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POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS DO BRASIL E DO PARAGUAI: Imigração
brasileira em direção ao Paraguai
Cleverson de Oliveira1
Eixo temático: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES FRONTEIRIÇAS
RESUMO: Este artigo traz à tona, para discussão, os fatores que possibilitaram a migração
brasileira em direção ao Paraguai na segunda metade do século XX, traçando um histórico a partir de
políticas governamentais internas de cada país, que implicaram na condução de suas políticas externas
em relação ao país vizinho. Consultaram-se, para isso, documentos datados, com o intuito de
contextualizar os períodos retratados pela pesquisa, apontando a participação, fundamental nesse
processo, do general paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989) e sua relação de proximidade com o
presidente brasileiro Juscelino Kubitschek (1956-1961). No Paraguai, foi preponderante a política de
governo chamada Marcha al Este, e, no Brasil, a política governamental denominada Marcha ao
Oeste, ambas com intenção de ocupar vazios demográficos que criaram condições, posteriormente
usadas, para os imigrantes brasileiros adquirirem terras no país vizinho. Essa análise realizou-se a
partir de revisão bibliográfica em obras que situam as políticas governamentais como marco para a
imigração brasileira nas terras do Paraguai.
PALAVRAS-CHAVE: políticas governamentais, imigração brasileira
1 INTRODUÇÃO
O Brasil possuía uma relação delicada com Paraguai depois da Guerra da Tríplice
Aliança (1865-1870), da qual saiu vitorioso. Seu afastamento deixou espaço para o
fortalecimento das relações entre Paraguai e Argentina, principalmente no âmbito econômico.
Contudo, ao final da primeira metade do século XX, o Paraguai enfrentava dificuldades para
1 Geógrafo, historiador, mestrando em geografia pelo Departamento de Geografia no Programa de Pós-
graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná – UFPR. [email protected]
crescer e ainda não tinha se recuperado dos prejuízos causados pelas duas recentes guerras
que tinha enfrentado: Guerra da Tríplice Aliança e a Guerra do Chaco (1932-1935, contra a
Bolívia). Era um país totalmente agrário e com pouco mais de um milhão de habitantes e
apresentava um vazio demográfico, na porção leste, que prejudicava, principalmente, a ideia
de saída para o oceano Atlântico e de desenvolvimento de uma agricultura voltada para o
mercado externo.
O General Stroessner possuía muita afinidade e uma relação de proximidade com o
Brasil, uma vez que já realizara treinamentos militares no Rio de Janeiro. Em virtude disto, já
possuía contatos com nosso país, o que possibilitou a criação de políticas governamentais que
se baseassem em cooperação para levar desenvolvimento ao Paraguai, sendo que a rota
rodoviária planejada e financiada pelo Brasil foi uma delas. A construção da hidrelétrica de
Itaipu e a Ponte da Amizade são algumas das parcerias que discutiremos a seguir e se
amarram como ponto chave na reaproximação dos dois países.
Através de um golpe, Stroessner implantou uma Ditadura Militar no Paraguai em
1954, mantendo-se no poder até 1989. Durante seu governo, diversas atitudes demonstraram a
reaproximação com o Brasil, sendo que suas políticas de governo convergiam para que as
condições de entrada da imigração de brasileiros fossem facilitadas. Conforme apontam as
pesquisas de Benitez (1972), Chiavenato (1980) e Laino (1973), a assinatura do Tratado da
Itaipu Binacional, em 1973, e a assinatura da Ata das Cataratas, em 1966, encerraram com o
último conflito e desarmonia gerados pelas controvérsias territoriais provocadas pela posse
das Sete Quedas do Iguaçu. Esse ditador tinha em seu governo políticas governamentais que
direcionavam suas ações, na área econômica, para tirar o Paraguai do primitivismo agrícola de
décadas de atraso se comparado a seus vizinhos e, no cenário político, fazer o fortalecimento
do regime militar.
