a representação do humano na obra É isto um homem? de … · 2018-02-10 · unioeste –...
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UNIOESTE – Cascavel - PR, 22, 23 e 24 de Novembro de 2017
A Representação do Humano na Obra É Isto Um Homem? de Primo Levi
Jocimar Bertelli – (UNIOESTE)1
Resumo: Este trabalho reflete sobre aspectos da vida humana, em contexto de guerra,
representadas na obra É isto um homem?, do escritor italiano Primo Levi (1919 – 1987), que
descreve suas experiências no Campo de Concentração de Auschwitz, ocorridas durante a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Analisamos sobretudo o capítulo “Os submersos e os
salvos” em que são apresentados os tipos de homem que compõem o Campo, investigando se
esses podem ser classificados de humanos ou sub-humanos. Para a compreensão do que é o
Homem, utilizamos os conceitos de Nicola Abbagnano (2007), distinguindo as seguintes
categorias: 1) Confronto entre o Homem e Deus; 2) Existência de uma característica própria
do Homem; e 3) Capacidade de autoprojetar-se. Levi apresenta o questionamento “é isto é um
homem?”, já no título da obra, para questionar se as experiências humanas que são retratadas
no livro podem ser consideradas humanas ou sub-humanas. Este estudo reconhece o valor da
obra literária como um instrumento capaz de possibilitar uma leitura reflexiva sobre o
comportamento humano, diante de situações extremas como a guerra, buscando compreendê-
lo com o auxílio das características propostas. Verificamos que os conceitos estudados foram
norteadores em nossa busca de classificar os personagens apresentados por Levi em uma
representação humana, porém, após as análises, percebemos a impossibilidade de encaixá-los
em apenas uma classificação de humano ou sub-humano.
Palavras-Chave: Literatura Italiana; Humano; Auschwitz.
Resumen: Este trabajo refleja sobre aspectos de la vida humana, en el contexto de la guerra,
representados en la obra ¿Es esto un hombre? , del escritor italiano Primo Levi (1919 - 1987),
que describe sus experiencias en el Campo de Concentración de Auschwitz, ocurridas durante
la Segunda Guerra (1939-1945). Analizamos sobre todo el capítulo "Los sumergidos y los
salvos" en que se presentan los tipos de hombre que componen el Campo, investigando si
estos pueden ser clasificados de humanos o subhumanos. Para la comprensión de lo que es el
Hombre, utilizamos los conceptos de Nicola Abbagnano (2007), distinguiendo las siguientes
categorías: 1) Conflicto entre el Hombre y Dios; 2) Existencia de una característica propia del
hombre; y 3) Capacidad de autoproyectarse. Levi presenta el cuestionamiento "es esto un
hombre?", ya en el título de la obra, para cuestionar si las experiencias humanas que son
retratadas en el libro pueden ser consideradas humanas o subhumanas. Este estudio reconoce
el valor de la obra literaria como un instrumento capaz de posibilitar una lectura reflexiva
sobre el comportamiento humano, ante situaciones extremas como la guerra, buscando
comprenderlo con el auxilio de las características propuestas. Hemos comprovado que los
conceptos estudiados fueron orientadores en nuestra busca de clasificar los personajes
presentados por Levi en una representación humana, pero después de los análisis, percibimos
la imposibilidad de encajarlos en apenas una clasificación de humano o subhumano.
Palabras Clave: Literatura Italiana; Humano; Auschwitz.
1 Graduada em Letras Português/Italiano e Respectivas Literaturas pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná-Unioeste; e Tecnologia em Processos Gerenciais pelo Centro de Ensino Superior de Maringá-
UniCesumar; Discente da Pós-Graduação em Especialização da Língua Inglesa da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná-Unioeste; e-mail: [email protected].
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1 Introdução
Realizaremos uma análise literária da obra É isto um homem? Se questo è un uomo, do
escritor italiano Primo Levi (1919 – 1987), investigando a representação do humano na obra.
Por tratar-se de uma obra memorialística julgamos importante apresentar um esboço da vida
do autor.
Levi nasceu em Turim em 1919, dentro de uma família judia. Em 1934, entrou para o
Massimo d'Azeglio, uma escola especializada no estudo dos clássicos, conhecida por seus
professores anti-fascistas. Iniciou seus estudos na Universidade de Turim em 1937. Em 1938,
o governo de Mussolini aprovou uma série de leis raciais que proibiam os judeus de
frequentar escolas públicas. Como resultado destas novas medidas, Levi teve dificuldade em
encontrar um orientador para sua tese. Em 1941 conseguiu se formar. Seu diploma foi
marcado com a expressão “raça judia”. As leis raciais também impediram que se tornasse um
pesquisador e professor universitário.
