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A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL SOBRE O TRABALHO DOS
BRASILEIROS NO COMÉRCIO EM SALTO DEL GUAIRÁ – PARAGUAI
Teresa Itsumi Masuzaki1
Marcelo Dornelis Carvalhal2
Eixo temático: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS
RESUMO: A fronteira entre Brasil e Paraguai é marcada pela interação cotidiana entre as populações
de municípios vizinhos e com a expansão comercial o intenso fluxo de pessoas e mercadorias que se
desdobram em diferentes atividades. Neste sentido, entende-se a mobilidade territorial do trabalho dos
brasileiros provenientes de Guaíra/Paraná e Mundo Novo/Mato Grosso do Sul no comércio em Salto
del Guairá-Paraguai. O crescimento comercial em Salto está atrelado à condição fronteiriça, diante dos
baixos custos em relação aos incentivos fiscais oferecidos pelo governo, o sistema tributário e o baixo
preço da mão de obra, inclusive a brasileira. Através da reestruturação produtiva e as políticas
neoliberais o capital tem buscado uma saída para a crise estrutural, a procura por lugares convenientes
as melhores condições de uso e exploração da força de trabalho fazem parte da geografia do
capitalismo. A mobilidade do trabalho não é um processo voluntário, muito pelo contrário, é resultado
das relações sociais que se reproduzem no espaço, em nossa sociedade sob os princípios do
capitalismo. Os trabalhadores são forçados a se colocarem em movimento em busca de empregos e a
se sujeitarem às formas precárias de trabalho para conseguir os meios necessários à subsistência.
PALAVRAS-CHAVE: Fronteira, mobilidade do trabalho, precarização
1 INTRODUÇÃO
As peculiaridades existentes na fronteira entre Brasil e Paraguai constituem fatores
estratégicos para investimentos capitalistas voltados para o setor comercial em Salto del
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia e membro do Grupo de Pesquisa, Geografia das
Lutas do Campo e na Cidade (GEOLUTAS). Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
[email protected] 2 Professor Doutor dos cursos de graduação (Mal. C. Rondon) mestrado em Geografia da Unioeste, membro dos
Grupos de Pesquisa Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (Geolutas) e Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho (CEGeT). Universidade Estadual do Oeste do Paraná[email protected]
Guairá – Paraguai. Há incentivos por parte do Estado Paraguaio para atrair investimentos a
menores custos, uma política de turismo de compras, o sistema tributário que facilita a venda
de mercadorias a preços inferiores aos praticados no Brasil e as condições de uso e exploração
da força de trabalho.
A maior parte da força de trabalho paraguaia é oriunda do campo e com forte
influencia da cultura guarani, muitas vezes não corresponde ao perfil de trabalhador (com
experiência em vendas, comunicativo, maior desenvoltura, domínio da língua portuguesa e
etc.) exigido pelos capitalistas para trabalhar no comércio. Neste sentido, há a utilização da
mão de obra brasileira por dois motivos principais: dar atendimento ao público brasileiro e a
aceitação de salários, já que os municípios vizinhos do lado brasileiro apresentam baixo
dinamismo em seus mercados de trabalho.
Percebemos que os investimentos capitalistas em Salto del Guairá correspondem ao
processo de territorialização do capital sobre o trabalho, com a manutenção das formas
precárias nas relações de trabalho, em um país onde as conquistas trabalhistas são incipientes,
com frágil legislação trabalhista e o aproveitamento da mão de obra brasileira.
Faz parte da geografia do capitalismo a escolha de lugares mais propícios para o
processo de reprodução e acumulação do capital, que também está atrelada ao maior ou menor
grau de maturidade da luta de classes.
O trabalho como categoria de análise da ciência geográfica pode nos ajudar a
compreender a geograficidade do espaço, que ao assumir valor de troca torna-se fator
estratégico para mobilidade territorial do capital, que procura lugares convenientes para o seu
processo de expansão e acumulação, ao mesmo tempo apresenta repercussões à mobilidade
territorial do trabalho.
Neste sentido, entende-se que a mobilidade territorial do trabalho ocorre de forma
forçada e que sob as premissas do capital, podemos perceber em Salto del Guairá formas
precárias de trabalho, os brasileiros se inserem na condição de imigrantes legalizados e
ilegalizados, no mercado de trabalho formal e informal.
