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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA 6º ANO A Vacuoterapia como resposta à Síndrome Compartimental Abdominal TRABALHO FINAL DE MESTRADO Artigo de Revisão Bibliográfica TOMÁS PINHEIRO FERNANDES NETO DA SILVA, 12889 ORIENTADORA: Mestre DRA . HELENA LOPES DA SILVA Clínica Universitária de Cirurgia I Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa ANO LECTIVO 2015-2016

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA 6º ANO

A Vacuoterapia como resposta à Síndrome Compartimental Abdominal

TRABALHO FINAL DE MESTRADO Artigo de Revisão Bibliográfica

TOMÁS PINHEIRO FERNANDES NETO DA SILVA, 12889

ORIENTADORA: Mestre DRA . HELENA LOPES DA SILVA

Clínica Universitária de Cirurgia I Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

ANO LECTIVO 2015-2016

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Dedico este Trabalho Final de Mestrado à minha mãe e pai, fonte constante de perseverança e

otimismo ao longo dos seis anos de curso; e à Mestre Dra. Helena Lopes da Silva, minha professora

e amiga, e verdadeiro exemplo de paixão pela cirurgia e pelo rigor no serviço aos doentes.

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ÍNDICE

ÍNDICE .................................................................................................................................................. 3

RESUMO ............................................................................................................................................... 4

ABSTRACT ........................................................................................................................................... 5

LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................................... 6

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 7

Definição de Vacuoterapia ............................................................................................................. 9

Contexto Histórico da Vacuoterapia ............................................................................................ 10

Hipertensão Intra-Abdominal e Síndrome Compartimental Abdominal ..................................... 11

Efeitos, Sinais e Sintomas da Hipertensão Intra-Abdominal ....................................................... 15

Tratamento da Hipertensão Intra-Abdominal .............................................................................. 18

Indicações para Laparostomia Terapêutica .................................................................................. 24

Evolução da Terapêutica por Laparostomia ................................................................................ 24

Encerramento Abdominal Temporário (EAT) ............................................................................. 25

Técnicas Cirúrgicas Utilizadas .................................................................................................... 26

LOOSE PACKING ................................................................................................................... 27

ZIPPER .................................................................................................................................... 27

REDES (MESH) ....................................................................................................................... 27

SACO DE BOGOTÁ ............................................................................................................... 29

PATCH DE WITTMANN ......................................................................................................... 30

VACUOTERAPIA .................................................................................................................. 32

Bases Fisiológicas da Vacuoterapia ............................................................................................. 37

Análise Financeira da Vacuoterapia ............................................................................................ 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 42

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RESUMO

A Hipertensão Intra-Abdominal (HIA) é uma realidade presente em cerca de pelo menos 30 % dos

doentes internados em Unidades de Cuidados Intensivos. Tem comprovadamente, um enorme

impacto no normal funcionamento dos diferentes sistemas do corpo humano. Em última instância, o

aumento significativo da pressão intra-abdominal origina uma Síndrome Compartimental Abdominal

(SCA) que, se não tratada a tempo, se associa a uma mortalidade de 100%. Este trabalho tem como

objetivo expor as principais causas, consequências e opções terapêuticas para a HIA/SCA. Entre as

melhores opções cirúrgicas disponíveis para lidar com a SCA encontra-se a Vacuoterapia, que ao

associar a laparostomia a um sistema de vácuo tem obtido resultados comparativamente superiores às

restantes abordagens. Destacam-se, entre outros resultados, o aumento da taxa de encerramento

completo da fáscia abdominal, a redução da taxa de fístulas enterocutâneas, a diminuição do tempo

de internamento e a maior comodidade para o doente. Pelas visíveis mais-valias no impacto clínico

deste método, ele é já mundialmente reconhecido, ainda que não globalmente utilizado. Neste

trabalho, é ainda apresentada uma breve análise das bases fisiológicas que sustentam a Vacuoterapia

e as implicações financeiras que ela tem num sistema de saúde que procura soluções credíveis e

custo-efetivas. A Vacuoterapia apresenta-se assim, como uma solução comparativamente superior,

internacionalmente reconhecida e financeiramente interessante no tratamento desta patologia não

rara, e potencialmente mortal, que é a Síndrome Compartimental Abdominal.

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ABSTRACT

The Intra-Abdominal Hypertension (IAH) is a reality present in at least 30% of the Intensive Care

Units patients. Its huge impact in the normal physiology of the human body is largely known. This

condition may lead to an Abdominal Compartment Syndrome (ACS) which, if untreated in time, has

a 100 % mortality rate. The aim of this work was to identify the causes, effects and available

therapies for this pathology. Among the available therapeutic methods is the Vacuum Therapy, in

which a vacuum system is associated to the laparostomy, with superior results when compared to the

other available options. In between other results, one must notice the increasing rate of complete

fascial closure, the decreasing rate of enterocutaneous fistulae, the decreasing hospitalization time

and greater convenience to the patient. This method is already recognized worldwide, although not

yet globally used. In this review, it is still presented a brief analysis of the physiological bases that

sustain the Vacuum Therapy and its financial implications in a health system that seeks credible and

cost-effective solutions. The Vacuum Therapy presents itself as a superior solution, internationally

recognized and financially interesting in the treatment of a non-rare and potentially deadly disease,

the Abdominal Compartment Syndrome.

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LISTA DE SIGLAS

AA – Abdómen Aberto

EAT – Encerramento Abdominal Temporário

HIA – Hipertensão Intra-Abdominal

PAP - Pressão Abdominal de Perfusão

PIA – Pressão Intra-Abdominal

PIC – Pressão Intra-Craniana

PIT – Pressão Intra-Torácica

PVC – Pressão Venosa Central

SCA – Síndrome Compartimental Abdominal

WSACS – World Society of the Abdominal Compartment Syndrome

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INTRODUÇÃO

Uma importante preocupação do cirurgião deve ser a de garantir uma pressão intra-abdominal (PIA)

inferior a 12 mmHg, valor limite a partir do qual se considera o quadro de Hipertensão Intra-

Abdominal (HIA). No momento de admissão, entre 30 – 58 % dos doentes nas Unidades de

Cuidados Intensivos (UCI) tem HIA [2]. A duração da HIA é um preditor independente para a

mortalidade a 60 dias nas UCI [2]. A progressão natural da HIA pode originar uma Síndrome

Compartimental Abdominal (SCA).

A World Society of the Abdominal Compartment Syndrome (WSACS) define a Síndrome

Compartimental Abdominal como um quadro sustentado de pressão intra-abdominal superior a 20

mmHg, associado a uma nova disfunção/falência de órgão [3]. A incidência da Síndrome

Compartimental Abdominal varia entre 0.5 – 8% nas unidades de cuidados intensivos (UCI). No

caso particular dos doentes traumatizados esta percentagem atinge os 14% [2]. Se não tratada, a

Síndrome Compartimental Abdominal tem uma mortalidade aproximada de 100% [2].

Para evitar as consequências nefastas da SCA recorre-se muitas vezes a uma terapêutica de abdómen

aberto (laparostomia terapêutica) de forma a reduzir a pressão abdominal e o sofrimento dos órgãos

que nela se incluem. Contudo, a laparostomia terapêutica apresenta-se como um dilema para o

cirurgião. Por um lado, a taxa de complicações aumenta grandemente após 8 dias de abdómen aberto.

Por outro lado, o encerramento da cavidade abdominal sob tensão acarreta o risco de desenvolver

uma Síndrome Compartimental Abdominal terciária [4].

No seguimento da identificação da necessidade e riscos da laparostomia terapêutica, a ciência

desenvolveu métodos alternativos de reduzir a pressão intra-abdominal, entre os quais se destaca a

Vacuoterapia, com resultados reconhecidos desde há 20 anos. A Vacuoterapia utiliza um sistema de

vácuo controlado de 125 a 150 mmHg, com isolamento face ao exterior da cavidade abdominal, que

permite uma comprovada aceleração da cicatrização, diminuição dos efeitos colaterais da

laparostomia terapêutica (como retração da fáscia com impossibilidade de encerramento ou formação

de fístulas enteroatmosféricas) e aumento da velocidade de encerramento do abdómen saudável com

assinalável diminuição dos tempos de internamento.

Este trabalho surgiu como resposta à curiosidade despertada pela Dra. Helena Lopes da Silva num

aluno de 6º ano que pretende dedicar a sua vida profissional à cirurgia, em particular na sua vertente

abdominal. Pretende-se com este trabalho final de mestrado aprofundar as bases e mecanismos da

Vacuoterapia, bem como as suas vantagens e desafios como resposta à síndrome compartimental

abdominal.

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Para realizar esta revisão foi feita uma extensa pesquisa bibliográfica com base em motores de busca

online como o Springer (www.link.springer.com) e o PubMed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed),

sendo utilizados apenas artigos em inglês, tendo sido dada preferência aos artigos mais recentes e aos

artigos com maior número de citações pelo maior impacto que representam na comunidade

científica.