Em 1943, após o governo italiano assinar o armistício com os Aliados, os soldados
alemães resgataram o ex-primeiro ministro Benito Mussolini, que passou a comandar um
pequeno estado ítalo-germânico no norte da Itália, conhecido como República Social Italiana.
O movimento de resistência se tornou ativo na zona ocupada parcialmente pelos soldados
alemães. Levi, assim como seus colegas, juntou-se aos Partigiani2 do Movimento Justiça e
Liberdade. Eram jovens sem preparo militar, com poucas armas e muitas ideias, que foram
consideradas perigosas. Depois de um tempo, foram feitos prisioneiros pela milícia fascista e
Levi, que era judeu, foi enviado para um campo de prisioneiros em Fossoli, na Itália.
Em fevereiro de 1944, penúltimo ano da II Guerra Mundial, os prisioneiros do campo
italiano foram transportados para o Campo de Auschwitz, na Polônia. É nele que se localiza a
famosa placa com a frase “Arbeit Macht Frei” (O Trabalho Liberta). Levi ficou onze meses
no campo, até ser libertado pelo Exército da União Soviética. Dos 650 judeus italianos
mandados para Auschwitz com Levi, apenas 21 sobreviveram.
Libertado em 27 de janeiro, Primo Levi não voltou a Turim antes de 19 de outubro de
1945. Após passar um tempo em um ex-campo de concentração soviético na companhia de
2 Partidário de uma ideia, de um partido ou grupo: Partigiani são grupos armados que lutam contra um governo
ditatorial ou de outra forma considerada desleal; em particular, da resistência italiana, contra o fascismo, na
Segunda Guerra Mundial.
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outros italianos, prisioneiros de guerra, se recuperando, embarcou numa longa jornada de
retorno à pátria. Durante a volta, passaram pela Polônia, Ucrânia, Romênia, Hungria, Áustria
e Alemanha, tema do livro A Trégua. Levi faleceu em 11 de abril de 1987, em sua casa, e
especula-se, até hoje, que se tenha suicidado.
Os acontecimentos ocorridos no Campo de Concentração de Auschwitz, durante a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), são retratados no livro É isto um homem?, em que o
autor apresenta reflexões profundas sobre o comportamento do homem, considerado como um
estudo dos aspectos da alma humana.
Levi propõe a leitura dessa experiência, vivida em primeira pessoa, como um meio
para se buscar sentido para as inquietações humanas. Ele se apropria das palavras, com
habilidade e inteligência, para relatar os acontecimentos ocorridos no Campo, sem vitimismo,
com um certo distanciamento capaz de fornecer dados que levem a compreender, de alguma
forma, o caráter Humano. O autor evita se posicionar diante das barbáries; apenas as narra,
para que o leitor possa obter suas próprias conclusões, o que a torna uma leitura interessante e
profunda.
Procuramos relacionar alguns dos principais conceitos de Homem, ao longo da
história, com as representações de vidas devastadas pela guerra representas na obra, que
trazem, implicitamente, a pergunta: é isto um homem?. Para isso, concordamos com Cruz
(2011, p.01) quando “denomina a literatura como parte de uma constelação sincrônica [...]. A
literatura está ligada à história. Não é possível entendê-la desvinculada do contexto integral de
toda a cultura de uma determinada época”. Ou seja, a literatura nos fornece subsídios para
compreender a história e, ao mesmo tempo, dialoga com a época à qual está vinculada.
É isto um homem? é uma obra desafiadora, capaz de causar um certo desconforto no
leitor, ainda hoje, no século XXI. Nela se encontram várias indagações sobre o que é o
humano e o sub-humano. Vamos relacionar e refletir sobre estes questionamentos e as
diversas situações retratadas em É isto um homem? para tentar responder à seguinte pergunta:
Que concepção de humano e humano e sub-humano pode ser deduzida do livro?
Buscamos respostas a essa pergunta propondo a análise de recortes da obra em que o
autor, Primo Levi, apresenta suas reflexões sobre comportamentos humanos ligados a
situações extremas.
A obra literária, segundo Bakhtin (1997, p. 366), revela-se, principalmente, na
“unidade diferenciada da cultura da época de sua criação, mas não se pode aprisioná-la dentro
dessa época: sua plenitude apenas mostra-se tão somente na grande temporalidade”.
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Realizamos esta reflexão a partir da perspectiva de leitores sujeitos a convenções sociais e
culturais da sociedade ocidental pós-moderna, instigando os leitores da contemporaneidade a
refletirem sobre os eventos ocorridos em 1942, observando a perspectiva do autor.
Desejamos “falar” neste trabalho sobre homens que foram “silenciados”. Se Primo
Levi tivesse se “calado”, o mundo teria perdido um testemunho precioso sobre a crueldade a
que os judeus foram submetidos durante a Segunda Guerra Mundial. Da mesma forma, se
viramos as costas a estes testemunhos que permitem conhecer a condição humana em
situações extremas, contribuímos não apenas para o esquecimento dos fatos, mas também de
aspectos universais da natureza humana que, apesar de manifestados em outros lugares e
outros tempos, estão presentes em cada um de nós, e por isso merecem ser estudados.