Podemos dizer que, antes do General Stroessner, a alternância de poder que, entre
1870 – ao final da Guerra da Tríplice Aliança – e 1954 fez com que a República do Paraguai
tivesse 44 presidentes, resultando em uma média de dois anos para cada chefe de Estado e
gerando uma instabilidade interna, impossibilitou qualquer tentativa de reaproximação
anterior entre os países vizinhos, como evidenciam os dados de Accioly (1998).
Ao assinarem acordos e firmarem parcerias, as duas nações, principalmente nas
figuras de Juscelino Kubitschek e Alfredo Stroessner, superaram qualquer desconfiança por
questões territoriais e afirmaram a ideia de similaridade entre seus ordenamentos jurídicos,
comuns no cenário externo dos dois países.
Pode-se citar, como apontam as pesquisas de Mora (1993), como tentativas de
reaproximação anteriores a esta, os anos de 1911, 1922 e 1924. No entanto, apenas em 1927
ocorreu o fim das discussões sobre a definição dos territórios perdidos pelo Paraguai com a
Guerra da Tríplice Aliança, mesmo com a assinatura do Tratado de Limites Complementar,
firmado em 1872. Também o ano de 1930, quando da assinatura do Protocolo de Instruções
para a Comissão Demarcatória de Limites, estabeleceu definitivamente as fronteiras
disputadas entre 1865 a 1870. O uso da diplomacia resolveu essas pendências sem gerar
maiores debates.
Por parte do Brasil, em 1941, Getúlio Vargas visitou a capital paraguaia (Assuncion),
sendo esta a primeira visita oficial de um Chefe de Estado brasileiro à nação vizinha. Ficaram
assinados, neste encontro, acordos comerciais, culturais e a criação da rede de correios aéreos.
A totalização de acordos firmados entre as duas nações foi de dez tratados, sendo o principal
deles a concessão do porto franco em Santos (SP) para o Paraguai. Neste mesmo ano, o
chanceler paraguaio Luis Argaña visitou o Brasil para discutir a rota rodoviária de saída pelo
leste em direção ao Atlântico como alternativa para escoar seus produtos, libertar-se da
Argentina e dinamizar a economia do Paraguai, muito atrasada no contexto sul-americano.
O Brasil decidiu, em 1943, perdoar as dívidas paraguaias referentes aos prejuízos da
Guerra da Tríplice Aliança. Dois anos depois, em 1945, fez a primeira proposta, mediante um
estudo técnico, para a construção da rota terrestre que sairia de Assunção, passaria por
Coronel Oviedo e Puerto Franco, chegando ao Brasil no sentido Oeste-Leste. Esta rota seria
construída conforme objetivos do Paraguai de se chegar ao Atlântico, mais especificamente ao
porto de Paranaguá, no Paraná, de acordo com os dados mostrados por Caubet (1989).
Com o general Stroessner no poder, em 1954, a ideia de conquista do Atlântico
ganhou fôlego e passou a ser uma das grandes metas de seu programa governamental. Esta
conquista, segundo ele, traria dinamismo e novos impulsos à economia paraguaia, muito
fragilizada até então. Como medida facilitadora desta aproximação, Stroessner colocou o
Pastor Raul Sapeña, um ex-embaixador paraguaio no Brasil, como seu Ministro das Relações
Exteriores. Essa medida propiciou os diálogos necessários para que as políticas externas
destes países estivessem afinadas aos interesses internos de suas políticas governamentais.
No Brasil, no mesmo ano que o general paraguaio conquistou o poder (1954), Vargas
autorizou a construção da rodovia que ligaria os dois países e, em 1956, o Brasil decidiu,
ainda, que financiaria, com recursos próprios, os investimentos necessários para esta
construção.
Em 1956, já com Juscelino na presidência do Brasil, ocorreram as primeiras situações
de uso do porto de Paranaguá como porto franco do Paraguai e, junto com Stroessner, os
governantes assinaram o acordo que levaria à construção da ponte que ligaria o Paraguai ao
Brasil (futura Ponte da Amizade). Ainda neste ano, o Brasil financiou um estudo técnico
sobre a viabilidade e o aproveitamento hidrelétrico da Bacia do Prata, com intenção de uso
compartilhado entre os dois países (o que se tornaria a Usina Binacional de Itaipu).
