a territorializaÇÃo do capital sobre o trabalho...

12
A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL SOBRE O TRABALHO DOS BRASILEIROS NO COMÉRCIO EM SALTO DEL GUAIRÁ PARAGUAI Teresa Itsumi Masuzaki 1 Marcelo Dornelis Carvalhal 2 Eixo temático: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS RESUMO: A fronteira entre Brasil e Paraguai é marcada pela interação cotidiana entre as populações de municípios vizinhos e com a expansão comercial o intenso fluxo de pessoas e mercadorias que se desdobram em diferentes atividades. Neste sentido, entende-se a mobilidade territorial do trabalho dos brasileiros provenientes de Guaíra/Paraná e Mundo Novo/Mato Grosso do Sul no comércio em Salto del Guairá-Paraguai. O crescimento comercial em Salto está atrelado à condição fronteiriça, diante dos baixos custos em relação aos incentivos fiscais oferecidos pelo governo, o sistema tributário e o baixo preço da mão de obra, inclusive a brasileira. Através da reestruturação produtiva e as políticas neoliberais o capital tem buscado uma saída para a crise estrutural, a procura por lugares convenientes as melhores condições de uso e exploração da força de trabalho fazem parte da geografia do capitalismo. A mobilidade do trabalho não é um processo voluntário, muito pelo contrário, é resultado das relações sociais que se reproduzem no espaço, em nossa sociedade sob os princípios do capitalismo. Os trabalhadores são forçados a se colocarem em movimento em busca de empregos e a se sujeitarem às formas precárias de trabalho para conseguir os meios necessários à subsistência. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira, mobilidade do trabalho, precarização 1 INTRODUÇÃO As peculiaridades existentes na fronteira entre Brasil e Paraguai constituem fatores estratégicos para investimentos capitalistas voltados para o setor comercial em Salto del 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia e membro do Grupo de Pesquisa, Geografia das Lutas do Campo e na Cidade (GEOLUTAS). Universidade Estadual do Oeste do Paraná. [email protected] 2 Professor Doutor dos cursos de graduação (Mal. C. Rondon) mestrado em Geografia da Unioeste, membro dos Grupos de Pesquisa Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (Geolutas) e Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT). Universidade Estadual do Oeste do Paraná[email protected]

Upload: lehanh

Post on 14-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL SOBRE O TRABALHO DOS

BRASILEIROS NO COMÉRCIO EM SALTO DEL GUAIRÁ – PARAGUAI

Teresa Itsumi Masuzaki1

Marcelo Dornelis Carvalhal2

Eixo temático: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS

RESUMO: A fronteira entre Brasil e Paraguai é marcada pela interação cotidiana entre as populações

de municípios vizinhos e com a expansão comercial o intenso fluxo de pessoas e mercadorias que se

desdobram em diferentes atividades. Neste sentido, entende-se a mobilidade territorial do trabalho dos

brasileiros provenientes de Guaíra/Paraná e Mundo Novo/Mato Grosso do Sul no comércio em Salto

del Guairá-Paraguai. O crescimento comercial em Salto está atrelado à condição fronteiriça, diante dos

baixos custos em relação aos incentivos fiscais oferecidos pelo governo, o sistema tributário e o baixo

preço da mão de obra, inclusive a brasileira. Através da reestruturação produtiva e as políticas

neoliberais o capital tem buscado uma saída para a crise estrutural, a procura por lugares convenientes

as melhores condições de uso e exploração da força de trabalho fazem parte da geografia do

capitalismo. A mobilidade do trabalho não é um processo voluntário, muito pelo contrário, é resultado

das relações sociais que se reproduzem no espaço, em nossa sociedade sob os princípios do

capitalismo. Os trabalhadores são forçados a se colocarem em movimento em busca de empregos e a

se sujeitarem às formas precárias de trabalho para conseguir os meios necessários à subsistência.

PALAVRAS-CHAVE: Fronteira, mobilidade do trabalho, precarização

1 INTRODUÇÃO

As peculiaridades existentes na fronteira entre Brasil e Paraguai constituem fatores

estratégicos para investimentos capitalistas voltados para o setor comercial em Salto del

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia e membro do Grupo de Pesquisa, Geografia das

Lutas do Campo e na Cidade (GEOLUTAS). Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

[email protected] 2 Professor Doutor dos cursos de graduação (Mal. C. Rondon) mestrado em Geografia da Unioeste, membro dos

Grupos de Pesquisa Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (Geolutas) e Centro de Estudos de Geografia do

Trabalho (CEGeT). Universidade Estadual do Oeste do Paraná[email protected]

Guairá – Paraguai. Há incentivos por parte do Estado Paraguaio para atrair investimentos a

menores custos, uma política de turismo de compras, o sistema tributário que facilita a venda

de mercadorias a preços inferiores aos praticados no Brasil e as condições de uso e exploração

da força de trabalho.