2 Discussão Teórica
Para esta análise, faz-se necessário recorrer a algumas das principais concepções
filosóficas sobre o Homem. Iniciamos com as definições do Dicionário de Filosofia (2007),
de Nicola Abbagnano, que podem ser agrupadas sob os seguintes títulos:
1) Definições que se valem do confronto entre o Homem e Deus;
2) Definições que expressam uma característica ou uma capacidade própria do
Homem; e
3) Definições que expressam a capacidade de autoprojetar-se como própria do
Homem (ABBAGNANO, 2007, p. 513).
Nas definições do primeiro grupo, ou seja, aquelas que se valem do confronto entre o
Homem e Deus, encontramos filósofos como Aristóteles, “que fala de um ‘elemento divino’
do Homem que, na mesma medida em que excede no todo que constitui o Homem, torna o
Homem virtuoso e bem-aventurado” (Et. Nic. X, 6, 1177b 26 apud ABBAGNANO, p. 513).
Aristóteles (1984), em sua obra Ética a Nicômaco, apresenta, pela primeira vez, a
composição ideal de Homem que é dividido entre ética e política. A ética é apresentada como
a ação voluntária do homem, enquanto que política são as ações que o homem realiza em
sociedade. Para esse filósofo, o bem é a busca maior do ser humano, mas, para alcançar a
sabedoria, o homem precisa ser virtuoso, ou seja, capaz de ser educado, para se tornar justo e
comedido em suas ações, buscando dominar as paixões e também as ações involuntárias de
forma a moldar o seu caráter. Através de reflexões e de ações virtuosas, o homem se torna
ético e é no contato com as outras pessoas que ele experimenta a verdadeira felicidade.
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No segundo grupo, temos as definições que expressam uma característica ou
capacidade próprias do ser humano. A mais famosa é a definição do homem como “animal
racional”, a única, segundo Abbagnano (2007), “a penetrar de forma ampla na cultura”.
Platão, por exemplo, afirma que o Homem é o animal “capaz de ciência” (Def. 415ª, apud
ABBAGANO, 2007, p. 514), definição retomada por Aristóteles e inúmeros filósofos
medievais e modernos que o seguiram, como São Tomás de Aquino. Pascal, na mesma linha,
enfatiza o elemento de fragilidade do homem, que não seria mais do que “um junco, o mais
frágil da natureza, mas é um junco pensante” (PENSÉES, s.a, p. 347 apud ABBAGNANO,
2007, p. 514). Descartes considera o homem “uma coisa que pensa, um espírito, um intelecto
ou uma razão” (MED, 1641, s.p. apud ABBAGNANO, p. 514). Segundo Plotino, “o lugar do
Homem é no meio, entre os deuses e os animais; às vezes tende para uns, às vezes para
outros; alguns homens assemelham-se aos deuses; outros, às feras; a maioria fica no meio”
(ENNEADES, 1924, s.p. apud ABBAGNANO, 2007, p. 515). Na filosofia contemporânea,
esta definição é atualizada destacando o homem como “animal simbólico, ou seja, um animal
que fala” (ABBAGNANO, 2007, p. 514) característica essa que já estava implícita no termo
grego logos.
As definições do terceiro grupo, segundo Abbagnano (2007), são as que “interpretam
o homem como possibilidade de auto projeção”. Uma variação desta definição é a que a traz o
homem como animal político (zoon politikon), em Platão e Aristóteles e, na modernidade, em
Hobbes. Aristóteles ressalta ainda que existe no homem a necessidade de viver na
comunidade e, por isso, ele o define como um “animal político”, reconhecendo que é a vida
coletiva que pode transformar o homem, despertando nele o desejo de ser um homem bom.
Essas definições de Homem, apresentadas por Abbagnano (2007), nos permitirão
compreender como as principais representações literárias sobre esse argumento, dentro da
obra, se relacionam de acordo com as definições já destacadas.
Faz-se importante ressaltar a definição aristotélica, fora do quadro das concepções
gerais sobre o que é o homem. Aristóteles (1984), apresenta os tipos principais de vida
virtuosa, mostrando que “as pessoas de grande refinamento e índole ativa identificam a
felicidade com a honra; pois a honra é, em suma, a finalidade da vida política”
(ARISTÓTELES, 1984, p. 5). Infere-se essa como uma primeira característica do homem, que
fala do “elemento divino”, ou seja, o Homem busca a honra para convencer-se de que é bom.
