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A VEGETAÇÃO SOBRE A RESTINGA EM CARAGUATATUBA, SP Seus solos são bastante lixiviados, ácidos, pobres em nutrientes, que se concentram na biomassa. Os depósitos de sopés das serras são formados por material proveniente de rastejos e escoamento su- perficial, apresentando profundidade do solo e dinâmica dependentes dos movimentos de massa das escarpas (CRUZ, 1974). Situa-se em trecho de clima transicional entre as escarpas e as planícies, com predomínio deste. A planície costeira pode ser subdividida em: linha de praia, cordões litorâneos, bacias de solos orgânicos, terraços marinhos e terraços de várzeas. A linha de praia restringe-se à franja sujeita à ação das marés, em geral de deposição recente, composta por areia rica em sais, sem desenvolvimento de camada orgânica. Os cordões litorâneos apresentam-se variáveis, conforme os períodos de deposição marinha, com 4 a 7 m de altura, e têm uma camada húmica que é mais desenvolvida quanto mais densa for a cobertura da vegetação e mais estável o cordão. São formadas de- pressões, entre os cordões, onde pode existir um solo orgânico, em que há o afloramento do lençol freático. Em áreas represadas, por trás dos cordões, po- dem-se formar bacias de solos orgânicos, que são mantidas úmidas pela drenagem e por água de chuva. A grande quantidade de matéria orgânica que aí se depo- sita e a baixa velocidade de decomposição favorecem a gleização. Os terraços marinhos são remanescentes de perí- odos pretéritos e se situam entre 1O e 12 m de altitude (ACIESP, 1987), apresentando horizonte húmico mais espesso que os cordões sobre material arenoso. Ao represar algumas drenagens, estes terraços condicionam a existência de terraços de várzeas, principalmente nos Rios Juqueriquerê e Perequê-Mirim. (1) Dept" Ecologia Geral, IB/USP. C.P. 11461. CEP05499 - São Paulo, S.P. RESUMO A vegetação sobre a restinga no Estado de São Paulo é pouco estudada e, apesar da aparente homogeneidade, encontra-se sobre variações locais que levam a alterações florísticas e estruturais em pequena escala. O estudo efetuado na vegetação sobre restingas em Caraguatatuba, no litoral norte, indicou estas alterações. Foram analisados trechos de florestas sobre e entre cordões arenosos. Amostraram-se 147 espécies de angiospermas, salientando-se Bromeliaceae Leguminosae, Myrtaceae e Orchidaceae. Palavras-chave: Restinga, vegetação, flora angios- pérmica, Estado de São Paulo. 1 INTRODUÇÃO As planícies costeiras no litoral norte do Estado de São Paulo são pouco desenvolvidas, devido à aproxima- ção da Serra do Mar na costa litorânea. Ramificações oblíquas à linha da costa, formadas por rochas cristali- nas, chegam muitas vezes ao mar, formando pequenas baías, que são preenchidas por sedimentos marinhos quaternários (ACIESP, 1987; CRUZ, 1974; LACERDA et alii, 1984). Salienta-se naquela região a baixada de Caraguatatuba, embutida em recôncavo da Serra do Mar e contornada pelas bordas dos Planaltos de São Sebastião e do alto Paraibuna. Em Caraguatatuba há um desvio da linha da costa para o norte, o recuo da escarpa para o interior ea formação conseqüente de uma planície litorânea desen- volvida, onde predominam formações marinhas e aluviais, de extensão excepcional para o litoral norte. A grosso modo, podem-se dividir as feições na baía de Caraguatatuba em: escarpas e morros residu- ais, depósitos de sopé e planícies costeiras. Nas escarpas, diferentes declives e altitudes condicionam solos com profundidades diversas, num gradiente que vai dos fundos de vales aos topos de morros (MANTOVANI etalii, 1990). Em geral, situam-se sob precipitações médias anuais superiores àquelas observadas na planície litorânea (acima de 3300 mm), podendo receber precipitações diárias superiores a 300 mm, como na Serra de Caraguatatuba, entre 1966 e 1967 (CRUZ, 1974). O clima pode ser definido como subtropical, no sistema de Kõppen, por ter temperatura média do mês mais frio inferior a 18°C, sem estação seca definida. Waldir MANTOVANjI ABSTRACT The vegetation on coastal plain in the State of São Paulo is few known and despite its apparent homogeneify, itisfound over local physiographicvariations, that induces floristic an structural modifications in small scales. The studies carried out in Caraguatatuba, in north coastal, pointed out that modifications. It was sampled forests are as over and between sand dunes. It was found 147 angiospermous species, emphasizing Bromeliaceae, Leguminosae, Myrtaceae and Orchidaceae. Key words: Coastal plain, vegetation, angiospermous flora, State of São Paulo. Anais - 2 Q Congresso Nacional sobre Essências Nativas - 29/3/92-3/4/92 139