A maior parte da força de trabalho paraguaia é oriunda do campo e com forte

influencia da cultura guarani, muitas vezes não corresponde ao perfil de trabalhador (com

experiência em vendas, comunicativo, maior desenvoltura, domínio da língua portuguesa e

etc.) exigido pelos capitalistas para trabalhar no comércio. Neste sentido, há a utilização da

mão de obra brasileira por dois motivos principais: dar atendimento ao público brasileiro e a

aceitação de salários, já que os municípios vizinhos do lado brasileiro apresentam baixo

dinamismo em seus mercados de trabalho.

Percebemos que os investimentos capitalistas em Salto del Guairá correspondem ao

processo de territorialização do capital sobre o trabalho, com a manutenção das formas

precárias nas relações de trabalho, em um país onde as conquistas trabalhistas são incipientes,

com frágil legislação trabalhista e o aproveitamento da mão de obra brasileira.

Faz parte da geografia do capitalismo a escolha de lugares mais propícios para o

processo de reprodução e acumulação do capital, que também está atrelada ao maior ou menor

grau de maturidade da luta de classes.

O trabalho como categoria de análise da ciência geográfica pode nos ajudar a

compreender a geograficidade do espaço, que ao assumir valor de troca torna-se fator

estratégico para mobilidade territorial do capital, que procura lugares convenientes para o seu

processo de expansão e acumulação, ao mesmo tempo apresenta repercussões à mobilidade

territorial do trabalho.

Neste sentido, entende-se que a mobilidade territorial do trabalho ocorre de forma

forçada e que sob as premissas do capital, podemos perceber em Salto del Guairá formas

precárias de trabalho, os brasileiros se inserem na condição de imigrantes legalizados e

ilegalizados, no mercado de trabalho formal e informal.

Conforme o Departamento de Migrações3 aproximadamente 2000 brasileiros

trabalhavam no comércio no ano de 2008. O representante do Ministério da Justiça e do

Trabalho em Salto aponta que atualmente existem aproximadamente 1500 trabalhadores

formalizados no comércio em Salto del Guairá, sendo que 25% correspondem a brasileiros.

3 Entrevista realizada em 2008.

Coincidentemente, 25% são o percentual máximo de trabalhadores estrangeiros que um

empregador pode ter, segundo a legislação paraguaia.

Esse trabalho foi desenvolvido a partir de levantamento bibliográfico e documentos

pertinentes ao assunto. Conversas informais e entrevistas com representantes do Ministério da

Justiça e do Trabalho, IPS- Instituto de Previdência Social e Departamento de Migrações de

Salto del Guairá e entrevista a dois trabalhadores no mês de dezembro de 2008.

A pesquisa prosseguiu em 2010, com novo levantamento bibliográfico, retomada de

leituras e levantamento de dados em sites oficiais do Brasil e do Paraguai. A pesquisa de

campo deu continuidade através de 28 entrevistas e questionários aplicados aos trabalhadores,

uma entrevista ao representante do Ministério da Justiça e do Trabalho em Salto, conversa

informal e aplicação de questionário/entrevista com cinco empresários, no período de 26 de

agosto a 15 de setembro de 2010 e colóquios com orientador em 2011.

1.1 O trabalho como categoria de análise da Geografia

As diferentes classes sociais que compõem a sociedade, os interesses divergentes,

marcam os conflitos e antagonismos existentes nas relações dentro da sociedade. O espaço,

segundo Moreira (1988), é resultado de um conjunto de relações sociais, onde o homem

realiza sua vida, produz e cria espaço através de algo preexistente, natural ou produzido pelo

homem. Através do trabalho a natureza é transformada pelo homem, por isso ela não é

uniforme e exterior ao ser humano.

O espaço se organiza segundo a estrutura de classes do lugar e, uma vez

assim organizado, reverte sobre a estrutura de classes, sobre determinando-a.

As lutas de classe regem a dialética do espaço e a dialética do espaço rege as

lutas de classes, uma vez que a dialética do espaço é a dialética de classes.

