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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ RODOLFO MAIR COELHO A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME E OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA CURITIBA 2017

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

RODOLFO MAIR COELHO

A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME E OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA

CURITIBA

2017

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RODOLFO MAIR COELHO

A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME E OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Ms. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.

CURITIBA

2017

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TERMO DE APROVAÇÃO

RODOLFO MAIR COELHO

A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME E OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______ de ______________ de 2017

_______________________________________

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná

_______________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia

Orientador: ________________________________________

Prof. Ms. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

_______________________________________ Prof. _____

_______________________________________ Prof. _____

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Agradecimentos

Agradeço ao meu pai, Péricles Coelho, à minha mãe, Adriana Lopes Mair Coelho, à

minha irmã, Rafaela Mair Coelho, e aos demais queridos familiares que, de todas as

maneiras possíveis, foram essenciais nos rumos de minha existência.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, que, de forma integral,

dispôs de seu tempo e conhecimento em prol não apenas deste trabalho, mas também

de minha vida acadêmica e profissional.

Agradeço aos demais professores que contribuíram à minha formação acadêmica.

Agradeço, ainda, aos meus amigos que, direta ou indiretamente, contribuíram à

realização deste trabalho.

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Resumo

O Código de Processo Penal prevê, em seu artigo 413, que o acusado somente será submetido a julgamento pelo tribunal popular quando houver nos autos a comprovação da materialidade delitiva e indícios suficientes de sua autoria ou participação. A questão dos indícios suficientes de autoria ou de participação não é vista de maneira uniforme pela doutrina, que, de certa forma, diverge no que concerne à sua aplicação prática. Alguns defendem a necessidade de uma carga mais elevada de indícios de autoria ou de participação, enquanto outros conferem aos indícios da pronúncia um caráter mais brando. Surgem, ainda, indagações quanto ao grau de suficiência requerido pelo referido dispositivo. A fim de se tentar abrandar tal problema, e esclarecer questões que o acompanham, uma correlação temática será feita entre os indícios da pronúncia e a noção de causalidade do filósofo britânico David Hume. Para que se alcance o objetivo pretendido, o presente trabalho será guiado por pesquisas bibliográficas, doutrinárias e jurisprudenciais, partindo de referenciais teóricos do Direito e da Filosofia, rumo a uma apreciação mútua dos temas. Palavras-chave: Tribunal do Júri, Processo Penal, provas, indícios, David Hume, causalidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7

1 OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA DECISÃO DE PRONÚNCIA ............ 8

1.1 O TRIBUNAL DO JÚRI E A DECISÃO DE PRONÚNCIA ....................................... 8

1.1.1 Os princípios constitucionais ............................................................................ 8

1.1.2 O procedimento: do recebimento da denúncia à pronúncia ........................... 11

1.2 OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA ............................ 16

1.2.1 A prova no direito processual penal ............................................................... 16

1.2.2 Os indícios no direito processual penal .......................................................... 19

1.2.2.1 Os contraindícios ..................................................................................... 25

2 A CAUSALIDADE EM DAVID HUME ........................................................................ 26

2.1 BREVE NOÇÃO HISTÓRICA ............................................................................... 26

2.2 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DA FILOSOFIA HUMEANA ................................... 29

2.3 A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME ........................................... 35

3 OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA E A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME: UMA CORRELAÇÃO TEMÁTICA ....................... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 47

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 49

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INTRODUÇÃO

O ordenamento processual penal brasileiro prevê, em seu artigo 413, que

o acusado somente será submetido a julgamento pelo tribunal popular quando houver

nos autos a comprovação da materialidade delitiva e indícios suficientes de sua autoria

ou participação.

A questão dos indícios suficientes de autoria ou de participação não é

vista de maneira uniforme pela doutrina, que, de certa forma, diverge no que concerne à

sua aplicação prática. Alguns defendem a necessidade de uma carga mais elevada de

indícios de autoria ou de participação, enquanto outros conferem aos indícios da

pronúncia um caráter mais brando.

O objetivo do presente trabalho é, a partir de referenciais teóricos dos

campos do Direito e da Filosofia, apresentar uma correlação entre os indícios suficientes

de autoria necessários à pronúncia e a noção de causalidade do filósofo britânico David

Hume.

Ao se deparar com um processo, tendo que decidir pela pronúncia, ou

não, o julgador, mesmo que imperceptivelmente, está submetido a diversas

circunstâncias lógicas e psicológicas análogas às que Hume apresenta em sua filosofia,

principalmente no tocante à sua relação de causa e efeito.

O caminho do presente trabalho tem início com a esfera do direito,

abordando noções fundamentais da instituição do júri e da matéria probatória no direito

processual penal e, mais especificamente, dos indícios da pronúncia. Em seguida,

transpondo-se ao território filosófico, uma breve noção histórica contextualiza o tema,

seguida de uma análise de pontos essenciais no pensamento de Hume, até chegar, por

fim, à relação de causalidade do filósofo. Uma correlação temática é feita ao fim,

conectando diversos aspectos apreciados ao longo do trabalho.

Assim, para que se alcance o objetivo almejado, o presente trabalho, a

partir de pesquisas bibliográficas, doutrinárias e jurisprudenciais, pretende estabelecer

uma correlação entre a causalidade em David Hume e os indícios suficientes de autoria

na pronúncia, como um instrumento de mútuo esclarecimento entre os temas.

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1. OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA DECISÃO DE PRONÚNCIA

1.1 O TRIBUNAL DO JÚRI E A DECISÃO DE PRONÚNCIA

1.1.1 Os princípios constitucionais

O Tribunal do Júri, órgão especial do Poder Judiciário de primeira

instância, colegiado e heterogêneo, instituído no Brasil pela Lei de 18 de junho de 1822,

figura no artigo 5°, inciso XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, no título concernente

aos direitos e às garantias fundamentais. Sob o manto de tal dispositivo constitucional,

ao júri são assegurados: a plenitude de defesa (alínea “a”), o sigilo das votações (alínea

“b”), a soberania dos veredictos (alínea “c”) e a competência para os crimes dolosos

contra a vida (alínea “d”). Ainda, no tocante à sua competência, destaca-se o artigo 74,

§1° a 3°, do Código de Processo Penal. Segundo Gilmar Mendes, a Constituição de 1988

“reconhece o júri como garantia constitucional, assegurando a plenitude de defesa, o

sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos

crimes dolosos contra a vida (art. 5°, XXXVIII) (2014, p. 485). Nesse sentido, eis as

palavras de Renato Brasileiro de Lima:

O Tribunal do Júri é um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, pertencente à Justiça Comum Estadual ou Federal, colegiado e heterogêneo, formado por um juiz togado, que é seu presidente, e por 25 (vinte e cinco) jurados, 7 (sete) dos quais compõem o Conselho de Sentença, que tem competência mínima para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, temporário, porquanto constituído para sessões periódicas, sendo depois dissolvido, dotado de soberania quanto às decisões, tomadas de maneira sigilosa e com base no sistema da íntima convicção, sem fundamentação, de seus integrantes leigos. (2015, p. 1313).

A plenitude de defesa (alínea “a”) assegura ao acusado, como o próprio

nome já diz, não qualquer tipo de defesa, mas uma exercida de forma plena, integral,

completa, em grau ainda maior do que a ampla defesa, também prevista

constitucionalmente, no inciso LV do artigo 5°. Sua extensão inclusive permite ao juiz

nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso,

dissolver o Conselho de Sentença e designar novo dia para o julgamento, conforme o

artigo 497, inciso V, do Código de Processo Penal. A plenitude de defesa deve ser

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respeitada, “tendo em vista o modelo de julgamento que se realiza perante juízes leigos.

” (MENDES, 2014, p. 487).

Nos processos perante um juiz togado, com conhecimentos técnicos, a defesa deve ser ampla, mas eventuais falhas ou equívocos do defensor podem, muitas vezes, ser corrigidos pelo juiz, na busca da decisão mais justa (p. ex.: mesmo que não alegada, o juiz pode absolver o réu por legítima defesa). Já no júri, por se tratar de um tribunal popular, em que os jurados decidem mediante íntima convicção, com base em uma audiência concentrada e oral, a defesa deve ser plena, isto é, ‘uma defesa acima da média’ ou ‘irretocável’. Por isso que o art. 497, V, do CPP prevê que o juiz pode considerar o réu indefeso e lhe nomear outro defensor (BADARÓ, 2012, p. 465).

O sigilo das votações (alínea “b”) constitui-se em um instrumento de

tranquilidade aos jurados, na hora da materialização de sua decisão. Não fere a previsão

de publicidade dos atos processuais, constante no artigo 93, inciso IX, da Constituição

Federal, uma vez que se afigura com maior importância a isenção e a ausência de

pressão sobre os jurados, no momento da votação. Para que se realize tal garantia, o

artigo 485 do Código de Processo Penal ordena que a votação seja feita em uma sala

especial, onde o Conselho de Sentença permanece afastado do público, apenas

acompanhado pelo juiz presidente, promotor de justiça, assistente, querelante, defensor

do acusado, escrivão e oficial de justiça. Vale destacar a questão da incomunicabilidade

dos jurados1, que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem,

nem manifestar sua opinião sobre o processo, conforme expresso no artigo 466, §1° do

Código de Processo Penal.

A soberania dos veredictos (alínea “c”) eleva o julgamento proferido pelos

jurados ao patamar da soberania, devendo ser respeitado por juízes togados e tribunais.

A decisão dos jurados, proferida de acordo com sua consciência e os ditames da justiça

(artigo 472 do Código de Processo Penal), é irretocável, salvo em parcas exceções, como

as elencadas no artigo 593, inciso III, do Código de Processo Penal, hipóteses em que o

tribunal não reformulará a decisão, mas determinará a realização de novo julgamento,

para que, novamente, um Conselho de Sentença, formado por pessoas do povo, possa

1 A proibição de comunicabilidade entre os jurados foi trazida ao ordenamento jurídico nacional no período do Estado Novo, pelo Decreto n° 167, de 05 de janeiro de 1938, cujo artigo 75 previa que fosse “observada completa incomunicabilidade dos jurados”. Anteriormente, os integrantes do Conselho de Sentença, em moldes similares aos do júri inglês, deliberavam entre si, para, então, proferirem sua decisão.

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julgar o caso. A primeira Constituição no Brasil a fazer menção à soberania dos veredictos

foi a de 1946, ao realocar o Tribunal do Júri no capítulo que tratava dos direitos e

garantias individuais (AVELAR, 2015). Acerca do princípio, eis o que apresenta o

Supremo Tribunal Federal2:

(...) A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos não é violado pela determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, pois a pretensão revisional das decisões do Tribunal do Júri convive com a regra da soberania dos veredictos populares. Precedentes (...). (HC 111207, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 04/12/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 14-12-2012 PUBLIC 17-12-2012).

A competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida 3

(alínea “d”) prevê à instituição do júri uma competência mínima e obrigatória,

determinando que todos os crimes dolosos contra a vida sejam julgados pelo tribunal

popular, que é o juiz natural de tais causas (BADARÓ, 2012, p. 467). A Constituição

“menciona ser assegurada a competência para os delitos dolosos contra a vida e não

somente e não somente para eles. ” (NUCCI, 2015, p. 35). É possível, portanto, que

outros crimes, como roubo ou porte ilegal de arma de fogo, também sejam julgados pelo

júri, desde que conexos com o crime doloso contra a vida, isto é, desde que tenham uma

conexão, uma ligação, com o fato principal.

2 Nesse sentido: “A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos não é violado pela realização de novo julgamento do Júri, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. Precedentes. ” (HC 112472, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 19/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 03-12-2013 PUBLIC 04-12-2013). 3 Os crimes contra a vida estão previstos na Parte Especial do Código Penal, no Título I, Capítulo I, que elenca nessa categoria o homicídio (com a recente novidade do feminicídio, incluído pela Lei n° 13.104, de 2015), o induzimento, o auxílio ou a instigação a suicídio, o infanticídio e o aborto, em suas formas diversas. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “os crimes contra a vida estão divididos em dois grupos distintos: crimes de dano e crimes de perigo. Os crimes de dano são aqueles disciplinados no Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código Penal, denominados especificamente crimes contra a vida, quais sejam: homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. São, aliás, os crimes que a Constituição Federal atribui à competência do Tribunal do Júri (art. 5°, XXXVIII, d). ” (2015, p. 52).

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1.1.2 O procedimento: do recebimento da denúncia à pronúncia

Regulado pelos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal, o

procedimento do júri é especial e bifásico, ou escalonado, dividindo-se em duas fases: a

primeira, do iudicium accusationis, ou da formação ou sumário da culpa, sede da

instrução preliminar, prevista nos artigos 406 a 419; a segunda, do iudicium causae, ou

do juízo da causa, sede do julgamento em plenário propriamente dito, prevista a partir do

art. 420 do referido diploma legal. Em razão do tema tratado, enfoca-se, no presente

trabalho, na primeira fase do procedimento do júri.