Conforme o Departamento de Migrações3 aproximadamente 2000 brasileiros
trabalhavam no comércio no ano de 2008. O representante do Ministério da Justiça e do
Trabalho em Salto aponta que atualmente existem aproximadamente 1500 trabalhadores
formalizados no comércio em Salto del Guairá, sendo que 25% correspondem a brasileiros.
3 Entrevista realizada em 2008.
Coincidentemente, 25% são o percentual máximo de trabalhadores estrangeiros que um
empregador pode ter, segundo a legislação paraguaia.
Esse trabalho foi desenvolvido a partir de levantamento bibliográfico e documentos
pertinentes ao assunto. Conversas informais e entrevistas com representantes do Ministério da
Justiça e do Trabalho, IPS- Instituto de Previdência Social e Departamento de Migrações de
Salto del Guairá e entrevista a dois trabalhadores no mês de dezembro de 2008.
A pesquisa prosseguiu em 2010, com novo levantamento bibliográfico, retomada de
leituras e levantamento de dados em sites oficiais do Brasil e do Paraguai. A pesquisa de
campo deu continuidade através de 28 entrevistas e questionários aplicados aos trabalhadores,
uma entrevista ao representante do Ministério da Justiça e do Trabalho em Salto, conversa
informal e aplicação de questionário/entrevista com cinco empresários, no período de 26 de
agosto a 15 de setembro de 2010 e colóquios com orientador em 2011.
1.1 O trabalho como categoria de análise da Geografia
As diferentes classes sociais que compõem a sociedade, os interesses divergentes,
marcam os conflitos e antagonismos existentes nas relações dentro da sociedade. O espaço,
segundo Moreira (1988), é resultado de um conjunto de relações sociais, onde o homem
realiza sua vida, produz e cria espaço através de algo preexistente, natural ou produzido pelo
homem. Através do trabalho a natureza é transformada pelo homem, por isso ela não é
uniforme e exterior ao ser humano.
O espaço se organiza segundo a estrutura de classes do lugar e, uma vez
assim organizado, reverte sobre a estrutura de classes, sobre determinando-a.
As lutas de classe regem a dialética do espaço e a dialética do espaço rege as
lutas de classes, uma vez que a dialética do espaço é a dialética de classes.
[...] Cada classe define seus espaço próprio de existência, marca-o com suas
condições de existência, nele estampando (na morfologia, como na
organização) seu caráter. (MOREIRA, 1988, p.38)
O homem enquanto natureza, precisa se relacionar com a natureza, transformando-a,
processo que se dá através da mediação do trabalho. “O trabalho é um processo entre o
homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a Natureza.” (MARX, 1983, p.149) O trabalho é ontológico,
isto é, inerente à sociedade. É a “expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a
natureza, sendo que em seu vir a ser está inscrita a intenção ontologicamente ligada ao
processo de humanização do homem.” (THOMAZ JR, 2002.p.2). Ao mesmo tempo em que o
trabalho é ontológico, ele é também um ato teleológico, pois o homem transforma a natureza,
planejando e projetando antes mesmo de realizá-lo.
Mas o que distingue, de antemão o pior arquiteto da melhor abelha é que ele
construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do
processo do trabalho obtém-se um resultado que já no início deste já existiu
na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente. Ele apenas não efetua
uma transformação da forma da matéria natural; realiza ao mesmo tempo, na
matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie
e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. (MARX,
1983, p.149-150)
A mediação entre homem e natureza se dá de forma pensada, soldando a práxis
ontológica do trabalho diante do agir societal. O trabalho como expressão da relação
metabólica do homem e a natureza, é a forma do homem se realizar, de forma material e
espiritual, garantindo a realização de sua vida, dando-lhe sentido.
Conforme Thomaz Jr. (2002) a natureza transformada pelo trabalho do homem assume
um caráter cumulativo, o homem age sobre uma natureza já transformada, transformando
também as relações sociais. O mundo do trabalho possui complexas relações com
características espaciais e territoriais, que são o marcos tempo-espaço do resultado teleológico
do trabalho, do qual o homem cria e renova as próprias condições de sua reprodução.