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A VEGETAÇÃO SOBRE A RESTINGA EM CARAGUATATUBA, SP

Seus solos são bastante lixiviados, ácidos, pobres emnutrientes, que se concentram na biomassa.

Os depósitos de sopés das serras são formadospor material proveniente de rastejos e escoamento su-perficial, apresentando profundidade do solo e dinâmicadependentes dos movimentos de massa das escarpas(CRUZ, 1974). Situa-se em trecho de clima transicionalentre as escarpas e as planícies, com predomínio deste.

A planície costeira pode ser subdividida em: linhade praia, cordões litorâneos, bacias de solos orgânicos,terraços marinhos e terraços de várzeas.

A linha de praia restringe-se à franja sujeita à açãodas marés, em geral de deposição recente, composta porareia rica em sais, sem desenvolvimento de camadaorgânica.

Os cordões litorâneos apresentam-se variáveis,conforme os períodos de deposição marinha, com 4 a 7m de altura, e têm uma camada húmica que é maisdesenvolvida quanto mais densa for a cobertura davegetação e mais estável o cordão. São formadas de-pressões, entre os cordões, onde pode existir um soloorgânico, em que há o afloramento do lençol freático.

Em áreas represadas, por trás dos cordões, po-dem-se formar bacias de solos orgânicos, que sãomantidas úmidas pela drenagem e por água de chuva. Agrande quantidade de matéria orgânica que aí se depo-sita e a baixa velocidade de decomposição favorecem agleização.

Os terraços marinhos são remanescentes de perí-odos pretéritos e se situam entre 1O e 12 m de altitude(ACIESP, 1987), apresentando horizonte húmico maisespesso que os cordões sobre material arenoso. Aorepresar algumas drenagens, estes terraços condicionama existência de terraços de várzeas, principalmente nosRios Juqueriquerê e Perequê-Mirim.

(1) Dept" Ecologia Geral, IB/USP. C.P. 11461. CEP05499 - São Paulo, S.P.

RESUMO

A vegetação sobre a restinga no Estado de SãoPaulo é pouco estudada e, apesar da aparentehomogeneidade, encontra-se sobre variações locaisque levam a alterações florísticas e estruturais empequena escala. O estudo efetuado na vegetação sobrerestingas em Caraguatatuba, no litoral norte, indicouestas alterações. Foram analisados trechos de florestassobre e entre cordões arenosos. Amostraram-se 147espécies de angiospermas, salientando-se BromeliaceaeLeguminosae, Myrtaceae e Orchidaceae.

Palavras-chave: Restinga, vegetação, flora angios-pérmica, Estado de São Paulo.

1 INTRODUÇÃO

As planícies costeiras no litoral norte do Estado deSão Paulo são pouco desenvolvidas, devido à aproxima-ção da Serra do Mar na costa litorânea. Ramificaçõesoblíquas à linha da costa, formadas por rochas cristali-nas, chegam muitas vezes ao mar, formando pequenasbaías, que são preenchidas por sedimentos marinhosquaternários (ACIESP, 1987; CRUZ, 1974; LACERDAet alii, 1984).

Salienta-se naquela região a baixada deCaraguatatuba, embutida em recôncavo da Serra doMar e contornada pelas bordas dos Planaltos de SãoSebastião e do alto Paraibuna.

Em Caraguatatuba há um desvio da linha da costapara o norte, o recuo da escarpa para o interior e aformação conseqüente de uma planície litorânea desen-volvida, onde predominam formações marinhas e aluviais,de extensão excepcional para o litoral norte.

A grosso modo, podem-se dividir as feições nabaía de Caraguatatuba em: escarpas e morros residu-ais, depósitos de sopé e planícies costeiras.

Nas escarpas, diferentes declives e altitudescondicionam solos com profundidades diversas, numgradiente que vai dos fundos de vales aos topos demorros (MANTOVANI etalii, 1990). Em geral, situam-sesob precipitações médias anuais superiores àquelasobservadas na planície litorânea (acima de 3300 mm),podendo receber precipitações diárias superiores a 300mm, como na Serra de Caraguatatuba, entre 1966 e1967 (CRUZ, 1974).