Em 1957, com o início dos trabalhos do Congresso Paraguaio, aberto pelo General
Stroessner, verificou-se a real necessidade da parceria entre Paraguai e Brasil. Isto, pois esta
parceria constituía-se como a garantia do desenvolvimento daquele país. Sendo assim,
Stroessner, mediante essa atitude, deixou clara a aproximação entre os dois países e o
direcionamento que seu governo daria às parcerias em tratados e acordos feitos com o Brasil,
como discute Moraes (2000). No ano seguinte, em 1958, as obras da construção da rodovia
que ligava os dois países foram concluídas, bem como a ponte sobre o rio Paraná.
Em 03 de fevereiro de 1957, o ditador paraguaio criou Puerto Presidente Stroessner,
que depois passou a se chamar Ciudad Presidente Stroessner e, ainda, após o fim do governo
ditatorial em 1989, Ciudad Del Este, nome que se mantém atualmente. A intenção era criar na
foz do rio, na província paraguaia do Alto Paraná, fronteira com o Brasil, um ponto comercial
que fosse a ligação com o país vizinho. Isso consequentemente aumentaria a presença
paraguaia na zona fronteiriça com o Brasil, nacionalizando o território e assegurando o poder
do regime militar sobre este território.
Em 1959, devolvendo uma gentileza ao Brasil, o governo paraguaio concedeu ao país
um porto franco na cidade de Encarnacion, como forma de estimular parcerias econômicas
entre os dois países, as quais eram insignificantes do ponto de vista das possibilidades
existentes para os dois.
Já em 1961, no dia 26 de janeiro, Stroessner, que era amigo de Juscelino, inaugurou
uma avenida, na capital Assunción, com o nome do presidente brasileiro. No mesmo ano,
sabendo que se finalizava o mandato de Juscelino no governo do Brasil, o general concedeu a
ele a cidadania honorária paraguaia e ainda conferiu-lhe o título Dr. Honório Causa,
concedido pela Universidade Nacional do Paraguai, como forma de retribuir pelas parcerias
ocorridas. Nas relações bilatérias, os dois países assinaram acordos de cooperação para o uso
compartilhado de energia nuclear. Além disso, com o intuito de firmar a parceria de sucesso
entre Paraguai e Brasil, ao final do mandato governamental de Juscelino, inauguraram a Ponte
da Amizade, mesmo sem ter concluído as obras de tal construção.
No ano de 1963, foi inaugurado o primeiro vôo saindo de Assunção com destino ao
Rio de Janeiro e, no ano de 1964, já com Castelo Branco na presidência brasileira, ocorreu a
concessão de recursos do Brasil para a construção da Faculdade de Filosofia na Universidade
Nacional do Paraguai. Além disso, após a conclusão das obras da Ponte da Amizade,
aconteceu outra inauguração, naquele momento, definitiva, desta obra que liga estes países,
parceiros em suas políticas governamentais no âmbito internacional.
Em 1961, o general Alfredo Stroessner iniciou a implantação da sua mais importante
política governamental, a chamada Marcha al Este. Como apresentam Moreno (1966), Silva
(2006) e Capel (2001), Stroessner tinha, com esta marcha, o objetivo de ocupar a região da
fronteira para nacionalizar o vazio demográfico e atender a antiga meta de consolidar o
regime militar implantado em 1954, quando assumiu o governo do país. Com esta
colonização do leste paraguaio, ele pretendia tirar a nação do atraso, promovendo a divisão do
território em latifúndios produtivos, com a ajuda de empresas colonizadoras.
Nas décadas de 60 e 70, o Instituto do Bienestar Rural (IBR), então órgão responsável
pela criação de tais latifúndios no Paraguai, concedeu grande parte das terras do leste do país
aos brasileiros, terras estas posteriormente transformadas em Projetos de Colonização
Privadas para se adequarem às políticas governamentais e a legislação do país, permitindo
então aos estrangeiros usufruírem de tais políticas de posse de terras.