Entendemos que o trabalho é transformado pelas relações sociais, sendo as relações de
trabalho resultado de um processo histórico. A relação homem-meio constrói a organização
social e espacial, sendo o trabalho enquanto ato teleológico o que redefine constante e
contraditoriamente o processo social e o espaço geográfico.
Compreendemos também que a organização do trabalho varia conforme a organização
da sociedade. A organização da sociedade em que vivemos é baseada nos princípios do
capitalismo, para o processo de acumulação de capital.
A Geografia busca entender a realidade, as relações sociais dentro de sua totalidade. A
Geografia do Trabalho tem como enfoque o trabalho, compreendido tanto na sua expressão da
relação metabólica homem-natureza, quanto na regulação sociedade e espaço que busca
entender uma dimensão da realidade. O trabalho como categoria de análise da ciência
geográfica pode nos ajudar a compreender a organização do espaço geográfico que no
capitalismo assume um valor de troca, permitindo a sobrevivência daqueles que são os
detentores dos meios de produção.
As empresas capitalistas levam em conta as características locais para manipular a
organização do trabalho em seu favor. O trabalho é um fator estratégico na mobilidade
territorial do capital, que procura lugares convenientes para o seu processo de expansão e
acumulação, ao mesmo tempo apresenta repercussões à mobilidade territorial do trabalho.
Para Gaudemar (1977) as diferentes formas de o capital usufruir da força de trabalho
para o seu processo de valorização correspondem ao processo de tornar móvel o trabalho. A
mobilidade da força de trabalho faz parte da gênese do sistema capitalista, no processo de
acumulação primitiva em que o trabalhador passa a ser livre para vender sua força de trabalho
enquanto mercadoria, tornando-se trabalhador assalariado.
A liberdade do trabalho encontra-se totalmente definida nesta dupla
determinação: o trabalhador dispõe livremente da sua força de trabalho, mas
tem absoluta necessidade de vender. A mobilidade da força de trabalho é
assim introduzida, em primeiro lugar, como condição de exercício de sua
liberdade de se deixar sujeitar ao capital, de se tornar a mercadoria cujo
consumo criará o valor e assim produzirá o capital. (GAUDEMAR, 1977
p.190)
Entendemos que a mobilidade territorial do trabalho não corresponde a um processo
voluntário, muito pelo contrário, é consequência da reprodução das relações de produção no
espaço, em nossa sociedade sob as condições criadas pelo desenvolvimento capitalista.
Neste sentido abordamos o conceito de território em Raffestin (1993) como um espaço
onde se projetou um trabalho, ou energia e informação, e que ao mesmo tempo revela relações
marcadas pelo poder.
Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma
produção, a partir do espaço. Ora, a produção por causa de todas as relações
que envolvem, se inscreve num campo de poder. Produzir uma representação
do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle, portanto, mesmo
se isso permanece nos limites de um conhecimento. Qualquer projeto no
espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de
um território, de um local de relações. (RAFFESTIN, 1993, p.144)
Na Geografia do trabalho, entendemos que o território está relacionado com as
relações de poder, no conflito existente entre capital e trabalho. Em que a reprodução da
pobreza e do mercado de trabalho precário é fundamental para o capitalismo. Os
trabalhadores são obrigados a se sujeitarem as relações de trabalho extremamente precárias,
muitas vezes gerando deslocamentos individuais em busca de emprego para adquirir os meios
necessários para a subsistência.
Neste sentido, a sujeição dos brasileiros no mercado de trabalho em Salto del Guairá
está relacionada ao contexto que se enquadram no mercado de trabalho no Brasil. Em Mundo
Novo e Guaíra houve o aumento do número de empregos formais, respectivamente mil e dois
mil empregos entre os anos de 1996 a 20074, principalmente na indústria, comércio e setor de
serviços. Por outro lado, percebemos a permanência das formas precárias de trabalho, como
baixos salários, intensa jornada de trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista e outros.
Os municípios de Guaíra e Mundo Novo apresentam alto índice de informalidade. A
taxa de informalidade restrita de Guaíra é de 46,4%, superior a do Estado do Paraná, que é de
34,7%. Mundo Novo apresenta média de informalidade de 50,2% maior que a do Estado do
Mato Grosso do Sul, que é de 40,7%, ambos os municípios ultrapassando a média de 36,8%
do Brasil5. A informalidade corresponde ao aumento do trabalho não continuado, temporário,
significando a maior rotatividade de trabalhadores em vários postos de emprego e realizando
diversas atividades. A mobilidade territorial (campo-cidade) da força de trabalho demonstra
que é grande a importância das atividades informais na geração de empregos nestes
municípios, tanto na cidade como no campo.