Entre os filósofos, torna-se necessário acrescentar algumas ideias de Nietzsche que
observa a verdade como algo móvel, produzida com diversas significações, diferentemente
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dos antigos filosóficos que a consideravam como um modelo. Ele propõe uma mudança
desses valores, pois não vê vantagem ao ser humano segui-los. Nietsche manifesta essa
reflexão se perguntando: “Que validade tem, afinal de contas, ser cristão se este vive
ameaçado pela terrível punição de ser excluído da presença de Deus se não se comportar
"bem"? Se não se enquadrar na sua "moral"? (SCHULTZ, 2011, p. 3).
Importante ressaltar que Nietzsche é considerado um dos autores favoritos de Hitler,
dessa forma, destacamos a valor que as ideias cristãs tiveram para o ditador, condenando a
existência de Deus e a doutrina Cristã.
A doutrina judaico-cristã, com o conceito de "Deus castigador", moralista e juiz de
homens como no Antigo Testamento, serviu apenas como um "cabresto". Jesus, com
ideias como "ressurreição" e "mundo melhor" após a morte, apenas contribuiu para
que todos se penitenciassem para escapar do pecado original. Mas esse pecado é
impossível para Nietzsche quando ele pressupõe que o homem não tem "alma" (no
sentido de algo que sobrevive após a morte) e que "Deus" não existe fora da mente
humana (SCHULTZ, 2011, p. 3).
Outro ponto importante deste estudo é pontuar, se e como, um homem modifica seu
status de humano; para isso, encontraremos subsídios na obra do filósofo Voegelin (2008),
que também se vale das definições clássicas, como, por exemplo, a Hesíodo, em que classifica
os Homens em três grupos, sendo:
O primeiro homem que é o melhor, pan aristos, que reflete por si mesmo e pensa
em todas as coisas, que pode aconselhar a si mesmo; o segundo tipo é também
bom, esthlos, e que ouve o melhor, o pan aristos. Aquele que, no entanto, nem
pensa, nem ouve, é um homem inútil (VOEGELIN, 2008, p. 212, grifos nossos).
Dessa forma, a escolha de utilizar a Filosofia como orientadora das definições de
Homem é uma proposta para mostrar aquilo a que essa definição se propõe já em sua
etimologia, ou seja, a Filosofia, de acordo com o Dicionário Houaiss (2004), significa “amor
pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano consciente de sua própria ignorância
[Segundo autores clássicos, sentido original do termo, atribuído ao filósofo grego Pitágoras
(sVI a.C.).]”.
3 Representações Humanas e seus Retratos na Obra
Primo Levi inicia o livro com um poema denominado “Shemá”, que remete a uma
oração judaica que o autor aprendeu aos 12 anos por ocasião de seu Bar-Mitzvá, uma
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cerimônia que ressalta a importância de cada um dos judeus na corrente ancestral do judaísmo
(INSTITUTO MORASHÁ, 2003, s.p.).
Para o autor o poema Shemá, representa uma súplica, em relação a outrem ou a si
mesmo, como observa-se:
Vocês que vivem seguros,
Em suas cálidas casas,
Vocês que, voltando à noite,
Encontram comida quente e rostos amigos,
Pensem bem se isto é um homem: que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz, que luta por um pedaço de pão, e
que morre por um sim ou por um não. (LEVI, 1988, p. 9, grifos nossos).
A frase “pensem bem se isso é um homem” pode ser considerada como um pedido que
é análoga a “ouve”, no sentido de “prestar atenção”, que é também o significado do termo
Shemá em hebraico. Esse é um apelo que o autor faz para o leitor, que está sentado na sua
poltrona, em algum lugar do mundo, lendo o seu livro como se fosse apenas mais uma história
comum. Poderíamos interpretar este clamor de Levi, como quem diz: “Ouça, você que está
procurando uma leitura fácil, esqueça, porque este, caro leitor, não é um livro qualquer”.
Shemá é uma oração com afirmações fundamentais para o judaísmo, e revela que o
judaísmo não é simplesmente uma visão conceitual do mundo, nem uma filosofia abstrata,
porque implica em obrigações éticas e morais, em mandamentos que Deus nos ordena e que,
portanto, devem ser seguidos (INSTITUTO MORASHÁ, 2003, s.p.).
Na Bíblia cristã é possível encontrar a citação desta oração no livro de Deuteronômio:
Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.
Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de
todas as tuas forças.
E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração [...];
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos. E
as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas (BIBLÍA, Deuteronômio
6:4-9, grifos nossos).
Mais uma vez, é possível perceber a força da palavra “ouve”, que nessa oração
significa um apelo de Deus, pedindo ao homem que “o ame com o todo o seu coração”.
A obra é o retrato fiel de uma vida dolorosa com sinais visíveis no corpo, em especial
no braço esquerdo dos prisioneiros judeus (Levi era o nº 174.517), mas com sinais profundos
na alma, que obrigaram o autor a escrever para que ele também pudesse deixar a sua marca na
vida de outras pessoas.