A intenção do general era que essas políticas ocupassem o imenso vazio demográfico
até a linha de fronteira com o Brasil, nacionalizando o território a fim de evidenciar o controle
militar sobre a região. Isto tornaria as terras colonizáveis por uma agricultura mais moderna,
adotando técnicas que elevassem a produção, a fim de estimular as exportações e, com isso,
incluir o Paraguai no cenário internacional do comércio com certa expressividade. Pode-se,
ainda, destacar a intencionalidade de branqueamento de uma população totalmente indígena e
o incentivo da imigração brasileira, a qual já decorria de outras imigrações europeias e
possibilitava essa condição. Complementarmente, estes imigrantes já realizavam, no Brasil,
uma agricultura muito mais sofisticada que a realizada no lado paraguaio, sendo então os
brasileiros adequados para o sucesso dos objetivos de ocupação do leste paraguaios pelo
governo Stroessner.
Após se instalar no Paraguai, de certa forma com muitas concessões feitas pelo país,
que fazia vistas grossas para imigrantes brasileiros ilegais, esse fluxo migratório desenvolveu
intensamente a produção de soja voltada à exportação. Nesse ínterim, sabe-se que o auge da
produção paraguaia para o cenário internacional foram as décadas de 70 e 80, quando todo o
território já se encontrava preparado para a produção e a modernização da agricultura. Assim,
espalharam-se, por toda a região leste paraguaia, latifundiários brasileiros aliados a setores
governamentais paraguaios.
Segundo Silva (2006), são consideradas contribuições importantes do Paraguai, em
forma de políticas que sinalizam a aprovação da posse da terra para os brasileiros, a alteração
de uma lei constitucional feita por Stroessner, em 1963, que excluía da Constituição de 1940 a
proibição de aquisição de terra a estrangeiros na região de fronteira, permitindo, então, que os
brasileiros comprassem estas terras e tivessem legalmente sua posse. Uma segunda
sinalização ocorreu no período de 1971 a 1975, quando o governo eliminou, ou proibiu que as
Ligas Agrárias atuassem na região de Alto Paraná, província onde os brasileiros desenvolviam
os latifúndios. Tais Ligas tinham o objetivo de organizar os segmentos campesinos paraguaios
para uma espécie de reforma agrária. Além da proibição da atuação destas ligas, Stroessner
ainda tomou a posse de terras onde os pequenos agricultores paraguaios já estavam
produzindo em regime de agricultura familiar. Para isso, usou como justificativa a realização
da construção dos grandes latifúndios produtivos, ocupados, então, por brasileiros nesta
região, expulsando esses paraguaios da região ou tornando-os trabalhadores das grandes
fazendas brasileiras, conforme apontados pelas pesquisas de Capel (2001).
A partir da década de 60, estudos feitos pelo próprio governo paraguaio apontavam
índices de que os brasileiros representavam, na população paraguaia, pouco mais do que 6%,
e que, estes 6% eram responsáveis por oitenta por cento da produção da soja paraguaia
exportada, além de produzirem outras culturas agrícolas, determinando, com isso, a
importância da parceria entre a imigração brasileira naquele país e as ações governamentais
que afirmavam aquela presença até o início da década de oitenta, quando iniciaram os
conflitos pela posse da terra no Paraguai. Começou, então, a criação da figura do brasiguaio a
partir de 1985, quando se deflagrou uma disputa por terras produtivas no Paraguai,
envolvendo também os latifundiários e pequenos proprietários de terras brasileiros no
Paraguai.
2 BRASIL E SUAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS “RUMO AO OESTE”
A política governamental brasileira “Marcha para o Oeste” foi um projeto iniciado e
criado pela gestão do então presidente Getúlio Vargas, durante o período da história do país
denominado como Estado Novo, segundo Cervo (1994). O objetivo norteador dessa política
era ocupar e desenvolver o interior do país como forma de nacionalizar as regiões fronteiriças.