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DEFINIÇÃO DE VACUOTERAPIA

O Encerramento Assistido por Vácuo (Vacuum-Assisted Closure), é também designado de Terapia

Tópica por Pressão Negativa (Topical Negative Pressure) ou simplesmente de Vacuoterapia

(Vacuum therapy).

A vacuoterapia utiliza um sistema de vácuo para promover o encerramento saudável da ferida. É

utilizada como tratamento primário de feridas crónicas e complexas, feridas agudas, queimaduras de

segundo e terceiro grau, e como terapêutica adjuvante de encerramento temporário para

procedimentos cirúrgicos [5].

A vacuoterapia envolve a aplicação controlada de pressão sub-

atmosférica (-125mmHg), no ambiente local da ferida, ligado a uma

bomba de vácuo. A utilização desta técnica no tratamento de feridas

agudas ou crónicas, foi desenvolvido simultaneamente nos Estados

Unidos da América (EUA) e na Alemanha no fim dos anos 1980. Desde

então a sua utilização tem aumentado drasticamente ao longo dos anos

1990’ e 2000’, tendo surgido um grande número de estudos publicados

desde então sobre as bases e efeitos desta nova abordagem face à

hipertensão intra-abdominal [2].

Na sua essência, a técnica é simples. É introduzida na ferida uma

película de isolamento das vísceras, ao qual é sobreposto um fragmento de esponja, sendo colocado

um dreno no topo do mesmo. A área inteira é então coberta com uma membrana adesiva

transparente, que é firmemente fixada à pele saudável em torno da margem da ferida. Quando a

extremidade exposta do tubo de drenagem está ligada a uma fonte de vácuo, o fluido é aspirado a

partir da ferida através da esponja para dentro de um reservatório para ser subsequentemente

eliminada.

A membrana de plástico externa evita a entrada de ar e permite que se forme uma pressão negativa

(vácuo) no interior da ferida, reduzindo o seu volume e facilitando a remoção do fluido. A esponja

assegura que toda a área de superfície da ferida é exposta de modo uniforme a este efeito de pressão

negativa, evita a oclusão do dreno através do contacto com a base e os bordos da ferida, e elimina a

possibilidade teórica de áreas localizadas de alta pressão e necrose do tecido resultante [6].

Figura 1 - Exemplo de

Vacuoterapia Abdominal

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CONTEXTO HISTÓRICO DA VACUOTERAPIA

As primeiras experiências com vacuoterapia, tal como ela é utilizada hoje, foram realizadas a partir

de 1987, aplicando-se o método ao tratamento de lesões em tecidos moles e feridas agudas infetadas.

A primeira publicação a propor a vacuoterapia em seres humanos, nomeadamente em casos de

trauma, surgiu em 1992 por Fleischmann W. et al. [7]. Várias publicações se seguiram no início da

década de 1990 tendo-se confirmado a tendência crescente de investigação nesta área no início do

século XXI. A maior expansão de indicações para a utilização de vacuoterapia deu-se a partir de

2000, quando se incluíram síndromes dermatológicos graves e feridas problemáticas na cirurgia

vascular e plástica. No que respeita à cirurgia abdominal, a vacuoterapia é aplicada em fístulas

enteroatmosféricas, linfocutâneas e em contexto de abdómen aberto (laparostomia). Este resulta de

etiologias como trauma, peritonite generalizada, impossibilidade de enceramento da parede, entre

outras discutidas neste trabalho. Nos últimos anos tem sido confirmado que as queimaduras

constituem também uma indicação ideal para vacuoterapia. Na cirurgia torácica, a vacuoterapia é

utilizada não apenas na superfície corporal para feridas sépticas, mas também para lesões

complicadas como em infeções secundárias a esternotomias. Adicionalmente, surge atualmente um

número crescente de artigos que descrevem a utilização de vacuoterapia em recém-nascidos e

doentes pediátricos com doenças dermatológicas congénitas ou mesmo queimaduras. Considera-se

que, hoje em dia, a vacuoterapia é já estudada, ou mesmo aplicada, em todas as especialidades que

lidam com feridas cirúrgicas ou lesões teciduais [8]. A vacuoterapia tem sido inclusivamente fruto de

investigação profunda pela Cochrane Collaboration que a recomendou para o tratamento de feridas

crónicas, pé diabético, úlceras de pressão, entre outras [9].

Com o envelhecimento da população, a prevalência crescente de diabetes e as suas consequências, e

o aumento da incidência de úlceras dos membros inferiores, o número de doentes com feridas

crónicas que beneficiam, ou com potencial para beneficiar, da vacuoterapia tem aumentado

grandemente [8]. Esta técnica tem tido particular impacto no tratamento do pé diabético ulcerado.

A aplicação dos princípios do Vacuoterapia nas patologias abdominais está mais frequentemente

associada ao trauma e à hipertensão intra-abdominal resultante de peritonite generalizada. Ainda

assim, a Vacuoterapia Abdominal não é o único método de encerramento abdominal temporário

disponível para estes casos e a sua eficácia não é a mesma para as diferentes patologias que dela

beneficiam. Assim, este trabalho procura esclarecer também, entre outros, o conceito de

encerramento abdominal temporário, quais as técnicas mais utilizadas atualmente e qual o papel da

vacuoterapia entre elas.

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HIPERTENSÃO INTRA-ABDOMINAL E SÍNDROME COMPARTIMENTAL ABDOMINAL

A primeira publicação científica que se refere à Pressão Intra-Abdominal (PIA) data de 1863, quando

Étienne-Jules Marey apresentou pela primeira vez a relação entre o aumento da PIA e a função

respiratória. Alguns anos antes, em 1811, Richard Volkmann tinha introduzido o termo “síndrome

compartimental” aplicado aos membros, num artigo intitulado "Die Chemischen Muskellähmungen

und -Kontrakturen". Este descreveu uma condição na qual o aumento da pressão dentro do espaço

fascial fechado reduzia a perfusão sanguínea dos músculos e levava a uma contratura. Desde então

vários investigadores procuraram a melhor forma de aplicar este conceito ao abdómen, medir a

pressão intra-abdominal e estudar os seus efeitos. Quanto ao termo “Síndrome Compartimental

Abdominal”, este apenas foi introduzido em 1989 por Fietsam et al. que escreveu: "Em quatro

doentes com rotura de aneurisma da aorta abdominal a pressão intra-abdominal aumentou após a

reparação cirúrgica. Este aumento foi manifestado pelo aumento da pressão ventilatória, aumento

da pressão venosa central, e diminuição do débito urinário associada a distensão abdominal maciça

não resultante da hemorragia. Este conjunto de resultados constitui uma Síndrome Compartimental

Abdominal causada pelo enorme edema intersticial e retroperitoneal". Em 2004 foi fundada a World

Society of the Abdominal Compartment Syndrome [10].

A Hipertensão Intra-Abdmonial (HIA) ocorre quando a pressão intra-abdominal é superior a 12

mmHg. A medição da pressão intravesical como método de aferição indireta é atualmente o gold

standard para diagnóstico de HIA, que é identificado em 30 % dos doentes internados nas unidades

de cuidados intensivos cirúrgicos [4].

A pressão intra-abdominal considerada normal varia entre os 0 – 5 mmHg. Os doentes em estado

crítico internados nas UCI tem usualmente uma PIA de 5 – 8 mmHg [4]. De acordo com o consenso

de 2013 da World Society of the Abdominal Compartment Syndrome publicado na revista Intensive

Care Medicine, a PIA deve ser medida quando há pelo menos dois fatores de risco para HIA/SCA –

Tabela 1 [3].

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Tabela 1 - Fatores de Risco para a Hipertensão Intra-Abdominal e Síndrome Compartimental Abdominal

FATORES DE RISCO

Diminuição da Compliance da

Parede Abdominal Infeção Intra-Abdominal Coagulopatia

Cirurgia Abdominal Tumor Intra-Abdominal

ou Retroperitoneal Pancreatite Aguda Grave

Trauma Major Laparoscopia com

Excesso de Insuflação

Reparação de Hérnia de Grandes

Dimensões

Queimadura Major Cirrose Hepática com

Ascite Ventilação Mecânica

Idade Avançada Diálise Peritoneal Obesidade ou Aumento do IMC

Aumento do Conteúdo Intra-

Luminal Reposição de Fluidos PEEP > 10

Gastroparese/ Distensão Gástrica/ Ileus Paralíticus

Acidose Peritonite

Hemoperitoneu/ Pneumoperitoneu

Laparotomia de Controlo

de Danos Pneumonia

Pseudo-Obstrução do Colon Hipotermia Sépsis

Volvo APACHE-II Aumentado Choque ou Hipotensão

Abdómen Distendido Multitransfusões Bacteriémia

Numa perfusão visceral adequada, a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a PIA,

designada de Pressão Abdominal de Perfusão (PAP) deverá ser superior a 60 mmHg [4].

Independentemente da PAP, a Síndrome Compartimental Abdominal é definida como a combinação

de uma PIA > 20 mmHg acompanhada de disfunção orgânica [4].