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Procuraremos relacionar as reflexões que Levi adotou sobre as concepções de Homem
de acordo com o contexto histórico em que ele estava inserido, buscando a compreensão dos
passos a que a obra literária nos permite, ou seja, conhecer a caminhada que nos leve ao
encontro do outro e apreendendo com a sua experiência vivida que nos foi narrada.
A obra É isto um homem?, como já mencionamos, inicia-se com uma súplica, e poder-
se-ia pensar que o autor escolheu começar com uma prece porque pensa que está se
encaminhando para os momentos finais da sua vida e busca em Deus o seu consolo. Ou,
talvez, Levi a faz no intuito de recordar o exílio dos judeus em Israel, pois ali, Deus também
os teria abandonado. Talvez essas considerações possam se enquadrar na primeira definição
de Homem, proposta por Abbagnanno (2007), em que mostra o “confronto entre o Homem e
Deus”; e verificaremos, posteriormente, se é possível encontrar uma referência de Deus nesse
relato.
Levi, narra que escreveu a obra não com a “intenção de acusar alguém, mas para
fornecer documentos que fossem capazes de servir como um estudo da alma humana” (LEVI,
1988, p. 7).Dessa forma, ousamos dizer que estamos “atendendo” a um pedido do autor, ou
seja, desejamos, com este trabalho, levar o leitor a fazer uma leitura reflexiva e detalhada de
alguns episódios narrados na obra É isto um homem?; de forma a buscar a compreensão do
que é um Homem e de como esse se comporta diante das adversidades da vida, como por
exemplo, no caso do autor, em uma guerra.
Para nos ajudar a adentrar na narrativa, Levi nos mostra aquela que seria a sua
primeira doutrina e que, possivelmente, tenha sido a chave utilizada para manter-se vivo.
Naquele tempo, ainda não me fora ensinada a doutrina que, mais tarde, eu seria
obrigado a aprender rapidamente no campo de concentração: que o primeiro
mandamento do homem é perseguir seus intentos por meios idôneos, e que,
quem erra paga (LEVI, 1988, p. 12, grifos nossos).
Podemos inferir, nessa citação, algumas das concepções filosóficas descritas por
Abbagnano (2007, p. 513) sobre o Homem, como por exemplo, a segunda, em que apresenta
“uma característica ou uma capacidade própria do Homem”; ou seja, o homem é um ser
inteligente com capacidade de aprender e é isso que Levi começa a nos mostrar nessa
narrativa, que diante de uma adversidade, é preciso “aprender rapidamente novas regras” que
permitam sobreviver ao Campo de Concentração.
Perante o cenário caótico, em que o autor se encontra; também podemos perceber a
terceira concepção feita por Abbagnano (2007, p. 513), que considera “a capacidade de
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autoprojetar-se como própria do Homem”, ou seja, o objetivo do homem é descobrir meios
próprios que o levem a garantir a própria sobrevivência, e esse, enquanto homem, percebe que
precisa conhecer rapidamente as novas regras do jogo de sobrevivência do Campo, pois
“quem erra – paga” (LEVI,1988, p. 12) com a própria vida.
O anseio de encontrar respostas para o comportamento humano, é também uma
preocupação do autor, pois ele nos questiona mais uma vez dizendo:
Desejaríamos, agora, convidar o leitor a meditar sobre o significado que poderia
ter para nós, dentro do Campo, as velhas palavras “bem” e “mal”, “certo” e
“errado”. Que cada qual julgue, na base do quadro que retratamos e dos exemplos
que relatamos, o quanto, de nosso mundo moral comum, poderia subsistir aquém
dos arames farpados (LEVI, 1988, p. 125-126, grifos nossos).
Levi escreve utilizando na narrativa “velhas palavras”, assim como quem remete o
comportamento humano ao “velho mundo” ou, àquele tempo, de antes do Campo, em que se
vivia em um mundo comum e se admitia atitudes que carregavam consigo o peso
correspondente ao significado que essas palavras de “certo e errado” comportam. Mas na
situação que estava vivendo, em Auschwitz, essas palavras representam apenas a existência
de um passado longínquo e que, a partir de então, talvez elas tenham apenas um significado
arbitrário, assim como era arbitrário o mundo que o autor descrevia.
Após a apresentação do Campo e da temática da obra, o leitor poderia se questionar:
Será que “valeu a pena o que os judeus viveram? E se convém que se faça o registro?” (LEVI,
1988, p.127) dos acontecimentos trágicos vividos naquele lugar de extermínio e a memória
daquelas pessoas? E percebemos que o próprio autor se antecipa a essas perguntas
apresentando-nos a sua resposta:
A essa pergunta, [se valeu a pena?], tenho a convicção de responder que “sim”.