Neste contexto compreendemos que a mão de obra brasileira é obrigada a deslocar
para Salto del Guairá em busca de empregos e melhores salários, acabam sujeitando-se as
relações precárias de trabalho.
1.2 A precarização do Trabalho dos Brasileiros em Salto del Guairá
A partir da década de 1970, com a crise do fordismo houve a necessidade de uma nova
reestruturação no modo capitalista de produção, novas formas foram implantadas para que
mantivesse a acumulação em níveis aceitáveis à própria reprodução de capital, pois o sistema
capitalista encontrava-se em um quadro crítico, e que segundo ANTUNES (2006, p.29),
houve uma decrescente taxa de lucro ocasionado pelas lutas sociais por controle e pelo
aumento do preço da força de trabalho, esgotamento do padrão de acumulação, retração do
consumo em resposta ao desemprego estrutural, a concentração de capitais, como também o
capital financeiro como campo prioritário para a especulação, contrariando interesses do
capital produtivo.
O modelo fordista criou condições que possibilitavam certa resistência por parte dos
trabalhadores, resultado da correlação entre trabalho e capital, em que o capital teve que ceder
à pressão dos trabalhadores. Os capitalistas já não conseguiam alcançar os padrões aceitáveis
de acumulação, obrigando-se a encontrar meios para remover as barreiras criadas por este
4 CAGED/MTE-RAIS, 1996-2007.
5 IBGE – Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal, 2000.
modelo, para que fosse possível intensificar o trabalho não pago. O trabalho organizado e o
poder do sindicato são obstáculos que travam a finalidade do capitalismo.
Em resposta à crise estrutural do capital, começa uma nova fase que corresponde a
uma intensificação das tendências do capital, por ser inerentemente expansivo, vem
interferindo e trazendo fortes transformações ao mundo do trabalho, que através das políticas
neoliberais e reestruturação produtiva tem tornado as relações de trabalho ainda mais
precárias. Como nos apontam Alves e Antunes (2004) há a desconcentração do espaço físico
produtivo, várias modalidades de flexibilização e a introdução de novas tecnologias que tem
favorecido a desregulamentação do mercado de trabalho, reduzindo o conjunto de
trabalhadores estáveis que se estruturavam por meio de empregos formais.
Segundo Carvalhal (2008) o neoliberalismo como doutrina econômica para a gestão da
crise do capital, significou em dilapidação dos direitos trabalhistas conquistados durante
décadas nos países desenvolvidos e no Brasil, desde a consolidação das Leis do Trabalho. A
partir de 1990, com o governo Collor e mais recentemente no governo de Lula 2003-2010 se
traduziu nas alterações da legislação trabalhista como forma de aumentar a atração do país pra
os investidores estrangeiros sob a acusação de que o mercado de trabalho no Brasil é muito
rígido, não permitindo às empresas no Brasil competirem no mercado internacional.
O processo de reestruturação produtiva e as ofensivas neoliberais impostas pelo capital
tem sido responsáveis pelo crescente desemprego e pela degradação das condições de
trabalho, viabilizando a desmobilização e o enfraquecimento da classe trabalhadora.
As mudanças engendradas ao mundo do trabalho pelo capital, como reestruturação
produtiva e as políticas neoliberais, têm suas especificidades no Brasil, um país em que as
relações de trabalho sempre foram precárias, se enquadra em um contexto de contínua
precarização do mercado de trabalho. Ademais, as desigualdades regionais acirradas pelo
desenvolvimento do capitalismo são estratégicas e fundamentais para a mobilidade territorial
do capital, que buscam lugares propícios para o processo de expansão e acumulação de
capital.