O clima pode ser definido como subtropical, nosistema de Kõppen, por ter temperatura média do mêsmais frio inferior a 18°C, sem estação seca definida.

Waldir MANTOVANjI

ABSTRACT

The vegetation on coastal plain in the State of SãoPaulo is few known and despite its apparent homogeneify,itisfound over local physiographicvariations, that inducesfloristic an structural modifications in small scales. Thestudies carried out in Caraguatatuba, in north coastal,pointed out that modifications. It was sampled forestsare as over and between sand dunes. It was found 147angiospermous species, emphasizing Bromeliaceae,Leguminosae, Myrtaceae and Orchidaceae.

Key words: Coastal plain, vegetation, angiospermousflora, State of São Paulo.

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Os rios que formam essas várzeas trazem sedi-mentos das escarpas que se depositam sobre os sedi-mentos marinhos, contribuindo, principalmente, compartículas finas (argila, silte e areia fina), formando solosaluviais (CRUZ, 1974).

Toda essa planície situa-se sob clima tropical úmi-do, de Kôppen, sem estação seca, temperatura médiado mês mais frio superior a 18° C (chegando a 25° C) edo mês mais quente, a 22° C (superior a 30°C em algunsanos). As precipitações médias anuais situam-se emtorno de 1700 mm.

Os climas regionais são determinados pelo siste-ma atmosférico tropical úmido, com influência de mas-sas tropicais quentes e massas polares frias que, emgeral, promovem precipitações anuais elevadas(ANDRADE & LAMBERTI, 1965). Por isso, a baixada deCaraguatatuba apresenta uma drenagem densa, princi-palmente das Serras de Juqueriquerê e deCaraguatatuba, através dos Rios Juqueriquerê, Claro,Perequê-Mirim, Santo Antonio, Camburu e Lagoa, queformam planícies aluviais em cursos meândricos.

Próximo a desembocadura desses rios, onde háinfluência de marés, forma-se o pântano salobro, sobreo qual situa-se o Manguezal.

Sobre as escarpas e os morros residuais situam-seas Florestas Tropicais na encosta Atlântica ou, generica-mente, Mata Atlântica, que se caracterizam por seusdiferentes portes e composiçãoflorística. Assim, no topode morros, sobre litossolos, encontra-se a denominadaMata Nebular, que é mais baixa e densa que as florestasnas encostas e fundo de vales (MANTOVANI et alii,1990). Apresenta, geralmente, em seu interior, popula-ções densas de bromélias terrícolas, que são importan-tes no processo de retenção de água e de nutrientesnesta floresta.

A Floresta Atlântica na encosta apresenta caracte-rísticas estruturais intermediárias entre a Mata Nebulare a Floresta Atlântica no fundo de vales, salvo fatores deexceção, apresentando variações estruturais depen-dentes do substrato.

Quando no fundo de vales, a floresta atinge o seumáximo desenvolvimento, sempre condicionada às ca-racterísticas do substrato, mas, também, ao microclima.

Sobre os morros residuais no interior da planíciecosteira, dependendo da influência do sedimento, aFloresta Atlântica apresenta faixas transicionais de dife-rentes extensões com a Floresta na Restinga .

Porter predominância de material proveniente dasescarpas, os depósitos de sopé das serras têm cobertu-ra vegetal que representa uma extensão daquela dassscarpas, podendo encontrar-se em diversos estágiosde sucessão natural, dependendo da dinâmica de depo-sição.

Na planície costeira encontra-se, sobre a linha depraia, uma vegetação adaptada às condições salinas earenosas sob influência de marés, que é denominadahalófila-psamófila, com espécies reptantes, cujos siste-mas subterrâneos favorecem sua estabilidade(ANDRADE & LAMBERTI, 1965).

Após essa faixa, sobre cordões mais estáveis,encontra-se uma vegetação arbustiva-arbórea densa,com muitas bromélias terrícolas, denominadajundu, quecorresponde à vegetação arbustiva na restinga.

E característica a sua forma de cunha, devida àação abrasiva de partículas de areia sobre as gemasvoltadas para a praia, sendo estimulado o crescimentodas plantas para o interior. Apresenta uma camadaorgânica pouco desenvolvida, desempenhando asbromélias terrícolas um papel estabilizador do substratoe de retenção de água e de nutrientes.

