecimento pela ajuda que lhe prestou naquele período.

Portanto, acusá-lo de mera difamação pode ser considerado como um meio astuto de procurar subterfúgios à essência da discussão. Daishonin havia pedido um debate público, onde poderia enfrentar bonzos de outras seitas e esclarecer o certo e o errado através de discussões doutrinárias. Para sentenciá-lo com base em acusações, era preciso que se comprovasse a falta de fundamento da critica de Nitiren Daishonin às outras seitas, através da realização de debate público. Hojo Tokiyori decidiu perdoar Daishonin do exílio, dois anos depois, por ter reconhecido que a decisão de exilá-lo era desarrazoada.

Originalmente, o exílio era uma das cinco espécies de pena prescritas no primeiro sistema estatuário no Japão. Elas consistiam no açoitamento, tortura, prisão, exílio e pena capital. Entretanto, durante o período Heian (794-1185), quando os pensamentos budistas tinham grande influência, a pena de morte não era usada e, em seu lugar, prevalecia amplamente o exílio. Além disso, havia três categorias de exílio, segundo o local: próximo, intermediário e distante. Izu era relativamente próximo a Kamakura, mas era considerado como um exílio distante pelos estatutos, que tinham origem na antiga capital de Kyoto.

Naquele tempo, as sociedades eram fechadas e fixas, e não aceitavam estranhos, especialmente aqueles exilados como criminosos. A impossibilidade de conseguir alimento e vestuário os levava à doença, frio, fome e à morte. Por isso, o exílio era um substituto eficaz para a pena de morte.

Mesmo durante o exílio a Izu, que foi a primeira perseguição imposta pelas autoridades, Nitiren Daishonin jamais amainou suas afirmações, mantendo-se firme em sua fé. Pelo contrário, ele aprofundou a sua convicção como Devoto do Sutra de Lótus e aumentou seu senso de missão mais do que antes.

O Sutra de Lótus afirma que fortes perseguições recairão sobre os que propagarem o Sutra num futuro mundo corrupto. O capitulo Kanji (13º) do Sutra de Lótus classifica os perseguidores em três categorias, e descreve com razoável exatidão a maneira como eles perseguirão o devoto.

Quando Nitiren Daishonin completava pouco mais de trinta dias na residência de Yassaburo, a sua presença na região foi levada ao conhecimento do chefe do distrito de Ito, chamado Ito Hatiro Zaemonnojô. Daishonin mudou-se para Ito a convite desse lorde. O lorde Ito sofria com uma séria enfermidade, e solicitou a Daishonin que orasse pela sua recuperação. Nitiren Daishonin orou com a condição de que ele adotasse a fé no Sutra de Lótus. O lorde se recuperou imediatamente da enfermidade e em gratidão presenteou Nitiren Daishonin com uma estátua do Buda Siddarta que ele havia recuperado do mar, e ele próprio tornou-se seguidor de Daishonin.

Nikko Shonin deu assistência a Daishonin durante todo o exílio a Izu e, mesmo servindo-o de perto durante o tempo todo, conseguiu encontrar tempo para sair ás áreas vizinhas para atividades de Chakubuku. Através dos esforços de propagação de Nikko Shonin, um bonzo da

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seita Shingon chamado Kongo-in Gyoman, de Atami, converteu-se ao Verdadeiro Budismo. Ele nomeou-se Nitigyô e chamou o seu templo de aprimoramento de Daijoji (Templo Mahayana). Isso aconteceu em 1262. E Nikko Shonin mal havia completado dezesseis anos de idade.

Depois de encontrar sua perseguição pelos poderes políticos, Nitiren Daishonin aumentou sua convicção como Devoto de Sutra de Lótus. Em 27 de junho de 1262, quando se mudou para perto do lorde local, ele enviou uma carta a Funamori Vassaburo.

Na carta, Nitiren Daishonin agradece sinceramente o dedicado cuidado que Yassaburo e sua esposa lhe dispensaram. E, citando o Sutra, compara-os a deuses celestes que haviam jurado proteger o Devoto do Sutra de Lótus. Ele os compara inclusive ao Buda Sakyamuni que, ele disse, deveria ter se reencarnado para auxiliar Daishonin.

