a teoria do consumidor e a teoria dos incentivos aplicadas ... · se adotarmos a visão...
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Texto elaborado para o XXI Concurso do CLAD sobre a Reforma do Estado e Modernização da
Administração Pública 2008 – “Qualidade e Excelência na Gestão Pública”.Convocatoria al XXI Concurso
del CLAD 2008
A Teoria do Consumidor e a Teoria dos Incentivos aplicadas a um Plano
de Carreiras do Serviço Público Brasileiro.
- Uma abordagem Sucinta -
Juliêta A. G. Verleun∗
No Brasil, o mercado de trabalho é dicotômico e razoavelmente diversificado. No limite, de
um lado há um mercado de trabalho mal-remunerado e de baixo valor agregado e de outro altamente
especializado e de elevados salários. O serviço público brasileiro, dadas as características de
estabilidade e remuneração, tem representado uma das principais opções de trabalho e exerce grande
influência na escolha racional dos indivíduos (Simon, 1972). Neste contexto, sabe-se que a
rotatividade entre as diversas carreiras é relativamente alta e sazonal. Alta se comparada a países
desenvolvidos, uma vez que naqueles as trocas estão próximas de zero, e sazonal porque a troca
depende de qual carreira naquele momento combina melhores salários com eventuais benefícios
indiretos. Com isso, podemos admitir que toda carreira compõe a função “utilidade” do servidor e
essa utilidade é proporcional aos incentivos diversos que ela oferece. Acredita-se ser possível
diminuir ou até mesmo eliminar a rotatividade e os custos da mesma ao discutirmos um modelo de
carreira que permita o desenvolvimento e a especialização do indivíduo nos primeiros anos de
∗ Servidora Pública Federal da Carreira de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional, concurso público de 1994. A proposta contida neste texto foi primeiramente apresentada para análise da Diretoria de Gestão Estratégica da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda em 2006, quando então a DIGES iniciara a elaboração de uma proposta de readequação das estruturas das carreiras típicas de Estado do Serviço Público Federal, em conjunto com a Fundação Getulio Vargas (FGV/EBAPE – RJ).
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serviço. O servidor, ao exercer racionalmente suas escolhas e institucionalmente incentivado, tenderá
a pautar suas ações por princípios éticos (organizacionais) e morais (individuais), reduzindo-se assim
os custos da rotatividade para a instituição, uma vez que comportamentos não-éticos, ou aéticos,
adicionam custos às transações econômicas e sociais (Rosansky, 1994). A rotatividade observada nas
carreiras típicas de Estado ocorre por causas exógenas (outras carreiras mais atrativas), que geram,
endogenamente, uma série de incentivos para que o servidor queira migrar para uma carreira
diferente da que inicialmente optou. Cabe à instituição formular e implementar uma estrutura de
incentivos considerando os objetivos institucionais e estratégicos da instituição, associados às
necessidades e especificidades das atribuições institucionais do servidor, de forma a diminuir não só
a rotatividade como também os custos de transação. O salário já não é, sozinho, o fator
preponderante de escolha dos indivíduos.
Palavras-chave: serviço público, remuneração, gestão de pessoas e carreiras.
TEXTO DO DOCUMENTO
1 – Introdução
No Brasil, o mercado de trabalho é dicotômico e razoavelmente diversificado. No
limite, de um lado há um mercado de trabalho mal-remunerado e de baixo valor agregado,
de outro, altamente especializado e com elevados salários. O serviço público brasileiro,
dadas as características de estabilidade e remuneração, tem representado uma das
principais opções de trabalho e exerce grande influência na escolha racional dos
indivíduos (Simon, 1972). O número de servidores nos três poderes e nas três esferas de
governo soma, aproximadamente, 9,6 milhões de pessoas, o que representa 10,7%1 da
população brasileira economicamente ativa.
Neste contexto, sabe-se que a rotatividade entre as diversas carreiras é
relativamente alta e sazonal. Alta se comparada a países desenvolvidos, uma vez que as
1 Dados extraídos da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2006), disponível na Internet no endereço: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf_release/18Pnad_Primeiras_Analises_2006.pdf.
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trocas estão próximas de zero, e sazonal porque a troca depende de qual carreira naquele
momento combina melhores salários com eventuais benefícios indiretos. Decidiu-se então
fazer a abordagem do tema, utilizando-se o arcabouço teórico da Teoria dos Incentivos,
com base no modelo Principal-Agent2 cuja relação de dependência estabelecida entre o
servidor e o Estado, deve ser modulada por uma estrutura de incentivos, haja vista a
imperfeição do mercado de trabalho no serviço público.
Com a inserção da relação entre agente e principal na teoria econômica, surge o
problema do incentivo. Uma estrutura de incentivos é a solução para o problema derivado
da delegação, sentido genérico, do principal para o agente. A delegação pode surgir em
decorrência de diversos fatores, mas os mais comuns são: primeiro, a possibilidade de o
principal se beneficiar de rendimentos crescentes da “divisão de tarefas”, o que, vale
ressaltar, é a raiz do crescimento econômico; segundo, porque o principal se encontra no
limite de sua competência técnica, ou seja, agregar ao processo produtivo um agente que
tenha alguma especialidade já é, por si só, um fator de inovação, o que é conhecido na
literatura como racionalidade limitada do principal quando o problema a ser resolvido
através da delegação implicar em maior grau de complexidade.
Quando a “delegação” se materializa, por definição, esta traz em seu bojo uma
diferenciação entre o agente e o principal. O acesso à informação no processo produtivo,
do lado do agente é incrementado e o do principal diminui progressivamente em relação
ao primeiro. Desta feita, no caso de o agente combinar informação privada (ou específica)
com novas tecnologias, cujo resultado é desconhecido ou não mensurável pelo principal, a
custos de oportunidade recém identificados pelo agente com sua habilidade específica de
lidar com essa tecnologia e o conjunto de informações resultantes do processo, ocorre um
típico problema de assimetria de informação, que encontra na literatura do Agente-
Principal respaldo teórico para a formulação das propostas contidas nesse estudo. Para
evitar, ou diminuir a probabilidade de o agente se apropriar do excedente que ele cria em
nome do principal, uma estrutura de incentivos é requerida no processo.
2 Relação contratual de dependência opcional estabelecida entre um principal e um agente. (Laffont-Martimort, 2002).
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Considerando o arcabouço teórico do modelo Principal-Agent, na forma postulada
pela teoria econômica, é possível estudar a lógica da estrutura de incentivos para a análise
da relação entre o gerente e o trabalhador e entre a direção de um órgão e o seu corpo de
servidores.
Se admitirmos que individualmente cada carreira do serviço público componha a
função de utilidade percebida pelo servidor (ou candidato) e se analisarmos o turn-over
entre estas carreiras, motivado, principalmente, pelo senso de oportunidade e percepção
de utilidade do indivíduo, verificaremos que os custos desta transação são elevados para o
Estado brasileiro. Isto sugere que a gestão de recursos humanos no setor público é nada
mais que ineficiente, se considerarmos o conceito econômico de ineficiência que, no
âmbito da administração pública quer-se referir à inadequada alocação dos recursos
públicos vis-à-vis resultados esperados de cada órgão, considerando as restrições
orçamentárias. De acordo com Zylbersztajn (2000), caberá ao Estado o papel de
catalisador do processo de desenvolvimento econômico e social, através, dentre outras
políticas, da modernização institucional, objetivando adequar as normas e as leis vigentes
à realidade dinâmica da sociedade. Ao Estado cabe o papel de indutor do processo de
mudança.
Diante desse quadro, sugere-se no presente trabalho, a adoção de uma estrutura
de incentivos, associada à prática de avaliações de desempenho tanto dos servidores
quanto da instituição (incluindo-se aqui os gerentes), concomitante à implementação de
um plano de cargos e salários e um plano de capacitação permanente, com vistas a
otimizar a função alocativa do Estado no que tange à gestão de recursos humanos,
reduzindo-se o turn-over e os problemas gerados a partir do comportamento oportunista
dos indivíduos.
A estrutura de incentivos associada ao procedimento de avaliações de desempenho
e a um plano de carreira no serviço público também beneficiaria o Estado na blindagem
das carreiras típicas de Estado, i.e., Tesouro Nacional, Controladoria-Geral da União,
Receita Federal do Brasil, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e outras não menos
importantes. Espera-se, com a profissionalização da burocracia, a diminuição da
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probabilidade de captura dos negócios do Estado por grupos de interesse, dado que o
servidor, ao exercer racionalmente suas escolhas e institucionalmente incentivado, tenderá
a pautar suas ações por princípios éticos e morais (organizacionais e individuais),
reduzindo-se assim, novamente, os custos para a instituição, uma vez que
comportamentos não-éticos, ou aéticos, adicionam custos às transações econômicas e
sociais (Rosansky, 1994).
O objetivo deste estudo é mostrar, sucintamente, que a adoção de uma estrutura de
incentivos voltada ao treinamento e à capacitação de longo prazo, vinculada às diretrizes
estratégicas do órgão e à progressão e promoção do servidor é benéfica do ponto de vista
tanto do servidor público quanto do Estado. Se adotarmos a visão simplificada da Teoria
do Consumidor, o conceito amplo de Utilidade e de Utilidade Marginal, o cargo público
tornar-se-á atrativo a ponto de elevar o estímulo e o comprometimento de seus ocupantes,
alterando-se, desta forma, as seguintes variáveis: i) as probabilidades de desenvolvimento
de comportamento oportunista pelos agentes; ii) o descasamento dos interesses do agente
(servidor) em detrimento da estratégia do principal (órgão), iii) a competição interna por
funções de comando, estimulada pela concorrência que permeia a nova progressão
funcional; iv) a evasão para outras carreiras consideradas concorrentes (i.e., com um
número maior de incentivos e conseqüentemente com uma maior percepção de utilidade
no curto prazo pelo servidor); e, por fim, v) os custos de transação, com a melhoria da
gestão dos recursos humanos do Estado Brasileiro.
A opção pela abordagem da Teoria do Consumidor foi feita com base na
simplicidade da teoria e na perfeita adequação de seu arcabouço para a análise e
avaliação do processo de decisão do servidor ou candidato quando o mesmo decide entrar
para o serviço público e com base nas percepções que norteiam o processo de tomada de
decisão no momento da escolha por esta ou aquela carreira. Além disso, mesmo após o
ingresso no serviço público, os servidores permanecem, de tempos em tempos, trocando
suas posições, ou seja, continuam a avaliar ou mapear as diversas carreiras e alteram
suas percepções de “utilidade” no médio e longo prazo, à medida que aumenta sua
percepção da realidade em função do maior acesso à informação.
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O texto está organizado da seguinte forma: A primeira parte trata da função
Utilidade, descreve a evolução do conceito econômico para os consumidores e reafirma o
fato de que a economia clássica não considerou na sua formulação, os custos de
transação advindos de outras interações existentes no mercado, tais como do indivíduo,
da firma, do próprio mercado. A principal crítica reside no fato de que o modelo
neoclássico pressupõe o funcionamento dos mercados na função de produção, admitindo
apenas os custos de oferta e de demanda, uma vez que o consumidor é racional e que
seu objetivo é sempre maximizar a própria utilidade no consumo de determinado bem ou
serviço.
Neste contexto, o servidor público é inserido no modelo como o “consumidor de
empregos públicos” e que o ingresso em determinada carreira ocorre em função da
utilidade percebida por ele. Sendo assim, tomando-se o modelo de progressão funcional
atual das carreiras do serviço público, é lícito afirmar que o erário é onerado e o sistema é
ineficiente, uma vez que a progressão é automática, linear e [praticamente] inercial,
corroborado pelo fato de que todos os servidores atingirão o topo da carreira,
independente do seu desempenho ou habilidades.