Conforme Meneleu Neto (1996) o capital tem buscado regiões “novas” onde a classe
trabalhadora não passou pelas mesmas experiências de lutas e conquistas trabalhistas das
áreas centralizadas, buscando lugares onde há mão de obra barata e dócil, com baixa tradição
sindical e baixas oportunidades de emprego. “A relação ente o desemprego e a fragilização
das relações de trabalho se manifestam de formas diversas, de acordo com a distribuição
espacial das empresas e as condições da luta de classes”. (MENELEU NETO, 1996, p.91).
Neste sentido a escolha do lugar para o investimento capitalista está ligada ao maior
ou menor grau de maturidade da luta de classes. O lugar onde a classe trabalhadora é menos
resistente o capital se instala com os objetivos voltados para a superexploração do trabalho.
Com a crise estrutural do capital, vários mecanismos têm sido buscados para recuperar
os padrões de acumulação, com fortes transformações para o mundo do trabalho, em suas
formas organizativas que não se restringem apenas ao seu plano político econômico ou sobre
a gestão produtiva, mas se expressa geograficamente pela mobilidade territorial do capital e
do trabalho, buscando lugares estratégicos para sua expansão e acumulação. Neste sentido, a
apropriação e uso do território ocorrem em lugares propícios aos princípios capitalistas, onde
há a disponibilização de infraestruturas, incentivos fiscais, mão de obra abundante, dócil,
pouco sindicalizada que possibilita a utilização da força de trabalho em condições
extremamente precárias, como baixa remuneração, jornadas de trabalho intensas, o
desrespeito à legislação trabalhista e outros.
Entendemos que entre outros elementos, os trabalhadores são estratégicos para o
capital, fundamentais para a sua expansão geográfica, pois busca se territorializar em lugares
que oferecem melhores condições de uso e apropriação de sua força de trabalho. Em Sato del
Guairá, o capital encontra um excedente de mão de obra, com poucas ou sem nenhuma
garantia social, baixa experiência de organização e luta coletiva e sem nenhuma
representatividade sindical. E a utilização da mão de obra brasileira, na condição de
trabalhadores estrangeiros, muitas vezes ilegais e informais, está mais sujeitos as premissas do
capital.
Durante nossa pesquisa, percebemos formas muito precárias de trabalho que se
reproduzem no comércio em Salto del Guairá, em que os brasileiros estão mais sujeitos às
premissas capitalista, pela condição de estrangeiros e muitas vezes em condição de
trabalhadores informais e ilegais.
As relações de trabalho são muito flexíveis, quanto à política salarial, formas precárias
de contrato de trabalho, jornada de trabalho e as garantias sociais.
As formas precárias de contratação trazem enormes facilidades de admissão e
demissão da mão de obra, conforme as necessidades mercadológicas da empresa. Com a
flexibilização não existe a estabilidade absoluta no emprego, impera o direito de demitir sem
justa causa, sem aviso prévio e multa do FGTS. Do ponto de vista do trabalhador, isso
significa a insegurança no trabalho, expressa na elevada taxa de rotatividade no emprego, no
qual percebemos o tempo médio de tempo de serviço dos brasileiros entrevistados inferior a
dois anos. Conforme o gráfico (1):
GRÁFICO 1. Tempo Médio de Serviço dos Brasileiros no Comércio em
Salto del Guairá
Fonte: MASUZAKI, Teresa Itsumi. Amostras do Campo, agosto a outubro
de 2010.
Outra forma de vínculo empregatício é o RUC (Registro Único do Contribuinte) que é
a transformação da pessoa física para pessoa jurídica, que mascara o conflito capital e
trabalho, o trabalhador deixa de ter uma relação de assalariado com a empresa, ficando
destituído de todos direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS, o próprio salário e
outros. Neste sentido, o seu rendimento mensal é adquirido por meio das vendas em forma de
comissões, e como capitalista, deve arcar com os custos enquanto tal, como pagamento de
impostos ao governo das mercadorias vendidas.
Outras estratégias de flexibilização das relações de trabalho podem ser identificadas
em Salto, como a estratégias da Participação dos Lucros e Resultados - PLR, em forma de
comissões. Conforme Proni (2003) a PLR viabiliza o direito dos trabalhadores participarem
dos lucros e resultados da empresa. Há trabalhadores no comércio que não contam com um
salário fixo, dependendo unicamente da comissão. A PLR exige maior responsabilidade do
trabalhador e interesse em vender. Essa estratégia, além de ser um meio de acabar com a
política salarial, de reajustes sobre o salário fixo, é também uma forma de extrair o
sobretrabalho. O trabalhador dá o máximo de si, muitas vezes em um ambiente de
competitividade e individualismo, com colegas de trabalho, resultando em lucros para o
capitalista.