A incidência da Síndrome Compartimental Abdominal varia entre 0.5 – 8% nas unidades de cuidados

intensivos (UCI). No caso particular dos doentes traumatizados esta percentagem atinge os 14% [4].

No momento de admissão, 31 - 58.8% dos doentes nas UCI tem HIA [4]. Sabe-se ainda que a

duração da HIA é um preditor independente para mortalidade a 60 dias nas UCI, e que, se não

tratada, a Síndrome Compartimental Abdominal tem uma mortalidade aproximada de 100% [4].

Enquanto o doente se encontrar em estado crítico devem ser realizadas várias medições,

preferencialmente a cada 4-6 horas.

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Tabela 2 - Definições de hipertensão intra-abdominal e síndrome compartimental abdominal [4]

Pressão Intra-Abdominal (PIA) Normal em UCI 5 – 7 mmHg

Hipertensão Intra-Abdmonial (HIA)

Grau 1 12 – 15 mmHg

Grau 2 16 – 20 mmHg

Grau 3 21 – 25 mmHg

Grau 4 > 25 mmHg

Síndrome Compartimental Abdominal (SCA) PIA >20 mmHg associada a nova disfunção

orgânica

SCA Primária SCA causada por lesão/doença da cavidade

peritoneal

SCA Secundária SCA causada por condições

extraperitoneal/sistémicas

Quarenta e cinco por cento das causas que originam a SCA são multifatoriais. As principais causas

individuais que levam a esta síndrome são a sobrecarga de fluidos, a sépsis intra-abdominal, a

obstrução intestinal e a hemorragia.

A SCA é classificada como primária se resulta de processos fisiopatológicos da cavidade abdominal.

As principais causas de SCA primária são:

Trauma penetrante;

Hemorragia intraperitoneal;

Acumulação aguda de fluido ascítico, como na pancreatite grave;

Fratura pélvica;

Rotura de aneurisma da aorta abdominal;

Úlcera péptica perfurada;

O SCA secundário refere-se ao desenvolvimento de SCA na ausência de processos primários

abdomino-pélvicos. O exemplo paradigmático de SCA secundário resulta de iatrogenia pela

reposição hidroeletrolítica excessiva de um doente hemorrágico ou séptico. A lesão por isquémia e

reperfusão pode levar a uma acumulação massiva de ascite, bem como edema intestinal e

retroperitoneal por acumulação de fluido extracelular/extravascular [11]. As causas mais frequentes

de SCA secundário são assim:

Reanimação com grandes volumes - a literatura mostra aumento significativo do risco com

infusões superior a 3 L [12];

Trauma contuso sem ferimentos identificáveis;

Pós-operatório;

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Encerramento Abdominal Precoce;

Sépsis;

A SCA pode ainda ser considerada de crónica em alguns casos tais como:

Diálise peritoneal;

Obesidade mórbida;

Cirrose;

Síndrome de Meigs;

Massa intra-abdominal;

O diagnóstico da SCA com base apenas na observação clinica é altamente falível com uma

sensibilidade e valor preditivo positivo de 40–60%, sendo esta uma ferramenta de diagnóstico pouco

fiável [13]. A utilização do perímetro abdominal é igualmente pouco adequada. Quanto à

investigação radiológica com radiografia do tórax ou abdómen, e ecografia do abdómen ou

tomografia computorizada (CT), estes são insensíveis à presença de HIA. Contudo, estão indicados

para ilustrar a causa da HIA (hemorragia, ascite, abcesso) e fornecer indicações terapêuticas

(paracentese ou drenagem) [14]. Assim sendo, o diagnóstico de HIA/SCA está dependente da

medição frequente e adequada da PIA [15]. Dado o risco-benefício favorável da monitorização da

PIA e a morbilidade e mortalidade associada à HIA/SCA, está recomendado pela WSACS que (a)

caso dois ou mais fatores de risco estejam presentes, deverá ser medida a PIA (Grau de evidência

1B) e (b) caso esteja presente uma HIA, a PIA do doente deverá ser medida em série ao logo da

evolução da patologia crítica do doente (Grau de evidência 1C) [16]. As recomendações do acordo

da WSACS são classificadas como recomendações fortes (grau 1) ou fracas (grau 2). A qualidade da

evidência é classificada como alta (classe A), moderada (Grau B), ou baixa (Grau C).

A PIA pode ser medida diretamente ou indiretamente, de forma contínua ou intermitente. As

medições diretas podem ser obtidas através de um cateter intraperitoneal colocado para drenagem de

ascite ou diálise peritoneal, através de um transdutor de pressão intraperitoneal ou durante uma

cirurgia laparoscópica [17]. Os métodos indiretos de medição da PIA incluem a medição intravesical,

gástrica, retal, uterina, pela veia cava inferior e pela via aérea [18]. Devido à sua simplicidade e

baixo custo, a medição pela via intravesical é considerada o método Gold Standard. A técnica

baseia-se na elevada compliance da parede vesical, que quando instilada com uma pequena

quantidade de solução salina pode funcionar como reservatório passivo e transdutor da PIA.

Mudanças na PIA refletem-se em alterações da pressão intravesical. A medição deverá ser efetuada

com o doente em posição supina, visto a posição do doente ter efeito na pressão em questão [19].

Ainda assim, a medição de pressão intravesical não é possível em alguns doentes. Doentes com

trauma da bexiga, bexigas neurogénica, obstrução urinária ou hematomas pélvicos sob tensão,

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requerem métodos alternativos de medição. Neste contexto, têm sido desenvolvidos monitores

nasogastricos que facilitam a medição contínua.

EFEITOS, SINAIS E SINTOMAS DA HIPERTENSÃO INTRA-ABDOMINAL

A HIA influencia direta e indiretamente vários sistemas, tais como:

Pulmonar – A elevação do diafragma reduz a capacidade residual funcional dos pulmões. O risco

de atelectasias, principalmente no lobo inferior, está aumentado o que contribui para o aumento da

hipoxemia refratária ao aumento do FiO2 e pressão expiratória final positiva (PEEP), e

hipercápnia. A diminuição da compliance da cavidade torácica combinada com a HIA resulta

numa resistência aumentada dos vasos pulmonares e edema pulmonar [4]. Está documentada a

associação entre HIA e a Síndrome da Dificuldade Respiratória do Adulto (SDRA). Esta síndrome

pode exigir uma alteração nas definições do ventilador: (a) idealmente a PEEP deve contrariar a

PIA; (b) devido ao risco de edema pulmonar, o índice de água pulmonar extravascular deve ser

medida [10].

Cardíaco – A elevação diafragmática já referida aumenta a pressão intratorácica (PIT). Tal

fenómeno é denominado de transmissão abdomino-torácica. O aumento da PIT reduz

significativamente o retorno venoso, devido à compressão das veias renais e mesentéricas,

resultando numa redução do débito cardíaco por diminuição da pré-carga, enquanto há uma

compressão direta do coração, que reduz a compliance ventricular e a contratilidade cardíaca. A

resistência vascular em todo sistema é aumentada devido à compressão da aorta, da vasculatura

pulmonar e sistémica (aumento da pós-carga) e da ativação do sistema renina-angiotensina-

aldosterona. Como resultado deste aumento de pressão e desvio do sangue para fora do abdómen,

a pressão arterial média (PAM) sobe inicialmente e eventualmente normaliza ou diminui. Estes

efeitos ocorrem em níveis de PIA a partir de 10 mmHg, enquanto que doentes com hipovolémia

manifestam uma diminuição do débito cardíaco com valores de PIA’s ainda mais baixos. A

utilização de ventilação por PEEP agrava, da mesma forma, os efeitos cardiovasculares da HIA.

Pelo contrário, a administração de volume aumenta a pré-carga melhorando temporariamente a

hemodinâmica.

Ao atingir uma PIA superior a 15 mmHg, o fluxo de retorno da Veia Cava está comprovadamente

diminuído. A monitorização através da pressão venosa central (PVC) não é ideal visto esta estar

falsamente elevada pela compressão da veia cava e aumento da pressão intratorácica. Uma PIA de

30 mmHg correlaciona-se com um aumento de quatro vezes da PVC. O índex de volume

diastólico do ventrículo direito é a melhor opção diagnóstica para avaliação da situação

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intravascular. Concomitantemente à diminuição da pré-carga, a elevação da resistência vascular

periférica causa o aumento da pós-carga cardíaca.

Perfusão Esplâncnica – A HIA pode resultar na hipoperfusão dos órgãos intra-abdominais. A

perfusão hepática é insuficiente a partir de valores de PIA superiores a 20 mmHg, a partir dos

quais o fluxo da veia porta está reduzido em 35%. A potencial hipoperfusão da mucosa resulta na

elevação do lactato sérico e diminuição do pH (acidose metabólica), com isquémia mesentérica

associada [4].

Perfusão nos Membros Inferiores - Quanto ao retorno do sangue venoso dos membros

inferiores, a pressão venosa femoral é marcadamente aumentada, no seguimento do aumento da

pressão da veia cava inferior. A normalização de PIA restaura o fluxo de sangue femoral, contudo

associa-se a maior probabilidade de embolia pulmonar [10].