A fim de não cometer impropriedades contra as iniciativas do Governo brasileiro,
cabe aqui mencionar a proposta elaborada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão do sistema conhecido como SIDEC (Sistema de Desenvolvimento na Carreira),
cujo objetivo é condicionar as progressões e promoções no serviço público a critérios de
avaliação meritórios. Da leitura da proposta, depreende-se que o SIDEC contém o embrião
de um modelo de desenvolvimento de carreira, considerando-se critérios de avaliação e
mérito individual. Entretanto, as críticas dos servidores, sindicatos e entidades de classe
são inúmeras. Argumenta-se que os critérios genéricos estabelecidos não são adequados,
ou até mesmo ignoram, às especificidades de carreiras exclusivas de Estado tal como a
carreira de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil.3. Vale à pena mencionar que
qualquer projeto que se proponha a alterar as normas e, em última instância, a vida das
pessoas, deve ser construído com a participação de todas as partes interessadas. Caso
3 Diversos textos e notas técnicas retirados da Internet (Google). O MPOG não autorizou o envio do material.
7
contrário, a probabilidade de rejeição e fracasso na implementação do mesmo, em tese,
tende ao infinito.
Desta forma, na ausência de carreiras estruturadas, de estímulo à competição
técnica, de motivação e de incentivos adequados, e até mesmo de uma ação consciente e
coordenada do Estado, combinados à multiplicidade de ofertas em outros órgãos, faz com
que surja a possibilidade de o servidor desenvolver comportamentos oportunistas, que
podem ser oriundos, por exemplo: i) da desmotivação e do descomprometimento,
passando o servidor a executar uma agenda particular, paralela à agenda institucional,
beneficiando-se das assimetrias de informação existentes, i.e., deixando de trabalhar e
estudando para outro concurso; e ii) da captura das funções do Estado, auferindo ganhos
extras, o que gerará ineficiência econômica e social para o sistema, i.e., recebendo
benefícios (incentivos informais), pecuniários ou não, para facilitar quaisquer atividades
entre os agentes econômicos.
A segunda parte aborda os principais conceitos de comportamento oportunista da
Nova Economia Institucional (NEI) que influenciam o desempenho dos agentes e os custos
de transação econômicos. O foco principal é a construção de uma estrutura de incentivos
aplicada ao plano de carreira do serviço público, de modo a coibir comportamentos
oportunistas nos órgãos, diminuir a rotatividade de servidores entre as carreiras e assim
reduzir os custos de transação econômicos. Parte-se do pressuposto de que as
instituições são forjadas a partir de um conjunto de regras não escritas (i.e., regras
informais, cultura) e por ela [instituição] é validado e implementado (i.e., regras formais,
leis e códigos de conduta).
A Teoria dos Incentivos é abordada no texto como uma evolução da NEI. Espera-se
que, com a introdução de incentivos positivos e punitivos, os indivíduos sejam motivados a
permanecer comprometidos com os objetivos institucionais do órgão e a não romper com
as regras estabelecidas dentro e fora das instituições. Desta forma, chega-se à conclusão
de que a utilidade percebida pelo indivíduo é função dos incentivos esperados em um
determinado período.
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A terceira parte constitui-se na própria proposta de incentivos, ou mecanismo de
desenho institucional. Neste contexto, considera-se que as instituições desempenham
papel fundamental na promoção do desenvolvimento econômico e social, e que um de
seus principais insumos é os recursos humanos (i.e., conhecimento e potencial de
realização) e, conseqüentemente, o estoque de conhecimento por eles produzido (i.e.,
lições aprendidas e melhores práticas).
Há então que se considerar que sem um investimento estratégico no desenho de
uma carreira pública adequada às complexidades das funções institucionais, os indivíduos
poderão desenvolver comportamentos oportunistas que elevarão os custos de transação
do Estado. Ainda que haja inúmeros incentivos específicos a cada carreira típica de
Estado, decidiu-se manter um número reduzido de alternativas a fim de facilitar a visão do
gestor. Os mecanismos de gestão podem ser transversais (i.e., aplicáveis a todas as
carreiras) ou específicos (i.e., que busca atender às necessidades especiais de mobilidade
e treinamento a depender da capilaridade das atividades etc.). É importante ressaltar que
a proposta de estrutura genérica de incentivos pressupõe a adoção de diversos
mecanismos de gestão, quais sejam:
i) as avaliações de desempenho de cima para baixo e de baixo para cima
(360o);
ii) a hierarquização e concorrência entre os pares na ocupação das funções
gratificadas;
iii) o número limitado de vagas para progressão funcional por nível; iv) o plano
de capacitação permanente focado no desenvolvimento das capacidades do
corpo funcional; e
iv) a transformação dos cargos comissionados em funções gratificadas,
exclusivas para funcionários concursados, preferencialmente da carreira do
órgão.
Na quarta parte procura-se descrever basicamente as vantagens e desvantagens
para as partes (i.e., governo e servidor) da adoção de um modelo de incentivos para
carreiras do serviço público. Como toda proposta de mudança pressupõe, há ganhadores
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e perdedores. Trabalhar os integrantes do órgão (stakholders4) para minimizar as
resistências internas e gerar um novo caldo de cultura é papel inerente ao plano de
mudança. Resta às instituições, com o estoque de conhecimento acumulado, promover o
salto de qualidade que possibilita o contínuo desenvolvimento do Estado.
Sendo assim, o texto aborda sugestões de melhoria no aparato do aparelho do
Estado, principalmente no que tange à eliminação do processo de ocupação de funções
públicas por indivíduos estranhos às carreiras, sem vínculo empregatício e por indicação
política, com o objetivo de construção de uma burocracia profissionalizada, apresentada
como condição necessária e fundamental na promoção do desenvolvimento institucional.
Por fim, é também abordada, sucintamente, a proposta da Teoria da Economia
Comportamental (Behavioral Economics), desenvolvida e recentemente apresentada por
pesquisadores da Universidade de Chicago (EUA), que se aplica em alguma medida à
análise do objeto de estudo deste trabalho. O foco dos autores é analisar os impactos do
comportamento humano no desenvolvimento econômico. Entretanto, vale ressaltar que a
Teoria da Economia Comportamental corrobora com o argumento de que o Homem não é
um ser sem emoção, plenamente racional e maximizador de todas as funções. Como
sugerido por psicólogos e economistas, os quais integram o grupo de Chicago, sua
capacidade cognitiva, associada à assimetria de informações e às mudanças de humor
puramente irracionais, definem o seu processo decisório e influenciam a economia como
um todo.
A conclusão, última parte do texto, reafirma a importância da adoção de um plano
de carreira com uma estrutura de incentivos positivos e punitivos, com um plano de
capacitação permanente, com progressão funcional incremental e meritória, não inercial,
associada a uma metodologia de avaliação de desempenho 360o, com indicadores
4 Em Português, parte interessada ou interveniente. Refere-se a todos os envolvidos em um processo, por exemplo, clientes, colaboradores, investidores, fornecedores, comunidade, etc. O processo em questão pode ser de caráter temporário (como um projeto) ou duradouro (como o negócio de uma empresa ou a missão de uma organização). O sucesso de qualquer empreendimento depende da participação de suas partes interessadas e por isso é necessário assegurar que suas expectativas e necessidades sejam conhecidas e consideradas pelos gestores. De modo geral, essas expectativas envolvem satisfação de necessidades, compensação financeira, comportamento ético e incentivos. Definição e tradução da internet, endereço: http://www.babylon.com/definition
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alinhados às atividades institucionais de cada órgão. Acredita-se que com o detalhamento
destas propostas num futuro próximo, a Administração Pública poderá mapear as diversas
alternativas de incentivos, não necessariamente onerosos, de modo a construir e
implementar o projeto com a participação de todos os servidores.
Com a adoção de um modelo gerencial na gestão dos recursos humanos no serviço
público, as instituições certamente contribuirão para o desenvolvimento do Estado no
longo prazo.
2 – A Utilidade Econômica como Fator de Escolha dos Indivíduos
A teoria econômica não é uma ciência exata. Por mais que tentemos racionalizar o
comportamento humano, ainda há um alto componente de variabilidade intrínseco ao
comportamento dos indivíduos e das sociedades, ao que podemos chamar de variáveis
psicológicas. As variáveis previsíveis são classificadas como quantificáveis, ou
quantitativas, e fazem parte de modelos que procuram estimar e reproduzir o
comportamento de uma variável ou de um conjunto delas.
As variáveis não mensuráveis, cujos valores estão sujeitos à percepção de cada
indivíduo, e às alterações de humor ou cultura social, têm características qualitativas e por
isso mesmo são difíceis de se racionalizar ou quantificar. A teoria clássica sugere que a
utilidade5, abstraída de todas as coisas, para qualquer indivíduo pode assumir um conceito
qualitativo6 ou um conceito quantitativo7. Poderá então a utilidade variar conforme a
percepção do indivíduo e este a aplicará no processo de tomada de decisão, de forma a
satisfazer seus desejos e necessidades. A medida da utilidade para o indivíduo será dada
por uma “cesta de vantagens percebida” composta genericamente, no caso do servidor
público, de salário, plano de carreira, possibilidade de treinamentos diversos, inclusive no
5 Utilidade: Qualidade ou conjunto de qualidades daquilo cujo uso é apreciado pelo agente econômico. A noção de utilidade é uma das noções elementares da economia, como a de valor, porém, seu conteúdo tem sido analisado de modo diverso por sucessivas teorias, sendo seu vínculo com o valor diferentemente apreciado. 6 Abordagem Ordinal: Fischer (1892) e Pareto (1906). 7 Abordagem Cardinal: Jevons (1854) e Walras (1874).
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exterior, níveis de progressão funcional, velocidade de progressão, benefícios indiretos
etc.
O conceito econômico de utilidade então nos denota que todos os objetos ou
serviços têm um valor intrínseco, o qual levará à maior ou menor satisfação dos indivíduos,
de acordo com a percepção e expectativa de cada um. Por isso a variável utilidade é de
difícil mensuração e o conceito é relativo. Conquanto, admite-se também (Varian, 1994)
que a cada unidade de bem ou serviço consumido, há um decréscimo de satisfação para o
indivíduo. Este é o conceito de utilidade marginal, que, na verdade, é o conceito que rege
o princípio fundamental de utilidade de todos os bens econômicos. O conceito de utilidade
marginal pressupõe que o indivíduo exerça suas escolhas administrando pequenos ajustes
ao longo do tempo na sua decisão, ou seja, à medida que o desejo ou necessidade é
satisfeito, a utilidade decresce, alterando a percepção do bem ou serviço pelo indivíduo.
Desta forma, os clássicos assumem primordialmente que todos os desejos e necessidades
humanas são saciáveis e que, apesar da abundância de bens disponíveis, não há
substituição perfeita entre estes bens e ou serviços para os indivíduos.
Com isso, vale reforçar, que quanto mais escasso for um bem ou serviço, maior
será a utilidade marginal percebida pelo indivíduo, relativamente à utilidade de um bem ou
serviço que tenha porventura se tornado abundante. Ou seja, se o desejo por um bem ou
serviço escasso aumentar, elevar-se-á também a sua utilidade marginal e, em
contrapartida, à medida que o desejo por um bem abundante diminuir, diminuir-se-á
também a sua utilidade marginal.8
Há que se concordar então que o indivíduo, ou seja, o consumidor, é soberano nas
suas escolhas, uma vez que a decisão de consumir ou não, em que quantidades e
quando, deverá se dar em função da utilidade percebida de um bem e ou serviço que
deverá ser diferente para cada um de acordo com a sua capacidade cognitiva.
8 Sem entrar no detalhe microeconômico, cabe ressaltar que a curva de oferta é ascendente da esquerda para a direita, ao passo que a curva de demanda é descendente. Por um lado, os pressupostos dos custos decrescentes, ou dos rendimentos decrescentes, e a maximização dos lucros definem o comportamento da curva de oferta. Por outro lado, o pressuposto da utilidade marginal decrescente e a maximização da satisfação do consumidor definem o comportamento da curva de demanda.