A jornada de trabalho também costuma ser muito flexibilizada e intensa. Os
trabalhadores trabalham nos sábados o dia inteiro e domingos até meio dia, às vezes o tempo
de serviço é ultrapassado conforme o movimento, com direito apenas a um dia de folga no
meio da semana e sem direito à hora extra. O horário de almoço geralmente é de uma hora,
em estabelecimentos com menor número de funcionários se flexibiliza diante da presença de
consumidores. Os trabalhadores contam com 15 a 30 dias de férias e a legislação trabalhista
paraguaia não garante o seguro desemprego aos trabalhadores formais.
No Paraguai, grande parte dos brasileiros está na condição de migrantes ilegais
consequentemente estão aptos para serem inseridos ao mercado de trabalho informal, haja
vista que o “Permisso” é o requisito básico para o estrangeiro se inserir no mercado de
trabalho formal no Paraguai.
A condição de ilegalidade deixa o trabalhador mais subordinado às premissas do
capital, não apenas pelo vínculo informal, mas pela condição de imigrante ilegal que dificulta
ainda mais a luta pelos seus direitos trabalhista e também de seu direito enquanto cidadão,
pois está sob a ameaça de ser deportado a qualquer momento. Seus direitos são assegurados a
partir da relação informal, entre empregador e empregado, onde a palavra do patrão é a sua
única garantia, em relação a salário, férias, 13º salário, descanso remunerado e outras
garantias sociais.
A solução de conflitos entre trabalhadores e empregadores no comércio em Salto,
ocorre por meio da mediação e arbitragem privada, o contador. Este se coloca em uma
posição neutra diante do trabalhador, como se a negociação caminhasse satisfazendo ambas as
partes, o que raramente acontece. O trabalhador sempre acaba perdendo. A solução de
conflitos pela mediação privada é uma estratégia de embate na luta de classes, que se dá em
detrimento dos espaços públicos e estatais, como o afrouxamento da fiscalização por parte do
Ministério da Justiça e do Trabalho.
Nas entrevistas, percebemos que são raros os trabalhadores que entram com processos
trabalhistas em busca de seus direitos, as causas perdidas são exemplos que inibem a ação dos
demais trabalhadores. Os brasileiros apresentam baixa resistência às ofensivas capitalista,
diante das condições precárias de trabalho que se encontram.
2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mobilidade territorial da força de trabalho não acontece de forma voluntária, muito
pelo contrário, é resultado da produção e reprodução sócio-espacial em uma sociedade
capitalista, no que se remete ao conflito capital e trabalho. Neste sentido, a mão de obra
brasileira diante da baixa oportunidade de emprego e de precariedade do trabalho no Brasil, é
obrigada a se deslocar para o outro lado da fronteira e sujeitar às formas precárias de trabalho
em outro país para conseguir os meios necessários para a subsistência.
A busca de lugares propícios às condições de uso e exploração do trabalho faz parte da
Geografia do capitalismo, com preferência por regiões onde há baixa experiência de
organização e luta coletiva, sem tradição sindical e baixas oportunidades de empregos. Essas
estratégias estão vinculadas a condição da luta de classe, entre capital e trabalho, os
capitalistas utilizam de diversos meios para ter maior controle sobre a força de trabalho.
O processo de reestruturação produtiva, através de incremento de novas tecnologias, a
combinação de novas e velhas formas organizacionais do trabalho e a fragmentação do espaço
produtivo, junto às políticas de desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho,
tem aumentado o trabalho informal, parcial, temporário e precário, com consequências ainda
mais drásticas para as regiões mais pobres em que se passa por um processo de contínua
precarização.
As transformações imposta pelo capital torna o mundo do trabalho ainda mais
complexo. Neste sentido, não propomos trazer resultados acabados, mas contribuir para o
debate sobre a dinâmica territorial do capital e do trabalho, colaborar para uma postura crítica
na ciência geográfica, a fim de desconstruir as ideologias das classes dominantes, deslegitimá-
las em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, para além do capital.
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