Sobre os cordões arenosos, dependendo de suaidade, desenvolvem-se florestas que são menos exube-rantes que aquela na encosta atlântica. Suas floras sãosimilares, havendo a introdução de alguns elementos docerrado e outros, característicos.

Há florestas sobre os cordões que se assemelhamflorística e estruturalmente à Mata Nebular e, em geral,apresentam indivíduos emergentes e, abaixo do dossel,um sub-bosque denso, com arvoretas típicas e jovensdos estratos superiores. No seu interior há muitas ervase sobre suas árvores, um grande número de espéciesepífitas.

A maior fonte de nutrientes na planície costeira é aatmosfera, havendo uma camada orgânica pouco pro-funda e uma trama de sistemas subterrâneos quereabsorve rapidamente os minerais provenientes dadecomposição orgânica. As epífitas e as broméliasterrícolas aqui também desempenham papéis fixadorese estabilizadores na ciclagem de nutrientes.

Entre os cordões há uma depressão que, em geral,é úmida, assemelhando-se às condições que se obser-vam nas bacias de solos orgânicos. Com os afloramentosdo lençol freático, são áreas permanentemente úmidas,que suportam uma floresta com espécies distintas da-quelas sobre os cordões e apresentam uma estruturaprópria.

É entre os cordões que se observam populaçõesdensas de palmiteiro, de xaxim e da caxeta e umadensidade maior de bromélias de solo. Como padrãoestrutural, é comum observarem-se agrupamentos den-sos compostos por muitas espécies de plantas, ao redorde indivíduos de grande porte, como que formandopequenas ilhas por entre os trechos mais úmidos, o que,em outra escala, assemelha-se às restingas de moitas,dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Nas bacias de solo orgânico tanto se desenvolve afloresta similar à de entre-cordões quanto os camposúmidos, com domínio da taboa e do lírio-do-brejo.

Por representar um ecossistema na restinga comsolo de fertilidade superior à geral, é difícil precisar se oscampos são antrópicos ou naturais (ANDRADE &LAMBERTI, 1965).

Os terraços marinhos são remanescentes antigosque apresentam uma camada orgânica mais desenvol-vida que aquela dos cordões arenosos. Dependendo dainfluência do material proveniente da encosta, suportamuma floresta que é mais similar àquela na encostaAtlântica do que a na restinga.

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Esses terraços retêm depósitos fluviais que sesituam em extensas várzeas, principalmente dos rios daBacia do Juqueriquerê e do Perequê-Mirim. Sobre essasvárzeas ocorre uma floresta paludosa, similar em suacomposição àquela entre cordões.

A ocupação da planície litorânea em Caraguatatuba,afora os núcleos residenciais mais densos, foi basica-mente feita para a bananicultura, com o aproveitamentodas bacias de solo orgânico e os terraços fluviais ouvárzeas, através do abaixamento do lençol freático, pelaabertura de canais de drenagem. Também os trechos dedomínio dos cordões arenosos e as áreas entre-cordõesforam cultivados após drenagem.

Sobre os terraços marinhos remanescentes é quepredominou o assentamento rural, estimulando a derru-bada da floresta aí situada. Houve também a implanta-ção de projetos de cacauicultura, principalmente, naporção da baixada próxima da Serra de Juqueriquerê.

A partir de 1967, os bananais foram abandonados,dando lugar ao desenvolvimento de pastagens e propri-edades olerícolas, desenvolvidas por grupos de japone-ses e seus descendentes, que instalaram-se nas baciasde solo orgânico.

Na paisagem geral, há trechos de Floresta Atlânti-ca nos topos de morros e encostas, existindo diferentesgraus de perturbação nas cotas inferiores de altitude. Emgeral, as áreas próximas da Estrada dos Tamoios encon-tram-se com a vegetação bastante degradada, sejapelos escorregamentos naturais ou por aqueles estimu-lados pela própria estrada.

Dos ecossistemas da planície costeira, há trechosremanescentes de pequena extensão, encontrando-seem geral alterada, com ocupação por residências, próxi-mas à praia, entre as Serras de Juqueriquerê e deCaraguatatuba, marcada pelo Morro de Jaraguá, e porextensa área coberta por gramíneas, entremeadas pelapalmeira indaiá.