Renal – A disfunção renal induzida pela HIA manifesta-se com oligúria a uma PIA de 15 mmHg,

e anúria para valores de 30 mmHg na presença de normovolémia e função renal inicial normal. A

lesão renal deve-se à redução da perfusão renal, à compressão do parênquima renal e da veia

renal. Estes três fatores reduzem a microcirculação no córtex e nos glomérulos renais, o que

resulta na disfunção glomerular e tubular e consequente diminuição da produção de urina. A

resistência vascular dos vasos renais aumenta até 500 %, caso a PIA seja superior a 20 mmHg.

Além disso, a atividade da renina, aldosterona e de hormona antidiurética no plasma aumentam

significativamente, com consequente reabsorção de sódio e água nos tubos coletores e oligúria.

Estes mecanismos agravam ainda mais a pressão intra-abdominal. A perfusão renal é calculada

pela subtração do valor de PIA ao valor de PAM (PAM – PIA) [4].

Assim se entende que nem a PVC nem o output urinário refletem o volume potencial perdido nos

doentes com SCA. Ainda assim, e apesar da baixa sensibilidade, o método indireto de medição

através da bexiga é o mais utilizado e fortemente recomendado pelo consenso da World Society of

Abdominal Compartment Syndrome (WSACS) de 2013 [3]. As principais vantagens deste método

são a raridade de efeitos adversos e a facilidade do procedimento. Estão também a ser estudados

novos marcadores que apresentam já valor prognóstico comprovado, tais como a intestinal fatty

acid binding protein (I-FABP), a claudina-3 e o lactato [4].

Cerebral – Está demonstrado que a redução da PIA originada após laparotomia de

descompressão está associada a uma diminuição imediata da pressão intracraniana (PIC) em cerca

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de 10 mmHg em doentes gravemente traumatizados. Ainda assim, não é claro na literatura se esta

redução se dá devido à reposição do efluxo venoso ou por mecanismos citoquímicos [4].

Gastrointestinal - O sistema gastrointestinal apresenta grande sensibilidade a alterações da PIA.

A mucosa intestinal parece ser particularmente sensível às elevações da PIA devido à: (a) redução

do fluxo de sangue mesentérico, que ocorre a partir de valores de PIA de apenas 10 mmHg; (b)

compressão de veias do mesentério, com consequente edema e isquemia intestinal e, (c)

diminuição da perfusão da mucosa e do pH, aumento da permeabilidade e perda da barreira da

mucosa intestinal e, finalmente, (d) a translocação bacteriana, septicemia e falência múltipla de

órgãos.

O conjunto destes efeitos foram denominados como lesão intestinal aguda ou Acute Intestinal

Distress Syndrome. O parâmetro essencial utilizado como objetivo da revitalização é a

manutenção de Pressão de Perfusão Abdominal acima de 60 mmHg. No que diz respeito a

motilidade gastrointestinal, foi estabelecida uma relação entre o aumento da PIA e a diminuição

da atividade motora elétrica e mecânica do intestino delgado [10].

Hepatobiliar - O fígado é particularmente suscetível a danos durante a HIA. O fluxo de sangue

na artéria e veia hepática e na circulação portal é reduzido mesmo com "pequenas" elevações de

PIA de 10 mmHg, resultando num fluxo de sangue compensatório da circulação gastro-esofágica

para a veia ázigos. A elevação da PIA promove a apoptose e o aumento da proliferação de

hepatócitos, sugerindo uma resposta de reparação hepática. Para além disso, a insuficiência

hepática, a doença hepática crónica e o fígado transplantado sofrem lesões com o

desenvolvimento da HIA e SCA [10].

Segundo a World Society of the Abdominal Compartment Syndrome (WSACS), o tratamento da SCA

é baseado em cinco pilares: (1) evacuação do conteúdo intraluminal; (2) evacuação de lesões com

efeito de massa intra-abdominal; (3) melhoria da compliance da parede abdominal; (4) otimização da

administração de fluidos; e (5) otimização da perfusão. Em caso de ineficácia da terapêutica clínica,

a descompressão cirúrgica é a terapêutica mais eficaz para lidar com esta situação emergente [4].

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TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO INTRA-ABDOMINAL

A gestão da HIA permanece ainda pouco clara. A descompressão abdominal profilática tem sido

amplamente utilizada por cirurgiões especialistas em trauma, contudo o mesmo ainda não acontece

entre grande parte dos cirurgiões gerais. Uma terapia de suporte agressiva não-cirúrgica é

fundamental para evitar as complicações da SCA. Esta envolve a monitorização cuidadosa do

sistema cardio-respiratório e da função renal, que são normalmente os primeiros a falhar, bem como

uma reposição intravascular de líquidos agressiva. Importa referir neste contexto, que esta

reanimação com fluidos aumentará o problema se em excesso [20].

Em doentes com grau III-IV de HIA, deve-se localizar o problema subjacente e fornecer suporte

hemodinâmico até que o foco de hemorragia, sépsis, ou obstrução tenha sido tratado. Para os doentes

que necessitem de cirurgia de controlo de danos, a radiologia de intervenção deve ser integrada na

estratégia hemostática. Ainda assim, nem todos os doentes necessitam de reanimação com reposição

de fluidos ou exploração cirúrgica e a drenagem percutânea pode ser suficiente em alguns casos.

Quanto ao diagnóstico de peritonite terciária, esta requer uma abordagem diagnóstica agressiva, com

tomografia computorizada (TC) abdominal e drenagem imediata do pus.

A WSACS publicou recentemente (www.wsacs.org) algumas diretrizes baseadas na evidência. Dada

a ampla variedade de doentes que podem desenvolver HIA/SCA, dificilmente se pode aplicar uma

estratégia uniforme a todos os casos de HIA. Enquanto a descompressão cirúrgica é comumente

considerada como o único método de tratamento, as medidas não-cirúrgicas desempenham um papel

vital na prevenção e tratamento da disfunção orgânica induzida pelo HIA. Assim, a gestão de um

quadro hipertensivo de HIA/SCA é baseada em quatro atitudes: a) monitorização da PIA em série; b)

otimização da perfusão sistêmica e função orgânica; c) intervenções médicas específicas para reduzir

a PIA; d) descompressão cirúrgica imediata em caso de HIA refratária [21];

A potencial contribuição da posição do corpo quanto à elevação da PIA deve ser considerada em

doentes com casos moderados a graves de HIA ou SCA (Grau 2C). A elevação da cama pode

aumentar significativamente a PIA face ao posicionamento supino, especialmente nos níveis mais

elevados de HIA. Tais aumentos de PIA tornam-se clinicamente significativos (aumento > 2 mmHg)

quando a elevação da cabeça da cama do doente é superior a 20°. A presença de ar e fluidos nas

vísceras ocas pode elevar a PIA e levar a HIA/SCA. Nesse sentido a drenagem nasogástrica e/ou

retal e até mesmo a descompressão endoscópica podem reduzir a PIA. Quanto aos agentes

procinéticos, tais como a eritromicina, a metoclopromida, ou a neostigmina, podem ajudar na

evacuação do conteúdo intraluminal e diminuir o tamanho das vísceras. Contudo, não existem

evidências suficientes para recomendar a sua utilização em casos de HIA/SCA.

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O volume da fluidoterapia deve ser cuidadosamente monitorizada de forma a evitar o excesso de

edema nestes contextos (Grau 1B). As soluções cristaloides hipertónicas e a reanimação baseada em

soluções coloides devem ser consideradas em doentes com HIA para diminuir a progressão para

SCA secundária (Grau 1C). A terapêutica conjunta de diuréticos em combinação com soluções

coloides pode ser considerada para mobilizar o edema do terceiro espaço após reposição inicial de

fluidos assim que o doente se apresente hemodinamicamente estável.

A descompressão percutânea deve ser considerada em doentes com ascite, pus, ou sangue, com

sintomatologia de HIA (Grau 2C). A paracentese é um método menos invasivo para o tratamento de

HIA/SCA neste contexto. A inserção de um cateter percutâneo com orientação ecográfica permite a

drenagem contínua do líquido intra-peritoneal e pode ajudar a evitar a necessidade de descompressão

cirúrgica em doentes selecionados com SCA secundária.

A descompressão cirúrgica deve ser realizada em doentes com SCA refratária (Grau 1B). Esta deve

ser prontamente considerada em doentes com múltiplos fatores de risco para HIA ou que apresentem

já sintomatologia de SCA (Grau 1C). Diversos estudos revelaram que a Pressão Intra-Abdominal

(PIA) diminui de 35 mmHg para 16 mmHg após a descompressão cirúrgica por laparotomia.

Contudo esta redução não é suficiente para atingir os valores normais de PIA [21].