A fase do sumário da culpa, em regra, tem início com o oferecimento da

denúncia pelo Ministério Público, na qual até 08 (oito) testemunhas poderão ser arroladas

(artigo 406, §2°, CPP). Ao receber a denúncia ou a queixa, o juiz, nos termos do art. 406

do Código de Processo Penal, ordenará que o acusado seja citado para, no prazo de 10

(dez) dias, apresentar sua resposta à acusação, por escrito, ocasião em que também

poderá arrolar no máximo 08 (oito) testemunhas, além de poder arguir preliminares,

alegar tudo que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações e especificar

as provas pretendidas (§3°).

Após a apresentação da defesa prévia, o Ministério Público, ou o

querelante, será ouvido a respeito de preliminares e documentos, no prazo de 05 (cinco)

dias (artigo 409 do CPP). Em seguida, no prazo máximo de 10 (dez) dias, o juiz

determinará a inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas

partes (artigo 410 do CPP). Transcorrida tal etapa, será realizada a audiência de

instrução, na qual serão ouvidos, na seguinte ordem: ofendido, se possível;

testemunhas/informantes arroladas pelo Ministério Público; testemunhas/informantes

arroladas pela Defesa; peritos, após os quais poderão ser realizados acareações e

reconhecimento de pessoas e coisas; e, por fim, o acusado (art. 411, caput, do CPP).

O §4° do artigo 411 do CPP prevê que as alegações deverão ser feitas

oralmente, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo

prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), enquanto o §9° preceitua

que ao fim dos debates, na audiência de instrução, o juiz proferirá a sua decisão, ou o

fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. Neste

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momento, ao proferir sua decisão, o magistrado terá a opção de quatro caminhos a

percorrer: pronúncia (artigo 413 do CPP); impronúncia (artigo 414); absolvição sumária

(artigo 415); desclassificação (artigo 419). Noutros termos, conforme expõe Gustavo

Badaró:

O procedimento no juízo de acusação, modificado pela reforma do CPP, está definido nos arts. 406 a 419: inicia-se com o oferecimento da denúncia e termina com a decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação do crime (2012, p. 468).

A impronúncia é “uma decisão terminativa que encerra o processo sem

julgamento de mérito, não havendo a produção de coisa julgada material. ” (LOPES Jr.,

Aury, 2016, p. 813). Neste caso, diante do acervo probatório colhido ao longo da

instrução criminal, se o juiz não se convencer da materialidade do fato ou da existência

de indícios suficientes de autoria ou de participação, deverá, fundamentadamente,

impronunciar o acusado (art. 414 do CPP). Iluminando o valor da linguagem bem

examinada, ressalta-se que, na impronúncia, o juiz não está convencido de que o

acusado seja o autor ou o partícipe do fato, o que é diferente de se estar convencido de

que não seja o autor ou partícipe. Na primeira hipótese, há dúvida quanto à imputação

do acusado, enquanto na segunda, sua inocência é comprovada e aceita pelo julgador.

A segunda hipótese, exposta no parágrafo anterior, figura no art. 415 do

CPP, segundo o qual o juiz, fundamentadamente, deverá absolver sumariamente o

acusado quando: provada a inexistência do fato (inciso I); provado não ser ele autor ou

partícipe do fato (inciso II); o fato não constituir infração penal (inciso III); demonstrada

causa de isenção de pena ou de exclusão do crime (inciso IV). A absolvição sumária é

“sentença de mérito, definitiva, em tudo equivalente à absolvição proferida ao final de um

processo de competência do juiz singular. ” (BADARÓ, Gustavo. 2012, 478).

Noutra via, quando o juiz, em discordância com a acusação, se

convencer da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do artigo 74 do Código de

Processo Penal e, portanto, não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao

juiz que o seja (artigo 419 do CPP). A desclassificação é “ a decisão interlocutória

simples, modificadora da competência do juízo, não adentrando o mérito, nem tampouco

fazendo cessar o processo. ” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal

comentado. 2015, p. 919). Neste caso, ao se deparar com a carga probatória produzida

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no decorrer da instrução processual, o magistrado reconhece que o crime imputado ao

acusado não se configura como doloso contra a vida, o que, consequentemente, torna o

Tribunal do Júri incompetente para julgá-lo.

Por fim, finalizando o rol dos quatro caminhos disponíveis, se o juiz, ao

fim da instrução criminal, estiver convencido da materialidade do fato e da existência de

indícios suficientes de autoria ou de participação, deverá, fundamentadamente,

pronunciar o acusado (artigo 413 do CPP). Noutras palavras, comprovada a

materialidade do fato e havendo indícios suficientes de que o acusado seja autor ou

partícipe, o juiz o encaminhará ao tribunal popular, para que seja julgado pelo Conselho

de Sentença. Sobre este ponto, Renato Brasileiro de Lima:

A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413, caput, do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariamente pronunciar o acusado fundamentadamente (2015, p. 1341).

A fundamentação da pronúncia apenas indicará a materialidade do fato

e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o magistrado

declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as

circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena (artigo 413, §1°, CPP).

Caso o crime seja afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou

manutenção da liberdade provisória (§2°). Ainda, decidirá, motivadamente, no caso de

manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade

anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da

decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do

Livro I do Código de Processo Penal (§3°).

Da redação do artigo 413, caput, do Código de Processo Penal,

depreende-se a existência de dois requisitos para a concepção da decisão de pronúncia:

i) comprovação da materialidade do fato; ii) existência de indícios suficientes de autoria

ou de participação do acusado. O primeiro requisito apresenta-se de forma mais objetiva,

mais afastada de dúvidas ou obscuridades. A materialidade do fato, de maneira nítida,

deve estar comprovada nos autos. A título de alguns exemplos, dentre outros, costuma-

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se preencher tal requisito com um Laudo do Exame de Necropsia ou com um Laudo de

Exame de Local de Morte, em caso de homicídio consumado, e com um Laudo de Exame

de Lesões Corporais, em caso de homicídio tentado.

O segundo requisito, por sua vez, não demanda qualquer esgotamento

cognitivo por parte do julgador. Portanto, para que o acusado seja pronunciado, não é

necessário que exista uma certeza quanto à sua autoria ou participação, mas apenas

indícios suficientes para tanto. Nas palavras de Eugênio Pacelli de Oliveira:

Na decisão de pronúncia, o que o juiz afirma, com efeito, é a existência de provas no sentido da materialidade e da autoria. Em relação à materialidade, a prova há de ser segura quanto ao fato. Já em relação à autoria, bastará a presença de elementos indicativos, devendo o juiz, tanto quanto possível, abster-se de revelar um convencimento absoluto quanto a ela. É preciso considerar que a decisão de pronúncia somente deve revelar um juízo de probabilidade e não o de certeza (2015, p. 731).

Nesse sentido, eis entendimento apresentado pela 1ª Câmara Criminal

do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, responsável estadual pela apreciação dos

crimes de competência do júri:

PRONÚNCIA - TENTATIVA DE HOMICÍDIO.I. NEGATIVA DE AUTORIA - INDÍCIOS SUFICIENTES - APRECIAÇÃO AFETA AO CONSELHO DE SENTENÇA. Comprovada a materialidade do delito e presentes indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia do acusado, a fim de que seja julgado pelo Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. II. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA - VIA IMPRÓPRIA - NÃO CONHECIMENTO. Compete ao Juízo da execução penal examinar, em face de alegada carência econômica do requerente, o pleito de gratuidade processual. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1609255-4 - Guarapuava - Rel.: Telmo Cherem - Unânime - - J. 16.02.2017).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA POR AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA DO CRIME.TESE NÃO COMPROVADA DE FORMA INDENE DE DÚVIDAS. PLEITO DE DESPRONÚNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE COMPROVADA E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E DO DOLO.DECISÃO DE PRONÚNCIA QUE ENCERRA MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1542022-7 - Guaíra - Rel.: Macedo Pacheco - Unânime - - J. 24.11.2016).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO - MATERIALIDADE COMPROVADA - INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA - IMPRONÚNCIA - ELEMENTOS INDICIÁRIOS COLHIDOS

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SUFICIENTES À MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA - IMPOSSIBILIDADE - DELITO SUPOSTAMENTE COMETIDO MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E COM ARMA BRANCA - INDÍCIOS QUE AUTORIZAM A SUBMISSÃO A JULGAMENTO POPULAR - RECURSO DESPROVIDO.1. Para a pronúncia não se exige a certeza da autoria, porém a existência de indícios, cabendo ao Júri resolver conflitos probatórios. 2. A exclusão da qualificadora, na decisão de pronúncia, somente será possível quando emergir, na prova dos autos, que elas não resultaram evidenciadas, estreme de dúvida, sob pena de se invadir a competência do Conselho de Sentença. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1553004-6 - Ponta Grossa - Rel.: Antonio Loyola Vieira - Unânime - - J. 17.11.2016).

Ainda, o que apresenta o Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema:

(...) I - O processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida tem, como a garantia constitucional, a competência do Tribunal do Júri. Essa peculiaridade não autoriza que o juiz, ao decidir pela submissão ou não do réu a julgamento pela Corte popular, exceda os limites que lhe são impostos pelo art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal. A única exigência para que se passe do judicium accusationis para a fase do judicium causae é o reconhecimento da presença de indícios suficientes de autoria e a indicação da materialidade delitiva. (...) (AgRg no AREsp 802.477/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 14/11/2016).

(...) 2. O acórdão que mantém a sentença de pronúncia não pode se exceder de modo a prejulgar o acusado. O excesso de linguagem é evidente se o Tribunal de origem conclui que a autoria é "absolutamente inquestionável", além de tecer outras considerações conclusivas sobre o mérito da causa. Deveria a Corte estadual limitar-se a verificar a existência de indícios suficientes de autoria, não lhe competindo concluir pela certeza de que o paciente seria o autor do delito (...). (HC 310.941/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 16/03/2015).

Portanto, a fase do sumário da culpa, a primeira do procedimento

especial bifásico do Tribunal do Júri, tem seu início com o recebimento da denúncia ou

da queixa (artigo 406, caput, do CPP) e seu desfecho com a decisão do juiz, ao término

da instrução criminal, em um dos seguintes rumos: pronúncia (artigo 413 do CPP);

impronúncia (artigo 414); absolvição sumária (artigo 415); desclassificação (artigo 419).

Em caso de pronúncia, o juiz, fundamentadamente, convencido da materialidade do fato

(primeiro requisito) e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação

(segundo requisito), encaminhará o acusado ao crivo do Conselho de Sentença. O

segundo requisito da decisão de pronúncia será, de forma mais aprofundada, retomado

no próximo item deste trabalho.

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1.2 OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA

1.2.1 A prova no direito processual penal

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao tratar dos

direitos e garantias fundamentais de todo cidadão, garante, em seu artigo 5°, inciso LIV,

que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Submetido a um processo judicial, são assegurados ao acusado o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, nos termos do artigo 5°, inciso LV.

Dentre os meios e recursos de defesa inerentes ao contraditória e à ampla defesa, há

“direito fundamental à prova no processo”, tratando-se “elemento essencial à

conformação do direito ao processo justo”. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016, p.

776). “Sendo a prova a mais importante das tarefas desenvolvidas no âmbito da instrução

processual” (SOUZA, 2017, p. 29), o inciso LVI do referido dispositivo constitucional,

como um instrumento de condução na obtenção de provas, adverte que são

inadmissíveis, no processo, as obtidas por meios ilícitos. Eis o que aduz Gilmar Mendes:

A discussão sobre as provas, no campo do direito material, pode receber inúmeros subsídios do direito constitucional, especialmente dos direitos fundamentais. Com efeito, as regras que regulam e limitam a obtenção, a produção e a valoração das provas são direcionadas ao Estado, no intuito de proteger os direitos fundamentais do indivíduo atingido pela persecução penal.

(2014, p. 545).

Em matéria processual penal, é o Título VII do Código de Processo Penal

que aborda o tema da “prova”, estendendo-se entre os artigos 155 e 250. Nesse âmbito,

o juiz tem diante de si um processo, em que as partes contrárias indicam e sustentam

suas versões do fato, que são, na maioria das vezes, conflitantes entre si. É exposta ao

julgador uma controvérsia fática, cujo único instrumento de solução são as provas. As

provas, portanto, são o meio, apresentado pelas partes litigantes, pelo qual o juiz chega

à verdade processual, aceitando ou rejeitando a acusação que pesa contra o acusado.

Em sentido amplo, provar significa demonstrar a veracidade de um enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real. Em sentido estrito, a palavra prova tem vários significados. Por isso, inicialmente, é importante firmarmos algumas premissas terminológicas.