Essa marcha em direção ao interior incorpora, naquele contexto, o sentido de brasilidade
adotado pelas políticas governamentais como medida de resolver os principais problemas que
a nação teria que enfrentar naquele momento.
O texto A Marcha para Oeste – A maior aventura do século 20 descreve o cenário do
País como possuidor de um aglomerado populacional de 90% em apenas um terço do
território, sendo tal porção o litoral e suas proximidades e tendo todo o oeste (área
desconhecida) como um território desabitado e ainda hostil. Então, o Brasil adota a política
governamental denominada de Marcha ao Oeste, na qual os princípios ou metas, que, segundo
Miyamoto (1985), eram: aumentar as suas exportações, diminuir suas importações ou, ainda,
substituí-las por uma produção nacional, estimular movimentos migratórios internos, dar
início ao processo de industrialização nos espaços urbanos do território e incentivar a
ocupação de novas fronteiras agrícolas.
Pensando o País com idéias desenvolvimentistas, criando políticas que fomentaram o
crescimento simultâneo de todas as regiões do território nacional, Juscelino Kubitschek
empregou a diplomacia a serviço do desenvolvimento do Brasil.
Em 1958, mesmo contra o que o cenário internacional exigia, criou a Operação Pan-
Americana (OPA), a fim de lutar contra o subdesenvolvimento, sinalizando que o País não
aceitaria a dominação das superpotências e, ainda, a Política Externa Independente (PEI), por
meio da qual o país se aproximaria das nações em desenvolvimento para realizar comércio e
apoiar programas criados por tais países, porém, deixando claro que estes programas
restringiam-se aos negócios e não a ideologias das nações.
Para o Paraná, especificamente, o governo estabeleceu que a Companhia de Terras
Norte do Paraná, nas décadas de 20 e 30, faria a colonização da região mais a oeste, levando
como modelo as cidades de Londrina e Maringá, fazendo a divisão de pequenos loteamentos
rurais, principalmente para os imigrantes recém chegados ao Brasil.
Eram objetivos específicos deste Programa, conforme Zaar (2001): políticas
demográficas de incentivo à imigração, a criação de colônias agrícolas na região, a construção
de estradas, a realização da reforma agrária e o incentivo da produção agropecuária de
sustentação.
Foram criados, em 40 anos neste Programa, quarenta e três vilas ou cidades, dezenove
campos de pousos de aeronaves, contatados mais de cinco mil indígenas e percorridos um
milhão e quinhentos mil quilômetros de picadas (estradas) e rios. Conforme dados apontados
por Silva (2006), as conquistas foram, a partir de 1940, a colonização do interior do Paraná, a
partir de 1960, a modernização agrícola e, depois de 1970, a construção da Hidrelétrica
Binacional de Itaipu.
Cumprindo o objetivo de criar novas fronteiras agrícolas, foram criados lotes de terras
entre 240.000 e 300.000m². Esta ocupação territorial atendia a um esforço estimulado pelos
conflitos da Guerra Fria, sendo que os países deveriam fazer a ocupação dos seus espaços
demográficos despovoados como uma ação estratégica na geopolítica internacional. No
Brasil, essa política de ocupação ocorre como justificativa para ampliar novas fronteiras
agrícolas e nacionalizar a fronteira com o Paraguai. Isto levou, até a década de 50, a infra-
estrutura necessária para possibilitar o desenvolvimento e a integração dessa porção territorial
mais a oeste com o resto do País.
Porém, para desenvolver o interior, o governo precisava levar atrativos e
oportunidades, para, com isso, efetivar o povoamento, a colonização e o desenvolvimento.
Assim, a propaganda governamental abordou sua proposta a partir dos argumentos de “terras
boas e baratas”, baixo valor das terras, sua fertilidade e a chamada terra roxa (proveniente de
derrames basálticos). O público alvo do governo eram os agricultores e os trabalhadores
desempregados de grandes centros que já tinham em sua rotina as migrações internas.
A aliança do Estado com as Empresas Colonizadoras obrigava-as a criarem uma infra-
estrutura antes mesmo de fazer a venda dos lotes de terras já divididos pelas empresas.