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2.1 – Críticas à Razão Utilitarista
De acordo com os clássicos, o comportamento racional do consumidor exerce
importância fundamental na escolha, para ambas as abordagens (cardinal e ordinal). O
conceito de racionalidade fundamenta-se no suposto de que o consumidor exerce o seu
poder de escolha calcado no acesso pleno às informações relativas ao que se quer
consumir i.e., mediante percepção da utilidade de bens e ou serviços, a partir de critérios
objetivos e perfeitamente observáveis. Em síntese, a informação sobre o bem ou serviço é
totalmente conhecida pelo consumidor e as preferências do consumidor são perfeitamente
conhecidas pelo produtor.
Entretanto, genericamente, o comportamento dos indivíduos em sociedade foge
freqüentemente dos padrões de comportamento de decisão calcados na objetividade e até
mesmo padrões éticos. (Garófalo, 1985). A idéia de “maximização da satisfação pura” nos
leva a pensar que “os fins justificam os meios”. Admitindo-se que existe alguma
normalidade estatística no comportamento oportunista, podemos admitir que os indivíduos
em determinado momento de suas vidas procurarão a satisfação máxima e o ofertante, o
lucro máximo.
Um bom exemplo é a questão da pirataria no Brasil. Qual a ética a ser observada
pelo indivíduo no seu processo de tomada de decisão quando comparados dois produtos
aparentemente iguais (i.e, Compact Disc), sendo que o original custará, no mínimo, cerca
de 100% mais que o pirateado? Num país cujo salário mínimo é de R$ 415,00, percebido
por aproximadamente 40% da população, é fácil responder qual produto será mais
consumido e popular.
Outro exemplo bastante ilustrativo no que tange ao tema de carreiras do serviço
público é o exercício de avaliar qual a ética considerada pelo indivíduo quando este se
depara com duas “ofertas” de emprego no setor público. De um lado, é ofertada uma
carreira com progressão lenta e gradual, (percepção de utilidade marginal decrescente no
curto prazo) com avaliações que comprometem os salários a serem auferidos
semestralmente; do outro lado, é ofertada uma carreira com progressão rápida (sem
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percepção ou percepção incompleta de decréscimos da utilidade marginal no longo prazo),
também inercial, com ausência de avaliação, gratificações integrais etc. Esta questão é
igualmente fácil de responder uma vez que a expectativa de satisfação imediata dos
indivíduos e as incertezas quanto ao futuro nos induz, genericamente, a optar por aquela
alternativa cuja satisfação está mais próxima.
Entretanto, segundo Axelrod (1984), se olharmos fundamentalmente as decisões
egoístas dos indivíduos, alguns poderão se apresentar dispostos a cooperar com a
alternativa “A” espontaneamente no longo prazo, ainda que as oportunidades se
apresentem “motivadoras” na alternativa “B”, no curto prazo. A motivação poderá ser fator
de uma série de incentivos que vão desde os incentivos positivos, tais como prêmios e
reconhecimento, até os incentivos punitivos, tais como a perda da confiança e o
isolamento do meio social.
Se considerarmos o indivíduo um ser utilitarista por excelência, como sugere a
economia clássica, diremos que o CD pirata seria um produto 100% consumido pelo
número de agentes existentes no mercado e que a carreira, cujo salário fosse o mais alto
do mercado, seria o objetivo de todo servidor, não importando a finalidade ou atividade a
ser exercida pelo indivíduo. Está correta a afirmação? Não inteiramente, uma vez que o
mundo não funciona com a racionalidade ilimitada como nos fazem crer os clássicos. O
CD pirata é comercializado por uma parcela da população, cuja estrutura de incentivos é
insuficiente para garantir o consumo do CD original. Portanto, uma parcela da população
optará pelo CD pirata e outra pelo CD original, dependendo da sua renda, capacidade
cognitiva, sua ética, cultura etc. conjugados à percepção de utilidade marginal dos dois
produtos por cada indivíduo.
Tomando-se o tema “carreira” como exemplo, podemos admitir que o servidor que
troca de carreira num curto espaço de tempo tem um raciocínio similar, ou seja, sua
capacidade cognitiva o orienta de forma que o mesmo se beneficie o máximo possível no
curto prazo, enquanto outro concurso (ou emprego) mais atraente (útil, no longo prazo)
não surgir (oportunidade).
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Se o indivíduo analisar o futuro próximo e vir que a instituição à qual ele pertence
não possui uma carreira efetivamente implantada, que a mesma está capturada por grupos
de interesse, que a sua gerência não é avaliada e as funções comissionadas, sejam
técnicas ou gerenciais, estão ocupadas por indicação política em detrimento do mérito do
corpo funcional, os servidores perceberão que a instituição é conivente com o oportunismo
e que há impunidade em relação aos desvios e a ignorância dos indivíduos, qual será a
sua decisão?
Barnard (1938) sugere que a organização, num certo nível de seus membros,
deverá, além de delegar a autoridade, prover também os meios de governança para o
relacionamento perfeito deste grupo com o restante da corporação de forma a, juntos,
mitigarem a questão da incompletude dos contratos. Se houver um mercado de carreiras,
com estrutura de incentivos significativamente melhores, valerá a pena investir tempo e
dinheiro e estudar para novos concursos, em detrimento não só da instituição a que se
pertença, como também em detrimento das tarefas a serem desenvolvidas no dia-a-dia.
Donde se conclui que uma administração de recursos humanos focada apenas no
quantitativo de mão-de-obra e na remuneração do servidor eleva o custo de transação
para a administração e traz ineficiência ao sistema como um todo.
Vale observar ainda que as inter-relações sociais são dinâmicas, o que acaba por
se refletir nas relações econômicas. Se num determinado momento da vida de um
indivíduo a opção a ser feita é a melhor decisão a ser tomada, no momento seguinte
poderá não sê-lo. Neste sentido, admitindo-se que os indivíduos, de tempos em tempos,
refaçam suas opções em função da reconfiguração da sua “Função Utilidade”, seremos
levados a deduzir que a origem de um movimento de evasão de uma carreira para outra,
independente do grau de evasão, é decorrente da alteração da percepção da utilidade
destas em função de novos incentivos agregados (do lado do Estado) ou mudanças nos
padrões éticos e objetivos (do lado do servidor).
Sendo assim, novamente, ao considerarmos a dinamicidade das relações, que por
sua vez influenciam e dinamizam o movimento de escolha dos indivíduos, temos que
admitir que os modernos modelos de gerenciamento de recursos humanos, a progressão
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funcional, os processos de avaliação do corpo funcional, o plano de sucessão interno e o
plano de capacitação permanente dos órgãos devem ser, obrigatoriamente, flexíveis, e
permitir que o gestor adapte os instrumentos disponíveis em função de uma nova ordem, a
cada nova demanda da sociedade, gerando oportunidades para que a instituição evolua
com o tempo.
2.2 – O Servidor Público é o Consumidor
Para que a teoria do consumidor seja utilizada na forma proposta, devemos
considerar como premissa que compomos parte de um mercado de cargos públicos (i.e.,
mercado de trabalho com exigências específicas na admissão). Os indivíduos que prestam
o concurso público representam os “consumidores de cargos públicos” e os órgãos
estatais, em última instância o Estado, são os provedores desses cargos. Se partirmos do
pressuposto que é o servidor quem escolhe qual carreira e quando prestará o exame para
concurso público, o processo decisório deve ser influenciado, ceteris paribus, pela utilidade
percebida pelo indivíduo relativa a cada um dos cargos ofertados no curto prazo.
No arcabouço que se apresenta, devemos admitir algumas premissas a fim de
justificar a aplicação do paradigma à proposta desta análise de gestão de carreiras.
Supõe-se que o servidor público é o consumidor do produto conhecido como “cargo
público”. A Constituição Federal brasileira de 1988 determina que apenas sejam
nomeados em cargos públicos os servidores aprovados em concurso público (Art. 37,
Inciso II).
“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas e ou provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração.”
Se partirmos do pressuposto da economia clássica, de que o indivíduo é racional
nas suas escolhas econômicas, o servidor ou potencial candidato calculará então,
16
deliberadamente, as vantagens e desvantagens de ingressar ou permanecer em
determinada carreira com base na sua percepção da utilidade, advinda de um conjunto de
variáveis que compõem esta ou aquela carreira. Obviamente, a principal variável a ser
observada será a remuneração (i.e., salário inicial adicionado às gratificações específicas
da carreira em análise), uma vez que outras variáveis menos perceptíveis (i.e., utilidade
marginal), resultantes da existência – ou não – de um plano de carreira, outras
oportunidades como mobilidade e ascensão, só serão percebidas por completo e
analisadas pelo servidor depois de decorrido algum tempo do ingresso, quando a utilidade
marginal do salário se tornar decrescente.
Admite-se, então, que o indivíduo (candidato ou servidor) escolherá
conscientemente, dentre as diversas possibilidades, aquela carreira que apresentar ou
oferecer a maior utilidade, procurando assim maximizar a sua satisfação profissional num
período “x” de tempo. Assumiremos o comportamento do consumidor como sendo a
“demanda” num mercado de cargos públicos, e concursos “ofertados” pelo Estado.
Num primeiro momento vamos considerar que o servidor exercerá sua escolha pela
carreira com base num comportamento racional, de forma que o mesmo usufrua da maior
utilidade possível, por um determinado período de tempo e dentro das restrições da
própria carreira, nos casos em que o mesmo já seja concursado.
Outra premissa igualmente importante para a composição do modelo é o fato de
que todo servidor desejará chegar ao topo da carreira, ou seja, em última instância,
admite-se que dada uma estrutura de progressão funcional, o servidor levará mais ou
menos tempo para progredir.
Para analisarmos o lado da oferta, ou seja, a multiplicidade de carreiras e cargos
existentes no serviço público, admitiremos que reside no Estado o principal mercado de
oferta de emprego em algumas regiões do país e este, por sua vez, é composto de
diversos órgãos públicos, cada qual basicamente composto de uma estrutura de carreira
diferente. Ou seja, nessa hipótese não consideraremos o fluxo migratório de servidores
17
que deixam o serviço público para trabalhar na iniciativa privada9, apenas entre as
diversas instituições que compõem o Estado Brasileiro (i.e., compreendido pelos três
poderes e os três níveis de governo).
No entanto, no mundo real, devemos considerar que a utilidade de uma
determinada carreira, percebida por um candidato ou servidor, é proporcional à expectativa
de desenvolvimento profissional do indivíduo, aos benefícios a ele concedidos em relação
às demais carreiras disponíveis no mercado, à velocidade de progressão e ao salário bruto
atribuído ao cargo, genericamente.
É importante reconhecer que outras variáveis também podem fazer parte da “cesta”
que influencia a escolha de um determinado indivíduo, tal como a possibilidade de servir
no exterior, como é o caso da Carreira de Diplomata do Ministério das Relações
Exteriores, mas neste estudo consideraremos apenas as variáveis que mais
freqüentemente exercem influência nas escolhas dos candidatos e que os auxiliam na
escolha de uma carreira ou a trocar de carreira.
2.3 - Curva de Progressão Atual
Para que o argumento evolua para um modelo de incentivos, é preciso antes passar
pelo modelo atual de progressão funcional.
No modelo de progressão funcional atual, a curva de ascensão é linear, sem
diferenciação de perfil entre os níveis profissionais intrafaixas e descasada da avaliação de
desempenho do servidor. Mesmo se levarmos em conta a existência de um curso aplicado
para progressão funcional, o mesmo não se traduzirá em diferença qualitativa entre os
diversos níveis nos quais se encontram os servidores, o que nos leva a crer que estes
treinamentos são pró-forma e agregam pouco ou quase nada do ponto de vista funcional
do servidor (quero crer que a instituição prevê valor agregado nos cursos de progressão,
9 Cabe aqui ressaltar que no setor privado a competição por cargos e progressão nas carreiras é ainda mais dinâmico. O turn-over tem sido observado de perto pelos profissionais de gestão de recursos humanos e estes, por sua vez, vêem necessidades constantes de aprimoramento da estrutura de incentivos das empresas a fim de conquistar os talentos da geração Y, como são denominados os jovens executivos. A estrutura de incentivos em algumas das maiores empresas privadas do mundo tem sido composta de salários atrativos, perspectivas de crescimento na carreira e projetos desafiadores. Para maiores informações sobre Geração Y, ver Scott Wilder, “Millenial Leaders”.