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(...) A palavra prova tem a mesma origem etimológica de probo (do latim, probatio e probans), e traduz as ideias de verificação, inspeção, exame, aprovação ou confirmação. Dela deriva o verbo provar, que significa verificar, examinar, reconhecer por experiência, estando relacionada com o vasto campo de operações do intelecto na busca e comunicação do conhecimento verdadeiro (LIMA, Renato Brasileiro de. 2015, p. 571).

A prova, no processo penal, é a estrada construída pelas partes e

entregue ao juiz, com o objetivo de formular sua convicção rumo ao patamar mais

próximo possível da verdade, ou da verdade processual. Segundo Gustavo Badaró, é “o

meio pelo qual o juiz chega à verdade4, convencendo-se da ocorrência ou inocorrência

dos fatos juridicamente relevantes para o julgamento do processo. ” (2012, p. 265). É,

noutros termos, o “elemento instrumental para que as partes influam na convicção do juiz,

e o meio de que este se serve para averiguar sobre os fatos em que as partes

fundamentam suas alegações. ” (MARQUES, 2009, p. 268).

O processo penal é um instrumento de retrospecção, de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico. Como ritual, está destinado a instruir o julgador, a proporcionar o reconhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato. Nesse contexto, as provas são os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado (crime). (LOPES JR., 2016, p. 355).

A respeito da classificação das provas em matéria criminal, dentre

distintas correntes doutrinárias, vale destacar a tradicional de Nicola Framarino Dei

Malatesta, que a embasou em três critérios: o do objeto; o do sujeito; e o da forma da

prova. Quanto ao objeto, a prova divide-se em direta ou indireta; quanto ao sujeito, entre

pessoal ou real; e quanto à forma, em testemunhal, documental e material (2001, pp. 118

e 119). Para que não se distancie dos limites temáticos aqui propostos, apenas o critério

quanto ao objeto será abordado.

4 Adiante, na mesma página, o autor esclarece a atual consciência de que a verdade absoluta é algo inatingível, sendo a “verdade” alcançada no processo nada mais do que “um elevado ou elevadíssimo grau de probabilidade de que o fato tenha ocorrido como as provas demonstram. ” Ainda, a respeito do tema, sob opiniões convergentes, vide autores como LOPES Jr., Aury, In. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2016 e CASARA, Rubens R. R., In Mitologia processual penal. São Paulo, 2015.

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Quanto ao objeto, a prova será direta quando se referir imediatamente

ao fato cuja prova se deseja, ou ao fato probando, ao passo que será indireta quando se

afirmar um outro fato a partir do qual, por meio de um raciocínio lógico indutivo, chegue-

se ao que se deseja provar. Na prova direta “a conclusão é imediata e objetiva, resultando

apenas da afirmação; na prova indireta exige-se um raciocínio, com formulação de

hipóteses, exclusões e aceitações, para uma conclusão final. ” (ARANHA, 2006, p. 24).

Sobre a distinção entre prova direta e indireta, eis o que apresenta

Renato Brasileiro de Lima:

Prova direta é aquela que permite conhecer o fato por meio de uma única operação inferencial. Nesta linha, se a testemunha diz que presenciou o exato momento em que o acusado desferiu disparos de arma de fogo contra a vítima, é possível concluir, com um único raciocínio, que o acusado é o autor das lesões produzidas no ofendido5. Por sua vez, a prova é considerada indireta quando, para alcançar uma conclusão acerca do fato a provar, o juiz se vê obrigado a realizar pelo menos duas operações inferenciais. Em um primeiro momento, a partir da prova indireta produzida, chega à conclusão sobre a ocorrência de um fato, que ainda não é o fato a ser provado. Conhecido esse fato, por meio de um segundo procedimento inferencial, chega ao fato a ser provado, exemplificando, suponha-se que a testemunha diga que não presenciou os disparos de arma de fogo. Esclarece, no entanto, que presenciou a saída do acusado do local em que os disparos foram efetuados, imediatamente após ouvir o estampido dos tiros, escondendo a arma de fogo sob suas vestes, sujas de sangue. A partir dessa prova indireta, será possível ao órgão julgador concluir que o acusado foi (ou não) o autor das lesões produzidas no corpo da vítima (2015, p. 579).

Prosseguindo sua análise probatória, Malatesta divide as provas

indiretas em presunções e indícios e, um passo adiante, subdivide os indícios em gerais

e em particulares, que se desdobram em outras categorias, que fogem ao núcleo e ao

objetivo do presente trabalho, contudo.

5 Sob outra ótica, no mesmo raciocínio de Malatesta, Deltan Martinazzo Dallagnol afirma que toda prova direta também é uma prova indireta. Para se evitar a confusão entre as duas categorias, deve-se ter como referencial a parte específica do delito que se deseja demonstrar com determinada prova, e não apenas o delito. O autor aduz que no exemplo “em que alguém mata outrem com trinta facadas no peito, pode-se afirmar que o ânimo interno (jamais demonstrável diretamente por ser invisível) é inferido da realização externa de diversos atos concatenados com um objetivo. Portanto, o que prova o dolo é a mesma prova que demonstra a ocorrência das trinta facadas no peito da vítima. ” (2015, p. 174).

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1.2.2 Os indícios no direito processual penal

Especificamente no que concerne aos indícios, o Código de Processo

Penal, dentro do Título VII, no Capítulo X, traz em seu artigo 2396, que se considera

indício “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por

indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Grande parte da

doutrina nacional atribui este conceito ao artigo 413, caput, do Código de Processo Penal,

segundo o qual o “juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da

materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

” Outro ramo doutrinário, no entanto, classifica os “indícios” referidos no art. 413 de

maneira diversa, como será apresentado adiante,

Os indícios são fatos que permitem ao julgador, por meio de um

raciocínio inferencial, aproximar-se do fato principal a ser provado, que é o crime.

Segundo Eduardo Cambi, indício é “toda circunstância de fato da qual se pode extrair a

existência do fato principal. ”, levando-se em conta, ainda, que um “fato não é um indício

em si mesmo, mas se converte nele, quando uma máxima de experiência permite

estabelecer uma relação lógica capaz de deduzir a existência ou a inexistência do

acontecimento a ser provado. ” (2014, pp. 271-272).

Edilson Mougenot Bonfim revela a prova indiciária como “prova dita

indireta, também conhecido como prova circunstancial, prova crítica ou prova artificial. ”

(2015, p. 487). De modo convergente, eis o que apresenta Adalberto José Q. T. de

Camargo Aranha7:

A palavra indício tem a sua origem etimológica no termo latino indicium, que significava o que é apontado, o que é indicado, isto é, aquele que, pelos elementos colhidos, pelas circunstâncias fáticas assinaladas, é o provável autor

6 Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. O Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 382, define indício como “a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência de outra circunstância ou fato, de que não se tem prova”, elencando, no artigo 383, como seus requisitos “que a circunstância ou fato indicante tenha relação de causalidade, próxima ou remota, com a circunstância ou o fato indicado” e “que a circunstância ou fato coincida com a prova resultante de outro ou outros indícios, ou com as provas diretas colhidas no processo. 7 Ponto importante é destacar que ao tempo da publicação da obra de ARANHA (2006), o artigo 239 do Código de Processo Penal possuía a idêntica redação de agora (2017).

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do fato. É sempre um fato ligado a um crime que aponta e indica o possível autor. O indício é o sinal demonstrativo do crime: signum demonstrativum delicti. É a conjetura provável de uma coisa incerta (2006, p. 217).

No que concerne ao artigo 413 do Código de Processo Penal, há o

entendimento que defende a necessidade de um grau mais elevado na suficiência dos

indícios de autoria. Dentre outros autores, Guilherme de Souza Nucci afirma que a base

probatória da pronúncia requer “firme prova da materialidade (existência do crime) e de

indícios suficientes de autoria. ” (2011, p. 222).

Sob essa perspectiva, portanto, para que um acusado possa ser

pronunciado, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal, além da

comprovação da materialidade delitiva, deve haver nos autos, no tocante à autoria ou

participação, uma quantidade considerável de circunstâncias conhecidas e provadas que,

tendo relação com o fato, autorizem, por indução, concluir-se a existência de outra ou

outras circunstâncias.

Por outro lado, defendendo uma exigência mais branda na suficiência de

indícios de autoria ou participação no artigo 413 do Código de Processo Penal, Eugênio

Pacelli de Oliveira argumenta que, à decisão de pronúncia, “bastará a presença de

elementos indicativos”. (2015, p. 731). Nesse sentido, Gustavo Badaró aduz:

Em diversos dispositivos o CPP usa a palavra indício com significado diverso do art. 239. O art. 312, caput, usa a expressão “indício suficiente de autoria”; já o art. 413, caput, refere-se a “indícios suficientes de autoria”; por outro lado, o art. 126 exige “indícios veementes da proveniência ilícita dos bens”. Nesses dispositivos, a palavra indício significa uma prova mais tênue, não sendo necessário que haja prova capaz de convencer o juiz de que o réu é autor do delito. Trata-se de critério de probabilidade e não de certeza. Para decretação da prisão ou para a pronúncia, é necessário um início de prova ou mesmo um conjunto de provas que indique como provável a autoria, mas não será necessária a certeza da autoria. Aliás, em tais casos, muitas vezes, este “indício” de autoria consistirá no testemunho de alguém que presenciou o crime, ou um documento no qual se confessa o delito, ou mesmo em um “indício” propriamente dito, como a impressão digital na arma do crime. Assim, não se trata, necessariamente, de prova indireta ou do conceito técnico de prova indiciária. O “indício de autoria”, muitas vezes, decorre de uma prova direta. (2012, p. 336).

Renato Brasileiro de Lima apresenta uma distinção do termo “indício” em

dois sentidos: como prova indireta ou como prova semiplena, ambos empregados em

momentos distintos no Código de Processo Penal. Como prova indireta, o indício contrai

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a definição prevista no artigo 239 do referido diploma. Como prova semiplena, por sua

vez, assume um significado distinto. Observa-se em nosso ordenamento jurídico, em

outros dispositivos legais, a palavra “indício” utilizada como uma prova semiplena, como

um elemento de prova de menor valor persuasivo. Nesse sentido, de forma diversa da

cognição completa que se faz necessária para a prolação de uma sentença condenatória,

o indício refere-se a uma cognição sumária, não exauriente. Dentre outros do Código de

Processo Penal, abrangem o termo “indício” como prova semiplena os artigos 126 (trata

do sequestro, como medida assecuratória), 312 (trata da prisão preventiva) e 413 (trata

da pronúncia) (LIMA, 2015, p. 581).

Segundo essa linha de raciocínio, portanto, os “indícios suficientes de

autoria ou de participação”, previstos no artigo 413 do Código de Processo Penal, como

um dos requisitos essenciais à decisão de pronúncia, não afiguram no ordenamento com

o conceito previsto no artigo 239 do mesmo diploma legal, mas como provas semiplenas,

mais tênues, pilares de uma cognição vertical, não extenuante. Noutras palavras, para

que se torne possível a decisão de pronúncia, além da comprovação da materialidade,

deve haver nos autos elementos indicativos ou de prova que apontem uma probabilidade

de autoria do acusado.

Especificamente em relação aos arts. 312 e 413, caput, do CPP, na medida em que o legislador se refere à prova da existência do crime e ao convencimento da materialidade do fato, respectivamente, percebe-se que, no tocante à materialidade do delito, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da prisão preventiva ou da pronúncia. No tocante à autoria, todavia, exige o Código de Processo Penal apenas a presença de indícios suficientes de autoria. Em outras palavras, em relação à autoria ou à participação, não se exige que o juiz tenha certeza, bastando que conste dos autos elementos informativos ou de prova que permitam afirmar, no momento da decisão, a existência de indício suficiente, isto é, a probabilidade de autoria. Portanto, para fins de prisão preventiva ou de pronúncia, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, é necessária a presença de, no mínimo, algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso. Apesar de não se exigir certeza, exige-se certa probabilidade, não se contentando a lei com a mera possibilidade (LIMA, 2015, p. 581).

Deltan Martinazzo Dallagnol também divide em duas espécies os

indícios. Apesar de serem empregados termos diferentes, sua classificação assemelha-

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se à de Renato Brasileiro de Lima, no que concerne à natureza, ou à essência, das duas

espécies de indícios analisadas. Dallagnol aduz que, em nosso Direito Processual, o

termo “indício” assume dois significados distintos: i) prova por indício; ii) indício de prova.

Prova por indícios seria uma prova indireta por indício, na qual o indício

assume o papel de um fato indicador do qual se infere outro fato que se quer provar.

Possui aptidão para produzir convicção plena, ou “certeza moral”. É o conceito carreado

pelo artigo 239 do Código de Processo Penal, que, traduzindo o que representa a prova

por indícios, considera indício “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação

com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras

circunstâncias. ”

Por outro lado, indícios de prova são um começo ou princípio de prova,

ou seja, uma prova apta a gerar uma convicção inferior à “certeza moral”. Noutras

palavras, é uma referência a um juízo de probabilidade inferior a uma carga probatória

plena. Podem ser constituídos por prova direta e indireta. Nessa categoria se encontram

os indícios de autoria constantes nos artigos 312 (prisão preventiva) e 413 (pronúncia)

do Código de Processo Penal.