Estou convencido que nenhuma experiência humana é vazia de conteúdo, de que
todas merecem ser analisadas; de que se pode extrair valores fundamentais (ainda
que nem sempre positivos) desse mundo particular que estamos descrevendo, [ ]
destacando o fato de que o Campo foi também [ ] uma notável experiência
biológica e social (LEVI, 1988, p. 127, grifos nossos).
Através de um texto memorialístico se revelam, os aspectos de uma inteligência
notável do autor, já que esta, é uma história real, forte e comovente, em que Levi procura
manter um certo distanciamento de suas emoções, permitindo ao leitor a possibilidade de tirar
as suas próprias conclusões sobre as atrocidades ocorridas naquele mundo, no Campo de
Concentração de Auschwitz.
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4 Considerações Finais
O livro É isto um homem? é uma biografia que se tornou um clássico da literatura
italiana, em que apresenta relatos de atrocidades ocorridas em Auschwitz, que o homem,
enquanto um ser social, pode cometer e ser acometido, em um contexto de guerra. Ou seja, a
obra é considerada:
Um testemunho sobre o “mal absoluto” e de como seres humanos conseguiram
preservar sua humanidade intacta em face a este mal. Primo Levi é, às vezes,
lembrado por ter dito que quem passou por campos de concentração nazistas se
divide em duas categorias os que calam e os que falam (INSTITUTO MORASHÁ,
2003, s.p. grifos nossos).
Levi, enquanto professor antes da guerra, utiliza as palavras para deixar a sua “marca”
no mundo, assim, pode-se induzir que, caso ele se calasse, muitas pessoas não teriam
conhecimento das barbáries ocorridas no Campo de Concentração de Auschwitz e, também,
não poderiam perceber a infinita capacidade do Homem na busca de estratégias, lícitas ou
ilegais, boas ou cruéis, a serem utilizadas em benefício próprio.
O intuito do autor não foi escrever “mais um livro” sobre a II Guerra Mundial em que
as vítimas buscam a vingança ou uma recompensa do Governo Alemão, mas um “estudo”
sobre o comportamento humano, despertando a atenção do leitor para a existência de um
homem que diante de uma situação de guerra ou vulnerabilidade, desenvolve ou desperta,
uma conduta que não se encaixa nos padrões sociais de humanidade e, por isso, não sabemos
responder como considerá-lo: “humano ou sub-humano”?
A obra apresenta certas concepções sobre o humano, que nos ajudam a refletir sobre o
objetivo proposto, conforme o autor declara no prefácio:
Este meu livro, portanto, nada acrescenta, quanto a detalhes atrozes, ao que já é de
conhecimento dos leitores de todo o mundo com referência ao tema doloroso dos
campos de extermínio. Ele não foi escrito para fazer novas denúncias; [o livro]
poderá, talvez, fornecer documentos para um sereno estudo de certos aspectos
da alma humana (LEVI, 1988, p. 7, grifos nossos).
Levi viu a guerra em primeira pessoa, e transformou suas memórias em um livro
importante, mundialmente conhecido, enquanto nós, sujeitos da modernidade, vivendo em
uma conjuntura diferente, talvez não possamos perceber a dimensão da dor que ele sentiu e,
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nem compreender as suas justificativas intelectuais. O que podemos buscar é uma reação
dialógica, por meio da literatura, que possa ampliar a nossa concepção de humanidade. Para
isso, nos utilizamos de reflexões de alguns teóricos, que também viveram o contexto de
guerra, ou que se dedicam a estudar com profundidade esse momento histórico, procurando
reconhecer “o que é” um Homem.
Retornando à narrativa de Primo Levi percebemos que o primeiro “tipo” de Homem
que ele procura nos apresentar são os oficiais alemães. Podemos imaginar que eles estavam
revestidos de certo tipo de armadura - a frieza - ao dar uma ordem como aquela que o autor
descreve na hora do embarque para o trem que os levaria possivelmente para a morte. A
ordem que os oficiais deram foi a de que “todos deviam comparecer, não havia exceção nem
para as crianças, ou velhos ou doentes e para cada 1 ausente 10 seriam fuzilados” (LEVI,
1988, p. 13). Essa indiferença pela vida dos prisioneiros nos leva a indagar: qual seria a
concepção de Homem para essas autoridades? E que valor de vida humana pode ser deduzida
a partir dessa?