[...] Cada classe define seus espaço próprio de existência, marca-o com suas

condições de existência, nele estampando (na morfologia, como na

organização) seu caráter. (MOREIRA, 1988, p.38)

O homem enquanto natureza, precisa se relacionar com a natureza, transformando-a,

processo que se dá através da mediação do trabalho. “O trabalho é um processo entre o

homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e

controla seu metabolismo com a Natureza.” (MARX, 1983, p.149) O trabalho é ontológico,

isto é, inerente à sociedade. É a “expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a

natureza, sendo que em seu vir a ser está inscrita a intenção ontologicamente ligada ao

processo de humanização do homem.” (THOMAZ JR, 2002.p.2). Ao mesmo tempo em que o

trabalho é ontológico, ele é também um ato teleológico, pois o homem transforma a natureza,

planejando e projetando antes mesmo de realizá-lo.

Mas o que distingue, de antemão o pior arquiteto da melhor abelha é que ele

construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do

processo do trabalho obtém-se um resultado que já no início deste já existiu

na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente. Ele apenas não efetua

uma transformação da forma da matéria natural; realiza ao mesmo tempo, na

matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie

e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. (MARX,

1983, p.149-150)

A mediação entre homem e natureza se dá de forma pensada, soldando a práxis

ontológica do trabalho diante do agir societal. O trabalho como expressão da relação

metabólica do homem e a natureza, é a forma do homem se realizar, de forma material e

espiritual, garantindo a realização de sua vida, dando-lhe sentido.

Conforme Thomaz Jr. (2002) a natureza transformada pelo trabalho do homem assume

um caráter cumulativo, o homem age sobre uma natureza já transformada, transformando

também as relações sociais. O mundo do trabalho possui complexas relações com

características espaciais e territoriais, que são o marcos tempo-espaço do resultado teleológico

do trabalho, do qual o homem cria e renova as próprias condições de sua reprodução.

Entendemos que o trabalho é transformado pelas relações sociais, sendo as relações de

trabalho resultado de um processo histórico. A relação homem-meio constrói a organização

social e espacial, sendo o trabalho enquanto ato teleológico o que redefine constante e

contraditoriamente o processo social e o espaço geográfico.

Compreendemos também que a organização do trabalho varia conforme a organização

da sociedade. A organização da sociedade em que vivemos é baseada nos princípios do

capitalismo, para o processo de acumulação de capital.

A Geografia busca entender a realidade, as relações sociais dentro de sua totalidade. A

Geografia do Trabalho tem como enfoque o trabalho, compreendido tanto na sua expressão da

relação metabólica homem-natureza, quanto na regulação sociedade e espaço que busca

entender uma dimensão da realidade. O trabalho como categoria de análise da ciência

geográfica pode nos ajudar a compreender a organização do espaço geográfico que no

capitalismo assume um valor de troca, permitindo a sobrevivência daqueles que são os

detentores dos meios de produção.

As empresas capitalistas levam em conta as características locais para manipular a

organização do trabalho em seu favor. O trabalho é um fator estratégico na mobilidade

territorial do capital, que procura lugares convenientes para o seu processo de expansão e

acumulação, ao mesmo tempo apresenta repercussões à mobilidade territorial do trabalho.

Para Gaudemar (1977) as diferentes formas de o capital usufruir da força de trabalho

para o seu processo de valorização correspondem ao processo de tornar móvel o trabalho. A

mobilidade da força de trabalho faz parte da gênese do sistema capitalista, no processo de

acumulação primitiva em que o trabalhador passa a ser livre para vender sua força de trabalho

enquanto mercadoria, tornando-se trabalhador assalariado.

A liberdade do trabalho encontra-se totalmente definida nesta dupla

determinação: o trabalhador dispõe livremente da sua força de trabalho, mas

tem absoluta necessidade de vender. A mobilidade da força de trabalho é

assim introduzida, em primeiro lugar, como condição de exercício de sua

liberdade de se deixar sujeitar ao capital, de se tornar a mercadoria cujo

consumo criará o valor e assim produzirá o capital. (GAUDEMAR, 1977

p.190)

Entendemos que a mobilidade territorial do trabalho não corresponde a um processo

voluntário, muito pelo contrário, é consequência da reprodução das relações de produção no

espaço, em nossa sociedade sob as condições criadas pelo desenvolvimento capitalista.