A estrada projetada para a Rio-Santos cortou adrenagem em alguns trechos, alterando o fluxo dasnascentes e, com isto, levando à mortalidade os indiví-duos arbóreos componentes da floresta e estimulando odesenvolvimento da taboa e do indaiá,

2 MATERIAL E MÉTODOS

o trecho de floresta objeto de análise neste traba-lho é o mais extenso e representativo da floresta derestinga entremeada com a floresta paludosa da baixadade Caraguatatuba, abrigando em suas cabeceiras algu-mas nascentes pequenas.

A floresta analisada foi percorrida na maioria desua extensão periférica, tendo-se feito incursões ao seuinterior para caracterização florística-fisionômica dassuas variações. Efetuaram-se observações sobre a suaestrutura, além da identificação e da coleta de materialbotânico para reconhecimento de sua flora.

Para a caracterização fitossociológica, foramamostrados indivíduos com diâmetro do caule a 1,3 m dealtura do solo igualou superior a 10 cm de perímetro,estimando-se suas alturas através de um telêmetro.

Mediram-se 50 distâncias entre indivíduos em trechosobre cordão arenoso e outras 50 em trecho entre-cordões.

Além disso, obtiveram-se 25 distâncias entre indi-víduos arbóreos, com perímetro do caule maior ou iguala 50 em, em área sobre cordão arenoso e outras 25entre-cordões, tendo-se calculado as densidades.

O terreno sobre o qual situa-se a florestacorresponde à ocorrência de cordões arenosos maisantigos, de 5 a 7 m de altitude, entre os quais ocorremdepressões de até 100 m de largura, onde há afloramentodo lençol freático, com fluxo perene de água para asdrenagens.

3 RESULTADOS E DiSCUSSÃO

O trecho de vegetação analisado sofreu diversosgraus de interferência antrópica, possuindo, entretanto,remanescentes de mais de 100 anos, como algunsindivíduos de ipê-do-brejo (Tabebuia umbellataBignoniaceae), sapopembas (Eriotheca pentaphy/la -Bombacaceae), maçarandubas (Manilkara subsericea-Sapotaceae) e peito-de-pomba (Tapirira guianensis -Anacardiaceae), com diâmetros docaule superiores a 50cm.

Apresenta fisionomias que vão do predomínio dearvoretas e arbustos, com muitos indivíduos de embaúba(Cecropia pachystach ya - Moraceae), até a formação deum dossel, a 8 - 9 m de altura, com alguns indivíduosemergentes, com mais de 15 m de altura, compondouma floresta com maior desenvolvimento entre-cordõesdo que sobre eles. Como um todo, apresenta-semultiestratificada, situando-se a maioria das árvoresentre 5 e 9 m.

Há variações nas densidades de árvores sobre oscordões (4890 indiv.jha) e entre cordões (6299 indiv.jha), com mudanças notáveis entre os indivíduos commais de 50 cm de perímetro do caule, que foram 510indiv.jha sobre os cordões e 704 indiv.jha entre oscordões, evidenciando a maior fertilidade de seu solo.

São espécies características dos trechos paludososentre-cordões: o palmiteiro (Euterpe edulis - Palmae), oguanandi (Ca/lophy/lumbrasiliensis- Guttiferae), acaxeta(Tabebuia cassinoides - Bignoniaceae) e o peito-de-pomba (Tapirira guianensis - Anacardiaceae), entre ou-tras.

Nas dunas e entre-dunas as florestas apresentamgrandes quantidades de indivíduos jovens e espéciescaracterísticas do estrato herbáceo, como Nidulariuminocentii (Bromeliaceae), Marantha arundinacea(Amaranthaceae) e Scirpus riparius (Cyperaceae). Sãoflorestas ricas em epífitas, onde sobressaemPteridophyta, Orchidaceae, Piperaceae, Bromeliaceae,Gesneriaceae e Araceae.

As espécies amostradas são apresentadas naTABELA 1. A flora sobre a restinga no litoral norte doEstado de São Paulo é pouco conhecida, quando com-parada com aquela do Rio de Janeiro, apresentada emLACERDA et alii, 1984), e da região lagunar de Iguape-Cananéia, no litoral sul (DE GRANDE & LOPES, 1981).