Com efeito, ora o termo é utilizado no contexto da prova indiciária (indireta), em que normalmente o termo indício é utilizado para designar o fato (indicador) do qual se infere outro fato (indicado), sendo este último, no processo criminal, o delito (ou alguma de suas partes) e, no processo civil, um fato juridicamente relevante do qual serão extraídas consequências jurídicas. Nessa conotação, indício é factum probans, do qual se infere o factum probandum. Esse é o conceito de indício a que no referimos dentro do conceito de prova por indício e que foi adotado expressamente no art. 239 do Código de Processo Penal, com a seguinte redação: ‘Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias’. Em outros momentos, o termo indício é utilizado para significar princípio ou começo de prova, isto é, a existência de provas que ensejam uma suspeita8 ou uma crença em certo grau (e não ‘certeza’) sobre o fato jurídico relevante, que no processo penal é a infração ou quem é seu autor, indicando, assim, a existência do evento criminoso ou sua autoria, enquanto no processo civil é o fato subsumível à hipótese normativa a qual impõe consequências jurídicas. Neste

8 A título de esclarecimento, Renato Brasileiro de Lima aponta que enquanto o “indício é sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções, a suspeita ou desconfiança não passa de um estado anímico, um fenômeno subjetivo, que pode até servir para desencadear as investigações, mas que de modo algum se apresenta idôneo para fundamentar a convicção da entidade decidente. ” (2015, p. 581).

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segundo sentido, indício abrange tanto as provas diretas como as indiretas, e a ela nos referimos como indício de prova (DALLAGNOL, 2015, p. 152).

Além das duas hipóteses mencionadas no parágrafo anterior, segundo

Dallagnol, em nosso ordenamento processual, os indícios assumem o significado de

“indício de prova”, indicando a existência de um início de prova, nos seguintes

dispositivos legais:

Art. 126. Para a decretação do sequestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. Art. 134. A hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria. Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso. Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Art. 417. Se houver indícios de autoria ou de participação de outras pessoas não incluídas na acusação, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado, determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, por 15 (quinze) dias, aplicável, no que couber, o art. 80 deste Código.

Os indícios de prova, portanto, significando “indicativos” ou “sinais”,

podem ser constituídos tanto por prova direta quanto por indireta. No caso da decretação

da prisão preventiva de um acusado, o indício de autoria a justificar a medida poderia ser

tanto o depoimento de uma testemunha que presenciou o crime (prova direta), quanto a

constatação de que há sangue da vítima sob as unhas do acusado por homicídio (prova

indireta).

Há que se ressaltar, contudo, que não é estático o grau de demonstração

probatória definido pelo termo “indícios”, que deve variar. Quanto maior for o nível de

constrição de liberdade ou de propriedade causado pela medida, maior deverá ser o grau

de demonstração probatória. Por outro lado, no caso de cautelar, quanto maior for o

perigo ocasionado pela demora da decisão, menor será o grau necessário para a

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aplicação da medida. Em qualquer caso, contudo, os indícios devem superar a mera

suspeita.

Portanto, indícios significam, nesta acepção de ‘indícios de prova’, um começo ou princípio de prova, entendendo-se prova aqui como resultado, isto é, um começo de convicção da entidade julgadora quanto ao delito. Além disso, note-se que, ao utilizar indícios nesta acepção ampla, o Código de Processo Penal se refere, genericamente, às provas (diretas ou indiretas) do delito, e não ao delito (DALLAGNOL, 2015, p. 156).

Diante do exposto, percebe-se que o termo “indício” assume conceitos

divergentes no âmbito jurídico brasileiro. Uma parcela significativa dos juristas adota o

conceito presente no artigo 239 no Código de Processo Penal para tratar dos “indícios

suficientes de autoria ou de participação”, requisitos de decisão de pronúncia, prevista

no artigo 413 do mesmo diploma legal. Nesse sentido, além dos autores já mencionados,

Guilherme de Souza Nucci afirma que o indício “é um fato secundário, conhecido e

provado, que, tendo relação com o fato principal, autorize, por raciocínio indutivo-

dedutivo, a conclusão da existência de outro fato secundário ou outra circunstância. ”

(2011, p. 201).

Por outro lado, há autores que dividem o gênero “indício” em duas

espécies, aplicadas em casos distintos no Direito Processual Penal. Aqui, nota-se a

utilização do termo “indícios” do artigo 413 do Código de Processo Penal numa acepção

que se afigura como um indicativo ou um sinal de prova (direta ou indireta), diversa da

prevista no artigo 239. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima, indício, no caso em

questão, é uma prova semiplena, enquanto nas palavras de Deltan Martinazzo Dallagnol,

é um indício de prova (direta ou indireta). Dessa forma, para que o acusado seja

pronunciado, além de estar comprovada a materialidade do fato, deve haver nos autos

indícios suficientes de sua autoria ou participação, isto é, indicativos mínimos, e

pertinentes, para se embasar a convicção do magistrado.

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1.2.2.1 Os contraindícios

Uma análise, ainda que sucinta, merece ser feita a respeito dos

contraindícios, que são circunstâncias provadas que servem para justificar ou

fundamentar a invalidade de outros indícios colhidos contra o acusado. Portanto, tendo o

objeto furtado sido encontrada com o acusado, ele pode produzir uma prova contrária,

apresentando, por exemplo, uma nota fiscal de uma loja, comprovando que adquiriu

aquele objeto. (NUCCI, 2011, p. 202). Noutras palavras, os contraindícios são “indícios

que se contrapõem aos indícios que inculpam o acusado, contrapondo-se a essa prova

indiciária com outros indícios, no caso, favoráveis ao réu” ou, ainda, “fatos que se opõem

aos indícios, fazendo prova contrária. ” (GOMES, 2016, pp. 94-95). Outro exemplo de

contraindício é o álibi apresentado pelo acusado, comprovando que, ao tempo do crime,

estava em outro local.

Exemplificando uma clara situação de contraindício, veja-se o caso de alegação de um álibi pelo acusado, baseado em prova de que estava em outro local no momento da prática do crime, o que constitui um contraindício de peso, que poderá levar à absolvição seja pelo entendimento que restou comprovado que o réu, realmente, no local em que foi cometido o delito, seja por abalar a força dos indícios acusatórios e ensejar uma situação de dúvida. (GOMES, 2016, p. 96).

Segundo Deltan Martinazzo Dallagnol, há dois tipos de “argumentos

probatórios que podem ser usados contra um dado argumento: ou se enfraquecem suas

premissas, ou com base em premissas diversas se ataca sua conclusão. ” (2015, p. 223).

Noutras palavras, os contraindícios podem se afigurar como indícios que invalidam

indícios anteriores ou como indícios que enfraquecem a convicção sobre um fato

demonstrado por outro indício. Na primeira hipótese, pode-se citar como exemplo um álibi

apresentado pelo acusado, comprovando estar em outro local, ao tempo do delito. Na

segunda hipótese, pode-se citar o depoimento de uma testemunha, enfraquecendo a

validade do depoimento de outra, que relatava informações importantes a respeito do

crime.

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2 A CAUSALIDADE EM DAVID HUME

2.1 BREVE NOÇÃO HISTÓRICA

A partir do séc. XVI, em uma época em que a metafísica antiga e

medieval se encontrava em crise e a Igreja perdia sua autoridade para a ciência, surge o

empirismo, representando umas das principais correntes constituidoras do pensamento

filosófico moderno ainda em fase inicial. É nesse período que nasce, em 26 de abril de

1711, na cidade de Edimburgo, na Escócia, David Hume, aquele que, posteriormente,

tornar-se-ia um dos filósofos de maior relevância na filosofia moderna (RUSSELL, 2015,

p. 211).

Estudioso dos ensinamentos clássicos, chegou a perambular no estudo

da advocacia, mas, em 1726, abandonou a universidade e se dedicou à leitura de

grandes figuras do pensamento, como Cícero, Horácio, Milton, Pope e Bayle. Sua

principal obra filosófica, o Tratado da natureza humana, foi escrita na França, entre 1734

e 1737. Os dois primeiros volumes da obra foram publicados em 1739, e o terceiro no

ano seguinte, em 1740. A fim de tornar mais clara sua primeira obra, em 1748, publicou

os Ensaios Filosóficos sobre o Entendimento Humano, cujo título foi posteriormente

alterado para Investigação Acerca do Entendimento Humano. Em 1751, como resultado

de uma reescrita da terceira parte do Tratado da Natureza Humana, Hume publicou a

Investigação sobre os Princípios da Moral. Dentre diversas outras obras, são essas as

principais do autor, no campo da filosofia (HUME, 1999, p. 6).

Inserido em um contexto histórico em que a Inglaterra se destacava

economicamente por meio de um poderoso comércio marítimo (MOUSNIER;

LABROUSSE, 1961, p. 189), o filósofo chegou a se tornar, em 1763, ao fim da Guerra

dos Sete Anos, secretário do embaixador britânico em Paris, e num período de seis

meses entre uma embaixada e outra, assumiu as funções de charge d’affaires 9 . ”

(KENNY, 2009, p. 108).

9 De acordo com o Dictionnaire Larousse de poche 2009, o termo francês chargé traduz-se ao português como “encarregado”, enquanto a expressão chargé d’affaires, em tradução direta, trata de um diplomata representando momentaneamente seu governo no exterior (“charge d’affaires: diplomate représentant momentanément son gouvernement à l’étranger. ”) (LAROUSSE, 2011, p. 157).

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Na corrente empirista inglesa, Hume, considerado como o terceiro

grande representante, demonstrou sua relevância ao desenvolver a filosofia de seus

antecessores, John Locke e George Berkeley, refutando qualquer resíduo da antiga

metafísica cartesiana, ainda em partes presente no pensamento de Berkeley

(MORENTE, 1980, p. 185). Acerca do empirismo, eis o que conceitua Danilo Marcondes:

Em linhas gerais, ‘empirismo’ significa uma posição filosófica que toma a experiência como guia e critério de validade de suas afirmações, sobretudo nos campos da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência. O termo é derivado do grego empeiria, significando basicamente uma forma de saber derivado da experiência sensível e de dados acumulados com base nessa experiência, permitindo a realização de fins práticos (2010, p. 181).

O filósofo levou o empirismo a um patamar tão longínquo que,

consequentemente, atingiu o ceticismo. O que o levou a tal extremidade do pensamento

foram, principalmente, suas críticas a duas noções fundamentais da tradição filosófica: a

identidade pessoal e a causalidade.

A respeito da identidade pessoal, Hume refutou o vigente modelo

cartesiano de mente como substância pensante. Atribuiu ao “Eu” (self) uma existência

não contínua, uma vez que jamais podemos apreender a nós mesmos sem algum tipo

de percepção10. Essa ideia de substância ou essência passa a ser somente um nome

geral indicando um conjunto de ideias e imagens que, devido às semelhanças que

possuem entre si, nossa consciência tem o hábito de associar. Não correspondem,

portanto, a seres ou entidades reais e externas, “independentes do sujeito do

conhecimento, mas são nomes gerais com que o sujeito nomeia e indica seus próprios

hábitos associativos. ” (CHAUI, 2005, p. 198). Em Hume, a palavra substância, segundo

Gonzague Truc, “não passa de mera denominação que serve para designar as nossas

séries de ideias simples. ” (1958, p. 213). Dessa forma, a “substância pensante de

Descartes o eu de Descartes, que fora respeitado ainda por Locke e por Berkeley, se

desvanece. ” (MORENTE, 1980, p. 188).

10 Segundo o filósofo, as percepções do espírito humano são divididas em duas classes, distintas entre si pelo grau de força e de vivacidade com que impressionam o espírito. As impressões são as mais fortes, e compreendem as sensações, as paixões e as emoções, no ato em que vemos ou sentimos, amamos ou odiamos, desejamos ou queremos. As ideias ou pensamentos são imagens enfraquecidas dessas impressões. (ABBAGNANO, 1994, p. 111).

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Caso exista, o “Eu” jamais é percebido, portanto, não podemos fazer

ideia dele. O que Hume afirma não é que inexiste um “Eu” simples, mas que não há como

averiguar sua existência e “que o Eu, exceto como ‘feixe’ de percepções, não ingressa

em parte alguma do nosso conhecimento. Essa conclusão é importante para a metafísica,

uma vez que se livra do último emprego restante de ‘substância’” (RUSSELL, 2015, p.