Neste sentido abordamos o conceito de território em Raffestin (1993) como um espaço

onde se projetou um trabalho, ou energia e informação, e que ao mesmo tempo revela relações

marcadas pelo poder.

Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma

produção, a partir do espaço. Ora, a produção por causa de todas as relações

que envolvem, se inscreve num campo de poder. Produzir uma representação

do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle, portanto, mesmo

se isso permanece nos limites de um conhecimento. Qualquer projeto no

espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de

um território, de um local de relações. (RAFFESTIN, 1993, p.144)

Na Geografia do trabalho, entendemos que o território está relacionado com as

relações de poder, no conflito existente entre capital e trabalho. Em que a reprodução da

pobreza e do mercado de trabalho precário é fundamental para o capitalismo. Os

trabalhadores são obrigados a se sujeitarem as relações de trabalho extremamente precárias,

muitas vezes gerando deslocamentos individuais em busca de emprego para adquirir os meios

necessários para a subsistência.

Neste sentido, a sujeição dos brasileiros no mercado de trabalho em Salto del Guairá

está relacionada ao contexto que se enquadram no mercado de trabalho no Brasil. Em Mundo

Novo e Guaíra houve o aumento do número de empregos formais, respectivamente mil e dois

mil empregos entre os anos de 1996 a 20074, principalmente na indústria, comércio e setor de

serviços. Por outro lado, percebemos a permanência das formas precárias de trabalho, como

baixos salários, intensa jornada de trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista e outros.

Os municípios de Guaíra e Mundo Novo apresentam alto índice de informalidade. A

taxa de informalidade restrita de Guaíra é de 46,4%, superior a do Estado do Paraná, que é de

34,7%. Mundo Novo apresenta média de informalidade de 50,2% maior que a do Estado do

Mato Grosso do Sul, que é de 40,7%, ambos os municípios ultrapassando a média de 36,8%

do Brasil5. A informalidade corresponde ao aumento do trabalho não continuado, temporário,

significando a maior rotatividade de trabalhadores em vários postos de emprego e realizando

diversas atividades. A mobilidade territorial (campo-cidade) da força de trabalho demonstra

que é grande a importância das atividades informais na geração de empregos nestes

municípios, tanto na cidade como no campo.

Neste contexto compreendemos que a mão de obra brasileira é obrigada a deslocar

para Salto del Guairá em busca de empregos e melhores salários, acabam sujeitando-se as

relações precárias de trabalho.

1.2 A precarização do Trabalho dos Brasileiros em Salto del Guairá

A partir da década de 1970, com a crise do fordismo houve a necessidade de uma nova

reestruturação no modo capitalista de produção, novas formas foram implantadas para que

mantivesse a acumulação em níveis aceitáveis à própria reprodução de capital, pois o sistema

capitalista encontrava-se em um quadro crítico, e que segundo ANTUNES (2006, p.29),

houve uma decrescente taxa de lucro ocasionado pelas lutas sociais por controle e pelo

aumento do preço da força de trabalho, esgotamento do padrão de acumulação, retração do

consumo em resposta ao desemprego estrutural, a concentração de capitais, como também o

capital financeiro como campo prioritário para a especulação, contrariando interesses do

capital produtivo.

O modelo fordista criou condições que possibilitavam certa resistência por parte dos

trabalhadores, resultado da correlação entre trabalho e capital, em que o capital teve que ceder

à pressão dos trabalhadores. Os capitalistas já não conseguiam alcançar os padrões aceitáveis

de acumulação, obrigando-se a encontrar meios para remover as barreiras criadas por este

4 CAGED/MTE-RAIS, 1996-2007.

5 IBGE – Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal, 2000.

modelo, para que fosse possível intensificar o trabalho não pago. O trabalho organizado e o

poder do sindicato são obstáculos que travam a finalidade do capitalismo.

Em resposta à crise estrutural do capital, começa uma nova fase que corresponde a

uma intensificação das tendências do capital, por ser inerentemente expansivo, vem

interferindo e trazendo fortes transformações ao mundo do trabalho, que através das políticas

neoliberais e reestruturação produtiva tem tornado as relações de trabalho ainda mais

precárias. Como nos apontam Alves e Antunes (2004) há a desconcentração do espaço físico

produtivo, várias modalidades de flexibilização e a introdução de novas tecnologias que tem

favorecido a desregulamentação do mercado de trabalho, reduzindo o conjunto de

trabalhadores estáveis que se estruturavam por meio de empregos formais.