18
senão sua realização é mais um custo extra que vem corroborar com o argumento da
“ineficiência alocativa do Estado”).
Dadas as condições de inércia do modelo, obtém-se então uma curva de
progressão linear (Gráfico I), cujo coeficiente angular se traduz pelo salário inicial “ß”.
Importante mencionar que, quanto menor o ângulo formado pela curva (neste caso está
representado por uma reta) em relação ao eixo das abscissas, menor será a amplitude
entre o salário inicial e o final da carreira o que, num primeiro instante, pode parecer um
incentivo positivo.
No entanto, decorrido algum tempo, o servidor fará nova leitura e interpretará, face
à experiência adquirida, o incentivo como negativo para outros do seu nível e dos níveis
subseqüentes. Portanto, dada a inércia da curva atual, o gestor dos recursos humanos
conta com pouco ou nada para administrar profissionalmente o corpo funcional do órgão.
Gráfico I – Curva de Progressão atual
A inércia mencionada se traduz no fato de que a progressão é igual para todos,
independentemente do esforço individual, capacidades e habilidades específicas,
avaliação de desempenho ou do valor agregado resultante de cada servidor para a
instituição, independente do processo de trabalho ao qual pertença, sem considerar a
ß
salários
Quantidade de tempo
Estrutura de Classes (A , B, C, D e Especial)
19
importância relativa das tarefas, com maior ou menor risco, com diversos graus de
complexidade etc.
No modelo atual, todos os servidores chegarão, ao final de um determinado
período, ao topo de suas carreiras, sem distinção. A suposição de que todos merecem
estar no topo desconsidera o fato de que o indivíduo é por natureza competitivo10, possui
habilidades diferentes e poderá, em maior ou menor medida, apresentar comportamentos
oportunistas.
Além disso, vale ressaltar que a linearidade da curva no longo prazo pode acarretar
desmotivação e acomodação por parte dos servidores que, se adicionadas à ausência de
um plano de carreira focado na gestão por competência, principalmente, tenderá a permitir
o aparecimento de comportamentos considerados antiéticos, não objetivos, descasados da
estratégia institucional, elevando-se assim, em última instância, os custos de transação do
Estado.
É neste ponto que surge a necessidade de se trabalhar a competitividade inerente
aos seres humanos, aproveitando-se o gestor público do conceito de gestão por
competência, das capacidades individuais de cada servidor em prol, em última instância,
de uma melhoria constante dos serviços prestados pelo Estado à sociedade.
3 – A Nova Economia Institucional (NEI)
Antes de entramos na discussão sobre um novo modelo de carreira com uma
estrutura de incentivos propriamente dita, é importante discorrer ainda sobre a Teoria da
Nova Economia Institucional e seus pressupostos.
A partir do momento que os economistas começaram a confrontar a teoria
tradicional focada no utilitarismo com os padrões observados na sociedade, houve uma
10 Fritjof Capra, físico teórico austríaco, precursor do pensamento sistêmico (1983) "a agressão excessiva, a competição e o comportamento destrutivo, são aspectos predominantes apenas dentro da espécie humana; eles têm que ser tratados em termos de valores culturais, em vez de procurar explicá-los como fenômenos intrinsecamente naturais".
20
revolução no conceito de economia como uma ciência da escassez pautada pela
racionalidade linear e constante dos indivíduos.
De acordo com Robbins (1935), a economia é a ciência que estuda o
comportamento humano depreendido das relações existentes entre os demandantes e os
diversos meios alternativos à sua escolha. Sendo assim, e de acordo com Ronald Coase
(1988), a economia passa a ser a ciência que estuda a “escolha humana”. Na teoria
econômica tradicional, os teóricos até admitem a existência tanto do mercado como da
firma, mas estes não são os principais objetos da investigação teórica, tanto um quanto o
outro é visto como meramente acessório, sem papel relevante nas relações econômicas.
Dito isso, fica claro que a questão legal, ou seja, o marco legal que rege a interação
dessas duas entidades é terminantemente ignorado no modelo clássico. Os
comportamentos oportunistas gerados a partir da relação entre o mercado e a firma, o
agente e o principal são ignorados, apesar de corromperem e mascararem os custos reais
das transações econômicas.
No arcabouço teórico da nova economia institucional, Coase (op.cit.), basicamente,
joga luz em dois aspectos fundamentais, a fim de questionar a teoria econômica
neoclássica, quais sejam: primeiro questiona o papel da firma apenas como uma função
de produção; e segundo, além do custo de produção, deve-se considerar obrigatoriamente
outros custos inerentes ao funcionamento dos mercados e das inter-relações que o
conformam.
Apesar de reconhecer a importância do conceito de “utilidade” e da contribuição
deste à teoria econômica acerca da lógica da escolha dos indivíduos, a nova economia
institucional busca introduzir na análise o papel desempenhando pelo mercado, pela firma
e pelo aparato legal, a fim de explicar os conflitos e as transformações que norteiam os
sistemas econômicos.
No que tange ao papel da firma, Coase (1937) considera seu papel muito mais
interativo com a sociedade do que um simples encontro de curvas de oferta e demanda.
Apesar de admitir o comportamento maximizador do lucro (ou da utilidade)
21
desempenhado, no limite, pelos agentes econômicos, Coase (1988) adverte para o fato de
que há muito mais envolvido nestas relações que apenas o custo de produção. Neste
contexto surgiram as teorias da integração ou coordenação vertical, a qual não será objeto
de análise deste estudo, e a teoria dos incentivos, cujas proposições buscam nortear tanto
as decisões da firma como as do mercado num contexto muito mais amplo e complexo
que o considerado pela economia neoclássica, cujas bases teóricas e premissas foram
utilizadas para estabelecer as bases da proposta contida neste estudo.
Sendo assim, as instituições (i.e., a firma e o mercado) desempenham papel
fundamental na formatação e na construção da estrutura institucional do sistema
econômico que, se orientada pelas instituições jurídicas (arcabouço legal) que as regem,
contida nos contratos que regulam as transações estabelecidas entre elas, juntas
trabalharão em prol da minimização dos custos econômicos, antes percebidos apenas
como custos mensuráveis dos fatores de produção.
Arrow (1951) definiu os custos de transação como sendo “os custos de fazer
movimentar o sistema econômico”, tais como o custo de inovação (pesquisa e
desenvolvimento), estruturação, gestão, monitoramento, auditoria, e capacitação dos
agentes, a fim de se garantir a implementação eficiente dos contratos acordados entre as
partes.
Na NEI, os contratos, por sua vez, servirão a diversos propósitos, mas,
genericamente, poderão se propor a garantir as relações tanto dentro quanto fora da firma.
Se estiverem ocorrendo dentro da firma, esta relação se dará numa estrutura de
hierarquia, com regras definidas de cumprimento dos deveres das partes e acesso aos
benefícios decorrentes da participação destes. Em relação às regras relativas às relações
que se processam no interior das firmas, podemos dizer que esta abordagem dá origem às
estruturas hierárquicas formais e, mais recentemente, ao que hoje chamamos de “códigos
de ética” ou “códigos de conduta” das organizações.
No entanto, se as relações contratuais estiverem ocorrendo fora da firma, ou seja,
entre firmas (i.e., conformando um mercado qualquer), os arranjos contratuais buscarão,
22
além da entrega do objeto e do pagamento pelo mesmo, a regulação dos direitos de
propriedade, a defesa da concorrência, a manutenção da qualidade requerida e as
possíveis sanções no caso de rompimento unilateral de contrato.
Vale lembrar que, recentemente, na teoria dos contratos, ou da regulação
econômica, foi incorporado em sua análise o conceito de “meios éticos de produção”,
traduzido mais comumente pelo respeito ao meio-ambiente, à não utilização de mão-de-
obra infantil, à produção de alimentos sem agrotóxicos, ao combate à pirataria e assim por
diante. Vale afirmar então que as percepções informais dos indivíduos, ao longo de um
período, acabam por influenciar o funcionamento do mercado, sendo necessário que as
instituições incorporem formalmente estas percepções nos arcabouços legais vigentes
(i.e., papel regulador do Estado).
Douglas North (1990) nos relata que, historicamente, à medida que as relações
informais evoluem se consolidam as regras escritas, ou seja, os marcos legais vão
sofrendo modificações de forma a incorporar novas regras e novas formas de coibir efeitos
indesejáveis tais como, quebra de contratos, apropriação privada dos bens coletivos e os
efeitos decorrentes de comportamentos oportunistas tais como o “free rider”11, o “rent
seeker”12 e o problema do “principal-agent”13. Mais à frente os três tipos de
comportamentos serão abordados especificamente, quando descrevermos os possíveis
eventos engendrados pelo comportamento do indivíduo no âmbito das carreiras públicas.
Naturalmente, a fim de evitar o surgimento de custos adicionais decorrentes da
quebra de contrato, as relações descritas pela nova economia institucional requerem o
estabelecimento e revisão constante dos arcabouços legais (i.e., leis e contratos). Esses
devem regular os direitos e deveres dos entes envolvidos nas transações econômicas e
sociais a fim de minimizar os custos econômicos e sociais para a sociedade como um
todo.
11 Routledge Dicticionary of Economics. 1995. Indivíduo que não paga pelos bens e serviços que consome. 12 (op.cit.). Atividade monopolística. Bastante criticada por produzir relativamente mais desperdício social que benefícios. 13 Lafont-Martimort (2002). É o problema que deriva da assimetria de informação entre o principal e o agente, também conhecido como “seleção adversa” (adverse selection).
23
A regulação contratual ou econômica visa coibir, por exemplo, o não cumprimento
de uma obrigação por qualquer das partes, a não entrega do produto ou prestação do
serviço (inadimplência), o benefício adquirido sem a devida contrapartida (free rider), ou a
incorporação de benefícios não constantes no acordo (rent seeking) ou, ainda, as
distorções causadas pelo descasamento entre a conduta do gestor e do acionista
decorrente da assimetria de informação existente entre ambos (principal-agent problem).
Sendo assim, podemos afirmar que é por meio da instituição (North, 1990), a qual
desempenha papel fundamental na nova economia institucional, que os contratos são
regulados, as regras são acordadas e as incertezas são reduzidas, provendo estrutura e
ordem ao dia-a-dia das sociedades, desenhando novas formas de atuação e coibindo
comportamentos antiéticos e anticompetitivos das partes e, por que não, diminuindo os
custos de transação econômicos e sociais.
Assumindo-se que as instituições desempenham papel catalisador (agente de
mudança) na sociedade e que esta mudança determina os custos de transação e de
transformação dos sistemas econômicos, podemos, na seqüência, admitir também que,
uma vez resolvidos os problemas e conflitos relativos à coordenação das transações por
meio da regulação, a produção será determinada pela motivação existente entre as partes.
Ou seja, também pela função utilidade percebida, pela complexidade do contexto em que
estão inseridos e pela habilidade das partes em detectar e priorizar as atividades deste
mesmo contexto que elas conseguem observar e processar como base para a tomada de
decisão (e.g., levando-se em consideração que cada indivíduo terá uma estratégia própria
de atuação durante a execução de um contrato e que estas não necessariamente serão
convergentes).
Algumas instituições são tão complexas e sua produção tão singular que tanto o
nível de especialização como a natureza de seus contratos é diversificada, quanto a
multiplicidade e heterogeneidade de suas estratégias de longo prazo. Ou seja, quanto
maior a complexidade e a necessidade de especialização de uma instituição, maior será o
incentivo para que os indivíduos interajam num nível mínimo e decrescente de incerteza
(i.e., economia do gerenciamento e de avaliação do risco – Demsetz, 1995).
24
A Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, por exemplo, se
encaixa perfeitamente neste perfil de complexidade. A utilidade percebida pelo servidor da
carreira de Finanças e Controle exerce influência na decisão a ser tomada sobre ingressar,
continuar ou prestar novo concurso para outra carreira, mas é o conjunto de incentivos que
compõe o perfil da carreira, em última instância, que determinará o desempenho do corpo
funcional e da instituição per se através dos tempos. Segundo North (op.cit.), é nas
instituições que residem os limites formais que as sociedades se impõem na estruturação
das relações econômicas, políticas e sociais e é através delas que as sociedades
evoluem.