Para adentrar nessa análise sobre os oficiais alemães, surge a necessidade de citar o
ditador alemão Adolf Hitler (1889-1945), líder do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães, e de sua habilidade de persuasão retórica. De acordo Mendes (2013)
Suas maiores habilidades se baseiam em explorar as emoções de seus ouvintes para
provocá-los à ação. Seu discurso demostrou grande sutileza, e parece improvável
que seus ouvintes tivessem plena consciência de que ele estava fazendo um esforço
para desenvolver neles ódio a certos indivíduos e grupos. (MENDES, 2013, p.33)
Dessa forma, poderíamos encaixar os oficiais alemães na segunda definição de
Homem, já que eles estão no comando e por isso têm uma meta, um papel social a ser
cumprido, expressando uma característica ou uma capacidade que é própria do Homem - um
“animal racional” conforme destaca Abbagnano (2007). E, como atuam de maneira sagaz,
conseguem prever a possibilidade de passar pela mente de algum dos prisioneiros a ideia de
fugir e assim, o líder alemão, sem titubear, complementa a ordem avisando: “para cada um
dos prisioneiros que não comparecerem ao embarque dez companheiros serão eliminados”.
Contudo, essa capacidade do Homem, não é sinônimo de “razão” no sentido grego – o
Logos – que seria a própria inteligência divina que ordenou as leis do mundo sensível e
inteligível. É a razão num sentido mais limitado de “eficiência técnica”, que não considera de
modo universal a finalidade da existência humana. Não se trata, portanto, de racionalidade no
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sentido clássico do termo, pois, essa é uma cisão que divide a humanidade: o que é eficiente
para uns (os oficiais alemães) é um absurdo incompreensível para outros (os judeus).
Considerando É isto um homem? como um “estudo da alma humana”, Levi, nos
apresenta, uma outra concepção de humanidade. O autor narra a cena de mães que continuam
cuidando de seus filhos, com zelo e carinho, procurando dar-lhes o mesmo carinho de quando
as crianças seguiam para mais um dia rotineiro de escola, mas no íntimo de cada uma dessas
mulheres, com um sorriso no rosto, é possível imaginar um “coração que chora”, pois sabem
que naquele dia não haverá aula e talvez seja a última vez que vejam seus filhos com vida.
Levi deseja que o leitor perceba a importância de uma atitude humana e para isso, nos
provoca perguntando: “Vocês também não fariam o mesmo por seu filho?” (LEVI, 1988,
p.15). Impossível imaginar como seria a nossa reação diante de tamanha crueldade. O que é
possível refletir desse momento é a capacidade de uma mãe, diante de uma dor
incomensurável, de com amor, continuar a cuidar de seus filhos, protegendo-os até o fim
daquela realidade nova, desconhecida e assustadora, da qual ela não se omite.
Segundo Abbagnano (2007), na definição de Aristóteles, atentamos que “o bem é a
busca maior do ser humano”, mas, para alcançar a sabedoria, o homem precisa ser virtuoso,
ou seja, comedido em suas ações, dominando as paixões e também as ações involuntárias de
forma a moldar o seu caráter. As ações virtuosas, conduzem à ética e é no contato com o outro
que o Homem experimenta a verdadeira felicidade.
Se a análise terminasse neste momento, Levi já teria conseguido causar uma certa
perplexidade no leitor, já que, nas duas citações comentadas, é possível perceber que,
independentemente de elas serem “certas ou erradas”, sob o nosso olhar moderno, as duas
atitudes apresentadas são representações humanas, mesmo elas sendo contrastantes. Na
primeira, o autor mostra que a vida dos prisioneiros não tem nenhum valor, enquanto que, na
segunda narrativa, com acuidade, Levi nos apresenta a dignidade das mães prisioneiras na
relação com os seus filhos, demostrando, o valor de humanidade, inserido no contexto.
Zamboni (2016) reflete conosco sobre o tema quando não conseguimos atribuir
facilmente um sentido para os enigmas de uma obra literária; para ele:
Contar uma história é a elaboração simbólica mais próxima da experiência direta
e, portanto, é o primeiro passo na tentativa de captar a forma inteligível os
acontecimentos. A criação literária corresponde ao empenho de buscar o sentido
da vida, de ordenar os acontecimentos, as percepções, as emoções, as
expectativas humanas em busca da sua inteligibilidade (ZAMBONI, 2016, p.
203-204, grifos nossos).
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Levi, ao apresentar a experiência de pessoas de maneira clara e direta, questiona o
leitor perguntando: “Valeu a pena o que os judeus viveram? E se convém que se faça o
registro?” e ele, com convicção, diz que “sim” (Valeu a pena!) e ainda responde: “Estou
convencido de que nenhuma experiência humana é vazia de conteúdo, de que todas merecem
ser analisadas; de que se pode extrair valores fundamentais (ainda que nem sempre positivos)
desse mundo particular que estamos” (LEVI, 1988, p. 127).
Para Aristóteles (apud ABBAGNANO, 2007), o “bem” é a maior busca do ser
humano, mas, “para alcançar a sabedoria o homem precisa ser virtuoso”, ou seja, para se
tornarem justos os soldados alemães deveriam ter ponderado suas ações, procurando dominar
as paixões e seus ímpetos de forma a moldar o seu caráter, coisa que infelizmente não
aconteceu e, por isso, nesse caso, a pesquisa poderia nos levar a enquadrá-los na concepção de
sub-humanos.