Segundo Carvalhal (2008) o neoliberalismo como doutrina econômica para a gestão da

crise do capital, significou em dilapidação dos direitos trabalhistas conquistados durante

décadas nos países desenvolvidos e no Brasil, desde a consolidação das Leis do Trabalho. A

partir de 1990, com o governo Collor e mais recentemente no governo de Lula 2003-2010 se

traduziu nas alterações da legislação trabalhista como forma de aumentar a atração do país pra

os investidores estrangeiros sob a acusação de que o mercado de trabalho no Brasil é muito

rígido, não permitindo às empresas no Brasil competirem no mercado internacional.

O processo de reestruturação produtiva e as ofensivas neoliberais impostas pelo capital

tem sido responsáveis pelo crescente desemprego e pela degradação das condições de

trabalho, viabilizando a desmobilização e o enfraquecimento da classe trabalhadora.

As mudanças engendradas ao mundo do trabalho pelo capital, como reestruturação

produtiva e as políticas neoliberais, têm suas especificidades no Brasil, um país em que as

relações de trabalho sempre foram precárias, se enquadra em um contexto de contínua

precarização do mercado de trabalho. Ademais, as desigualdades regionais acirradas pelo

desenvolvimento do capitalismo são estratégicas e fundamentais para a mobilidade territorial

do capital, que buscam lugares propícios para o processo de expansão e acumulação de

capital.

Conforme Meneleu Neto (1996) o capital tem buscado regiões “novas” onde a classe

trabalhadora não passou pelas mesmas experiências de lutas e conquistas trabalhistas das

áreas centralizadas, buscando lugares onde há mão de obra barata e dócil, com baixa tradição

sindical e baixas oportunidades de emprego. “A relação ente o desemprego e a fragilização

das relações de trabalho se manifestam de formas diversas, de acordo com a distribuição

espacial das empresas e as condições da luta de classes”. (MENELEU NETO, 1996, p.91).

Neste sentido a escolha do lugar para o investimento capitalista está ligada ao maior

ou menor grau de maturidade da luta de classes. O lugar onde a classe trabalhadora é menos

resistente o capital se instala com os objetivos voltados para a superexploração do trabalho.

Com a crise estrutural do capital, vários mecanismos têm sido buscados para recuperar

os padrões de acumulação, com fortes transformações para o mundo do trabalho, em suas

formas organizativas que não se restringem apenas ao seu plano político econômico ou sobre

a gestão produtiva, mas se expressa geograficamente pela mobilidade territorial do capital e

do trabalho, buscando lugares estratégicos para sua expansão e acumulação. Neste sentido, a

apropriação e uso do território ocorrem em lugares propícios aos princípios capitalistas, onde

há a disponibilização de infraestruturas, incentivos fiscais, mão de obra abundante, dócil,

pouco sindicalizada que possibilita a utilização da força de trabalho em condições

extremamente precárias, como baixa remuneração, jornadas de trabalho intensas, o

desrespeito à legislação trabalhista e outros.

Entendemos que entre outros elementos, os trabalhadores são estratégicos para o

capital, fundamentais para a sua expansão geográfica, pois busca se territorializar em lugares

que oferecem melhores condições de uso e apropriação de sua força de trabalho. Em Sato del

Guairá, o capital encontra um excedente de mão de obra, com poucas ou sem nenhuma

garantia social, baixa experiência de organização e luta coletiva e sem nenhuma

representatividade sindical. E a utilização da mão de obra brasileira, na condição de

trabalhadores estrangeiros, muitas vezes ilegais e informais, está mais sujeitos as premissas do

capital.

Durante nossa pesquisa, percebemos formas muito precárias de trabalho que se

reproduzem no comércio em Salto del Guairá, em que os brasileiros estão mais sujeitos às

premissas capitalista, pela condição de estrangeiros e muitas vezes em condição de

trabalhadores informais e ilegais.

As relações de trabalho são muito flexíveis, quanto à política salarial, formas precárias

de contrato de trabalho, jornada de trabalho e as garantias sociais.