Segundo se relata, em 22 de fevereiro 1263, Nitiren Daishonin foi perdoado do exílio a Izu e retornou a Kamakura. E considerado que Hojo Tokiyori usou seus ofícios para o perdão, mas ele caiu seriamente doente em agosto, falecendo finalmente aos trinta e sete anos, em 22 de novembro.

Durante dois meses, de julho a setembro do ano seguinte, 1264, surgiram enormes cometas nos céus. Desde tempos imemorais, eles eram considerados como prenúncios de miséria, e foi realmente isso que aconteceu no Japão. Naquele mesmo ano, Kublai Khan, o imperador da grande dinastia mongólica, despertou sua ambição de conquistar o Japão, através da sugestão de Tyó I, do império de Koryô (atual Coréia).

Os mongóis já haviam conquistado a maior parte da Eurásia, excetuando a Europa e a Arábia no oeste, e a índia e a Indochina no sul, criando um grande império que não tem paralelo na história da humanidade. No oriente, eles começaram a invasão da península da Coréia em 1231 dominando totalmente a região em 1259. Embora não se saiba a razão pela qual a raça dominada tenha dirigido as ambições mongólicas para o leste, presume-se, com toda a probabilidade, que esperavam aliviar a pressão que estava sendo exercida sobre ela.

Entretanto, esse ato simplesmente aumentou os seus problemas. Kublai ordenou a Koryô que construísse embarcações de guerra e recrutou guerreiros de Koryô para a expedição ao Japão.

A decisão de Kublai, de conquistar o país do mar oriental, conhecido como Japão, em 1264, era prenúncio de uma amedrontadora situação para o Japão. Naquele momento, todavia, nem os governantes e nem o povo poderiam conceber essa decisão. Foi em janeiro de 1268, quatro anos depois, que uma carta ameaçadora dos mongóis e de Koryô chegou ao Japão, afirmando que iriam empreender um ataque armado ao Japão caso esta não satisfizesse as exigências de submissão e tributo.

Em outono de 1264, Nitiren Daishonin retornou á sua terra natal de Awa, após uma ausência de dez anos. Desde quando Daishonin declarou o seu Budismo, o lorde local, Tojo Kaguenobu, havia feito dele objeto de ódio. Certa vez, Kaguenobu foi instigado por Hojo Shiguetoki e planejou usurpar o feudo da família Nagoe, e obter assim o controle sobre o Templo Seityoji. Nitiren Daishonin auxiliou a família Nagoe e o Templo Seityoji a neutralizar a trama. Dessa forma, o ódio de Kaguenobu contra Daishonin intensificou-se.

Isso explica por que Nitiren Daishonin não pôde voltar para casa quando esteve no Templo Jissoji, em Iwamoto, quando ouviu a notícia do falecimento do seu pai Myoniti, em 1258. Ele pôde voltar, após a longa ausência, quando a opressão governamental sobre ele começou a diminuir; o principal responsável pela perseguição a Daishonin, Hojo Shiguetoki, havia falecido em novembro de 1261. Em particular, é provável que a notícia de que a sua mãe, Myoren, encontrava-se gravemente adoecida, tenha motivado o seu retorno ao lar.

Encontrando Nitiren Daishonin, Myoren recuperou-se rapidamente, conforme o próprio Daishonin afirmou numa carta, em 1269: Como eu, Nitiren, orei pela recuperação de minha benevolente mãe, ela não apenas conseguiu curar-se da doença, como também prolongou sua vida por quatro anos.

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Ao mesmo tempo, Kudo Yoshitaka e outros, que já eram discípulos de Daishonin em sua terra natal, estavam eufóricos com a sua volta após tão longa ausência. Yoshitaka pediu insistentemente que Daishonin visitasse sua mansão. Nitiren Daishonin aceitou e deixou o Templo Rengueji, em Saijo Hanabussa, em 11 de novembro de 1264, e partiu para a mansão de Amatsu, juntamente com os mensageiros que foram enviados a ele. Na noite em que o grupo de Daishonin aproximou-se do local desolado de Komatsubara, no Distrito. Tojo, Tojo Kaguenobu e seus subordinados assaltaram o grupo.