Segundo Zaar (2001), no Paraná, durante a década de 40, chegaram fluxos migratórios vindos
do Nordeste, grupos populacionais já habituados a migrarem devido às inconstâncias de seus
lugares de origem. Além deles, os agricultores de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com a
ideia de adquirir terras em maior quantidade que as suas por preços menores e com as mesmas
características que eles já possuíam em seus estados e, ainda, migrantes paulistas e mineiros,
convencidos de que os pequenos agricultores teriam chances e condições de se tornarem ricos
pelas condições oferecidas pelo governo, não apenas pela aquisição da terra e sim pela
produtividade que obteriam nela.
O governo afirmava, em sua propaganda oficial, segundo Wachowicz (1981), que as
terras no oeste paranaense eram boas e muito baratas. Ainda, indicava o clima subtropical
como o mais adequado para o cultivo de determinadas agriculturas, bem como para a garantia
de boas safras. A existência de abundância de água, o relevo muito plano, que facilitaria a
colonização e o preparo da terra e, ainda, a possibilidade de extração da mata onde
posteriormente seria realizado o cultivo eram outras características favoráveis que o governo
apontava acerca das terras no oeste paranaense. O mesmo autor ainda aponta que, na
perspectiva governamental, a corrida em direção ao oeste do Paraná na sua porção mais
extrema, já na fronteira com o Paraguai, era feita com a intenção de nacionalizar uma área
predominantemente no domínio de empresas estrangeiras que extraíam madeira e erva mate,
e, também, a de expandir a economia para além da fronteira agrícola por meio de estímulos a
setores que poderiam aumentar as exportações brasileiras após o início das colheitas nestas
regiões agricultáveis.
Caldas (1996) e Benevides (1976) afirmam que, na década de 60, com a modernização
agrícola ocorrida no oeste paranaense, a política do Estado voltou-se para o incremento das
exportações relacionadas à soja e para a diminuição das importações relacionadas ao aumento
da produção do trigo para atender às demandas do consumo interno. Com isso, o governo abre
linhas de crédito para o preparo da terra, concede recursos para a aquisição de insumos e
implementos agrícolas, estimula, com políticas específicas, a comercialização e a
industrialização da produção agrícola e, também, concede ajuda financeira para a construção
de formas de armazenamento da produção realizada. Esta ação incentivou a transferência de
complexos industriais dos grandes centros para o interior, dando efetivação para o sucesso da
modernização agrícola e o aparecimento da agroindústria. É com medidas governamentais,
também, que se criam as primeiras Cooperativas, responsáveis pela comercialização da
produção agrícola.
Os financiamentos bancários se passam a existir no final da década de 60,
minimizando a interferência do governo nas decisões da produção e toda sua dinâmica
produtiva e dando autonomia aos agricultores, fomentando o processo produtivo.
Na década de 70, a soja perde força no cenário internacional e os juros bancários
aumentam consideravelmente, o que força muitos agricultores endividados a venderem suas
propriedades. A crise, a partir daí, se agrava fortemente, com sucessivas safras perdidas ou
prejudicadas pelas intempéries climáticas no Paraná, como secas e geadas, dando início à
intencionalidade de ir em direção às terras do Paraguai.
Ainda na década de 70, surgem os Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico
e Social I e II, mediante os quais se previam acordos entre Brasil e Paraguai para o
aproveitamento hidrelétrico dos recursos do rio Paraná, criando, então, a entidade Binacional
Itaipu. A obra iniciou-se em 1975 e o reservatório ficou cheio em 1982, afetando diretamente
uma considerável parcela de agricultores na região que foram obrigados a migrarem.
Foi de 42 mil o total de ribeirinhos desapropriados pela construção e atingidos pela
barragem das águas, que foram devidamente indenizados. Destes, 38 mil eram moradores da
área rural que, após preverem ser atingidos pela construção ou posterior cheia da barragem, se
organizaram, com a ajuda da Pastoral da Terra, conforme Zaar (2001).