Portanto, podemos assumir que residem nas instituições, concomitantemente, os
papéis tanto de limitador das liberdades individuais quanto de agente catalisador das
mudanças culturais, geradas a partir da evolução das relações sociais e econômicas.
3.1 – A Teoria dos Incentivos
Após breve visita à teoria do consumidor, ao conceito de utilidade relativa, aos
conceitos de oportunismo e da importância da nova economia institucional e de como as
instituições promovem o desenvolvimento econômico e social, podemos introduzir o
conceito de incentivo às discussões de forma a corroborar o argumento de necessidade de
reformulação dos planos de carreira do serviço público com estrutura de incentivos como
condição necessária, ainda que não suficiente, para aperfeiçoar as relações do mercado
de trabalho no âmbito do setor público, reduzindo-se o turn-over entre carreiras e os
custos correlatos que, em última instância, são suportados por toda a sociedade.
Em Laffont-Martimort (2002), a abordagem da teoria está centrada no problema da
assimetria de informação (dada entre o principal e o agente) o que impede, por definição,
que os contratos firmados cubram 100% de todas as possibilidades de eventos futuros. A
teoria dos incentivos procura conformar um arcabouço que considere basicamente três
25
problemas gerados pela informação assimétrica: a seleção adversa, o moral hazard14 e a
impossibilidade de verificação.
Adotamos como premissa que, em ambientes complexos, as relações de troca se
darão de formas igualmente complexas. Na formatação dos contratos que regem essas
relações complexas e multidisciplinares, seria racional esperar que as partes procurassem
minimizar os riscos de perdas através da tentativa de antecipação de todos os eventos
possíveis. Entretanto, na vida real, há basicamente três aspectos que influenciam a
conformação destes contratos e que poderão gerar conflitos entre as partes, quais sejam:
a) na situação de seleção adversa, cujas partes têm informação incompleta e
imperfeita, ou seja, para um contrato de cobertura total, onde no limite o risco
tendesse à zero, o custo tenderia ao infinito, o que não é economicamente viável;
b) na assimetria de informação, cujos indivíduos aproveitarão todas as oportunidades
(certeza de cobertura ou impunidade, lacunas contratuais percebidas etc.) para
auferir ganhos extras, desenvolvendo um comportamento oportunista, tirando
vantagem da vulnerabilidade ou desinformação da outra parte e seguindo seu
próprio interesse; e
c) na impossibilidade de verificação, cujas partes não poderão contar com terceiros
para dirimir ou pacificar conflitos sem que haja um custo adicional envolvido, cujo
montante será proporcional ao nível de complexidade do contrato. Esse
pressuposto fundamenta a necessidade de existência de um sistema arbitral que
pacifique os conflitos que porventura surgirem durante a execução do contrato.
A princípio, o que se percebe é que todo contrato oferecerá implicitamente
oportunidades de as partes desenvolverem comportamento oportunista uma vez que a
racionalidade limitada dos indivíduos (bounded rationality) os impede de formular contratos
completos15 (Simon, 1972).
14 Routledge Dicticionary of Economics. 1992. Comportamento oportunista observado a partir das concessões de seguros, ou seja, o indivíduo assegurado tende a desenvolver um comportamento indulgente em relação ao objeto segurado, elevando a probabilidade de que o evento ocorra, ou seja, situação não desejada. 15 Todo contrato conterá implicitamente uma parcela de eventos não cobertos pelas regras que o regem. Este fenômeno é conhecido como risco sistêmico.
26
Essa incompletude dos contratos poderá ser determinante para o surgimento dos
diversos tipos de desvios e comportamentos oportunistas. Estes, por sua vez, poderão se
dar em decorrência da possibilidade de apropriação de benefícios extras, que não estão
definitivamente previstos no contrato, pela apropriação de benefícios previstos, mas sem a
devida contrapartida, dados acordos prévios de contribuição acordados entre as partes ou
com o descasamento de estratégias entre o principal e o agente.
A pergunta que qualquer indivíduo se faz é: “Como coibir este comportamento
oportunista?” Podemos, de forma simplista, responder imediatamente que ao se utilizar
uma estratégia combinada de uma estrutura de incentivos, aliada à noção de reputação
(valores morais e princípios éticos) e a garantias legais (incentivos punitivos), o arcabouço
contratual que conforma o sistema de relações entre o agente e o principal, na teoria dos
incentivos, poderá coibir em grande parte os comportamentos classificados como
oportunistas, o que não quer dizer eliminá-los das relações humanas. (Goldberg, 1986).
No que tange à reputação, é preciso dizer que, antes de tudo, este conceito representa
um ganho pecuniário. Ou seja, se um contrato é rompido, a imagem do agente que rompe
com o disposto no contrato ficará comprometida, perdendo-se a confiança de potenciais
contratantes, o que compromete um provável fluxo de renda futura, cujo montante, se
somado aos custos engendrados pelo rompimento (incentivos punitivos), espera-se,
superará os benefícios oriundos de tal rompimento.
No que se refere às garantias legais, a existência de um sistema arbitral, punitivo e
efetivo inibirá o comportamento oportunista dos agentes uma vez que haja medidas
repressivas previstas no arcabouço legal. É importante ressaltar que a pena prevista em
contrato (i.e., sanções diversas) deverá ser obrigatória e significativamente superior à
relação obtida pela taxa marginal de substituição do bem público pelo bem privado,
percebida ou declarada pelo agente16. Todas as vezes que as instituições formalizarem
punições muito acima dos ganhos esperados, o comportamento oportunista tende a
16 Por exemplo, na China a corrupção é punida com a pena de morte. Em países desenvolvidos o indivíduo perde completamente a credibilidade. Isso não quer dizer que nestes países não existam os chamados comportamentos oportunistas, mas o indivíduo ao optar por este comportamento deverá levar em conta que, se o sistema o detectar, há muito a se perder.
27
diminuir num primeiro momento e a se sofisticar no longo prazo, a fim, obviamente, de
burlar o sistema vigente.
North (op. cit.) defende que, se houver mecanismos arbitrais que consigam identificar,
julgar e punir culpados, num movimento contínuo de monitoramento e avaliação das
regras formais vis-à-vis regras informais, estas instituições estarão corroborando e
forjando o desenvolvimento da sociedade, o que servirá de incentivo marginal (i.e.,
exemplo prático) para que o restante dos agentes se comporte conforme as regras
estabelecidas.
Em relação aos princípios éticos, vale ressaltar que os códigos de conduta, que
pautam modernamente o comportamento das organizações e de seus colaboradores,
desempenham um papel de balizador das regras da sociedade, como num acordo tácito.
No entanto, vale ressaltar que, na hipótese da inexistência de mecanismos punitivos,
haverá sempre a probabilidade de desenvolvimento de comportamentos oportunistas, seja
por desconhecimento das regras ou por vontade deliberada do indivíduo. Os códigos de
ética desempenham um papel muito mais cultural na vida das organizações que os
sistemas positivos de determinação das condutas (i.e., leis), haja vista que a sua
implementação e monitoramento são muito difíceis de se realizar (i.e., impossibilidade de
verificação se os indivíduos estão cumprindo ou não tais códigos de conduta).
Na questão das “relações de trabalho” propriamente ditas, verifica-se que os
problemas gerados pela “delegação” - desde Adam Smith, quando fora estudado o
problema gerado pelos contratos de “culturas compartilhadas”, até os dias de hoje, quando
estudamos as divisões do trabalho em mercados super especializados -, têm sido tópicos
importantes e recorrentes no estudo da Teoria das Organizações e perpassado toda a
Teoria Econômica.
Desta feita, se admitirmos que o “fato gerador” da motivação com vistas ao
estabelecimento de uma relação de troca (conceito econômico) é o próprio incentivo que
as partes percebem e transformam em utilidades (conceito psicológico), será correto
afirmar que a utilidade percebida (U) é função direta do incentivo esperado (I).
28
(U) utilidade = fx (I) incentivo17
Pode-se deduzir que, se o incentivo esperado não se concretiza ou é frustrado,
independente do motivo, a utilidade percebida pelo agente se alterará em termos de
rendimentos decrescentes (performance abaixo do esperado) ou até mesmo negativos
(prejuízos) até que, ao final de um período, a relação se romperá, unilateralmente ou não,
e deixará de existir.
4 – Estrutura de Incentivos
Pressupõe-se que cada instituição terá uma estrutura de incentivos própria, a
depender de seus objetivos estratégicos, do grau de complexidade do bem ou serviço a
ser prestado entre outros requisitos. A esses fatores, que são construídos pelo principal e
pelo agente, chamamos mecanismo de desenho institucional. A estrutura de incentivos
será mais ou menos eficiente dependendo do mecanismo de desenho institucional,
adotado pela administração pública. No caso de instituições voltadas à fiscalização e
arrecadação, é importante ter uma estrutura de incentivos que não só premie a elevação
da arrecadação, mas também valorize novas formas de coibir evasões tarifárias ou punir
os desvios de comportamento e casos omissos. Vale à pena acrescentar a importância de
se considerar na estrutura de incentivos as questões específicas para realização da
atividade de auditoria, tais como grau de periculosidade, mobilidade, isolamento em
regiões de fronteira, freqüência de viagens, dentre inúmeras outras.
Desta forma, vale corroborar o exposto em Williamson (1996), atinente à questão da
estrutura de incentivos, subjacente à própria teoria acerca do “mecanismo de desenho
institucional”, o qual é focado na combinação equilibrada de incentivos positivos
(benefícios diretos e indiretos) e de incentivos negativos (punitivos diversos) 18.
17 Ou Up = E (I) que significa que a utilidade percebida é igual à esperança matemática do incentivo 18 Por exemplo: um contrato de prestação de serviços deverá prever, minimamente, que pagamentos antecipados feitos pelo contratante poderão contar com descontos. Em contrapartida, os atrasos de pagamento serão punidos com multas. Do lado do contratado, o contrato deverá prever que caso o contratado atrase o prazo de entrega do produto, o contratante
29
O que virá a ser uma estrutura de incentivos deverá, por definição, atender às
diversas demandas dos agentes e, igualmente, às diretrizes estratégicas do principal.
Segundo Simon (1955), a estrutura de incentivos só é considerada equilibrada quando
todos os envolvidos se beneficiam. Caso contrário, um ou outro lado será, também por
definição, estimulado a desenvolver um comportamento oportunista em face da
vulnerabilidade contratual do outro. Como afirmado anteriormente, a perda incorrida por
qualquer agente econômico, gera custos adicionais, acarretando uma ineficiência
econômica para o sistema.
Uma situação clássica de comportamento oportunista pode ser observada, sob a
ótica dos servidores, quando o Governo, por razões diversas, adota padrões de
remuneração diferenciados para servidores integrantes de carreiras com habilidades ou
valor agregado aos negócios do Estado desconhecidos ou não completamente entendidos
pelo gestor público em exercício (i.e., comportamento descomprometido, negligente ou
moral hazard geralmente característico de servidores estranhos à carreira com formação
incompatível com o nível decisório de poder). Como o desemprego é relativamente alto no
Brasil e a demanda por cargos públicos é elevada, o Governo não adota um planejamento
estratégico de recursos humanos de longo prazo voltado à implementação de mecanismos
de retenção e de desenvolvimento destes recursos humanos.
Neste ponto, para reforçar o argumento, podemos citar como exemplo o problema
existente atualmente entre a compatibilização dos salários e estrutura de incentivos entre
os profissionais da carreira de Finanças e Controle, que exercem funções típicas de
Estado tais como controle do gasto público, auditoria de gestão, controle da eficiência do
gasto, gerenciamento da dívida pública, contabilidade da União, e de servidores da
carreira de Auditores da Receita Federal do Brasil, que exercem atividades igualmente
típicas de Estado tais como a fiscalização e a arrecadação dos impostos e de
contribuições previdenciárias. O problema é cultural e vem apresentando desgaste
desnecessário à administração pública e aos servidores há décadas.
poderá multá-lo ou, se o contratante não realizar o pagamento, mesmo contra apresentação do produto, o mesmo deverá recorrer ao sistema arbitral existente no contrato.