Em 14 de novembro, três dias após a perseguição de Komatsubara, Dozembo, que havia sido o mestre de Daishonin quando este passou os dias no templo Seityoji, foi visitá-lo no templo Rengueji, onde se encontrava. Apesar do velho mestre saber que o seu estimado discípulo havia retornado após longa ausência, não pôde encontrar facilmente uma oportunidade de visitá-lo, devido ao imenso ódio das pessoas contra Daishonin. Mas, tendo tomado conhecimento do incidente que quase lhe custou a vida, Dozembo deve ter ficado mais desejoso de visitá-lo, desejo esse que já vinha alimentando desde o inicio.

O assunto daquele encontro foi mencionado numa carta denominada Sobre Zenmui Sanzo, que Daishonin enviou aos discípulos de Dozembo do Templo Seityoji - Joken-bo e Guijo-bo - em 1270, seis anos após a perseguição.

Dozembo perguntou: Como não tenho sabedoria, acompanhei simplesmente o que prevalecia no mundo e recitei o nome do Buda Amida e tenho esculpido até cinco estátuas do mesmo. Estou condenado a cair no inferno devido a esse pecado?

Embora ele pensasse que teria sido adequado falar brandamente a Dozembo, naquele encontro com o velho mestre após tão longo tempo, Daishonin percebeu que aquela poderia ser a última oportunidade de encontrá-lo. Assim sendo, respondendo à pergunta, Daishonin disse rigorosamente o seguinte: Como o senhor esculpiu cinco estátuas do Buda Amida, está condenado a cair no inferno dos incessantes sofrimentos por cinco vezes. A razão é que o Buda Siddarta está descrito no Sutra de Lótus como sendo nosso pai, e o Buda Amida o nosso tio. Devo dizer que não é dignos de um filho esculpir cinco estátuas de um tio e nenhuma do pai. O. senhor não pode livrar-se desse pecado enquanto não reverenciar o Buda Sakyamuni e considerar o Sutra de Lótus como a base fundamental da fé.

Dozembo deve ter se despertado com o rigoroso pedido de Daishonin daquela ocasião. Afirma-se que, embora não tivesse abandonado de todo a invocação da Nembutsu, ele leu o Sutra de Lótus e esculpiu uma estátua do Buda Siddarta. Na carta, Nitiren Daishonin expressou a sua alegria referindo-se á posterior reconsideração do velho mestre.

Nitiren Daishonin fez uma viagem de propagação às províncias de Awa, Kazussa, Shimoussa (atual prefeitura de Tiba) e Hitati (prefeitura de Ibaraki) durante mais de três anos, de 1264 ao início de 1268, provavelmente na época da vinda do primeiro emissário mongol. Ele mesmo se misturava ao povo, ensinando o seu Budismo na linha de frente.

Depois disso, ele mudou o objetivo dos seus esforços, e passou a dedicar-se á conversão das figuras-chaves do governo de Kamakura, a partir de 1268 até 1271, quando ocorreu a perseguição de Tatsunokuti. A chegada do emissário mongol deu-lhe a oportunidade de começar essas atividades nesse período.

Portanto, no período de 1264 a 1271, Nitiren Daishonin dividiu os esforços de propagação dos seus ensinos, empreendendo inicialmente as suas atividades no meio do povo, totalmente afastado do poder político, e depois avançando seus esforços em direção ao centro governamental, permanecendo em Kamakura E durante todo esse tempo, viveu à altura da sua fé única e da sua prática a propagação do seu Budismo. A indomável atividade de propagação de Daishonin evidencia a sua total convicção de que praticava o Budismo exatamente como o Sutra de Lótus, tendo experimentado as sucessivas provações no assalto de Matsubagayatsu, exílio a Izu e a Perseguição de Komatsubara.

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Além disso, seus ardentes esforços na propagação dentro desse período foram à causa que deflagrou a segunda grande perseguição: a Perseguição de Tatsunokuti, em 12 de setembro de 1271, e o subseqüente exílio a ilha de Sado.