Os personagens retratados por Primo Levi são recortes memorialísticos que marcaram
a sua existência e que foram registrados em palavras com o intuito de que o tempo não
cancelasse a existências de histórias de vida que merecem ser recordadas e observadas para
conhecer a capacidade do Homem de sobreviver nas adversidades.
O estudo de Aranha (1993), destaca que: “Em moral, a virtude do homem é a força
com a qual ele se aplica ao dever e o realiza”. A virtude é a permanente disposição para
querer o bem, o que supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os
obstáculos que dificultam a ação. Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato
moral, mas é a repetição e continuidade do agir moral. [Aristóteles afirmava que] “uma
andorinha, só, não faz verão” para dizer que o agir virtuoso não é ocasional e fortuito, mas
deve se tornar um hábito, fundado no desejo de continuidade e na capacidade de perseverar no
bem. Ou seja, “a verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa” (ARANHA, 1993, p.
265).
Ao citar que “uma andorinha, só, não faz verão” nos remete ao povo alemão que
estava livre, fora do Campo, e escolheu apoiar Hitler. Foi o povo quem deu o poder ao
governante, por isso este estudo sobre o passado continua sendo atual, na busca de
compreendermos o Homem em sua totalidade, se é que esse seja um trabalho possível.
Entretanto, não podemos esquecer o alerta do filósofo Voegelin (2008) no livro: “Hitler e os
Alemães... esse não é um assunto do passado porque a consciência humana vive na tensão
permanente entre o tempo e os valores espirituais eternos. E o que está eternamente vivo de
ser preservado e defendido no presente” (VOEGELIN, 2008, p. 1).
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E concordamos, ainda, que:
O desafio mais importante não é fazer história narrativa e “dominar o passado”,
mas sim fazer história crítica e “dominar o presente”. O que estava, e continua a
estar, em jogo é o significado [.] do Holocausto na História da Alemanha, da Europa
e do mundo, e que lições extrair dessa meditação sobre o mal nazi (VOEGELIN,
2008, p. 2, grifos nossos).
Assim, apresentamos algumas considerações sobre que concepção de Homem foi
possível localizar na representação que Levi concebe do Campo de Auschwitz, mas como
Voegelin (2008), temos consciência da relevância desse tema e das limitações que enquanto
humanos não nos permite responder.
O que podemos, agora, é prosseguir buscando respostas para os conflitos humanos,
tendo como base a Filosofia, pois nela encontramos o amor pela sabedoria, que se não
responde as nossas dúvidas, ao menos proporciona uma análise crítica, já que a liberdade nos
permite sempre agir de modo moral ou imoral.
Esperamos que esse trabalho possa ter contribuído para nos aproximar da literatura de
forma crítica, proporcionando ao leitor, não apenas o deleite de uma boa leitura, mas de um
texto que permita entender, ainda mais, as concepções de humanidade que norteiam o homem.
Analisando os relatos escolhidos por Primo Levi, de homens que cruzaram o seu
caminho e deixaram marcas na sua alma, e se esses apresentavam as representações propostas
nesse estudo, constatamos que, com relação à primeira concepção humana – confronto entre o
Homem e Deus – é possível, talvez, enquadrar o narrador, já que ele, ao realizar as citações
bíblicas em determinadas situações, incita-nos a duvidar da existência de um deus, pois, se ele
existisse, “criaria novas regras para o Campo, capazes de salvar os justos, se é que eles
existem”, já que nos relatos feitos por Levi não encontramos nenhum; com relação a segunda
– característica própria do Homem – podemos destacar que se encontram a maioria dos
personagens apresentados na obra.
Percebemos que os homens, em uma situação extrema, dispõem dos meios que
encontram para sobreviver, se utilizando da razão para tomar decisões que os levem à
sobrevivência e essa capacidade, segundo o próprio Levi designa, é que faz com que alguém
seja um “Homem”; a terceira, e última concepção investigada na obra – capacidade de
autoprojetar-se – é a maior de todas, pois, é a que melhor se encaixa para os personagens do
Campo, já que eles tiveram que “criar regras para se salvar”, ou seja, ninguém os preparou
para uma vida como prisioneiros e muito menos para a morte.
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Desta forma, nesse mundo “surreal” em que se encontrava – Primo Levi e seus
companheiros de guerra – era necessária a “projeção de novas regras” que fossem capazes de
permitir a eles saírem daquele lugar, com vida.
Enfim, se fosse necessário responder à pergunta inicial dessa reflexão: Se isto é um
homem? A resposta é: Sim!
Referências
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Fontes, 2007.
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