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TABELA 1 - Espécies amostradas em florestas na restinga em Caraguatatuba, SPav = árvore, ab = arbusto, er = erva, tr = trepadeira, ep = epífita--~--~------------------------------

ANACARDIACEAESchinus terebintifolius Raddi - avTapirira guianensis Aubl. - avANNONACEAEAnaxagorea dolichocarpa Spr. et Sandw. - avGuatteria australis St.Hil. - avAQUIFOLlACEAElIex amara Loes - avI. theezens Mart. - avARACEAEAnthurium crassipes Engl. - epA. scandens (Aubl.)Engl. - epA. undulatum Schott. - epPhilodendrum lacinatum (Vell.)Engl. - epBIGNONIACEAEJacaranda puberula Chamo - avTabebuia cassinoides (Lam.)DC. - avT. umbellata Chamo - avBOMBACACEAEEriotheca pentaphyfla Mart. - avPseudobombax qrandiflorum (Cav.)A.Robyns - avBORAGINACEAECordia taguahyensis Vell. - avC. verbenaceae DC - abBROMELlACEAEAechmea nudicaulis (L.)Griseb. - epNidularium innocentii Lem. - erQuesnelia arvensis Mez - erTiflandsia geminiflora Brongn. - epT. tenuifolia L. - epT. usneoides (L.)L. - epVriesia incurvata Gaudieh. - epV. procera (Mart.)Witt. - epV. rodigasiana E.Morr. - epCACTACEAERhipsalis baccifera (Mill.)Stern. - epCELASTRACEAEMaytenus alaternoides Reiss. - avM. obtusifolia Mart. - avCHRYSOBALANACEAEHirtefla hebeclada Morie. - avCLETHRACEAEClethra scabra DC - avCHLORANTHACEAEHedyosmum brasiliensis Mart. - avCOMMELlNACEAEDichorisandra thyrsoflora Mik. - erCOMPOSITAEErechtites valerianaefolia DC - erEmilia sonchifolia DC - erCUNONIACEAEWeinmannia paulliniifolia Pohl. - avCYPERACEAEScirpus ripa ria Tul. - erScleria secans (L.)Urban - erDIOSCORIACEAEDioscorea altissima Lam. - tr continua

ERYTHROXYLACEAEErythroxylum amplifolium (Mart.)Schult. - avEUPHORBIACEAEAlchornea glandulosa M. Arg. - avA. triplinervia (Spr.)M. Arg. - avHieronyma alchornioides M. Arg. - avPera glabrata Baill. - avFLACOURTIACEAECasearia sylvestris SW. - avGESNERIACEAECodonanthe derosiana Lem. - epGRAMINEAEMerostachys ternata Nees - abGUTIIFERAEClusia criuva DC - avCaflophyflum brasiliensis Camb. - avRheedia brasiliensis Planch. - avLAURACEAEEndlicheria paniculata (Spreng.) Macbr. - avNectandra garandiflora Nees - avN. mollis (Nees) Rohwer - avOcotea aciphyfla (Nees.)Mez - avO -Iaxa (Nees) Mez - avO. pulchefla (Nees)Mez - avLEGUMINOSAEAndira anthelmia (Vell.)Macbride - avDah/stedtia pinnata (Benth.)Malme - avInga fagifolia (L.)Willd. - avI. luschnatiana Benth. - avMachaerium tristis Vogo - avM. uncinetum (Vell.) Benth. - avMimosa bimucronata (DC) O.Ktze - avOrmosia arborea (Vell.) Harms - avSenna multijuga (Rich.) 1.& B. - avMALPIGHIACEAEByrsonima ligustrifolia Juss. - avHeteropteris chrysophyfla (Lam.)Kunth. - trMARANTHACEAECalathea zebrina (Sim.) Lindl. - erMarantha divaricata Rosc. - erMARCGRAVIACEAENoranthea bresiliensis Choisy - avMELASTOMATACEAELeandra atropurpurea Cogn. - abMiconia cinnamomifolia (DC) Naud. - abM. inaequidens Naud - abTibouchlne holosericee Baill. - abT. mutabilis Cogn. - avMELlACEAEGuarea macrophyfla Vahl - avTrichilia casaretií DC - avMONIMIACEAEMollinedia clavigera Tul. - avSiparuna guianensis Aubl. - abMORACEAECecropia pachystachya Trec. - av