Depois da perseguição de Komatsubara, em 11 de novembro de 1264, Daishonin viajou por várias áreas de Awa, depois a Kazussa, ao norte de Awa, e então a Hitati, propagando seu Budismo. Nessa viagem, o clã de Sakuma Hyogo, de Okitsu, em Kazussa, converteu-se. Do seu clã veio Jakuniti-bo Nikke, que construiu mais tarde o Templo Tanjoji em Kominato, em homenagem à terra natal de Daishonin. Sabe-se ainda que na província de Kazussa converteram-se Saito Kanetsuna em Mobara, e Takahashi Goro Tokimitsu, em Sumida.

Em 15 de agosto de 1267, faleceu a mãe de Nitiren Daishonin, Myoren. No final do ano, Nitiren Daishonin parece ter deixado a província de Awa, dirigindo-se ao norte e visitando novamente Mobara, na província de Kazussa, permanecendo na propriedade de Toici Jonin. Na ocasião, o genro de Jonin, Iyobo, recebeu a tonsura para tornar-se discípulo de Daishonin. Ele foi chamado Nittyo, que se tornou depois um dos seis velhos bonzos.

Graças às atividades de propagação de Daishonin, de 1264 a 1267, começou a formar-se um grupo digno de ser considerado uma organização religiosa naquelas províncias (território de Bosso), ao norte da atual metrópole de Tóquio. Evidentemente, Toki Jonin, Ikegami Munenalca, Shijo Kingo e Nanjo Tokimitsu, que já vinham professando o seu Budismo desde os anos subseqüentes à sua fundação, em 1253, continuaram como fiéis adeptos de Daishonin durante todas as suas vidas. Entretanto, como viviam muito distantes uns dos outros, tinham dificuldades para se comunicarem e manter a unidade. Graças aos esforços de propagação de quatro anos, de Daishonin, um número relativamente grande de convertidos em todo o território acabou se formando, tendo como centro os crentes veteranos como Toici Jonin, Soya Kyosin e Ota Jomyo, que residiam na província de Shimoussa. Além disso, no território de Bosso encontra-se a terra natal de Nitiren Daishonin, e o espírito de Kudo Yoshitaka, que morreu como mártir na Perseguição de Komatsubara, em 11 de novembro de 1264, continuava ali vivido. A formação do grupo no território teve significado extremamente profundo na perpetuação do seu Budismo, quando as futuras atividades iriam precipitar perseguições maiores do que as anteriores. A advertência religiosa ao centro político constituiu a principal corrente na última metade do período 1284-1271, tendo o ponto de partida sido a chegada do emissário mongol, em 18 de janeiro de 1268, e que constituiu então a oportunidade para Daishonin. O emissário era um coreano chamado Pan Fou, que trazia uma carta do imperador mongol ao imperador do Japão. O documento do Imperador mongol, Kublai Khan, datado de agosto de 1268, deveria ter chegado ao Japão em fins de novembro daquele ano, mas o enviado tinha voltado á Coréia a meio caminho, sob alegação de mau tempo.

Kublai Khan considerou o fato como uma resistência passiva da Coréia contra o desejo dos mongóis, que a haviam conquistado, e então ordenou rigorosamente que a Coréia cumprisse a tarefa com total responsabilidade.

O enviado partiu novamente em 23 de setembro de 1267. Existe hoje uma cópia da carta no Templo Todaiji, e a sua essência é a seguinte: O Khan do Grande Império Mongol, que é o mandado dos céus, endereça aqui uma carta ao Rei do Japão. Seu Reinado tem estado, desde tempos antigos, em bons termos conosco, como nação vizinha. De todas as nações o Império Mongol subjugou extensivamente as regiões vizinhas conforme ditado pelo desejo dos céus, e os súditos coreanos tiveram paz e seguiram fervorosamente a nós desde que ficaram sob nosso governo. Seu Reino manteve intercâmbio com a Coréia e, além disso, com a China, desde há tempos; mas os senhores não enviaram um único mensageiro desde que o império veio ao nosso domínio. Portanto, estou lhe enviando um mensageiro em busca da sua amizade. Um sábio faz dos quatro mares o seu lar onde reside, e a falta de amizade entra em conflito com o clã imperial. Recorrer a violência está longe do meu desejo e, portanto, gostaria que compreendesse a minha intenção.