Quanto à lavagem peritoneal pós-operatória que é tantas vezes necessária nos casos de peritonite

generalizada, requer uma vigilância apertada do balanço de fluidos e eletrólitos. Existe ainda uma

tendência assinalável para formação de fistulas enteroatmosféricas nos locais de drenagem. Em

grande parte dos doentes em questão, o encerramento da fáscia abdominal só é possível após 5 a 7

dias, ficando estes com um abdómen aberto (laparostomia terapêutica) temporariamente. Manter o

abdómen aberto permite uma drenagem completa do exsudado purulento da cavidade abdominal com

marcada redução da mortalidade. Contudo, a manutenção do abdómen aberto sem criar um

encerramento temporário não reduz a incidência de abcessos intra-abdominais e dificulta os cuidados

de enfermagem no período pós-cirúrgico devido à possibilidade de perda de fluidos, eletrólitos, calor

(com congelamento visceral) e de formação de fístulas enteroatmosféricas. Por estas razões este

método tem caído em desuso e a ciência tem desenvolvido mecanismos de encerramento temporário

que pretendem minimizar os riscos destas situações de grande fragilidade [22].

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RESUMO DAS RECOMENDAÇÕES DO CONSENSO DE 2013 DA WORLD SOCIETY OF

ABDOMINAL COMPARTMENT SYNDROME

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Figura 2 - Algoritmo de avaliação da Hipertensão Intra-Abdominal (HIA) (adaptado de Intensive Care Med 2006;32:1722–32 &

2007;33:951-62)

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Figura 3 - Algoritmo de tratamento para Hipertensão Intra-Abdominal (HIA) e Síndrome Compartimental Abdominal (adaptado de

Intensive Care Med 2006;32:1722–32 & 2007;33:951-62)

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Figura 4 - Algoritmo de tratamento médico da HIA/SCA, segundo o consenso de 2013 da WSACS

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INDICAÇÕES PARA LAPAROSTOMIA TERAPÊUTICA

A laparostomia terapêutica (ou abdómen aberto) é uma condição em que é realizada uma abertura

cirúrgica abdominal que, devido à impossibilidade prática ou à escolha deliberada do cirurgião, não é

imediatamente encerrada. São várias as indicações para a laparostomia terapêutica, onde se incluem

as técnicas de encerramento abdominal temporário como a vacuoterapia. Estas podem ser agrupadas

segundo as seguintes categorias [1]:

Peritonite Generalizada – para drenagem da cavidade abdominal após infeção intra-

abdominal grave e evitar um quadro abdominal hipertensivo;

Hipertensão Abdominal – para resolução do quadro estabelecido e prevenção/tratamento da

Síndrome Compartimental Abdominal;

Estratégia de Re-laparotomia Planeada (também designada de second look) – utilizada por

exemplo, para re-observação de isquémia intestinal;

Cirurgia de Controlo de Danos (damage control) – utilizada por exemplo, quando um

doente tem de ser transferido para um hospital mais diferenciado nos casos de trauma

complicado;

Incapacidade de encerramento – por exemplo, devido a excesso de edema associado a

peritonite generalizada, pancreatite necrosante, entre outros;

EVOLUÇÃO DA TERAPÊUTICA POR LAPAROSTOMIA

O tratamento por abdómen aberto (laparostomia) acarreta vários riscos e complicações. O doente está

em risco de perder grande parte das suas proteínas, de retração da fáscia, de congelamento do

abdómen, e de formar fístulas enteroatmosféricas. Devido a estes riscos, a laparostomia deve ser

apenas utilizada em casos selecionados como na Síndrome Compartimental Abdominal (SCA),

cirurgia de controlo de danos (damage control) após trauma, ou sépsis intra-abdominal [4].

Atualmente, com as novas técnicas de encerramento temporário abdominal, abordadas de seguida,

estes riscos foram consideravelmente diminuídos, sendo ainda uma séria ameaça para o doente.

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ENCERRAMENTO ABDOMINAL TEMPORÁRIO (EAT)

O conceito de encerramento abdominal temporário, surge como técnica intermédia entre o Abdómen

Aberto (AA) e o encerramento abdominal imediatamente após o procedimento cirúrgico. Pretende-se

assim atingir um equilíbrio sensível entre a manutenção de um ambiente asséptico e propício à

cicatrização abdominal, sem as elevadas pressões intra-abdominais características das patologias aqui

descritas e que apenas atrasam/impedem a cicatrização de qualidade.

Várias técnicas para o Encerramento Abdominal Temporário (EAT) de um Abdómen Aberto (AA)

têm sido descritas. Além de prevenir a evisceração, o EAT facilita o acesso à cavidade abdominal e

previne a retração da pele e fáscia. Idealmente, permite o encerramento tardio da fáscia abdominal.

Quanto à taxa de sucesso após o EAT, esta está altamente dependente da condição que originou a

lesão e do tipo de técnica utilizada. As taxas de sucesso de encerramento abdominal tardio são

inferiores nos doentes não traumatizados comparados com os doentes de trauma. Vários estudos

identificam inclusivamente a presença de peritonite como fator preditivo independente de insucesso

do encerramento da fáscia [1].

Quanto à frequência das re-explorações a estratégia de laparotomia on-demand, por oposição às re-

laparotomias planeadas, tem tido resultados comprovadamente superiores e é atualmente a estratégia

de tratamento preferencial face à re-laparotomia planeada. Além disso, menos re-explorações e uma

diminuição do tempo necessário para tratamento de abdómen aberto estão associadas a maiores taxas

de cicatrização completa [2].

Para facilitar a comparação científica dos resultados

e complicações entre os diferentes grupos de

doentes, foi apresentado por Björck et al. em 2009

[23] um esquema de classificação de complexidade

do abdómen aberto. Este esquema classificativo foi

revisto no consenso de 2013 da World Society of the

Abdominal Compartment Syndrome e publicado na

revista Intensive Care Medicine [3].

Figura 5 - Classificação de complexidade do abdómen aberto

segundo Björck et al [2]

I Sem fixações

IA: Limpo, sem fixações

IB: Contaminado, sem fixações

IC: Leak entérica, sem fixações

II Com fixações

IIA: Limpo, com fixações

IIB: Contaminado, com fixações

IIC: Leak entérico, com fixações

III Abdomen congelado

IIIA: Limpo, abdómen congelado

IIIB: Contaminado, abdómen congelado

IV Fístula enteroatmosférica, abdómen congelado

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TÉCNICAS CIRÚRGICAS UTILIZADAS

A terapêutica cirúrgica da SCA é baseada em quarto golden steps da descompressão abdominal [4]:

Realizar a laparotomia mediana desde a apófise xifoide à sínfise púbica;

Separar as vísceras face ao peritoneu parietal da cavidade abdominal;

Evitar a retração das margens da fáscia;

Drenar o fluido intra-abdominal. Tal pode ser realizado por drenagem de vácuo ou por

drenagem percutânea.

A técnica ideal de encerramento abdominal temporário deveria: proteger o conteúdo abdominal,

prevenir a evisceração, prevenir a formação de fístulas, evitar o dano/retração da fáscia, evitar a

perda de domicílio do conteúdo abdominal, permitir uma fácil reintervenção, permitir a remoção do

conteúdo infecioso e inflamatório da cavidade abdominal, facilitar o encerramento definitivo com

morbilidade e mortalidade aceitáveis, estar prontamente disponível e ser barata.

De momento, nenhuma técnica de encerramento abdominal temporário é ideal. Ainda assim, existem

várias técnicas com bons resultados e vantagens, que serão abordadas de seguida.

Tabela 3 – Descrição resumida das técnicas de encerramento abdominal temporário (EAT) [1]

Técnica de

EAT Descrição

Vacuoterapia

É colocada uma película plástica entre as vísceras e a parede abdominal e uma

esponja de poliuretano entre as margens da fáscia abdominal que cobre o

intestino. A ferida é posteriormente coberta e selada com uma camada de

plástico sendo inserido no centro um dreno de sucção que está ligado a um

sistema de bombeamento e recoleção de fluidos por pressão negativa.

Vacuoterapia

com retenção

dinâmica

Variante da vacuoterapia já apresentada, que utiliza uma rede suturada aos

bordos da fáscia, que permite a aproximação das margens a cada mudança de

sistema de vácuo.

Suturas de

retenção

dinâmica

Utilização de suturas não-absorvíveis, colocadas extra-peritonealmente e que

incluem todas as camadas abdominais incluindo a pele. Estas suturas podem

ser apertadas gradualmente. Este sistema pode ser combinado com a

vacuoterapia – Vacuoterapia com retenção dinâmica;

Patch de

Wittmann

São suturadas duas porções de Velcro nas margens da parede abdominal que

se sobrepõe e fixam, facilitando assim o acesso à cavidade com

reaproximação gradual.

Saco de Bogotá Um saco estéril é suturado entre as margens da cavidade.

Rede (Mesh) Uma rede absorvível, ou não, é suturada às margens, habitualmente na camada

interna da parede abdominal. A rede pode ser apertada gradualmente.

Zipper Semelhante à rede já descrita, mas com a adição de um fecho (zipper) que

facilita o acesso à cavidade abdominal.

Loose packing A laparostomia é coberta apenas pelo penso cirúrgico standard.