215). Nas palavras do próprio autor:

Há filósofos que imaginam estarmos, em todos os momentos, intimamente conscientes daquilo que denominamos nosso EU [our self]; que sentimos sua existência e a continuidade de sua existência; e que estamos certos de sua perfeita identidade e simplicidade, com uma evidência que ultrapassa a de uma demonstração. A sensação mais forte, a paixão mais violenta, dizem eles, ao invés de nos distrair dessa visão, fixam-na de maneira ainda mais intensa; e, por meio da dor ou do prazer que produzem, levam-nos a considerar a influência que exercem sobre o eu. (...). Lamentavelmente, todas essas asserções positivas contradizem essa própria experiência que é invocada a seu favor, e não possuímos nenhuma evidência de eu da maneira aqui descrita. Pois de que impressão poderia ser derivada essa ideia. (...). À parte alguns metafísicos dessa espécie; porém, arrisco-me a afirmar que os demais homens não são senão um feixe ou uma coleção de diferentes percepções, que se sucedem umas às outras com uma rapidez inconcebível, e estão em perpétuo fluxo e movimento. (HUME, 2009, pp.283/285).

A outra noção criticada por Hume é a da causalidade, que será

amplamente abordada noutro tópico deste trabalho (2.3). Convém ressaltar, contudo, que

a análise exauriente e consequente crítica negativa que o filósofo fez desses dois

princípios fundamentais da tradição filosófica o levaram do empirismo ao ceticismo,

afirmando que jamais podemos ter um conhecimento certo e definitivo.

Portanto, para Hume, se todo nosso conhecimento provém de impressões sensíveis e da reflexão sobre nossas ideias, se essas impressões e ideias são assim sempre variáveis, se a causalidade e a identidade do eu resultam apenas de regularidade, repetição, costume e hábito, então, em consequência, jamais temos um conhecimento certo e definitivo; toda a ciência é apenas resultado da indução, e o único critério de certeza que podemos ter é a probabilidade. (MARCONDES, 2010, p. 189).

Em 25 de agosto de 1776, na mesma cidade em que nascera, morreu o

filósofo David Hume. Além das obras aqui mencionadas, deixou outras à história da

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humanidade, de notáveis contribuições às áreas da filosofia e da história 11 ,

principalmente. Contudo, a fim de se respeitar as fronteiras temáticas propostas pelo

presente trabalho, as noções mais pertinentes da filosofia humeana serão abordadas no

tópico 2.2, aprofundando-se, na sequência, no tópico 2.3, o estudo sobre a noção de

causa e efeito apresentada por Hume.

2.2 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DA FILOSOFIA HUMEANA

Para que se compreenda a ideia de causa e efeito apresentada por

Hume, faz-se necessária, inicialmente, a abordagem, ainda que brevemente, de outras

noções expostas pelo filósofo. Encarando tais noções sob uma visão geral, tratar-se-á,

neste tópico, das percepções do espírito humano, e todos os seus desdobramentos, que

estão presentes, essencialmente, no Livro 1, Parte 1, do Tratado da natureza humana, e

nas Seções 2 a 5 da Investigação sobre o entendimento humano.

A percepção, nas palavras do próprio autor, é “o que quer que se

apresente à mente, quer empreguemos nossos sentidos, sejamos movidos pela paixão,

ou exercitemos nosso pensamento e reflexão. ” (HUME, 1994, p. 45). De certa maneira,

pode-se dizer que é por meio das percepções que o ser humano capta, ou percebe, a

realidade. Sem elas, nenhuma atividade mental poderia ser realizada, o que

impossibilitaria qualquer capacidade humana de sentir ou pensar. Mesmo que não se

adentre na esfera da filosofia, é fácil compreender essa ideia, uma vez que o próprio

significado comum, corriqueiro, da palavra “percepção” a aponta como uma apreensão

da realidade, como uma forma de receber tudo que se mostra real à humanidade12.

11 No tocante à área da história, sua principal obra é a História da Inglaterra, que, em seis volumes, trata desde a ocupação romana até a época de Henrique VII (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 329). Hume iniciou sua produção no ano de 1754 e terminou apenas por volta de nove anos depois, em 1762, ano em que foi publicada. 12 Na acepção vulgar do termo, segundo a Enciclopédia e Dicionário Ilustrado Koogan / Houaiss, a percepção é a “apreensão da realidade ou de uma situação objetiva pelo homem. /Seu resultado: a percepção das cores. /Reação de um sujeito a um estímulo exterior, que se manifesta por fenômenos químicos, neurológicos, ao nível dos órgãos dos sentidos e do nervoso central, e por diversos mecanismos psíquicos tendentes a adaptar esta reação ao seu objeto, como a identificação do objeto percebido (ou seu reconhecimento), sua diferenciação por ligações aos outros objetos etc.” (1998, p. 1237). Por sua vez, o

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As percepções podem ser divididas em dois gêneros distintos: as

impressões e as ideias13. O que as diferencia é o grau de força e vivacidade com que

cada uma atinge o espírito humano. As que penetram a consciência com maior força são

as impressões, que compreendem todas as nossas paixões, sensações e emoções, em

sua primeira aparição à alma. Consequentemente, as que penetram com menos força e

vivacidade são as ideias, ou pensamentos, que se apresentam como pálidas imagens

das impressões no pensamento e no raciocínio (HUME, 2009, p. 25). A ideia de uma dor

causada por uma facada, por exemplo, jamais poderia atingir a mesma vivacidade e força

da impressão, ou seja, da própria dor sentida quando se foi vítima da facada.

Todos admitirão prontamente que há uma considerável diferença entre as percepções da mente quando um homem sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de uma tepidez moderada, e quando traz mais tarde essa sensação à sua memória, ou a antecipa pela sua imaginação. Essas faculdades podem imitar ou copiar as percepções dos sentidos, mas jamais podem atingir toda a força e vivacidade da experiência original. Tudo o que podemos dizer delas, mesmo quando operam com o máximo vigor, é que representam seu objeto de uma maneira tão vívida que quase podemos dizer que o vemos ou sentimos. Excetuando-se, porém, os casos em que a mente está perturbada pela doença ou loucura, nunca se atinge um grau de vivacidade capaz de tornar completamente indistinguíveis essas percepções. Todas as cores da poesia, por esplêndidas que sejam, não serão jamais capazes de retratar os objetos de tal maneira que se tome a descrição por uma paisagem real, e o mais vívido pensamento será sempre inferior à mais obtusa das sensações. Podemos observar que uma distinção semelhante percorre todas as demais percepções da mente. Um homem tomado de um acesso de fúria é afetado de maneira muito diferente de um outro que apenas pensa nessa emoção. Se você me diz que uma certa pessoa está enamorada, eu entendo facilmente o que você quer dizer e formo uma ideia adequada da situação dessa pessoa, mas jamais confundiria essa ideia com os tumultos e agitações reais da paixão. Quando refletimos sobre nossas experiências e afecções passadas, nosso pensamento atua como um espelho fiel e copia corretamente os objetos, mas as cores que emprega são pálidas e sem brilho em comparação com as que revestiram nossas percepções originais. Não se requer um refinado discernimento nem grande aptidão metafísica para percebera diferença entre elas. (HUME, 2004, pp. 33-34).

dicionário de língua portuguesa Michaelis apresenta a percepção como “1 Ato, efeito ou faculdade de perceber. 2 Compreensão; entendimento; conhecimento. ”, enquanto concede ao verbo “perceber” o significado de “1 Adquirir conhecimento por meio dos sentidos. vtd e vint 2 Abranger com a inteligência; compreender, entender. vtd 3 Enxergar, divisar. vtd 4 Ouvir, escutar.” (2002, pp. 592-593). 13 De forma diversa à que o filósofo inglês John Locke havia feito em seu Ensaio Sobre o Entendimento Humano (Essay Concerning Human Understanding), Hume não considera os “objetos da mente” apenas ideias, mas sim percepções (STROUD, 1995, p. 18). Com isso, Hume divide os objetos da mente em mais espécies do que Locke fizera. Em vez de apenas por ideias, são compostos de percepções, que se subdividem, em um primeiro passo, em ideias e impressões.

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Em uma segunda divisão, Hume distingue as percepções em simples e

complexas. As percepções simples são impressões ou ideias que não admitem distinção

ou separação. As percepções complexas, por sua vez, podem ser fragmentadas em

partes. Considere-se uma maça como exemplo. Apesar de a cor, o sabor e o aroma

particulares serem qualidades unidas dessa maça, não são a mesma coisa, sendo

distinguíveis entre si14. O filósofo, além de afirmar que toda ideia simples possui uma

impressão correspondente, e vice-versa, defende, sob seu princípio da anterioridade, que

qualquer ideia simples surge antes de sua impressão correspondente, ou, noutras

palavras, que “todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, de

suas impressões correspondentes. ” (HUME, 2009, p. 31). No tocante às percepções

complexas, a separação das qualidades unidas em um objeto previamente dado aos

sentidos é resultado da ação da imaginação, que pode isolar quaisquer dessas

qualidades unidas numa mesma percepção.

Vale ressaltar uma terceira divisão apresentada pelo autor, dessa vez

separando as impressões em duas espécies: de sensação e de reflexão. As impressões

de sensação nascem originalmente na alma, de causas desconhecidas. As de reflexão

(paixões, desejos e emoções, por exemplo), em grande medida, nascem de nossas

ideias, na seguinte ordem: primeiramente, uma impressão atinge os sentidos, fazendo-

nos perceber o calor ou o frio, o prazer ou a dor, entre outros; em seguida, a mente realiza

uma cópia dessa impressão, denominada ideia, que permanece mesmo depois do

desaparecimento da impressão; ao retornar à alma, essa ideia do prazer ou da dor, do

frio ou do calor, produz novas impressões, de desejo ou de aversão, de esperança ou de

medo, que são denominadas impressões de reflexão, pois delas derivadas; essas

impressões de reflexão, após serem novamente copiadas pela memória e pela

imaginação, convertem-se em ideias, que podem gerar outras impressões e ideias.

Portanto, “as impressões de reflexão antecedem apenas suas ideias correspondentes,

mas são posteriores às impressões de sensação, e delas derivadas. ” (HUME, 2009, p.

32).

14 Embora trate de forma mais sucinta, Hume aponta como exemplos de percepções simples as que temos de um tom de cor, ou de um som, em particular. Assim, ao contrário de suas qualidades particulares, a maça, tanto como impressão, quanto como ideia, é uma percepção complexa (STROUD, 1995, pp. 20-21).

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A respeito das noções filosóficas abordadas até aqui, eis o que apresenta

o filósofo canadense Barry Stroud, em um resumo de oito pontos fundamentais:

(1) Não há pensamento ou atividade mental sem que haja uma percepção diante da mente. (2) Toda percepção é uma impressão ou uma ideia. (3) Toda percepção é simples ou complexa. (4) Toda percepção complexa é constituída completamente de percepções simples. (5) Para toda ideia simples há uma impressão simples correspondente. (6) Toda ideia simples surge na mente como o efeito de sua impressão simples correspondente. (7) Não há impressões de reflexão sem que haja alguma impressão de sensação. Portanto, (8) Não há pensamento ou atividade mental sem que haja impressões de sensação. (1995, p. 22)15.

A experiência nos mostra que quando uma impressão esteve presente

na mente, ela ali reaparece sob a forma de uma ideia, o que pode ocorrer por meio de

duas faculdades diferentes: pela memória ou pela imaginação. Na primeira, a impressão

“retém, em sua nova aparição, um grau considerável de sua vividez original, constituindo-

se em uma espécie de intermediário entre uma impressão e uma ideia”, enquanto na

segunda ela “perde inteiramente aquela vividez, tornando-se uma perfeita ideia. ” (HUME,

2009, p. 33). As ideias da memória, cujos objetos se apresentam de maneira mais

distinta, são mais vivas e fortes que as da imaginação, que, por sua vez, além de pintar

uma percepção mais fraca e lânguida, dificilmente pode ser conservado pela mente por

um período temporal considerável, de modo firme e uniforme.

Enquanto passeio pelo parque, minha atenção é despertada por uma

bela e frondosa árvore colorida (impressão), da qual não posso desviar meus olhos

durante algum tempo. Assim que retomo minha caminhada, por mais que não mais esteja

fisicamente diante da árvore colorida, sua imagem permanece em meus pensamentos,

vívida e claramente (ideia). Nesse caso, a impressão a que inicialmente estive exposto

15 Trecho traduzido diretamente da versão original, de língua inglesa (“ (1) There is no thought or mental activity unless there is a perception before the mind. / (2) Every perception is either na impressiono r na ideia. / (3) Every perception is either simple or complex. / (4) Every comples perception consists completely of simple perceptions. / (5) For every simple idea ther is a corresponding simple impression. / (6) Every simple ideia arises in the mind as the effect of its corresponding simpleimpression. / (7) There are no impressions of reflection withou some impression of sensation. / Therefore, / (8) There is no thought or mental activity unless there are impressions os sensation. ”).