Após as indenizações, as pesquisas apontam que 19% desta população comprou novas
terras em outras regiões do estado do Paraná, tendo sido orientados pelo INCRA (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e pelo ITC (Instituto de Terras e Cartografia),
por meio da criação de um programa chamado Bolsa Agrária. Neste programa, o governo
listou terras com condições iguais de aproveitamento aos interessados, o que pode ser
considerado como uma espécie de Reforma Agrária para atender às pressões dos
desapropriados pela Itaipu.
Destes desapropriados, 24% migraram para as regiões Centro-Oeste e Norte do país
devido a políticas de terras mais baratas. Outros 25% deles compraram terras nos próprios
municípios onde perderam suas terras, 15% conseguiu se fixar no seu próprio distrito e 10%
adquiriu propriedades em outros distritos. Estima-se que os outros 7% acabaram fazendo
migração internacional, predominantemente em direção ao país vizinho – Paraguai. Ainda,
deste total de novos migrantes a partir das desapropriações da construção de Itaipu, 27% da
população rural acabou indo, na nova fixação, se estabelecer em áreas urbanas, deixando a
agricultura para tentarem trabalho na área de prestação de serviços, principalmente.
3 CONCLUSÃO
A partir do levantamento do referencial teórico, verificamos que as políticas
governamentais do Brasil e Paraguai tiveram início na primeira metade do século XX,
intensificando-se na segunda metade deste período. Sendo assim, somos levados a concordar
que o direcionamento a que os objetivos se propunham, em sua intencionalidade, era o de
ocupar as regiões com baixa ou nenhuma ocupação populacional e elevado potencial de
aproveitamento agrícola, destinando, assim, a produção à exportação, dinamizando da
economia dos dois países.
No caso brasileiro, a Marcha para o Oeste, mais especialmente no estado do Paraná,
levou migrantes de outras regiões a colonizarem as terras próximas à fronteira com o
Paraguai, onde, inicialmente, as boas condições permitiam uma ampla modernização da
agricultura, chegando à industrialização e gerando um agronegócio lucrativo. Instabilidades
econômicas posteriores, associadas à construção da Itaipu Binacional, retiram agricultores de
suas propriedades e tais indenizações corroboraram para a migração ao país vizinho.
No Paraguai, com a intencionalidade da ditadura de Stroessner e sua proximidade com
Juscelino Kubitschek, aproximaram-se as relações entre estas nações. Relações estas que, no
passado, estavam abaladas por uma guerra (Tríplice Aliança). Sendo assim, o general conduz
sua política governamental, sendo corroborado por ajuda e parcerias com o Brasil. A
colonização do leste, na chamada Marcha al Este, direcionou a imigração de brasileiros,
empregou recursos e tecnologias do Brasil para ligar o Paraguai ao Atlântico, tentou
branquear a população quase que totalmente formada por indígenas, levou as técnicas agrárias
para modernizar a produção agrícola, tudo isto colocando o Paraguai no cenário das
exportações.
Como incentivo, o governo Stroessner mudou sua constituição para permitir que
brasileiros pudessem comprar terras na fronteira, criou condições de colonização e
desenvolvimento para esta parcela brasileira em terras paraguaias e até chegou a ficar contra
os pequenos agricultores, organizados pelas Ligas Agrárias Paraguaias, com a intenção de
criar grandes latifúndios agrícolas na sua porção leste, que antes constituía um vazio
demográfico improdutivo.
As políticas internas de cada país, mesmo com governos diferentes, uma forte ditadura
no Paraguai, com Stroessner, e uma democracia no Brasil, com Kubitschek, implicaram em
condições que estabeleceram as políticas externas relacionadas ao seu país vizinho, afirmando
sua reaproximação e, assim, garantindo uma forte imigração de brasileiros no Paraguai. Além
disso, propiciaram a ocupação do Leste paraguaio e do Oeste paranaense no Brasil, levando à
modernização agrícola em ambos os territórios e possibilitando a exportação e dinamização
de suas economias.
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