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LOOSE PACKING

A parede abdominal e as vísceras expostas são cobertas por um tecido de rayon, posteriormente

coberto por um penso cirúrgico. De seguida, é feita uma sutura descontinua e não apertada, que

inclui as três camadas da parede abdominal e o penso cirúrgico. À medida que o edema visceral

diminui, o penso é retirado e as suturas são progressivamente apertadas até a incisão poder ser

encerrada definitivamente. Bender foi dos primeiros a descrever esta técnica, apresentando resultados

inaugurais de encerramento da fáscia em 15 de 17 doentes nas primeiras 24 horas [24].

ZIPPER

Os fechos com material zipper foram

descritos inicialmente por Leguit em 1982

[25], e posteriormente popularizados por

Stone et al. na sua abordagem a abcessos

pancreáticos [26]. Estes facilitam a re-

observação abdominal, são menos aderentes

às vísceras subjacentes e a sua utilização

requer a sutura do material protésico à

parede abdominal. Contudo, a acumulação

do edema peritoneal, com posterior hipertensão intra-abdominal, continua a ser problemática mesmo

que seja incorporado um sistema de drenagem. Este mecanismo de zipper dificilmente é repetido no

mesmo doente.

REDES (MESH)

Rede de Politetrafluoroetileno (não absorvível)

O politetrafluoroetileno 2-mm é um enxerto de parede

abdominal protésico biocompatível, forte e que cria

um ambiente propício à granulação e cicatrização.

Contudo, este tecido é caro e apresenta resultados

semelhantes à utilização de redes absorvíveis mais

baratas. Além disso, adere mais facilmente às vísceras

aumentando o risco de fistulização.

Figura 7 – Rede de Politetrafluoroetileno

Figura 6 - Encerramento Temporário por Zipper. Adaptado de Elsevier:

Eur J Cardiothorac Surg. 2002 Aug;22(2):271-7

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Rede de Polipropileno (não absorvível)

Vários autores utilizaram a rede de polipropileno em

situações de ferida contaminada e de difícil

encerramento (tais como fasceites ou sépsis intra-

abdominal). Foram documentados casos bem-

sucedidos, mesmo em condições com franca

drenagem purulenta. Ainda que se tenham alcançado

bons resultados a curto prazo, esta técnica está

associada a diversas complicações a longo prazo, tais

como o aumento da incidência de sépsis pós-operatória e a baixa durabilidade do enxerto. Os

resultados apresentados por vários autores (Voyles et al, Stone et al, and Jones et al) sugerem que as

redes protésicas rígidas não-absorvíveis não devem ser utilizadas em contextos de contaminação

secundária a trauma gastrointestinal, sépsis intra-abdominal ou infeções com necrose da parede

abdominal.

Redes Absorvíveis

As redes absorvíveis sintéticas foram extensamente

utilizadas para o encerramento temporário abdominal.

Esta técnica utiliza a poliglactina e o ácido

poliglicólico. Comparativamente às redes não-

absorvíveis, a curto prazo (até 8 semanas) as redes

absorvíveis apresentam resistência semelhante e são

eficazes no controlo da evisceração. Contudo, à medida

que o material vai sendo absorvido (após 10 semanas) a incidência de hérnias abdominais aumenta

consideravelmente podendo chegar a atingir 50% dos casos. A taxa de retração da fáscia, o

surgimento de fistulas enterocutâneas e de síndrome compartimental abdominal com esta técnica

também não são desprezíveis.

Figura 8 - Rede de Polipropileno

Figura 9 - Rede absorvível Dexon

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SACO DE BOGOTÁ

O Saco de Bogotá é uma técnica descrita em 1984 por

Oswaldo Borraez, em Bogotá na Colômbia. Nesta técnica,

um saco de plástico estéril é suturado entre as margens da

cavidade sendo estas posteriormente aproximadas. Este saco

precisa de ser mudado frequentemente até que o problema

subjacente esteja resolvido. Esta técnica tem vantagens

inegáveis face ao abdómen aberto, por minimizar as perdas

de fluidos e manter a temperatura abdominal minimizando o

risco de congelamento. Além disso utiliza um material

barato, biologicamente inerte e não aderente. Contudo, não é

uma técnica isenta de problemas. Acarreta um risco

assinalável de evisceração, perda de domicílio dos órgãos e

de SCA. Com esta técnica não é possível fazer uma

quantificação do liquido peritoneal devido às fugas

frequentes nas bordas da ferida. O uso do Saco de Bogotá está associado também a uma alta

incidência de escoriação da pele e fístulas enteroatmosféricas. Recentemente, foi proposto um

método alternativo ao Saco de Bogotá. Em vez de sacos de plástico convencionais, propõe-se a

utilização de uma membrana cório-amniótica humana preparada em condições estéreis. Prevê-se que

este método previna a erosão da serosa e a frequente formação de fístulas associadas ao Saco de

Bogotá.

Figura 10 - Saco de Bogotá - exemplos;

Figura 11 - Saco de Bogotá em esquema (clinicalregisters.org)

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PATCH DE WITTMANN

O Patch de Wittmann foi desenvolvido por Dietmar H. Wittmann em 1987 na cidade de Hamburgo,

Alemanha. O equipamento tornou-se disponível no mercado europeu em 1992 e nos EUA em 2000.

Nesta técnica é introduzida inicialmente uma camada de plástico, dispersamente fenestrada e

biologicamente neutra, entre as vísceras e a parede abdominal cobrindo a totalidade da laparostomia.

Posteriormente são suturadas bilateralmente aos bordos da parede abdominal duas camadas de velcro

que se fixam uma à outra de forma a manter a pressão intra-abdominal entre os 10 e os 12 mmHg.

Por fim a laparostomia é tapada com pensos/gaze que envolvem um dreno, estando a técnica

concluída com a colocação de uma película aderente que cobre e fixa os pensos à restante superfície

do abdómen, isolando a ferida. A cada re-exploração a sobreposição das folhas vai sendo aumentada

permitindo uma re-aproximação gradual das paredes. Esta técnica permite manter as ansas no

domicílio, reduz a pressão intra-abdominal de forma controlada e permite uma fácil reaproximação

das margens. Tem ainda a vantagem de poder ser combinada com técnicas de pressão negativa

através da introdução de um dreno, associado a

máquina de vácuo, entre as camadas de penso

superiores às folhas de velcro. As principais

desvantagens são a impossibilidade de avaliar o

conteúdo intra-abdominal sem reabrir o abdómen, a

impossibilidade de uma remoção eficaz do fluido intra-

peritoneal, a necessidade de múltiplas manipulações e

a impossibilidade de encerramento da cavidade. Figura 12 - Ajuste das camadas de velcro do Patch de

Wittmann

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Figura 13 - Patch de Wittmann em esquema (clinicalregisters.org)

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VACUOTERAPIA

Os principais componentes da vacuoterapia são uma folha de polietileno não aderente, que cobre as

vísceras expostas, uma esponja de poliuretano sob pressão negativa controlada, e um dreno ligado a

uma máquina de vácuo. Todo o sistema é isolado do exterior com uma película adesiva que estabiliza

o penso no lugar e veda os bordos da ferida. A folha de polietileno ajuda a evitar as aderências entre

as vísceras e a parede abdominal. A esponja de poliuretano, quando colocado sob pressão negativa

(vácuo), proporciona a contra-tração necessária para inibir a retração da parede abdominal e cria um

ambiente onde ocorre aproximação da parede abdominal, enquanto o edema/fluido intersticial é

eficazmente reduzido. A vacuoterapia é maioritariamente utilizada para feridas de grau II e III,

contudo existem também casos reportados de sucesso em feridas de grau IV [27].

Neste procedimento, a pressão negativa intra-abdominal é mantida entre os 125 e 150 mmHg, através

de uma bomba de vácuo que remove o excesso de sangue e fluidos que envolvem os intestinos. A

utilização da vacuoterapia no contexto de laparostomia, permitiu uma melhoria nos cuidados de

saúde e aumentou a probabilidade de encerramento da parede abdominal com sucesso. A

vacuoterapia não é, contudo, isenta de riscos e pode associar-se raramente a fístulas intestinais e

enteroatmosféricas.

Miller et al. descreveram em 2004 excelentes resultados com esta metodologia, numa publicação que

teve um enorme impacto para a aceitação da vacuoterapia à data [28]. Desde 1 de novembro de 2001

até 31 de maio de 2003, a equipa realizou 212 laparotomias; 53 (25%) desses doentes necessitaram

de terapêutica com abdómen aberto. Quarenta e cinco (78%) sobreviveram até o encerramento

abdominal, tendo sido utilizada a vacuoterapia em todos estes. A taxa de encerramento completo

nestes doentes foi de 88% (38), com tempo médio de encerramento de 9,5 dias. Quanto a efeitos

adversos, 2 doentes (4,6%) desenvolveram deiscência da ferida com reparação bem-sucedida e 1

doente (2,3%) desenvolveu uma hérnia ventral em follow-up posteriormente reparada.