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foi transformada, por intermédio da faculdade da memória, em uma ideia, que continuou

em minha mente, ostentando-se distinta e fortemente. Pensemos agora noutra situação,

em que minha visão não se deparou com a impressão inicial do primeiro exemplo. Estou

no parque, deitado na grama, de olhos fechados. Imagino, então, uma bela e frondosa

árvore colorida. Por mais que eu possa ver, em minha mente, uma bela e frondosa árvore

colorida, sua imagem, nesse caso da imaginação, não se apresenta a mim com a mesma

vivacidade e força com que se apresentaria na hipótese da memória, em que projeto em

meu pensamento a ideia da árvore que acabo de contemplar, pessoalmente.

Como já foi dito anteriormente, não há como surgirem ideias na mente

sem que, previamente, impressões correspondentes tenham lhes aberto o caminho. Sem

contar com qualquer poder de variação, a memória está atrelada a essa regra de ordem

e forma das impressões originais, enquanto a imaginação não. A memória, cuja principal

função não é preservar as ideias simples, e sim sua ordem e posição, preserva a forma

original ostentada por seus objetos. Por outro lado, a imaginação goza do segundo

princípio apresentado por Hume, que a concede a liberdade de transpor e transformar

suas ideias:

A mesma evidência que nos acompanha em nosso segundo princípio, a liberdade que tem a imaginação de transpor e transformar suas ideias. As fábulas que encontramos nos poemas e romances eliminam qualquer dúvida sobre isso. A natureza é ali inteiramente embaralhada, e não se fala senão de cavalos alados, dragões de fogo e gigantes monstruosos. Tal liberdade da fantasia não causará estranheza, porém, se considerarmos que todas as nossas ideias são copiadas de nossas impressões, e que não há duas impressões que sejam completamente inseparáveis – isso para não mencionarmos o fato de que se trata aqui de uma consequência evidente da divisão das ideias em simples e complexas. Sempre que a imaginação percebe uma diferença entre ideias, ela pode facilmente produzir uma separação. (HUME, 2009, p. 34).

Tornando-a, em certa medida, uniforme em todos os lugares e

momentos, alguns princípios universais guiam a faculdade da imaginação em suas

operações de separação, reunião ou transformação de ideias simples. Caso contrário, se

não houvesse entre as ideias um laço de associação, pelo qual uma naturalmente

introduz a outra, seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem

regularmente em ideias complexas. Esse princípio de união entre as ideias, no entanto,

não é uma conexão inseparável ou um instrumento sem o qual a mente não poderia juntar

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duas ideias, mas somente uma força suave que causa, entre outras coisas, que as

línguas se correspondam “de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de

alguma forma aponta a cada um de nós as ideias simples mais apropriadas para serem

unidas em uma ideia complexa. ” (HUME, 2009, pp. 34-35). A associação entre ideias,

que concede regularidade e constância à ação da imaginação, levando a mente de uma

ideia a outra, é composta de três qualidades, ou princípios: semelhança; contiguidade no

tempo ou no espaço; e causa e efeito16.

Por trás do aparente curso aleatório de flutuante de ideias há uma ‘força suave’ operando. Ela leva a mente de uma ideia à outra; é uma ‘espécie de atração’ pela qual uma ideia, diante de sua aparição, naturalmente introduz a sua correlativa (p. 289). É esse laço ou associação entre ideias que faz com que ideias venham à nossa mente como resultado de outras ideias que já estão lá (STROUD, 1995, p. 36)17.

Esses três princípios, ao produzirem uma associação entre ideias,

naturalmente introduzem uma, quando do aparecimento de outra. Podemos perceber

que, facilmente, a imaginação passa de uma ideia a outra qualquer que seja semelhante

a ela. Uma fotografia conduz naturalmente nosso pensamento ao que ela retrata,

originalmente. Assim, quando vemos a fotografia de um amigo ausente, a ideia que temos

dele é avidada pelo princípio da semelhança. Se a fotografia em nada se assemelhasse

ao amigo, sequer remeteria nossos pensamentos a ele. Além da semelhança, observa-

se, pelo princípio da contiguidade, que a menção de um cômodo de uma casa

naturalmente acarreta em uma indagação ou reflexão sobre os demais. Ao se pensar em

um objeto qualquer, a mente é prontamente transportada ao que lhe é contiguo. Logo,

“quando estou a poucas milhas de casa, tudo o que a ela se relaciona toca-me muito

mais de perto do que quando estou a duzentas léguas”. (HUME, 2004, p. 85). Por fim,

exemplificando o princípio de causa e efeito, ou causalidade, quando pensamos em um

16 Segundo o filósofo italiano Nicola Abbagnano, as “ideias que constituem o mundo da nossa experiência apresentam indubitavelmente ordem e regularidade. Tais caracteres são devidos aos princípios que as associam e unem entre si. Hume reconhece três únicos princípios desta natureza: a semelhança, a contiguidade no tempo e no espaço e a causalidade. ” (1994, p. 113). 17 Trecho traduzido diretamente da versão original, de língua inglesa (“Behind the apparently random and fluctuating course of ideas there is a ‘gentle force’ operating. It leads the mind from one ideia to another; it is a ‘kind of attraction’, by which na ideia, ‘upon its appearance, naturally introduces its correlative’ (p. 289). It is this bond or association between ideais that causes ideias to come into aour minds as a result of other ideas that are already there. ”)

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ferimento, a reflexão sobre a dor que o acompanha será algo difícil se se evitar. Dois

objetos estão causalmente conectados não somente quando um produz um movimento

ou uma ação no outro, mas também quando possui poder para tanto. Essa terceira

qualidade, que será, no próximo item (2.3), objeto de um estudo mais aprofundado, é a

que produz uma conexão mais poderosa na fantasia, e que faz com que uma ideia

introduza mais prontamente outra ideia. Esses três princípios de união entre ideias

simples ocupam “na imaginação o lugar daquela conexão inseparável que as une em

nossa memória”. (HUME, 2009, pp. 36-37). A respeito do tema:

Quais são esses outros princípios? Como a imaginação devém uma natureza humana? A constância e a uniformidade estão somente na maneira pela qual as ideias são associadas na imaginação. Em seus três princípios (contiguidade, semelhança e causalidade), a associação ultrapassa a imaginação, é algo distinto desta. A associação afeta a imaginação. Encontra nesta seu termo e seu objeto, não sua origem. A associação é uma qualidade que une as ideias, não uma qualidade das próprias ideias. (DELEUZE, 2012, p. 12).

Uma vez analisadas essas noções introdutórias da filosofia humeana,

essenciais ao desenvolvimento do tema proposto, o próximo item do presente trabalho

(2.3) abordará de maneira mais exauriente a causalidade, ou relação de causa e efeito,

exposta por Hume, além das demais que a acompanham, e que fundamentam sua

existência.

2.3 A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME18

Por que, ao avistarmos o fogo, naturalmente pensamos em calor? Por

que, quando inquiridos se o sol nascerá amanhã, respondemos que sim, motivados por

uma certeza inabalável? Por que, ao observamos uma bola de bilhar vermelha em

direção a uma amarela, parada, imaginamos que, após o impacto entre ambas, a amarela

entrará em movimento? Por que, ao avistarmos um indivíduo fugindo do local de um

18 Os pilares bibliográficos principais da análise proposta nesse item são o Livro 1, Parte 3, do Tratado da natureza humana, que aborda o conhecimento e a probabilidade, e a Investigação sobre o entendimento humano, com destaque à Seção 8, que trata da liberdade e da necessidade.

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crime, empunhando uma arma e com suas roupas ensanguentadas, naturalmente

pensamos ser ele o autor do delito? Por que temos certeza de que um amigo honesto

não nos apunhalará pelas costas? Que razões nos levam a inferir a existência de

determinado fato (efeito), a partir da existência de outro (causa)? Todas essas

indagações perpassam e impulsionam o estudo da relação de causalidade, do filósofo

David Hume, e serão respondidas adiante, por meio de uma análise teórica e

exemplificativa do tema.

Como já visto anteriormente, as ideias são ligadas entre si por três

princípios de união, que são a semelhança, a contiguidade e a causalidade, sem os quais

a mente não seria capaz de passar, organizadamente, de uma ideia a outra qualquer. É

tal associação que guia a imaginação, tornando-a uniforme e constante. Dessas três

qualidades, a causalidade é a que desempenha o papel mais importante na mente

humana, uma vez que lhe confere a capacidade de ultrapassar os dados imediatos dos

sentidos e dos registros da memória, fazendo-nos inferir a existência de algo que ainda

não é dado. Noutras palavras, a causalidade nos permite realizar previsões, crer na ideia

de algo que não está presente aos nossos sentidos19.

Nós pensamos que há algum tipo de conexão entre o que observamos e o que cremos ser o caso sobre o que não é observado20, e nós seguimos essa conexão e inferimos um a partir de outro. Portanto, temos crenças sobre o que não é observado por meio de um tipo de inferência. Fazemos uma transição da observação de algo à crença em algo que não é observado. Hume acredita que todas essas transições sejam inferências causais, ou ‘raciocínios... fundado na relação de Causa e Efeito’ (E, p. 26). Por conseguinte, ele pensa que para que se entenda o que é que nos assegura de qualquer questão de fato que não seja atualmente observada, devemos entender a relação de causalidade. (STROUD, 1995, p. 43)21.

19 O filósofo Gilles Deleuze diz que “o privilégio da causalidade está em que somente ela pode nos fazer afirmar uma existência, nos fazer crer, pois ela confere à ideia do objeto uma solidez, uma objetividade que essa ideia não teria se o objeto estivesse associado somente por contiguidade ou por semelhança à impressão presente. Mas esses dois outros princípios desempenham com a causalidade um papel comum: eles já fixam o espírito, eles o naturalizam; eles preparam a crença e a acompanham. (...) A associação guia a imaginação, torna-a uniforme e a coage. (2012, pp. 12-13). 20 Como sinônimo de algo que não é observado, pode-se falar de algo que não está presente, algo que está ausente aos nossos sentidos. 21 Trecho traduzido diretamente da versão original, de língua inglesa (“We think there is some kind of connection between what we observe and what we believe to be the case about what is not currently observed, and we follow up that connection and infer from one to the other. So we get beliefs about the unobserved by some kind of inference. We make a transition from observing something to a belief in something that is not observed. / Hume beleives that all such transitions are causal inferences, or ‘reasonings... founded on the relation of Cause and Effect’ (E, p. 26). Therefore he thinks that to understand

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A causalidade, portanto, é um princípio de associação entre ideias que

permite que se creia em um objeto, ou em um fato, como efeito da existência de outro

objeto, ou de outro fato. Por um raciocínio inferencial, a mente, em um exercício da

imaginação, conecta a ideia de um à de outro. Sem esse princípio, o ser humano não

seria capaz de realizar previsões ou de estabelecer relações entre um objeto presente e

outro ausente. Quando ouço o som da voz de uma pessoa conhecida, por exemplo, a

causalidade me permite inferir a presença dessa pessoa.

Três relações são fundamentais à ideia de causalidade: contiguidade,

prioridade temporal e conexão necessária. Em primeiro lugar, os objetos considerados

causas ou efeitos devem ser contíguos, não podendo atuar num momento ou num lugar

afastados do momento e do lugar de sua própria existência. Para que uma bola de bilhar

cause o efeito de movimento sobre outra, ambas devem estar no mesmo local, ao mesmo

tempo, e não a quilômetros de distância entre si. Em segundo lugar, é preciso que haja

uma prioridade temporal da causa em relação ao efeito. Obviamente, o movimento que

foi a causa deve ser anterior ao movimento que foi o efeito. Essas suas relações, no

entanto, não são suficientes para se explicar a ideia de causalidade, já que a mera

observação de um caso isolado jamais poderia nos fazer inferir que o mesmo efeito fosse

produzido em outros casos. Por exemplo, se, pela primeira vez na vida, observo um

determinado movimento X, não possuo conhecimento suficiente sobre tal movimento

para crer que se repetirá em outras ocasiões. Portanto, além da contiguidade e da

prioridade temporal, também deve ser levada em conta, como uma relação ainda mais

importante, a ideia de conexão necessária22.

what it is that assures us of any matter of fact that is not currently observed, we must understand the relation of causality. ”). 22 Barry Stroud diz que “mesmo se, em todos os casos de causalidade, tivéssemos impressões de contiguidade e prioridade, isso não seria suficiente para explicar a origem da ideia de causalidade. Dois objetos podem estar relacionados por contiguidade e prioridade no tempo ‘por mera coincidência’. Se, no exato momento em que olho a luz o semáforo, ela se torna verde, não considero o meu olhar como a causa da mudança de luz. Portanto, deve haver algum outro ingrediente na ideia de causalidade, um em sua origem, que ainda há de ser contabilizado. ”. (Trecho traduzido diretamente da versão original, de língua inglesa: “...even if in every case of causality we did get impressions of contiguity and priority, that would not be enough to explain the origin ofthe idea of causality. Two objects might be related by contiguity and priority in time ‘merely coincidentally’. If, at the very moment that I look at the traffic light it turns green,I do not regard my look as the cause of the light’s turning. So there must be some other ingredient in the idea of causality, or in the origin of it, that has yet to be accounted for. ”) (1995, pp. 44-45). Segundo Helen Beebee,

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Tendo assim descoberto ou suposto que as duas relações, de contiguidade e sucessão, são essenciais às causas e efeitos, vejo que tenho de parar subitamente, e que não posso ir adiante pelo exame de um exemplo isolado de causa e efeito. O movimento de um corpo é visto como a causa, por impacto, do movimento de outro corpo. Quando consideramos atentamente esses objetos tudo que vemos é que um corpo se aproxima do outro23; e que seu movimento precede o movimento do outro, porém sem um intervalo perceptível24. É inútil atormentarmo-nos com mais pensamentos e reflexões sobre esse assunto. Não podemos ir mais longe considerando esse caso particular. (...) Deveremos, pois, ficar satisfeitos com essas duas relações, de contiguidade e sucessão, como fornecendo uma ideia completa da causação? De forma alguma. Um objeto pode ser contíguo e anterior a outro, sem ser considerado sua causa. Há uma CONEXÃO NECESSÁRIA a ser levada em consideração; e essa relação é muito mais importante que as outras duas anteriormente mencionadas. (HUME, 2009, p. 105).