30
Atualmente, existem três carreiras no sistema fazendário brasileiro. Tanto os
servidores da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto os Auditores da receita
Federal são quadros bem remunerados e que exercem funções típicas de Estado,
combinando altos níveis de exigência na entrada com altos níveis de complexidade no
exercício do cargo público. No caso dos servidores da carreira de Finanças e Controle, o
nível de exigência e complexidade é compatível com as demais mencionadas, no entanto
esses requerimentos, habilidades e complexidade não se traduzem no salário bruto e
muito menos na estrutura de incentivos atrelada à carreira.
De acordo com Simon (1955), podemos supor que, em tese, no que tange aos
comportamentos oportunistas, o servidor pertencente à carreira de Finanças e Controle, ao
final de um período, terá preferência revelada por carreiras da Receita Federal, da
Procuradoria-Geral da Fazenda, Analista do Tribunal de Contas da União ou outras
carreiras com nível salarial e estrutura de incentivos melhores e compatíveis com a
expectativa do servidor, com uma nova função Utilidade.
Por que então importaria ao Estado estabelecer estruturas de incentivos e passar a
gerenciar as carreiras típicas com profissionalismo e de forma meritocrática? A resposta
está no custo de manutenção do atual modelo (Williamson, 1985). Como exemplo de
alguns custos, podemos citar o custo de realização de novos concursos para cobrir
evasões recorrentes, no custo da capacitação aplicada a servidores que saem da carreira
para entrar em outra e na especialização obtida por aquele servidor nos assuntos do órgão
que serão perdidas e o custo para a eficiência dos serviços prestados, gerado a partir da
progressão linear, aonde todos atingem o final da carreira, não por mérito, mas por inércia.
Portanto, se o processo de “migração” eleva o custo de transação e de
funcionamento do próprio Estado; se a atual política de recursos humanos, calcada
apenas no salário bruto, sem foco no desenvolvimento de capacidades, estimula
comportamentos oportunistas e predatórios, a qual se denota ineficiente na alocação dos
recursos humanos disponíveis; e se o custo previdenciário é insustentável no longo prazo,
haveremos de concluir que a estrutura de incentivos focada na progressão por mérito; na
competição por cargos; no desenvolvimento de capacidades das instituições, e; no
31
treinamento exclusivo para a gestão dos negócios do Estado, é de se esperar que os
custos de funcionamento e manutenção do Estado sejam significativamente reduzidos,
que a eficácia na prestação dos serviços públicos se eleve e o desenvolvimento
econômico e social seja apropriadamente engendrado.
4.1 - Curva de Progressão Incremental
Na proposta de formulação de um novo paradigma para a progressão incremental
procurou-se adotar a abordagem ordinal da teoria do consumidor. Esta abordagem rejeita
a hipótese de mensurabilidade quantitativa da utilidade (U), substituindo-a pela análise
comparativa. (Vilfredo Pareto – 1900). Desta forma, supõe-se que a progressão funcional
dos servidores observe uma trajetória variável (i.e., variações marginais crescentes e
decrescentes), sujeita às avaliações de desempenho individual (com baixa variabilidade),
conjugado a um plano de capacitação permanente e condicionado a vagas limitadas nos
níveis superiores, conforme explicitado no Gráfico II.
Gráfico II – Curva de Progressão Funcional Incremental
Portanto, na proposta de um novo plano de carreiras há que se considerar que a
utilidade percebida pelo servidor em relação ao cargo público não é mensurável para o
Quantidade de tempo (t)
Sal
ário
bru
to
Y
Inflexão da curva
Níveis técnicos
Níveis gerenciais e especialistas
AB
C
D
E
FG
Y’
Y’’
32
servidor no seu sentido absoluto, mas sim comparável com as demais carreiras existentes
no âmbito do serviço público.
Uma vez analisado o Gráfico II, há que se enumerar algumas premissas, que afinal
comporão a proposta de estrutura de incentivos das carreiras típicas de Estado.
Devemos admitir que nos pontos A, B e C (considerado início de carreira) a progressão
ocorrerá a taxas crescentes (variações incrementais e positivas) associada à capacitação
permanente, ao desenvolvimento técnico e às avaliações individuais do servidor. O
intervalo ideal para as progressões, níveis e classes cujas alternativas não foram
estudadas para apresentação neste momento, portanto devem fazer parte de estudos
posteriores, detalhando a estrutura de incentivos.
Admitiremos ainda que a partir do ponto de inflexão da curva (C), o servidor será
avaliado com base num novo conjunto de habilidades profissionais focado em capacidades
gerenciais, liderança e especialização técnica, e considerando-se o seu desempenho ex-
ante e suas potencialidades futuras. Aqueles servidores, cujas habilidades forem
classificados como “gerenciais”, aliadas à capacidade técnica comprovada por meio das
avaliações de desempenho, passarão a ser avaliados pelos critérios específicos que
conformarão a curva y’ e aqueles servidores que demonstrarem habilidades puramente
técnicas, deverão ser classificados como “especialistas” e passarão a ser avaliados pelos
critérios técnicos específicos que conformarão a curva y’’.
Consideraremos também que nos pontos D e E (limite superior ou caminho gerencial) e
F e G (limite inferior ou caminho técnico) a progressão é desacelerada (variações
incrementais negativas), associado ao alto nível salarial e com baixos níveis de incerteza.
Condiciona-se um limite à progressão a um número fixo de cargos por classe,
incentivando a competição e a melhoria técnica e gerencial no dia-a-dia. A ascensão
funcional não mais será automática (inercial). No modelo proposto, nem todos chegarão ao
topo da carreira, desenvolvendo-se assim uma competição interna, meritocrática, por
vagas nas classes mais altas e alterando a curva de crescimento da previdência social no
longo prazo.
33
A progressão deverá, necessariamente, ser determinada pela avaliação de
desempenho ao longo de um período e um mínimo “x” de performance deverá ser atingido.
Nas organizações mais desenvolvidas os gerentes são igualmente avaliados pelos
subordinados, o que aponta para necessidade de monitoramento e desenvolvimento
constantes da performance dos gerentes e especialistas, mesmo depois que eles
alcançarem os níveis mais elevados na hierarquia do órgão. Nada deve ser inercial ou
automático. Toda progressão deverá ser avaliada pelos superiores, pares e subordinados
(avaliação 360o).
Considera-se também que o servidor deverá permanecer, necessariamente, no
primeiro nível por período igual ou superior ao estágio probatório (3 anos) e,
preferencialmente, com a mesma lotação (coordenação ou área técnica) em que tomou
posse. Dependendo da média das avaliações, o servidor permanecerá no nível em que se
encontra ou prosseguirá para o nível imediatamente posterior. Admite-se que, em casos
excepcionais, o servidor que demonstrar performance muito acima dos padrões exigidos
(com alto desvio padrão relativo às avaliações dos demais), poderá progredir até dois
níveis, dependendo de análise prévia do comitê de avaliação do órgão ou da previsão de
existência de um fast track para esses casos especiais.
Vale acrescentar que apenas os servidores avaliados com alto perfil gerencial e técnico
devem prosseguir rumo aos níveis mais altos da carreira (curvas y’ e y”). Para isso, é
necessária a implantação de uma cultura de gestão por resultados e gestão por
competência. No caso dos especialistas técnicos, como a sua responsabilidade não se
soma à questão afeta à gestão per se, estes deverão ter a progressão diferenciada do
nível gerencial, num nível mais baixo e com indicadores de performance e resultados
também diferenciados, com indicadores mais individualizados.
Supõe-se, por fim, que tanto o servidor estará, no limite da função alocativa, o mais
próximo possível do ponto de equilíbrio institucional, ou seja, a utilidade percebida é
satisfatória19 e crescente (com o rompimento da inércia), uma vez que os salários pagos
19 O que motiva a preferência do servidor por esta carreira em detrimento de outra é a descrição fundamental desta “escolha”. A utilidade aqui mencionada é uma forma simplificada de descrever esta preferência, onde {Up = E(I)}.
34
são compatíveis com os níveis de exigência e responsabilidades dos cargos que ocupam
e, adicionalmente, proporcionais ao desempenho dos mesmos. Quanto à instituição, no
limite da função alocativa, esta também observará uma posição próxima do equilíbrio, uma
vez que estará cumprindo eficientemente os objetivos para os quais foi criada.
5 – Vantagens e Desvantagens na Adoção de um Modelo de Incentivos
É importante deixar claro que toda proposta de mudança deve conter o
mapeamento de perdedores e ganhadores. Ou seja, deve-se identificar quais os grupos
que perdem e quais os grupos que ganham com a mudança de paradigma para que se
possa trabalhar a cultura da organização e evitar que o projeto de mudança seja capturado
por grupos de interesse. Sabe-se que 99% dos projetos que fracassam, decorrem de
falhas de comunicação com os agentes e da incapacidade do principal em convencer as
partes envolvidas (Barnard, 1938).
À primeira vista, a proposta pode sugerir que todos ganham, mas, necessariamente,
os indivíduos, num primeiro momento, deverão ter sua condição alterada para melhor ou
para pior. Estrategicamente, o intuito da adoção de uma estrutura de incentivos aplicada a
um plano de carreira para o serviço público é alinhar as estratégias de longo prazo dos
indivíduos, que integrarão uma determinada carreira, às estratégias da instituição e, em
última instância do próprio Estado.
As vantagens poderão também ser analisadas do ponto de vista endógeno ou
exógeno. Endógeno, se a estrutura de incentivos, por exemplo, proporcionar ao servidor o
orgulho de pertencer à instituição em voga, elevando o comprometimento dos servidores e
diminuindo a probabilidade de desenvolvimento de comportamentos oportunistas por parte
dos agentes. Exógena, se a instituição elevar a sua eficiência alocativa, no que tange aos
seus recursos humanos e tecnológicos, vis-à-vis suas obrigações regimentais e inovações
institucionais e, ao fim de um período, esta estrutura de incentivos for capaz de promover
transformações que influenciem positivamente outras instituições.
35
Do modelo proposto, as vantagens percebidas para as partes são as seguintes:
Para a instituição (principal), podemos considerar que a sensível redução do turn-
over trará, seguramente, uma maior eficiência aos processos de trabalho, dada a
estabilidade do corpo funcional. No que tange aos custos de transação20, dada a
suposição de redução do número de indivíduos que desenvolverão comportamentos
oportunistas, a função alocativa será otimizada. A instituição (principal) terá seus objetivos
estratégicos de longo prazo perseguidos por um elevado número de servidores (agente), o
que denota uma diminuição da assimetria de informação do sistema como um todo,
trazendo estabilidade ao sistema no longo prazo.
Admitindo-se que os objetivos estratégicos serão construídos em conjunto
(metodologias de construção coletiva) com os servidores (agente) e que os servidores
recebam incentivos positivos para persegui-los, é lícito supor que a assimetria de
informação necessariamente diminuirá, ainda que um ou outro agente mantenha uma
agenda ou interesse particular em relação à atividade do principal. É importante ter em
mente que sempre haverá aquele agente que percebe outros incentivos, cuja percepção
denota maior atratividade, fora do sistema contratado e, para tanto, deverá desenvolver
um comportamento oportunista, a fim de se beneficiar ou de se apropriar de ganhos extras
em detrimento do todo. Mas para isso, ele deverá ter também a percepção de que o
descumprimento das regras vigentes, que caracteriza evidente “quebra de contrato”
(definido entre o agente e o principal) compensará o sistema de punições cabíveis, quando
explicitado.