Figura 14 - Exemplo de Vacuoterapia no Hospital de Santa Maria (2015)

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Em outubro de 2014, Bruhin et al. publicaram a primeira revisão

sistemática em que a vacuoterapia foi amplamente defendida

como a técnica indicada no contexto de abdómen aberto [29].

Esta revisão sistemática foi realizada para investigar a eficácia de

uma variedade de métodos de encerramento abdominal

temporário. Nesta revisão um painel de peritos internacionais

desenvolveu recomendações com base na melhor evidência à

data. Os resultados demonstraram que os doentes sem sépsis

apresentaram uma taxa de encerramento abdominal de 72% após

o uso de kits de vacuoterapia. Esta taxa aumentou para 82% com

a adição de um método de encerramento 'dinâmico'. A segunda técnica mais eficaz foi o Patch de

Wittmann que teve taxas ligeiramente inferiores (68%) sendo seguida por métodos de terapia de

vácuo com materiais hospitalares não comerciáveis (58%). Os doentes com complicações sépticas

alcançaram uma menor taxa de encerramento abdominal, permanecendo a vacuoterapia com

encerramento dinâmico como a melhor opção. As taxas de mortalidade pareceram estar relacionadas

com a condição médica subjacente. Esta revisão sistemática concluiu que as técnicas de

encerramento abdominal temporário mais eficientes são as que utilizam kits de vacuoterapia com ou

sem encerramento dinâmico [29].

A revisão de Bruhin et al. veio ainda reforçar a distinção já referida em 2006 por Cothren, face às

dificuldades acrescidas na terapêutica do Síndrome Compartimental Abdominal em doentes com

sépsis abdominal, face aos doentes não sépticos. Cothren et al. [30] salientaram que doentes

traumatizados são mais propensos à reconstrução abdominal completa, em comparação com doentes

com sépsis abdominal. Estes descreveram uma surpreendente taxa de encerramento da fáscia de

100% em doentes submetidos a vacuoterapia após a operação de controle de danos (damage-control)

e trauma abdominal.

Em 2015, Atema et al., numa revisão sistemática de 74 estudos que incluía 4,358 doentes (vide figura

16), reportou igualmente que a maior taxa de encerramento da parede foi observada na vacuoterapia

(73.1%) e na vacuoterapia com a tração de suturas dinâmica (73.6%). Quanto às fistulas

enteroatmosféricas, a maior percentagem foi observada após utilização simples de rede (mesh)

(17.2%,), enquanto que a vacuoterapia demonstrou a percentagem mais baixa (5.7%). Ainda no

mesmo artigo, é assinalado que a maior redução da mortalidade é observada na retenção dinâmica de

suturas, sendo esta de 11.1%, enquanto a técnica associada a maior mortalidade foi a loose packing

com 40.0% [1].

Figura 15 - Vacuoterapia com retenção

dinâmica

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De forma a resumir os principais fatores de distinção do impacto clínico das diferentes técnicas de

encerramento abdominal temporário, Swan e Banwell [31] apresentaram a seguinte tabela (tabela 4):

Tabela 4 - Resumo do impacto clínico das principais técnicas de EAT segundo Swan e Banwell 2005

Com esta tabela, os autores desejaram expor o conhecimento científico à data, deixando claro que a

vacuoterapia é o único método disponível que permite controlar o domicílio das ansas, encerrar com

sucesso a ferida não só a nível cutâneo como também muscular, remover ativa e eficazmente o

exsudado, quantificar as perdas para o terceiro espaço, promover a granulação e cicatrização da

ferida, e controlar o aparecimento de novas infeções. Ainda que se possam adicionar sistemas de

drenagem no Patch de Wittmann ou no Saco de Bogotá, o que removeria até certo ponto o exsudado

e perdas do terceiro espaço, a ausência de uma pressão negativa impossibilita a promoção de

granulação e cicatrização que caracteriza a vacuoterapia.

TÉCNICA

Controlo do

domicílio das

ansas

Permite

encerramento

da pele

Permite

encerramento

da fáscia

Remove

ativamente

o exsudado

Quantifica

as perdas

para o 3º

espaço

Promove a

granulação

Controla

a infeção

Rede + - (+) - - - -

Saco de

Bogotá + - - - - - -

Patch de

Wittmann + + + - - - -

Vacuoterapia + + + + + + +

+ demonstrou benefício; - não demonstrou benefício; (+) facilita o benefício. Adaptado de Swan e Banwell 2005

Figura 16 – Percentagem de doentes com etiologia de peritonite, encerramento abdominal, fístula enteroatmosférica, e

mortalidade por técnica de encerramento abdominal temporário [1]

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A vacuoterapia diminui ainda, comprovadamente, o tempo médio de internamento. Olejnik et al.

publicaram em 2007 um estudo coorte em que se comparava o tempo de internamento de dois grupos

de 50 doentes submetidos a laparotomia por peritonite generalizada com abdómen aberto. No grupo

A realizou-se laparostomia, lavagens peritoneais múltiplas e drenagem de exsudado. No grupo B foi

realizado o mesmo procedimento, mas adicionado um sistema de vacuoterapia (VAC). O tempo

médio de internamento no grupo sob vacuoterapia foi significativamente inferior ao do grupo de

controlo – 14,5 dias de internamento no Grupo B, face a 19,4 dias de internamento no grupo A. Esta

distinção foi igualmente assinalada na revisão bibliográfica realizada por Stevens et al em 2009 [27].

Com base na crescente aceitação e reconhecimento da Vacuoterapia na comunidade internacional e

respetivas publicações, o consenso da WSACS 2013 deixou uma clara recomendação da utilização

da vacuoterapia em doentes críticos com abdómen aberto. Nesta recomendação pode ler-se que

(adaptado para português): “(…) esta técnica impede a aderência visceral à parede abdominal

anterolateral, mantendo a tração da fascial medial, aumentando as taxas de encerramento da

parede abdominal entre os doentes com um abdómen aberto. Também permite remover o fluido e

citocinas pró-inflamatórias do peritoneu, o que reduz o volume no terceiro espaço abdominal, a

resposta inflamatória sistémica, e a resultante disfunção orgânica.” [2]

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Figura 17 - Vacuoterapia em esquema (clinicalregisters.org)

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BASES FISIOLÓGICAS DA VACUOTERAPIA

Relativamente à relação entre a vacuoterapia e o fluxo sanguíneo, o primeiro estudo animal foi

realizado por Morykwas et al. em 1997 [32] e descrevia o aumento da perfusão máxima medida por

fluxometria doppler, usando pressão negativa de 125mmHg durante 5 a 7 minutos seguida de uma

diminuição para a pressão basal. Foi identificado que existe um aumento significante de fluxo

sanguíneo até valores de pressão negativa de 300 mmHg. Com valores de 400 mmHg o fluxo

sanguíneo diminuía. Examinações microscópicas e análises de padrões de imagem revelaram

posteriormente que o aumento do fluxo sanguíneo era resultado do aumento do diâmetro vascular, da

velocidade do fluxo e do volume sanguíneo, assim como pelo aumento da angiogénese e proliferação

endotelial.

Quanto à redução do edema, é aceite que a vacuoterapia é eficaz nesta redução. Ainda assim, são

necessários mais estudos para que os mecanismos fisiológicos sejam completamente esclarecidos [5].

Relativamente ao ambiente envolvente da ferida, alguns investigadores defendem que a

vacuoterapia reduz preferencialmente a quantidade de proteases face às citocinas, contudo este efeito

ainda é pouco claro. Os autores concluíram que com a vacuoterapia existia uma expressão diminuída

de RNAm, de MMP1, MMP-13 e de MMP2, e que tais fatores estavam negativamente

correlacionados com a reparação da ferida [5].

No que toca à formação de tecido de granulação e proliferação celular, Morykwas publicou em

1997 um aumento deste tecido em experiências animais. Este descobriu um aumento significativo de

formação de tecido de granulação, que era mais pronunciado no modo intermitente face ao modo de

pressão negativa contínua [32]. Em 2001, os mesmos autores identificaram o valor ideal para a

formação máxima de tecido de granulação e reparação da ferida: - 125 mmHg. Valores muito

inferiores (-25mmHg) ou muito superiores (-500 mmHg) relacionavam-se com o aumento da área de

ferida. A proliferação conseguida a -125mmHg foi superior em 200% face à proliferação endotelial

normal [33].

Os efeitos na clearance bacteriana e no controlo de infeções têm igualmente sido estudados.

Enquanto há um aumento de Staphylococcus aureus, há uma diminuição significativa de coccus

Gram-negativos nos grupos a realizar vacuoterapia. Em geral, a frequência de bactérias encontradas

nas feridas crónicas não varia com ou sem vacuoterapia [34]. Contudo, vários autores observaram

que apesar de não existir uma redução assinalável do número de bactérias, a cicatrização da ferida

era muito mais rápida e eficaz [1]. Fleischmann [7] e mais tarde von Fritschen utilizaram a

combinação de vacuoterapia com a instilação de agentes antissépticos ou antibióticos nas feridas.