Kublai Khan ordenava submissão ao império mongol, e o não cumprimento da ordem significaria massacre geral e destruição. Foi isso o que os mongóis vieram fazendo naquela época, nas suas batalhas de conquista na Ásia Central e Ocidental.

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A carta imperial, que chegou a Dazaifu, em Kyushu, foi imediatamente levada a Kamakura, e depois ao imperador japonês, em Kyoto. Este recebeu a carta em 7 de fevereiro de 1268 e, em 19 de fevereiro, chegou à conclusão de que não iria respondê-la. Como a falta de resposta significaria rejeição da exigência mongólica, o governo de Kamakura deveria naturalmente preparar-se para um ataque armado pelo império mongol.

Tomada à decisão imperial, o governo informou o enviado da conclusão a que chegou, e mandou-o de volta; começaram então os preparativos para enfrentar a crise nacional. Antes de tudo, o filho de Hojo Tokiyori, Hojo Tokimune, substituiu o idoso Hojo Massamura e tomou posse do supremo governo em 5 de março. Tokimune contava então com apenas dezoito anos de idade, mas era o filho legitimo do clã Hojo, sendo inevitável a sua ascensão final ao supremo poder. Dotado de grande aptidão para liderança, Tokimune conquistou o respeito do povo desde os primeiros dias. Para enfrentar a crise nacional, era necessária forte solidariedade, sendo então imprescindível que ele tomasse o poder.

Por outro lado, em abril, o governo ordenou que templos e relicários orassem pelo enfraquecimento e derrota do império mongol. Da mesma maneira como, acontecia na tradicional adoração dos relicários, acreditava-se que o Budismo contemporâneo era também uma fé capaz de produzir benefícios seculares e tirar a má sorte.

Nitiren Daishonin viu na chegada do emissário mongol o presságio real daquilo que ele previu oito anos antes, em 1280, no Rissho Ankoku Ron. Naquele período, entretanto, as autoridades haviam mostrado incontido ódio contra Nitiren Daishonin, tentando inicialmente assassiná-lo e depois o exilando a Izu. Agora que as suas advertências se concretizavam, eles pareciam ter percebido que Daishonin estava certo.

Nitiren Daishonin, que havia voltado de Bosso a Kamakura após quatro anos escreveu uma carta de enérgica admoestação a um certo Hokan-bo, afirmando que somente Daishonin conhecia a solução fundamental para a crise nacional. O escrito está datado de 5 de abril de 1268, e leva o titulo Arrazoado da Submissão do Rissho Ankoku Ron. Não se sabe quem foi Hokan-bo. No texto da carta, Daishonin delineou e essência do Rissho Ankoku Ron, descrevendo juntamente as circunstâncias sob as quais a escreveu e apresentou a Hojo Tokiyori. Ele afirmou então que a chegada do emissário mongol substanciava perfeitamente o que havia previsto na admoestação formal: Ele terminava a carta exigindo um encontro com Hokan-bo, concluindo que somente ele era conhecedor da solução para a catástrofe. Portanto, no que se refere a Hokan-bo, a carta nos leva a crer que ele tinha provavelmente multa influência no governo, apesar de haver renunciado ao mundo secular.

Como foi mencionado antes, o Bakufu (governo feudal do Japão) havia intensificado sua confiança nos bonzos de todas as seitas que haviam sido denunciadas por Daishonin como sendo as causas essenciais da tragédia. Os líderes políticos de Bakufu imploravam a todas elas, através de doações financeiras e de outros valores, a conduzir orações mágicas para a derrota mongólica e paz no Japão.

Nitiren Daishonin dificilmente podia conter sua profunda ansiedade diante da situação. Finalmente, em outubro, ele escreveu cartas a Hojo Tokimune, que possuía o supremo poder no governo, assim como a Yadoya Mitaunori, Hei no Saemonno-jo Yorítsuna, Hojo Yaguenta e outras figuras-chaves. Ele exigia um debate público onde pudesse confrontar bonzos de outras seitas. Ao mesmo tempo, ele enviou cartas de desafio a prestigiosos bonzos como Doryu, do Templo Kentyoji, e Ryokan, do Templo Gokurakuji, que representavam o mundo budista de Kamakura, exigindo um debate aberto para discriminar claramente o certo e o errado no Budismo.