Entretanto, o importante do modelo proposto não é eliminar este comportamento
indesejável do corpo funcional, mas, juntamente com uma estrutura de incentivos
positivos, associar-se a uma estrutura de incentivos punitivos, a fim de desestimular os
desvios na atuação do agente, dos mais graves previstos em lei (i.e., corrupção) até outros
não previstos em lei, mas considerados onerosos e danosos, tais como a manutenção de
uma agenda paralela, a indolência, a impontualidade e o descomprometimento com os
20 Custo de realização de contínuos concursos para reposição de efetivo, custos de treinamento, custos envolvidos na perda de massa crítica etc.
36
processos de trabalho e a troca de carreira21 mesmo após investimentos em capacitação
por parte do principal etc. (Becker, 1983).
Do lado do agente, a principal vantagem percebida de uma estrutura de incentivos
aplicada a uma carreira do serviço público é certamente a estabilidade de longo prazo, ou
seja, a diminuição das incertezas. Não a estabilidade de emprego, pois este fator já é
concedido ao servidor concursado pela Constituição Federal de 1988. Quer-se referir aqui
à estabilidade advinda de um processo claro e transparente de encarreiramento, da
construção de um plano de capacitação permanente, de investimentos constantes que
serão feitos na profissionalização dos agentes e de parâmetros claros e meritórios para a
ocupação das funções de comando (Becker, 1983) e (Dienhart, 2000).
Com a adoção de um plano de capacitação permanente, a instituição passa a
transmitir ao agente a mensagem de que existe um plano de investimento de longo prazo
em recursos humanos, sem que o servidor tenha que investir parte de sua renda para
concorrer “por fora” com outras carreiras ou até mesmo se profissionalizar e assim galgar
cargos mais elevados, hoje ocupados não pelo mérito, mas por indicação política.
(Dienhart, 2000).
Genericamente, as vantagens para o principal (Estado) são de diminuição dos
custos de transação, diminuição da incidência de comportamentos oportunistas, e, por
conseguinte, diminuição da assimetria de informação em relação ao agente. Do lado do
agente (servidor), as vantagens se resumem a uma maior estabilidade do plano de carreira
no longo prazo, que advém da percepção futura de “onde se quer chegar”, da
transparência no processo de desenvolvimento dos líderes internos (gerentes), da maior
capacitação dos técnicos (especialistas) e da diminuição do risco sistêmico de vir a ser
uma instituição comandada por um agente oportunista. (Dixit, 2000).
O Estado terá, num primeiro momento, um custo relativamente alto na alteração dos
critérios de progressão, classes e padrões, haja vista necessidade de se reclassificar os
servidores que porventura estivem “dentro” dos novos padrões mais elevados, o que pode 21 Ainda que todo indivíduo seja livre para fazer as escolhas que melhor lhe convier (livre arbítrio), a opção pela troca de carreira traz necessariamente um custo adicional para o Estado.
37
representar uma desvantagem aos olhos de gestores imediatistas. Ademais, a alteração
dos parâmetros e de todos os “contratos” que hoje regem as carreiras, deverá ser
analisada ainda sob o ponto de vista do impacto fiscal e viabilidade jurídica, a fim de se
evitar transtornos futuros engendrados por processos judiciais impetrados por agentes
insatisfeitos com o novo regime (Hardin, 1997).
Cabe mencionar que, os comportamentos oportunistas mais graves, tais como a
corrupção passiva e o nepotismo, estão suficientemente presentes na realidade do serviço
público brasileiro, corroborando o argumento de que do Estado se exige o contínuo
aprimoramento de suas instituições. (Zylbersztajn, 2000). Para o principal, a vantagem de
contar com uma burocracia profissionalizada se traduz na redução das probabilidades de
ser capturado por grupos de interesse, o que eleva a eficiência alocativa dos recursos
públicos.
5.1 - Necessidade de Modernização do Aparato do Estado Brasileiro
O modelo de incentivos aplicado a um plano de carreiras do serviço público, no
entanto, pressupõe, concomitantemente, modificações significativas no paradigma atual de
estruturação dos órgãos, principalmente naqueles que possuem carreiras típicas de
Estado. É importante frisar que, uma vez que o modelo prevê avaliações de
desempenho em todas as direções (avaliação 360o), é necessário reavaliar as estruturas
de comando dos órgãos e as funções gratificadas que o integram. Essas deverão ser
ocupadas, progressiva e paulatinamente, apenas por servidores pertencentes às carreiras
típicas de Estado (i.e., servidores sujeitos à avaliação de desempenho), de forma similar
aos critérios adotados pelas carreiras das forças armadas e da diplomacia.
Na hipótese de se nomear para um cargo de comando um agente “estranho” ao
Plano de Carreira com incentivos na estrutura de comando, a instituição ou o principal
emitirá uma mensagem contraditória aos agentes, qual seja “de que não há internamente
um servidor capaz de realizar esta tarefa”, apesar de todo o treinamento, capacitação e
investimentos diversos, ou ainda que, “comportamentos oportunistas agora são novamente
38
admitidos, desde que o agente não seja descoberto”. (Buchanam, Tolison and Tullock,
1980).
Portanto, é possível afirmar que o modelo ora proposto só deve funcionar se a
instituição eliminar a presença de agentes estranhos à carreira e iniciar um [longo]
processo de aculturação das práticas anteriores e de motivação de seus servidores no
desenvolvimento de um corpo funcional realmente comprometido com os objetivos
estratégicos da instituição e de uma organização que valoriza e se compromete com seus
servidores.
Para se eliminar por completo a presença estranha à casa e, conseqüentemente, a
probabilidade de retorno de práticas oportunistas de captura das funções do Estado por
interesses privados, é necessário transformar todas as funções gratificadas existentes em
“funções exclusivas de servidores da carreira”, excetuando-se a função máxima de chefia
do órgão, a qual poderá ser ocupada por indivíduo indicado pelo Ministro de Estado ou
Presidente da República. Mesmo assim, existem carreiras que há algum tempo vêm
desenvolvendo uma política de valorização interna e de ocupação dos altos cargos de
comando apenas por servidores de carreira, haja vista diretrizes adotadas pela Receita
Federal do Brasil, pelo Palácio do Itamaraty, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
e outros órgãos não menos importantes.
Outro fator fundamental reside na formatação do plano de capacitação permanente
do órgão. De acordo com North (1990, 79) “as organizações irão incentivar a sociedade a
investir em determinados tipos de capacidades e conhecimentos que indiretamente as
atenda e contribua para sua lucratividade. Este investimento formatará o desenvolvimento
das habilidades e capacidades, o que contribuirá, em última instância, para o crescimento
econômico desta sociedade” 22. Sabe-se que é necessário um programa de investimento
em educação permanente, cuja maturação ocorre a longo prazo, para que o
desenvolvimento de capacidades e habilidades promova as transformações institucionais.
22 Tradução da autora.
39
Assumindo-se a premissa de que o investimento no desenvolvimento de
capacidades, combinado a outros investimentos estratégicos, forjará o crescimento
econômico, é de se considerar que toda e qualquer carreira típica de Estado necessitará
de um plano de capacitação permanente, igualmente alinhado às estratégicas de longo
prazo dos órgãos e, concomitantemente, às macro estratégias do governo, de modo a
formar massa crítica no serviço público e promover a melhoria constante dos serviços
prestados pelo Estado. (Dixit, 2000).
Desta forma, há fortes evidências no sentido de que os investimentos efetuados no
desenvolvimento de capacidades do serviço público são diretamente proporcionais à
melhoria da eficiência do Estado, no longo prazo. Entretanto, é importante ressaltar que,
atualmente, não há um plano de capacitação permanente estabelecido para os servidores
públicos brasileiros. As iniciativas ainda são incipientes23. Os planos eventualmente
existentes não estão integrados a outros órgãos e, na maioria das vezes, são
desconhecidos do restante do governo; estão desatrelados da avaliação de desempenho e
sujeitos às práticas e comportamentos igualmente oportunistas dos gestores em exercício.
(Dixit, 2000).
O plano de capacitação proposto é constituído de diversos estágios, segundo o
nível de atuação do servidor (operacional, tático e estratégico) e do grau de complexidade
das atividades desenvolvidas (Gráfico III).
Também é possível afirmar que a estrutura de incentivos deverá, necessariamente,
comportar um plano de capacitação permanente para todo o serviço público, focado nas
estratégias transversais, (i.e., em critérios que perpassam toda a administração pública), e
em critérios específicos, (i.e., atividades finalísticas e desenvolvimento institucional de
cada órgão).
O Plano de Capacitação Permanente (Gráfico III) que integra o modelo proposto
neste trabalho deve observar as seguintes etapas:
23 Até a data de envio deste estudo ao CLAD, a autora só tinha conhecimento da proposta do SIDEC, elaborada pelo MPOG
40
i) treinamento e capacitação em atividades operacionais e transversais;
ii) atividades táticas, com características transversais e específicas; e
iii) atividades estratégicas, transversais e específicas, uma vez que todos os
servidores almejarão alcançar os níveis mais especializados técnicos e de
gestão e desenvolvimento institucional.
Gráfico III – Composição do Plano de Capacitação Permanente
A lógica da proposta é a seguinte:
Nos primeiros anos de carreira, pressupõe-se que o servidor seja desprovido de
qualquer treinamento operacional e que desconheça a operação inerente aos sistemas
corporativos de pagamento, finanças, orçamento, planejamento e contabilidade,
fiscalização, auditoria etc., que dão suporte à execução dos serviços prestados pelo
Estado. Estes treinamentos atingirão uma grande massa de servidores nos primeiros anos.
Nesse período, os servidores deverão desenvolver as habilidades operacionais inerentes
aos sistemas estruturantes que mantêm as instituições funcionando.
No. de servidores
Grau de complexidade Nível Operacional
Nível estratégico
Atividades transversais e operacionais Atividades
de Regulação Formulação de
Políticas Públicas
Gestão Estratégica e Desenvolvimento Institucional
Arcabouço jurídico-legal
Nível Tático
41
As etapas subseqüentes são caracterizadas por um aprofundamento técnico na
área de atuação do servidor. Os treinamentos a serem efetuados nestas etapas se
concentram no aprofundamento do conhecimento do arcabouço jurídico-legal, de
regulamentação das normas e do poder de regulação do Estado. É fundamental que o
servidor compreenda o processo de construção das normas e regulamentos para que na
etapa seguinte se desenvolva a habilidade de sugerir mudanças e propor alterações ao
longo do tempo. O servidor deverá ser treinado a olhar criticamente todas as funções do
Estado de forma a desenvolver capacidades suficientes para propor alterações na
realidade sempre que a sociedade demandar.
Trata-se de habilidades cognitivas fundamentais para que o servidor adquira o
conhecimento profundo das regras de funcionamento da administração pública, que regem
suas funções finalísticas, perceba sua interação com a sociedade e consiga desempenhar
satisfatoriamente a tarefa de propor as inovações requeridas. Com o desenvolvimento de
habilidades críticas e propositivas das regras formais do órgão que está inserido, o
servidor estará apto a passar à fase seguinte que é de formulação de políticas públicas.
A atividade de formulação de políticas públicas requer não somente um alto grau de
conhecimento formal, mas também um alto grau de maturidade funcional do servidor.
Nesta etapa da carreira a instituição já terá elementos suficientes, com base na trajetória
profissional do servidor, para avaliar se o mesmo prosseguirá na carreira de especialista
ou se evoluirá para a função gerencial. A partir deste ponto o desenvolvimento das
capacidades passa a ser diferenciado para especialistas e gerentes.
O desenvolvimento da capacidade gerencial ocupa o mais alto grau de
complexidade do plano de capacitação de um órgão. É preciso trabalhar conjuntamente as
habilidades desenvolvidas pelo servidor ao longo de todo o período, incentivar o
desenvolvimento de capacidades especiais típicas de gerência tais como liderança,
comando, relações interpessoais, capacidade de mudar culturas, comunicação
institucional, pensamento estratégico e, principalmente, capacidade de promover o
desenvolvimento institucional.
42
A instituição, cujo corpo funcional estiver alinhado a estas premissas de
capacitação, deverá necessariamente promover:
i) a redução da probabilidade dos servidores desenvolverem comportamentos
oportunistas;
ii) a elevação da eficiência na execução e prestação dos serviços públicos;
iii) a redução contínua do custo de operação e de funcionamento da máquina
pública e, por que não dizer;
iv) a promoção do desenvolvimento econômico e social. (North, 1990).