Quando analisamos um único caso, isoladamente, entre um movimento

A e um movimento B, nada extraímos no sentido de uma conexão necessária, ou de que,

em outros casos, um movimento A também será causa de um movimento B. Por outro

lado, quando uma espécie particular de movimento A esteve sempre, em todos os casos

observados, conjugada à outra espécie de movimento B, podemos prever a ocorrência

de um a partir do aparecimento do outro, supondo que há alguma conexão necessária

entre ambos. Assim, quando observamos que em todos os casos já analisados, a bola

vermelha de bilhar, ao se chocar com a amarela, coloca-a em movimento, nossa mente

nos faz crer em uma conexão necessária entre ambas. Nossa imaginação conecta as

duas bolas de bilhar, baseada na experiência e na observação de casos semelhantes.

Essa conexão, portanto, existe apenas em nossa mente, e não nos próprios objetos

observados.

Eis uma bola de bilhar pousada sobre a mesa, e outra que se move na direção da primeira, com rapidez. As bolas se chocam; e a que antes se encontrava em repouso adquire agora um movimento. Este é um exemplo tão perfeito da relação

“contiguidade e prioridade não podem ser tudo o que existe à ideia de causação, uma vez que, manifestadamente, dois eventos podem estar nessas relações sem que o primeiro seja uma causa do segundo. Adicionalmente, ‘há uma CONEXÃO NECESSÁRIA a ser levada em consideração’ (T 77). ”. (Trecho traduzido diretamente da versão original, de língua inglesa: “But contiguity and priority cannot be all there is to the idea of causation, since manifestlytwo events can santd in those relations without the first being a cause of the second. In addition, ‘there is NECESSARY CONNEXION to be taken in consideration’ (T 77). ”) (2006, p. 43). 23 Contiguidade. 24 Prioridade temporal da causa em relação ao efeito.

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de causa e efeito como qualquer outro conhecido, seja pela sensação ou pela reflexão. Examinemo-lo, pois. É evidente que as duas bolas se tocaram antes que o movimento tivesse se comunicado, e que não houve intervalo entre o choque e o movimento. Contiguidade no tempo e no espaço é, portanto, uma circunstância requerida à operação de todas as causas. É igualmente evidente que o movimento que foi a causa, é anterior ao movimento que foi o efeito. Prioridade no tempo é, portanto, outra circunstância requerida em qualquer causa. Mas isso não é tudo. Se experimentarmos quaisquer outras bolas do mesmo tipo, em situação semelhante, verificaremos sempre que o impulso de uma produz o movimento na outra. Eis, então, uma terceira circunstância, isto é, a da conjunção constante entre a causa e o efeito25. Todo objeto como causa produz sempre algum objeto como efeito. (HUME, 1994, pp. 55-57).

A necessidade, ou conexão necessária entre causas e efeitos, é a

transição que o pensamento faz da ideia de um evento à ideia de outro que usualmente

o acompanha. Nada mais é do que a propensão da mente a passar das causas aos

efeitos, e vice-versa, baseada no hábito, ou costume, de observar que tais causas sempre

estiveram acompanhadas de tais efeitos, e de que tais efeitos sempre estiveram

acompanhados de tais causas. Noutras palavras, a experiência26 e a observação de

eventos passados que sempre estiveram constantemente conjugados entre si nos faz

inferir, por meio de uma ideia de conexão necessária, produzida pela imaginação, que

esses eventos, em ocasiões futuras, continuarão sendo causas e efeitos uns dos outros.

Parece então que essa ideia de conexão necessária entre acontecimentos surge de uma multiplicidade de casos assemelhados de ocorrências desses acontecimentos em constante conjunção, e essa ideia nunca poderia ter sido sugerida por nenhum desses casos em particular, ainda que examinado sob todos os possíveis ângulos e perspectivas. Mas não há, numa multiplicidade de casos, nada que difira de casa um dos casos individuais, os quais se supõe serem exatamente semelhantes, a não ser que, após uma repetição de casos semelhantes, a mente é levada pelo hábito, quando um dos acontecimentos tem lugar, a esperar seu acompanhante habitual e a acreditar que ele existirá. Essa conexão, portanto, que nós sentimos na mente, essa transição habitual da imaginação que passa de um objeto para seu acompanhante usual, é o sentimento ou impressão a partir da qual formamos a ideia de poder ou conexão necessária. Nada mais está presente na situação. (...)

25 A conjunção constante nada mais é do que um desdobramento, ou uma característica, da ideia de conexão necessária. 26 Todos os raciocínios relativos a causa e efeito, segundo Hume, são fundados na experiência, pressupondo-se que o curso da natureza continuará o mesmo, uniformemente. É por essa razão que concluímos que causa semelhantes, em circunstâncias semelhantes, sempre produzirão efeitos semelhantes (HUME, 1994, pp. 65-67). A priori, apenas por meio da razão, nada podemos determinar, ou concluir, a respeito de causas e efeitos, pois é algo que nos será mostrado pela experiência. (STRAWSON, 2003, p. 214).

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Na primeira vez que um homem viu a comunicação de movimento por impulso, como no choque de duas bolas de bilhar, ele não poderia declarar que um acontecimento estava conectado ao outro, apenas que estava conjugado. Depois de observar diversos casos dessa natureza, ele então os declara conectados. Que alteração ocorreu para dar origem a essa nova ideia de conexão? Nada, senão o fato de que ele agora sente que esses acontecimentos estão conectados em sua imaginação, e pode prontamente prever a existência de um a partir do aparecimento do outro. Quando dizemos, portanto, que um objeto está conectado a outro, queremos apenas dizer que eles adquiriram uma conexão em nosso pensamento, e dão origem a essa inferência pela qual se tornam provas da existência um do outro. (HUME, 2004, pp. 113-114).

Assim, pela união das relações de contiguidade, prioridade temporal das

causas em relação aos efeitos e conexão necessária, forma-se na mente humana a ideia

de causalidade, por meio da qual a imaginação, arrastada pelo peso do costume,

estabelece uma conclusão que projeta no futuro os casos passados de que teve

experiência. (VERGEZ; HUIZMAN, 1970, p. 249). Com base em minha experiência, todas

as vezes em que aproximei minhas mãos do fogo, foi-me infligida uma sensação de calor.

Por isso, por meio de um exercício natural da imaginação, da ideia de fogo infiro a ideia

de calor. Da mesma forma, tendo observado que o sol nasceu em todos os dias de minha

vida, concluo que sempre continuará nascendo, e projeto essa conclusão a todos os dias

do futuro. A partir dessa análise, Hume define uma causa como sendo “um objeto anterior

e contíguo a outro, e unido a ele de tal forma que a ideia de um determina a mente a

formar a ideia do outro, e a impressão de um a formar uma ideia mais vívida do outro. ”

(2009, p. 203).

É importante destacar que há casos em que determinadas causas não

produzem os efeitos costumeiros. Essa incerteza que acaba contaminando os

acontecimentos não é uma incerteza nas causas, nem uma irregularidade da natureza.

A contrariedade de acontecimentos, portanto, não ocorre em decorrência de uma

contingência na causa, mas da operação oculta de causas contrárias. Hume apresenta a

máxima de que “ a conexão entre todas as causas e efeitos é igualmente necessária, e

que sua aparente incerteza em alguns casos procede da oposição secreta de causas

contrárias. ” (HUME, 2009, p. 165). Ao se deparar com um computador que não quer

ligar, a melhor explicação que uma pessoa desacostumada à tecnologia poderia oferecer

é a de que, às vezes, ele não funciona corretamente. Por outro lado, um técnico em

computação, experiente nas operações da tecnologia, facilmente percebe, ao desmontar

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a máquina, que um inseto ali havia entrado, interrompendo o funcionamento elétrico

normal do computador.

Os raciocínios causais, e as circunstâncias e qualidades que os

compõem, são aplicados não apenas às operações dos corpos, às operações materiais,

mas também às do espírito, como em casos de previsão de determinados

comportamentos humanos. A partir da observação da maneira como age um certo grupo

de pessoas, posso inferir, com base nos princípios que norteiam meus raciocínios de

causalidade, como esse grupo agirá diante de diferentes situações. Noutras palavras, o

conhecimento sobre a humanidade concede a capacidade de se prever seus

comportamentos.

Não há dúvidas, contudo, de que os seres humanos são mais complexos

do que bolas de bilhar, por exemplo, uma vez que determinados por diferentes hábitos

adquiridos desde a infância, influenciados pela educação e pelo exemplo, e por uma série

de disposições de caráter, formados no transcorrer de nossa existência, de nossa

experiência no mundo. (LIMONGI, 2009, p. 370). Em decorrência disso, uma vida longa

e uma variedade de ocupações e convivências é capaz de prover um conhecimento mais

rico acerca dos princípios da natureza humana, e, consequentemente, um conhecimento

maior sobre a previsibilidade em seus comportamentos. Apesar dessa certa subjetividade

que acompanha o agir, ainda é possível que se utilize a noção de causa e efeito para,

por exemplo, prever comportamentos humanos, baseando-se em características mais

gerais e uniformes da humanidade.

Como exemplos da relação de causalidade aplicada aos

comportamentos humanos, ou às operações do espírito, Hume apresenta os casos da

visita de um amigo honesto e da bolsa recheada de ouro deixada em uma calçada:

Se um homem, que sei ser honesto e opulento, e com quem vivo uma íntima amizade, vier à minha casa, onde estou rodeado por meus empregados, sinto-me seguro de que, antes de partir, ele não irá apunhalar-me pelas costas para roubar meu porta-tinteiro de prata, e não espero tal ocorrência mais do que esperaria o desabamento da própria casa, que é nova e solidamente construída e alicerçada (...). Um homem que ao meio-dia deixe sua bolsa recheada de ouro na calçada da Charing Cross pode tão bem esperar que ela voará para longe como uma pena como que a encontrará intacta uma hora mais tarde. Mais da metade dos raciocínios humanos contêm inferências de natureza semelhante, acompanhadas de maiores ou menores graus de certeza, em proporção à

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experiência que temos da conduta costumeira dos homens nessas situações particulares. (2004, pp. 131-132).

Assim, quanto mais e melhor eu compreender as circunstâncias que

compõem o caráter do indivíduo X, mais conhecimento e capacidade terei para prever

seu comportamento em situações particulares. Essa espécie de raciocínio é comum em

nossas práticas cotidianas, pelas quais sempre supomos que, perante determinadas

circunstâncias, certa pessoa se comportará dessa ou daquela maneira.

(...) pensamos o comportamento humano a partir de relações causais, exatamente do mesmo modo, sem tirar nem pôr, como pensamos o movimento dos corpos ou da matéria a partir de relações causais. O mesmíssimo raciocínio que nos leva a esperar que nos queimaremos ao botar a mão no fogo, nos leva a prever o comportamento dos homens a partir de disposições de caráter conhecidas. (LIMONGI, 2009, p. 374).

São essas as razões, portanto, que concebem em nós a noção de causa

e efeito, fazendo com que pensemos em calor, ao avistarmos fogo, com que tenhamos

certeza de que o sol nascerá no dia seguinte e de que um amigo honesto jamais nos

apunhalará pelas costas. São essas as razões por que, ao observamos uma bola de

bilhar vermelha em direção a uma amarela, parada, imaginamos que, após o impacto

entre ambas, a amarela entrará em movimento. Assim como também são essas as

razões por que, ao avistarmos um indivíduo fugindo do local de um crime, empunhando

uma arma e com suas roupas ensanguentadas, naturalmente pensamos ser ele o autor

do delito. Tanto em operações do mundo material, quanto do mundo humano, são essas

as razões que nos levam a inferir a existência de determinado fato (efeito), a partir da

existência de outro (causa)?