Nitiren Daishonin enviou uma carta aos seus adeptos, clérigos e leigos, informando-os da situação e alertando-os rigorosamente sobre fortes perseguições que as onze cartas certamente provocariam; ele disse que não deveriam jamais se perturbar e não se acovardar pala segurança mundana e familiar.

Entretanto, não houve reação às cartas, a partir do governo. Os templos que receberam cartas de desafio com exigência de debate religioso publico não mostraram reação - e era

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essa a única finalidade das cartas. Eles simplesmente desprezaram o mensageiro que as levou ou receberam-no em silêncio.

Então, porque os bonzos das outras seitas recusaram-se a aceitar as exigências de Daishonin? Nitiren Daishonin deve ter sido motivo de grande inquietação desde quando ele lhes havia mandado o Rissho Ankoku Ron. Se eles conseguissem derrotar Nitiren Daishonin em debate público, poderiam silenciá-lo definitivamente. A exigência de Nitiren Daishonin por um debate religioso deveria ter sido uma oportunidade de ouro para fazê-lo calar-se.

Apesar disso, eles evitaram o debate como se quisessem fugir. Eles próprios sabiam que, caso debatessem com Daishonin sobre a doutrina budista, não lhes seria possível vencê-lo. Em outras palavras, eles sabiam que as doutrinas básicas de suas próprias seitas estavam erradas. O fato deles não procurarem corrigir seus próprios erros apesar de estarem cientes dos mesmos.

Mesmo expondo doutrinas errôneas do Budismo, eles adquiriram posições de destaque como bonzos no mundo do Budismo, encontraram adeptos, entre dignitários políticos, e conseguiram que lhe construíssem templos majestosos como doações. Com todo esse prestígio, se fossem derrotados e comprovados os seus erros, eles perderiam de Imediato não apenas a fama e o prestígio, como também os próprios meios de subsistência.

Aqueles famosos bonzos, reverenciados como pináculos do mundo budista, possuíam uma intrínseca ambição pelo poder e riqueza secular em vez do Budismo em si.

Em março do ano seguinte, 1269, oito emissários mongóis e quatro coreanos vieram a Tsushima com mais de setenta servidores. Tsushima é uma ilha japonesa situada entre o Japão e a Coréia. Provavelmente eles foram enviados até a ilha principal do Japão, mas eles aprisionaram dois camponeses da ilha e retornaram levando-os como prisioneiros.

Essa segunda missão tinha o objetivo de obter do Japão uma resposta definitiva à carta imperial mongólica, porque o primeiro enviado havia voltado sem resposta do imperador japonês. Apesar do segundo embaixador não ter chegado propriamente ao Japão, mas unicamente retornado com dois camponeses capturados, Kublai Khan ficou tão contente que lhes mostrou o castelo e outras construções na capital Yenchlng (atual Pequim). O Khan do império mongol, entretanto, não tinha a intenção do abandonar suas ambições com relação ao Japão. Em julho do mesmo ano ele enviou os dois camponeses de volta à Coréia, exigindo que esse Reino subjugado mandasse um novo enviado ao Japão. O emissário chegou a Dazaifu, em Kyushu (extremo ocidente do arquipélago japonês), no mês de setembro. A carta do império mongol foi inicialmente enviada ao Bakufu de Kamakura, e depois passada para a corte imperial, em Kyoto.

Desta vez, a corte imperial decidiu escrever uma resposta e esboçou um documento afirmando que, como o Japão era um pais divino, não iria temer o império mongol, e nem se submeter à intimação mongólica. Entretanto, o Bakufu decidiu não entregar a carta imperial ao emissário que, novamente, voltou de mãos vazias.

Apesar dos repetidos insucessos, o império mongol enviou persistentemente mensageiros. Depois do emissário coreano, que foi ao Japão no verão de 1271, um mongol chamado Chao Liang-pi chegou a Kyushu em setembro, juntamente com seus servidores. Eles exigiram um encontro pessoal com o Imperador e, mesmo não recebendo resposta, continuaram no país até janeiro do ano seguinte. Eles vieram novamente ao Japão devido às ordens rigorosas de Kublai Khan, e ficaram em Dazaifu, esperando uma resposta do Japão, durante quase um ano: da primavera de 1272 até março do ano seguinte. Porém, essa estada havia sido novamente infrutífera.