5.2 – A Teoria da Economia Comportamental
Recentemente uma nova abordagem da economia tem sido discutida nos meios
acadêmicos. É a economia comportamental. De acordo com Mullainathan e Thaler
(2008)24, a economia comportamental é uma combinação da teoria econômica e da
psicologia, cujo principal objeto de investigação é a influência do comportamento humano
nos mercados e seus efeitos econômicos. Eles corroboram a tese dos economistas
institucionais de que o comportamento humano foi deliberadamente excluído das
formulações da economia neoclássica e que por isso os pressupostos clássicos estão
muito longe da realidade. A economia neoclássica reduz o ser humano a um espécime tido
como o “Homo Economicus” (ibidem), ou seja, um ser absolutamente racional, sem
emoções e maximizador por excelência.
Na economia comportamental o homem é o principal objeto de análise. O foco de
observação é a maneira como o mesmo reage e interage com o meio e quais as causas e
impactos que suas decisões têm no sistema econômico. A economia comportamental
também reforça a importância da formação de capital humano no desenvolvimento da
sociedade e dos mercados. Os indivíduos, motivados por razões “irracionais” e
comportamento idealista, de acordo com os neoclássicos, não raro, fazem opção por 24 Texto acessado pela Internet, escrito para a Enciclopédia Internacional de Ciências Sociais e Comportamentais. Endereço eletrônico: www.iies.su.se/nobel/papers/
43
empregos desgastantes que pagam baixos salários (i.e., médicos do interior), rejeitam
empregos com altos salários por não aceitarem sair da região onde nasceram e
cresceram, deixam altos cargos quando percebem a existência de corrupção na
organização a que pertencem e outros deixam a família e se dedicam por um tempo a
trabalhos voluntários com refugiados em países considerados “zonas de conflito”,
assumindo até mesmo risco de morte. Há inúmeros exemplos ilustrativos. Não nos cabe
aqui esgotá-los.
O pressuposto disto tudo é a evolução da percepção humana do custo social
acarretado pelos comportamentos oportunistas, maximizadores de lucro e minimizadores
de custos. Não mais se admite consumir um produto, mesmo a preços irrisórios, se o
consumidor for informado de que foi utilizada mão-de-obra infantil na fabricação do
mesmo, que esse custo expropriado do Estado financia o tráfico de drogas e a prostituição
infantil. Não mais se admite consumir produtos oriundos de áreas de devastação florestal.
A percepção humana da utilidade das coisas mudou e o comportamento humano, refletido
nas opções que o indivíduo faz, agora está focado na sustentabilidade de um modelo de
convivência e desenvolvimento onde todos se beneficiem, ainda que a alocação ótima de
recursos, do ponto de vista clássico, não seja atingida (Axelrod, 1984) e (Dienhart, 2000).
Partindo dos princípios éticos e de sustentabilidade do modelo emanados acima,
depreende-se que a economia comportamental também corrobora com o argumento de
que é preciso uma estrutura de incentivos positivos e punitivos para conformar a instituição
do século XXI. Do ponto de vista do plano de carreira calcado numa estrutura de
incentivos, podemos supor que o comportamento do agente-servidor se orientará por
parâmetros éticos e sustentáveis de longo prazo, de forma a conformar uma instituição
comprometida com a evolução e com a sustentabilidade do desenvolvimento econômico e
social. Isso só se dará através do comprometimento do agente e do principal com uma
nova forma de interagir, um novo contrato de trabalho no funcionalismo público.
44
6 – Conclusões
A Teoria dos Incentivos foi pensada basicamente a partir da noção de “divisão do
trabalho” e das “relações de trocas econômicas” descritas na Teoria Econômica
Neoclássica. Ao introduzir conceitos comportamentais e psicológicos no arcabouço de
uma nova análise, Coase, North, Arrow, Williamson e muitos outros mencionados neste
texto, admitiram que as informações na vida real são imperfeitas, os indivíduos possuem
racionalidade limitada e que a assimetria da informação leva alguns indivíduos a se
beneficiarem das vulnerabilidades de outros trazendo, principalmente, ineficiência e
prejuízos ao modelo econômico e à organização social. Admite-se então que o modelo de
produção clássico não foi concebido para lidar com as ineficiências alocativas geradas fora
daquele arcabouço teórico.
Outra premissa verdadeira introduzida pela nova economia institucional é de que as
instituições que forem fortalecidas através de mecanismos formais de contrato, terão
diminuídas as probabilidades de serem capturadas por parte de grupos de interesse. Os
grupos de interesse, por sua vez, verão reduzidas as oportunidades de burlar as regras e
os contratos, mesmo admitindo-se que sempre haverá indivíduos dispostos a correr riscos
se houver a percepção de ganhos extras significativamente maiores que a punição
estabelecida em lei.
Sendo assim, é possível afirmar que os comportamentos oportunistas se reduzirão
na medida em que o modelo contemplar incentivos negativos significativamente superiores
ao produto da burla, de forma a desincentivar os desvios de comportamento. A corrupção
é certamente a variável que mais traz ineficiência para o modelo per se, uma vez que
agentes privados se apropriam de parte dos bens públicos, elevando-se os custos
econômicos e sociais do sistema.
A combinação de uma estrutura de incentivos positivos e punitivos em um plano de
carreira do serviço público - incentivos estes transparentes, observáveis e compatíveis
com a complexidade da relação principal-agente -, os comportamentos oportunistas
diminuirão, os agentes serão valorizados de modo a se comprometerem com os objetivos
45
estratégicos de longo prazo do principal e as instituições contarão com um corpo funcional
preparado para evoluir constantemente, proporcionando o desenvolvimento institucional e,
em última instância, o desenvolvimento econômico e social.
A literatura aplicável ao objeto de estudo explicitou o fato de que o sucesso de uma
estrutura de incentivos, sugerida no estudo, seja implementada na forma apresentada
requer a adoção de outras medidas, e.g., atinentes à promoção de mudanças no
funcionamento da administração pública, principalmente em relação aos critérios de
ocupação de funções comissionadas (de políticas para meritórias). Para o Estado, a
principal vantagem de se construir uma burocracia profissionalizada é a redução das
probabilidades (risco sistêmico) de ser capturado por grupos de interesse, mantendo-se, o
máximo possível, a eficiência alocativa dos recursos públicos.
O comportamento humano, de certo, influencia e determina o resultado das
relações econômicas e sociais. As instituições, através dos mecanismos de desenho, ou
estrutura de incentivos, exercem papel fundamental na recuperação e manutenção da
capacidade de inovar e evoluir do Estado.
Por fim, conclui-se que, sem uma estrutura de incentivos aplicada a um plano de
carreira, que alinhe a estratégia de desenvolvimento do Estado (principal) à expectativa de
desenvolvimento do servidor (agente), a evolução institucional no setor público será lenta,
os custos de transação permanecerão ascendentes e o Brasil não dará o salto de
qualidade esperado pela sociedade na prestação dos serviços públicos.
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8 - Resumo
Em setembro de 2006 a Diretoria de Gestão do Ministério da Fazenda recebeu a
incumbência de elaborar uma proposta de um novo modelo de gestão dos recursos
humanos no setor público de forma a se evoluir com as negociações que vinham sendo
feitas entre os sindicatos e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. As
negociações estavam centralizadas unicamente no percentual de elevação dos salários,
48
sem qualquer discussão de valor agregado. A proposta que integra este estudo não foi
integralmente desenvolvida à época, mas os conceitos básicos foram apresentados e
compartilhados com as equipes da DIGES/MF e de consultores da Fundação Getulio
Vargas (FGV-RJ).
A proposta consistiu basicamente da associação de idéias aparentemente distintas,
ou seja, da teoria do consumidor e o conceito de utilidade associada à nova teoria
institucional e o conceito de incentivos, que uma vez aplicadas a um novo plano de
carreira do serviço público forneceria a sustentação teórica necessária para se propor um
novo paradigma de gerenciamento de recursos humanos na administração pública,
evidenciando a necessidade de se construir um novo discurso de negociação com o
Governo, focado na profissionalização da burocracia como forma de promover o
desenvolvimento no longo prazo.
As evidências teóricas foram obtidas a partir de estudos clássicos de economia e
livros textos como Microeconomia Intermediária, Hal R. Varian, e Modern Microeconomics,
de A. Koutsouyiannis e outros da Nova Economia Institucional como The nature of the firm
e The Firm, The Market and The Law, de Ronald Coase e Institutions, Institutional Chance
and Economic Performance, de Douglas North, dentre outros igualmente emblemáticos. A
partir da combinação das evidências teóricas e de se constatar a importância das
instituições e seus arcabouços jurídicos para a evolução das relações humanas,
econômicas e sociais, procurou-se por uma argumentação sobre a necessidade de se
introduzir incentivos positivos e punitivos nos contratos que regem as relações de troca a
fim de se reduzir os custos de transação advindos das relações contratuais incompletas e
de se coibir os eventuais comportamentos oportunistas das partes.
Verificou-se que sem a adoção de uma estrutura de incentivos adequada ao público
alvo por parte do principal combinada a uma percepção assimétrica de utilidade de longo
prazo por parte dos agentes, os agentes rapidamente perdem o interesse na estratégia do
principal e passam a se dedicar exclusivamente a uma agenda privada, em detrimento da
agenda do principal. Quando estendemos este raciocínio às relações estabelecidas entre o
Estado e os servidores públicos, percebemos que quando o Estado negligencia a relação
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com seus recursos humanos, esses rapidamente identificam oportunidades e desenvolvem
maneiras não necessariamente ortodoxas de capturar benefícios públicos com motivação
privada. Estes comportamentos vão desde a simples troca de carreira, por insatisfação ou
desapontamento com o órgão, até a prática de nepotismo e corrupção passiva
propriamente dita.
A proposta de construção de um novo plano de carreira com base numa estrutura
de incentivos tem então como foco principal o desenvolvimento de capacidades dentro do
serviço público, de forma que essas capacidades se reflitam na qualidade dos bens e
serviços produzidos pelo Estado Moderno e coíbam a captura do Estado por grupos de
interesse, reduzindo-se assim, em última instância, os custos de transação econômico e
social para a sociedade.
Por exemplo, todas as vezes que um agente, beneficiando-se da assimetria de
informação e da delegação recebida do principal, se apropria privadamente de algum bem
público, ele estará contribuindo para a elevação do custo de manutenção do Estado (custo
econômico) e, concomitantemente, subtraindo aquele mesmo bem ou serviço da
sociedade (custo social). Se considerássemos um único agente com esse tipo de
comportamento, o mesmo não impactaria significativamente nas relações de troca.
Entretanto, ao se exponencializar o comportamento oportunista dos agentes, dadas as
condições atuais e reais de gerenciamento dos recursos no serviço público brasileiro, há
que se reconhecer que os custos econômicos e sociais continuarão crescentes e o Estado,
em seus pontos de vulnerabilidade, permanecerá capturado por grupos de interesse.
Desta forma, o estudo quer evidenciar que o Estado, no que tange à gestão de seus
recursos humanos, é ineficiente e tem comprometido, conscientemente ou não, o processo
de transformações institucionais e o desenvolvimento econômico e social do país no longo
prazo. Ressalta-se que o argumento de construção de um Estado moderno passa, não
somente, mas necessariamente, pela revisão dos planos de carreira do serviço público,
pela revisão dos métodos de indicação ou ocupação das funções públicas e pelo
desenvolvimento de uma burocracia profissionalizada, comprometida com os objetivos
estratégicos de desenvolvimento do Estado brasileiro.
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O estudo tem a pretensão de jogar luz na questão da diferenciação das carreiras
típicas de Estado, na negociação predatória e na construção do diálogo nada profissional
focado nos percentuais de elevação dos salários em detrimento da profissionalização do
serviço público, atualmente orquestrada pelos sindicatos e regida pela Secretaria de
Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.