As formas precárias de contratação trazem enormes facilidades de admissão e

demissão da mão de obra, conforme as necessidades mercadológicas da empresa. Com a

flexibilização não existe a estabilidade absoluta no emprego, impera o direito de demitir sem

justa causa, sem aviso prévio e multa do FGTS. Do ponto de vista do trabalhador, isso

significa a insegurança no trabalho, expressa na elevada taxa de rotatividade no emprego, no

qual percebemos o tempo médio de tempo de serviço dos brasileiros entrevistados inferior a

dois anos. Conforme o gráfico (1):

GRÁFICO 1. Tempo Médio de Serviço dos Brasileiros no Comércio em

Salto del Guairá

Fonte: MASUZAKI, Teresa Itsumi. Amostras do Campo, agosto a outubro

de 2010.

Outra forma de vínculo empregatício é o RUC (Registro Único do Contribuinte) que é

a transformação da pessoa física para pessoa jurídica, que mascara o conflito capital e

trabalho, o trabalhador deixa de ter uma relação de assalariado com a empresa, ficando

destituído de todos direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS, o próprio salário e

outros. Neste sentido, o seu rendimento mensal é adquirido por meio das vendas em forma de

comissões, e como capitalista, deve arcar com os custos enquanto tal, como pagamento de

impostos ao governo das mercadorias vendidas.

Outras estratégias de flexibilização das relações de trabalho podem ser identificadas

em Salto, como a estratégias da Participação dos Lucros e Resultados - PLR, em forma de

comissões. Conforme Proni (2003) a PLR viabiliza o direito dos trabalhadores participarem

dos lucros e resultados da empresa. Há trabalhadores no comércio que não contam com um

salário fixo, dependendo unicamente da comissão. A PLR exige maior responsabilidade do

trabalhador e interesse em vender. Essa estratégia, além de ser um meio de acabar com a

política salarial, de reajustes sobre o salário fixo, é também uma forma de extrair o

sobretrabalho. O trabalhador dá o máximo de si, muitas vezes em um ambiente de

competitividade e individualismo, com colegas de trabalho, resultando em lucros para o

capitalista.

A jornada de trabalho também costuma ser muito flexibilizada e intensa. Os

trabalhadores trabalham nos sábados o dia inteiro e domingos até meio dia, às vezes o tempo

de serviço é ultrapassado conforme o movimento, com direito apenas a um dia de folga no

meio da semana e sem direito à hora extra. O horário de almoço geralmente é de uma hora,

em estabelecimentos com menor número de funcionários se flexibiliza diante da presença de

consumidores. Os trabalhadores contam com 15 a 30 dias de férias e a legislação trabalhista

paraguaia não garante o seguro desemprego aos trabalhadores formais.

No Paraguai, grande parte dos brasileiros está na condição de migrantes ilegais

consequentemente estão aptos para serem inseridos ao mercado de trabalho informal, haja

vista que o “Permisso” é o requisito básico para o estrangeiro se inserir no mercado de

trabalho formal no Paraguai.

A condição de ilegalidade deixa o trabalhador mais subordinado às premissas do

capital, não apenas pelo vínculo informal, mas pela condição de imigrante ilegal que dificulta

ainda mais a luta pelos seus direitos trabalhista e também de seu direito enquanto cidadão,

pois está sob a ameaça de ser deportado a qualquer momento. Seus direitos são assegurados a

partir da relação informal, entre empregador e empregado, onde a palavra do patrão é a sua

única garantia, em relação a salário, férias, 13º salário, descanso remunerado e outras

garantias sociais.

A solução de conflitos entre trabalhadores e empregadores no comércio em Salto,

ocorre por meio da mediação e arbitragem privada, o contador. Este se coloca em uma

posição neutra diante do trabalhador, como se a negociação caminhasse satisfazendo ambas as

partes, o que raramente acontece. O trabalhador sempre acaba perdendo. A solução de

conflitos pela mediação privada é uma estratégia de embate na luta de classes, que se dá em

detrimento dos espaços públicos e estatais, como o afrouxamento da fiscalização por parte do

Ministério da Justiça e do Trabalho.

Nas entrevistas, percebemos que são raros os trabalhadores que entram com processos

trabalhistas em busca de seus direitos, as causas perdidas são exemplos que inibem a ação dos

demais trabalhadores. Os brasileiros apresentam baixa resistência às ofensivas capitalista,

diante das condições precárias de trabalho que se encontram.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mobilidade territorial da força de trabalho não acontece de forma voluntária, muito

pelo contrário, é resultado da produção e reprodução sócio-espacial em uma sociedade

capitalista, no que se remete ao conflito capital e trabalho. Neste sentido, a mão de obra

brasileira diante da baixa oportunidade de emprego e de precariedade do trabalho no Brasil, é

obrigada a se deslocar para o outro lado da fronteira e sujeitar às formas precárias de trabalho

em outro país para conseguir os meios necessários para a subsistência.