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3 OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA NA PRONÚNCIA E A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE EM DAVID HUME: UMA CORRELAÇÃO TEMÁTICA

A análise dos indícios suficientes de autoria na pronúncia se assemelha

em diversos pontos a questões que compõem a noção de causalidade, exposta pelo

filósofo David Hume. Dentre essas conexões temáticas, a que mais se destaca diz

respeito ao julgador, ao decidir, baseado nas provas que lhe foram apresentadas, se o

acusado será, ou não, submetido ao julgamento do Conselho de Sentença.

Para que o acusado possa ser pronunciado, é necessário, nos termos do

artigo 413 do Código de Processo Penal, que esteja comprovada a materialidade do fato

delitivo e que haja nos autos indícios suficientes de que ele tenha sido o autor ou partícipe

do crime. Os indícios se apresentarão ao juiz como circunstâncias que conduzam o seu

convencimento quanto à autoria. Um exemplo é uma testemunha que afirma ter visto o

acusado fugindo do local do crime, logo após sua ocorrência. Outro exemplo é uma

mancha de sangue da vítima na camisa do acusado.

Portanto, por meio desses indícios, o juiz formará a sua convicção. Ao se

deparar com um testemunho de que o acusado teria sido visto correndo do local do crime,

empunhando uma arma, o juiz, por meio de um raciocínio causal, infere a existência de

um fato (acusado é o autor do crime), a partir da existência de outro (acusado correu do

local do crime, empunhando uma arma). Noutras palavras, o fato de ter sido visto

correndo da cena do crime, empunhando uma arma, é causa para que o juiz, movido por

um exercício causal da imaginação, infira que o acusado foi o autor do crime (efeito).

Assim como na noção de causalidade humeana, nada há nesses eventos

em si que revele uma conexão necessária entre a suposta causa e o suposto efeito.

Observados objetivamente, a fuga de um local do crime e a autoria delitiva não possuem

qualquer vínculo, pois apenas a mente é capaz de conectar esses dois fatos, com base

na experiência que possui de casos passados. De que maneira a mente realiza essa

inferência entre dois eventos?

Após termos observado que, em diversos casos passados, dois objetos

semelhantes demonstraram a mesma relação entre si, nossa mente é naturalmente

levada a inferir que, em casos futuros, nas mesmas circunstâncias que os anteriores, os

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mesmos dois objetos apresentarão as mesmas características das relações anteriores.

Em todos os casos em que uma bola de bilhar atingiu outra que estava parada, esta

segunda bola de bilhar também entrou em movimento, em razão do impacto entre ambas.

Isso nos leva a crer que sempre que uma bola de bilhar colidir com outra que estiver

parada, esta segunda também entrará em movimento. Portanto, a experiência nos faz

projetar ao futuro casos semelhantes que observamos no passado.

O mesmo raciocínio é aplicado aos comportamentos humanos. Além da

experiência, o conhecimento que possuímos dos seres humanos, e de seu modo de agir,

nos permite prever suas ações diante de determinadas situações. A partir do

conhecimento que detenho da natureza humana, posso prever que se deixar uma nota

de cem reais em um local público, a probabilidade de reencontra-la no mesmo local, uma

hora mais tarde, é ínfima. Dessa forma, utilizamos nas operações do espírito humano a

mesma noção de causa e efeito usada entre objetos. Observar uma pessoa fugindo do

local de um crime, empunhando uma arma e com as roupas ensanguentadas (causa),

faz com que nossa mente seja naturalmente transportada à ideia de que essa pessoa é

a autora do crime (efeito). E essa transposição da mente entre ideias, que nos permite

supor ações futuras, é baseado em nossa experiência de vida e no conhecimento que

temos dos comportamentos humanos, em linhas gerais.

É esse o raciocínio utilizado pelo julgador ao se deparar com indícios que

remontam à autoria. O indício faz com que sua mente, por meio de uma atividade

imaginativa, transporte seu pensamento de uma ideia (causa) à outra (efeito). Dito de

outra forma, o juiz, impulsionado pela experiência que possui dos comportamentos

humanos e das circunstâncias e pormenores que costumam integrar o cometimento de

delitos, ao ouvir que o acusado foi visto fugindo da cena do crime, empunhando uma

arma e com roupas ensanguentadas, infere, com base em casos passados que

apresentaram características semelhantes, que o acusado, supostamente, foi o autor do

crime.

Obviamente, não há como categorizar de maneira tão restritiva o modo

de agir do ser humano, uma vez que cada um possui suas próprias peculiaridades e

características distintas, formadas, ao longo de sua existência, por diferentes costumes

e educações. Dessa forma, o máximo que a mente pode fazer é uma suposição, isto é,

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uma previsão, sujeita a erro, de como agirá determinada pessoa, em determinadas

circunstâncias. Isso serve tanto para fatos do futuro, como no caso das previsões, quanto

para fatos do passado, como no caso de uma apuração de autoria delitiva.

A despeito da subjetividade que impera nos comportamentos individuais

dos seres humanos, é possível que se infiram efeitos a partir de causas examinadas em

outras ocasiões, em linhas gerais. Portanto, por mais que cada pessoa seja determinada

por circunstâncias próprias, características gerais podem ser traçadas à humanidade,

fato que pode ser comprovado pelo exemplo da nota de cem reais, acima mencionado.

Além dessa subjetividade, outro ponto que pode, à primeira vista, parecer

uma “vulnerabilidade” na noção de causalidade humeana é a ocorrência de situações em

que determinadas causas não produzem os efeitos costumeiros. O que decorre disso é

que causas distintas podem incidir sobre o mesmo evento, produzindo um efeito

divergente daquele esperado. Da mesma maneira se apresentam, de certa forma, os

contraindícios na instrução criminal. Exemplificando, várias testemunhas afirmam ter

visto o acusado fugindo do local do crime, empunhando uma arma, com roupas

ensanguentadas. Diante dessa prova testemunhal que aponta fortes indícios de autoria,

esperar-se-ia que o juiz fosse levado a crer na autoria delitiva do acusado. Contudo,

atuando como uma causa contrária ao efeito costumeiro, ou como um contraindício,

surge nos autos uma imagem que apresenta o acusado em outro local, no exato momento

do crime. Esse confronto entre indícios, naturalmente, geraria uma forte dúvida na mente

do juiz. O resultado dessa relação não seria o costumeiro, uma vez que causas distintas,

ou contraindícios, influenciariam na apreciação dos fatos, ocasionando um efeito

inesperado, ou, pelo menos, não o efeito mais esperado.

Diante disso, pode-se dizer que a noção de causalidade engloba, quase

que em sua integralidade, o juiz em seu ato de julgar. A existência de um fato faz com

que sua mente infira a existência de outro, uma vez que, em casos passados, o mesmo

primeiro fato foi causa à existência do segundo. Os indícios fazem com que o julgador,

por meio de um raciocínio causal, seja transportado à suposta autoria delitiva do acusado.

O que lhe permite tal tipo de raciocínio é a constância nos comportamentos humanos e

nos eventos da natureza, sem a qual não seria possível a alguém estabelecer quaisquer

relações entre objetos ou entre ações humanas.

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Parece evidente que, se todas as cenas da natureza alterassem-se continuamente de tal maneira que jamais dois acontecimentos tivessem qualquer semelhança um com o outro, e cada objeto fosse sempre inteiramente novo, sem nenhuma similaridade com qualquer coisa que se tivesse visto antes, jamais teríamos chegado, nesse caso, a formar a menor ideia de necessidade, ou de uma conexão entre esses objetos. Poderíamos, sob essas hipóteses, dizer que um objeto ou acontecimento seguiu-se a outro, mas não que um foi produzido pelo outro. A relação de causa e efeito teria de ser absolutamente desconhecida pela humanidade. A inferência e os raciocínios relativos às operações da natureza chegariam nesse momento a um fim, restando a memória e os sentidos como os únicos canais pelos quais o conhecimento de alguma existência real poderia chegar à mente. Portanto, nossa ideia de necessidade e causação provém inteiramente na uniformidade que se observa nas operações da natureza, nas quais objetos semelhantes estão constantemente conjugados, e a mente é levada pelo hábito a inferir um deles a partir do aparecimento do outro. Nessas duas circunstâncias esgota-se toda a necessidade que atribuímos à matéria. Fora da conjunção constante de objetos semelhantes, e da consequente inferência de um ao outro, não temos a menor ideia de qualquer necessidade ou conexão. (HUME, 2004, pp. 121-122).

Com base nisso, caso o juiz não tivesse constatado que, em outros

casos, em circunstâncias semelhantes, a pessoa flagrada fugindo da cena do crime,

empunhando uma arma e com roupas ensanguentadas, também havia sido considerada

a autora do crime, jamais poderia conectar, em hipóteses futuras, esses dois eventos de

maneira conclusiva. Sem essa observação na uniformidade de comportamentos e

situações anteriores, nenhum indício poderia conduzir o julgador rumo à descoberta da

suposta autoria do crime.

Portanto, diante da necessidade de decidir pela pronúncia ou não do

acusado, ao apreciar os indícios de autoria dispostos nos autos, o juiz, à semelhança do

raciocínio de causa e efeito de David Hume, infere um efeito baseado em causas. Noutras

palavras, o julgador, com base na experiência de casos semelhantes e no conhecimento

que possui dos comportamentos humanos, e motivado pelo hábito, infere a suposta

autoria do acusado (efeito), a partir de indícios, de circunstâncias que conduzem sua

convicção nesse sentido (causas).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto ao longo do presente trabalho, é evidente a

forte semelhança que há entre o ato de julgar, com base na análise de indícios suficientes

de autoria, e a noção de causalidade exposta pelo filósofo britânico David Hume. De fato,

é algo que ocorre imperceptivelmente, sem que até mesmo os próprios julgadores se

deem conta disso.

Previstos no artigo 413 do Código de Processo Penal, os requisitos da

decisão de pronúncia são a comprovação da materialidade do fato delitivo e a existência

de indícios suficientes de autoria ou de participação do acusado. Além da divergência

doutrinária acerca da correta termologia dos “indícios”, surge ainda uma questão que

trata da suficiência desses indícios. Qual o grau de suficiência requerida para que se

decida pela pronúncia?

Em um exercício de correlação temática, percebe-se que a noção de

causalidade, cujas características já foram abordadas no corpo do presente trabalho,

pode contribuir à uma tentativa de solução desse problema jurídico. Levando-se em

consideração os diversos pontos em que ambos os temas, do Direito e da Filosofia, se

entrelaçam e se esclarecem, o raciocínio utilizado pelo julgador, ao se confrontar com os

indícios dos autos, é amplamente explicado e completado pelo raciocínio causal.

O juiz deve estar convencido de que haja nos autos indícios suficientes

de autoria ou de participação. Para que submeta o acusado ao crivo do Conselho de

Sentença, deve ter apreciado indícios, ou circunstâncias, que o façam crer na existência

do principal a ser provado, que é a autoria. O raciocínio que utiliza para tanto é baseado

na experiência que teve em casos passados semelhantes, e no conhecimento que possui

dos comportamentos humanos e dos pormenores que envolvem situações criminosas.

Nada mais é do que o modo em que a mente, a partir da existência de um determinado

fato, infere a existência, ou a veracidade de outro fato. A partir de uma causa, ou de

múltiplas causas, o juiz constrói o seu convencimento acerca de um evento (efeito).

Uma forma de estabelecer, portanto, um grau mínimo de suficiência, ou,

pelo menos, de tentar uniformizar o caminho de julgadores distintos, seria a aplicação da

noção de causalidade, e de suas características, ao raciocínio executado no ato de julgar.

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Essa correlação temática poderia funcionar como uma tentativa frutífera de se auxiliar o

encarregado pela decisão de pronúncia.

Uma vez que os indícios funcionam como indicativos do fato principal,

que é, nesse caso, a apuração da autoria delitiva, um patamar mínimo, no que diz

respeito à suficiência dos indícios, deveria se assemelhar à existência de causas

suficientes para que se fosse alcançado o efeito almejado. Noutras palavras, um único

elemento pode não ser suficiente para que se conclua a existência de algo.

Consequentemente, uma quantidade mínima de elementos seria necessária para tanto.

A mera presença do acusado na região onde ocorreu o crime é insuficiente para

configurar sua suposta autoria, o que já não ocorre na hipótese em que o acusado é

flagrado fugindo da cena do crime, empunhando uma arma e com suas roupas

ensanguentadas.

A suficiência, portanto, seria a mesma requerida para que a existência

de um determinado evento pudesse ser necessária para se inferir, concluir, a existência

de outro evento. Assim, atingido um patamar mínimo, e suficiente, para que se possa

inferir, com base em indícios nos autos, que o acusado seja o suposto autor do delito, a

sua pronúncia passa então a ser uma decisão permitida ao juiz.

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