, Coussapoa schottií Miq. - av continua

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TABELA 1 - Continuação

Ficus organensis (Miq.)Miq. - avMYRSINACEAERapanea ferruginea Nees - avR. umbe/lata Mez - avConomorpha peruviana A. DC - avMYRTACEAECa/yptranthes /ucida Berg. - avCapomanesia xanthocarpa DC - avEugenia densiflora Berg. - avE. rotundifolia Berg. - avE. stigmatosa Berg. - avE. su/cata Spreng. - avoGomidesia affinis (Camb. )Legr,. - avG. spectabilis Berg. - avMarliera tomentosa Camb. - avM. /eptoc/ada DC - avM. multiflora Berg. - avM. ypanemensis Berg. - avM. rostrata DC - avMyrciaria cilio/ata DC - avPsidium /ittora/e Raddi - avSiphoneugenia densif/ora Berg. - avNYCTAGINACEAEGuapira opposita (Vell.)Reitz - avOLACACEAEHeisteria silvianii Schwak - avOLEACEAETetrasty/idium grandifolium (Baill.) Sleumer - avORCHIDACEAEAnacheilum flagrans (Sw.) Acuna - epBrassavo/a tubercu/ata Hook - epCatasetum trufa Lindl. - epCat/eya forbesií Lindl. - epC/eistis libonií (Reichb.) Schltr. - epDichaea pendu/a (Aubl.) Cogn. - epEpidendrum fu/gens Brogn. - epE. ramosum Jacq. - epMaxilaria crassifolia (Lindl.) Reichb. - epP/eurotha/is oligantha Barb. Rodr. - epPrescotia densiflora Lindl. - epVanilla chamissonis Klotzk. - epPALMAEAstrocarium acu/eatissimum Mart. - avArecastrum romanzoffianum (Mart.) Bec. - avAtta/ea dubia Becc. - avGeonoma schottiana Mart. - abPIPERACEAEPiper aduncum L. - abPeperomia g/abe/la (Sw.) A.Ditr. - epPOLYGONACEAECoccolobe a/nifolia Caso - avPROTEACEAERoupala lucens Meissn. - avRUBIACEAEAmaioua guianensis Aubl. - avCoccocypselum lanceolatum (R.&P.)pers. - erHillia parasitica Jacq. - avPosoqueria latifolia (Rudge)R.& P. - av continua

TABELA 1 - Continuação

Psychotria tristicula Standl. - abRudgea coriacea (Spreng.)K.Schum. - abSAPINDACEAEA/lophy/lus petio/u/atus Radlk. - avCupania ob/ongifolia Mart. - avC. zanthoxy/oides Cam. - avDilodendrum bipinnatum Radlk. - avMatayba e/aeagnoides Radlk. - avSAPOTACEAEChrysophy/lum marginatum Mart. - avManilkara subsericea Radlk. - avPouteria psammophy/la (Mart.) Benth. - avSMILACACEAESmilex elastica Griseb. - trSOLANACEAEBrunfe/sia pilosa Plowan - abCestrum amictum Schlecht. - abSo/anum erianthum Dunnal - abTHEACEAELap/acea tomentosa L. - avTHYMELAEACEAEDaphnopsis racemosa Griseb. - avTYPHACEAETypha domingensis Kunth. - erULMACEAETrema micrantha (Sw.) Blume - avZINGIBERACEAEHedichium coronarium Koen. - er

Das 643 especies indicadas para a flora nasrestingas do Rio de Janeiro, apenas 57 ocorrem nasflorestas em Caraguatatuba. Das 282 indicadas para arestinga na Ilha do Cardoso (Cananéia), 80 são comunsao levantamento apresentado aqui. Saliente-se que asfloras apresentadas para o Rio de Janeiro e para a Ilhado Cardoso foram elaboradas a partir de levantamentosefetuados em áreas extensas, incluindo formações di-versas sobre as restingas, o -que indica variaçõesflorísticas acentuadas entre elas.

Ainda que a flora apresentada seja restrita, refletin-do apequena extensão da área amostrada (aproximada-mente 50 ha) e as perturbações a que esteve sujeita,indica a dominância florística de Bromeliaceae,Leguminosae, Myrtaceae e Orchidaceae, que têm sidoapontadas como das mais representativas em trabalhosefetuados em restingas em todo o Brasil.

A ausência de trechos extensos de Florestas naRestinga na baixada de Caraguatatuba dificulta o enten-dimento da importância que têm estas formações nocomplexo costeiro, formado pela vegetação das escarpasàs planícies, por suas características florísticas, estrutu-rais e fenológicas distintas, favorecendo o abrigo, aalimentação e a nidificação de muitas espécies de ani-mais.

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