Relata-se que, quando Chao Liang-pi retornou, enviou a Kublai Khan um relatório detalhado sobre a sociedade japonesa, sua estrutura política e geográfica. Julgando do relatório, é possível especular que o objetivo da viagem ao Japão não foi no mero papel de mensageiro portador da carta imperial mongólica ao Japão, mas também como missão de reconhecimento para estudar a situação japonesa antes do ataque. Afirma-se também que, quando o império

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mongol lançou efetivamente uma expedição contra o Japão, ele sugeriu que, como esse país é muito montanhoso, não merecia muito sacrifício.

Quanto às ações concretas que Nitiren Daishonin tomou e o que aconteceu a ele dentro daquelas circunstâncias, praticamente inexistem descrições referentes às mesmas.

Houve um acontecimento que pode ser considerado como reação às Onze Cartas. Toki Jonin e dois outros foram chamados pelo governo, por alguma razão, e interrogados. Existe uma breve carta onde Nitiren Daishonin os aconselha no que se refere ao interrogatório, e leva a data de 9 de maio de 1269.

Em sua carta, de 28 de novembro do mesmo ano, Nitiren Daishonin também afirma que, ao redor de novembro daquele ano, escreveu para diversas pessoas, algumas das quais enviaram respostas. A afirmação indica que Nitiren Daishonin enviou cartas a diversos templos em 1269, como o havia feito no ano anterior.

A característica comum aos seus escritos daquele tempo é a refutação à seita Shingon. Como a seita Shingon, segundo se acreditava, tinha o poder de derrotar um inimigo através de magia, quando o povo começou a sentir o ataque mongólico como problema real, avidamente passou a dar destaque a bonzos da Shingon, solicitando-lhes que executassem rituais mágicos. Mas Nitiren Daishonin dissecou a seita. A seita Shingon é uma religião fantasiosa derivada de uma seita mágica nativa da Índia, a qual afirma que o Sutra Dainiti (Sutra básico da seita) contém o ensino de Itinen Sanzen que, na realidade, é revelado somente pelo Sutra de Lótus. Além disso, degrada o Buda Siddarta como Buda inferior, adorando em seu lugar o Dainiti Nyorai (Buda), que é um Buda fictício que aparece unicamente no Sutra anterior. Eis por que Nitiren Daishonin definiu a seita Shingon como um ensino de rebelião que faria a nação entrar em colapso.

Entretanto, a seita Shingon não foi o único alvo da refutação de Nitiren Daishonin. Daishonin desaprovava todas as seitas do Budismo ás quais o Bakufu de Kamakura e a corte imperial havia ordenado o oferecimento de orações prevendo o ataque mongólico. Ele refutou também a tradicional adoração de deuses, cuja história era ainda mais longa que a do Budismo. Daishonin afirmava que, não importando o quanto o povo orasse aos deuses, suas orações eram inúteis porque ignoravam a lei que o ensino correto do Budismo define. Originalmente, os deuses protegem as pessoas e países que acreditam no ensino correto do Budismo. Agora, que a maioria das pessoas do Japão adere a ensinos errôneos do Budismo, dizia Daishonin, os deuses deixaram o país, e somente demônios residem aqui. Além disso, como as pessoas oram pela paz da terra utilizando ensinos budistas incorretos, eles meramente multiplicam as ações dos demônios, trazendo a ruína a terra.

Entretanto, não era a primeira vez que Nitiren Daishonin fazia tal afirmativa. Tudo aquilo havia sido sua convicção imutável desde que havia fundado o seu Budismo aos trinta e dois anos de idade. Em especial, por havê-lo demonstrado publicamente em 1260, através do Rissho Ankoku Ron, ele sofreu perseguições lançadas pelo poder nacional autocrático do Bakufu de Kamakura, e também pelas outras seitas, tendo sido no final exilado à península de Izu. Apesar das perseguições, Nitiren Daishonin proclamou mais veementemente a sua convicção, naquela época, por acreditar que a ruína do país seria inevitável, a menos que ele conseguisse fazer o povo japonês compreender o fato diante da crise.