Ngo et al. descreveram os efeitos da combinação da vacuoterapia com a instilação anti-séptica em

biofilmes de pseudomonas num modelo in vitro de feridas crónicas e descobriu um aumento de 100

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vezes do efeito bactericida da betadine combinada com vacuoterapia, face à utilização de betadine

isolada. A VAC-Instill® é defendida por diversos autores como sendo uma abordagem promissora

no controlo de infeção nestes casos, ainda que o desbridamento cirúrgico não possa ser dispensado

[5].

Por fim, também os efeitos da vacuoterapia na resposta imunológica têm sido alvo de estudo.

Banwell descobriu uma redução significativa de extravasamento de neutrófilos, através de análise

imuno-histoquímica, no contexto de queimaduras de segundo grau tratadas com vacuoterapia versus

terapêutica convencional. Este concluiu que, devido à ação do vácuo, existia uma atenuação da

progressão em profundidade pela modulação seletiva do extravasamento de neutrófilos [35].

Em geral, os estudos têm demonstrado que a vacuoterapia tem um maior efeito nas fases iniciais do

tratamento de feridas sendo o seu efeito posteriormente diminuído [5].

ANÁLISE FINANCEIRA DA VACUOTERAPIA

As patologias que cursam com hipertensão intra-abdominal e/ou síndrome compartimental

abdominal associam-se a internamentos prolongados, com necessidade de elevados recursos

humanos e financeiros. O material utilizado na vacuoterapia é caro quando comparado com os

materiais utilizados noutros métodos, como o Patch de Wittmann, o Saco de Bogotá ou a simples

manutenção do abdómen aberto. Contudo, há custos em saúde que devem ser contemplados na

abordagem global ao doente com HIA/SCA, tais como a variação de dias de internamento na

enfermaria e unidade de cuidados intensivos, material de enfermagem associado, antibioterapia, idas

ao bloco operatório para re-explorações, re-internamentos, entre outros.

À data existe uma clara escassez de evidência financeira que aborde este tema, estando a maioria dos

estudos focados nos benefícios clínicos da vacuoterapia. Em 2006, quando a vacuoterapia ainda não

estava globalmente implementada, Braakenburg et al. [36] realizaram um estudo de custo-

efetividade deste método comparando-o com os métodos standard à data. Neste estudo refere-se que

devido à evidente redução de tempo de internamento e cuidados de enfermagem, a vacuoterapia,

ainda que o material utilizado seja mais caro, apresenta valores globais do tratamento semelhantes às

técnicas standard utlizadas à data. Salienta-se ainda que para custos semelhantes, a satisfação dos

doentes e o impacto clínico é francamente superior na vacuoterapia.

Alguns anos antes, também Philbeck et al. [37] afirmaram a custo-eficácia da vacuoterapia. Segundo

este estudo, após analisarem 1.032 doentes, concluíram que em doentes com uma ferida superior a 22

cm2, o custo estimado do tratamento global standard era de $23,465, enquanto que se fosse utilizada

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a vacuoterapia este valor global descia para $14,546, representando uma queda de 38 % nos custos

por doente.

Mais recentemente, destaca-se o estudo realizado por Tomasz Banasiewicz et al. em 2014 [38]. Neste

é feita uma abordagem retrospetiva de 51 doentes que necessitaram de encerramento abdominal

temporário, tendo sido alvo de estudo a totalidade de custos em saúde gastos por doente. Dividiram-

se assim dois grupos, num primeiro grupo (A) os doentes foram tratados com métodos standard tais

como suturas dinâmicas, encerramento por zipper, suturas pontuais, e frequentes trocas de pensos; no

segundo grupo (B) foram utilizados materiais de vacuoterapia (Vivano® e VAC®) com inicio nos

primeiros 5 dias de internamento.

Neste estudo os autores referem que o tempo médio de internamento no grupo A foi de 43 dias, e no

grupo B de 26 dias, tendo sido passado cerca de metade do tempo de internamento nos cuidados

intensivos em ambos os casos (22 vs. 13). No fim do tratamento, 70% dos doentes do grupo

standard apresentava fistulas enterocutâneas, face a 18% do grupo B.

O custo total médio por doente tratado com terapêutica standard foi de 17.400 €. No grupo de

vacuoterapia o valor foi de 11.739 €. Este estudo apresenta assim uma redução global de 33% nos

custos em tratar, com melhor impacto clínico, os doentes em questão.

Outros estudos têm demonstrado também o custo-efetividade da vacuoterapia noutras áreas da

cirurgia [39], contudo não foi possível encontrar evidência adaptada à realidade portuguesa. Ainda

que não seja possível, para já, afirmar com segurança or custo-efetividade da vacuoterapia como

resposta à síndrome compartimental abdominal, é seguro afirmar que esta não deve ser colocada de

parte sem um estudo financeiro imparcial e adaptado à realidade portuguesa – para bem da qualidade

de vida dos doentes e do sistema financeiro português.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Síndrome Compartimental Abdominal, que surge como uma progressão da Hipertensão Intra-

Abdominal, é altamente letal e responsável por alterações na maioria dos sistemas orgânicos. Em

situações de hipertensão intra-abdominal existe: uma diminuição da capacidade residual funcional

pulmonar; promoção de atelectasias com hipercápnia e hipoxia refratária; aumento da resistência

vascular pulmonar; tendência para edema pulmonar e Síndrome de Dificuldade Respiratória do

Adulto; diminuição do retorno venoso com diminuição da pré-carga cardíaca (a partir dos 15

mmHg); aumento da pós-carga com ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona;

insuficiência de perfusão hepática e mesentérica com acidose metabólica (a partir dos 30 mmHg);

aumento da probabilidade de embolia pulmonar; lesão renal e oligúria a partir de 15mmHg e anúria a

partir de 30 mmHg; aumento da pressão intracraniana; perda da função de barreira da mucosa

intestinal com maior propensão para translocação bacteriana e sépsis com falência múltipla de

órgãos; diminuição da motilidade gastro intestinal; entre outros.

A gravidade dos efeitos desta subida de pressão intra-abdominal requer uma observação atenta e

medição indireta da pressão via vesical, principalmente nos doentes em cuidados intensivos ou com

dois ou mais fatores de risco. Caso as medidas conservadoras não sejam eficazes no controlo desta

patologia, a abordagem cirúrgica está indicada nos doentes com Síndrome Compartimental

Abdominal. Em grande parte destes doentes não é possível/desejável o encerramento abdominal pós

cirúrgico optando-se por técnicas de encerramento abdominal temporário, comprovadamente

superiores à laparostomia terapêutica. As redes absorvíveis, o Saco de Bogotá, o Patch de Wittmann

e a Vacuoterapia são algumas das opções atualmente disponíveis para o encerramento abdominal

temporário. Em 2013, a Word Society of the Abdominal Compartment Syndrome baseou-se na

melhor evidência clínica à data para recomendar a vacuoterapia como método de primeira linha na

abordagem destes doentes.

A vacuoterapia surge assim, como um método que diminui eficazmente a pressão intra-abdominal e a

probabilidade de síndrome compartimental abdominal, previne a perda de domicílio das ansas

intestinais, mantém a ferida encerrada, aumenta o período entre pensos e a frequência de re-

explorações, minimiza a perda de calor e a possibilidade de congelamento abdominal, drena e

quantifica as perdas de fluidos intra-abdominais, remove o conteúdo infetado, preserva a fáscia para

encerramento posterior, ajuda a estabilizar o abdómen através de uma sucção uniforme e é mais

confortável para doente. Fisiologicamente, a vacuoterapia promove o aumento do fluxo e perfusão

sanguínea, reduz o edema, promove a granulação e formação de tecido de cicatrização, reduz a

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sobre-infeção ainda que o número absoluto de bactérias se mantenha, e diminui a resposta

imunológica neutrofílica que dificulta a cicatrização.

Como desvantagens salienta-se o custo direto do equipamento específico e a necessidade de

formação do cirurgião responsável. Ainda quanto a custos desta terapêutica, importa referir que

apesar desta ter custos diretos superiores às restantes técnicas de encerramento temporário, apresenta

importantes reduções de custos indiretos devido uma diminuição do período de internamento, de re-

explorações cirúrgicas e de complicações. Ao serem contabilizados os custos globais em saúde por

doente com necessidade de encerramento abdominal temporário, vários autores defendem já que a

vacuoterapia em doentes selecionados pode diminuir os custos de tratamento em mais de 30 %.

Importa ainda referir que a maioria dos estudos é unânime em considerar que os benefícios da

vacuoterapia apenas se distinguem das restantes técnicas se esta for implementada nos primeiros 5

dias de internamento.

Em suma, a vacuoterapia é cada vez mais reconhecida internacionalmente como a abordagem certa

para doentes selecionados com Síndrome Compartimental Abdominal. A sua correta aprendizagem e

aplicação por parte das equipas cirúrgicas resultará em cada vez mais benefícios para os doentes e

para a excelência dos Sistemas de Saúde.

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