A busca de lugares propícios às condições de uso e exploração do trabalho faz parte da

Geografia do capitalismo, com preferência por regiões onde há baixa experiência de

organização e luta coletiva, sem tradição sindical e baixas oportunidades de empregos. Essas

estratégias estão vinculadas a condição da luta de classe, entre capital e trabalho, os

capitalistas utilizam de diversos meios para ter maior controle sobre a força de trabalho.

O processo de reestruturação produtiva, através de incremento de novas tecnologias, a

combinação de novas e velhas formas organizacionais do trabalho e a fragmentação do espaço

produtivo, junto às políticas de desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho,

tem aumentado o trabalho informal, parcial, temporário e precário, com consequências ainda

mais drásticas para as regiões mais pobres em que se passa por um processo de contínua

precarização.

As transformações imposta pelo capital torna o mundo do trabalho ainda mais

complexo. Neste sentido, não propomos trazer resultados acabados, mas contribuir para o

debate sobre a dinâmica territorial do capital e do trabalho, colaborar para uma postura crítica

na ciência geográfica, a fim de desconstruir as ideologias das classes dominantes, deslegitimá-

las em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, para além do capital.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.

6. ed. São Paulo: BOITEMPO, 2006.264p.

ANTUNES, R.; ALVES, G. As Mutações no Mundo do Trabalho na era da

Mundialização do Capital. Educ. Soc., Campinas. Vol.25, no 87, p.335-351, maio/agosto

2004. Disponível em www.scielo.br, acesso em julho de 2010.

CARVALHAL, M.D. O Trabalho e a Dinâmica Territorial do Capital. Rev. Pegada.

Presidente Prudente: CEGeT junho/2008, vol. 9, nº1, p.125-137. ISSN 1676-1871.

CHESNAIS, F. A Mundialização do Exército Industrial de Reserva. Rev. O Comuneiro

(rev. eletrônica), nº 3, setembro de 2006.

DIRECCIÓN GENERAL DE ESTADÍSTICAS, ENCUESTAS Y CENSOS (DGEEC/STP).

Proyección de la Población por sexo y años, según departamento y área. 2000. Disponível

em www.dgeec.gov.py, acesso no dia 15 de agosto de 2010.

GAUDEMAR, J. Mobilidade do Trabalho e Acumulação do Capital. Lisboa: estampa

1977, 405 p.

GONÇALVES, M.A. Informalidade e Precarização do Trabalho no Brasil. Rev.

Eletrónica de Geografia y Ciencias Sociales (Scripta Nova), Universidade de Barcelona.vol.

VI, n° 119, agosto de 2002. ISSN: 1138-9788

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna, 6. ed. São Paulo: Loyola,1996. 252p.

MALAGUTI, M. L. Crítica à razão informal: imaterialidade do assalariado. São Paulo:

BOITEMPO; Vitória: EDUFES, 200.174p.

MARX, K. Processo de Trabalho e Processo de Valorização. In: MARX, K. O Capital. Livro

1. São Paulo: Abril, 1983. p.149-163

MASUZAKI, T.I. As condições de Trabalho dos Brasileiros no Comércio em Salto del

Guairá – Paraguai (Monografia em Geografia) Marechal Cândido Rondon/Paraná:

UNIOESTE: 2010.

MENELEU NETO, J. Desemprego e luta de classes: as novas determinidades do conceito

marxista de exército industrial de reserva. In: TEIXEIRA, F. J. S. (Org.) Neoliberalismo e

reestruturação Produtiva. São Paulo: Cortez, 1996.

MOREIRA, R. Repensando a Geografia. In: SANTOS, Milton (org.). Novos rumos na

Geografia brasileira. São Paulo: Hucitec, 1988.

RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.

RODRIGUES, I.D. A Dinâmica Geográfica da Camelotagem: A Territorialidade do

Trabalho Precarizado. (Dissertação em Geografia) Presidente Prudente/SP: UNESP, 2008.

SMITH, N. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988.

THOMAZ JR, A. Por Uma Geografia do Trabalho. Rev. Eletrónica de Geografia y

Ciencias Sociales (Scripta Nova): Universidad de Barcelona, agosto 2002, vol. VI, nº119,

ISSN: 1138-9788