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A REFORMA TRIBUTÁRIA NO ATUAL GOVERNO: DÉJÀ VU QUE NÃO

ENFRENTA O ESSENCIAL

Juliano Sander Musse

Economista, Técnico do Dieese/SS CNTS, Especialista em Previdência Social e Membro da Plataforma Política Social. Os comentários do autor, não necessariamente refletem a opinião da instituição a qual está vinculado.

Resumo Este artigo tem por propósito fazer breve análise crítica da Proposta de Reforma Tributária do governo federal relatada pelo Deputado Federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). O artigo aponta o alcance dessa proposta e, especialmente, seus limites no que tenha a ver com modificar a realidade distributiva brasileira, posto que ela não enfrenta a injustiça tributária (caráter regressivo) e destrói os mecanismos de financiamento do Estado Social. Uma reforma para o Brasil não requer apenas a simplificação do sistema, mas torná-lo mais justo e equânime, ampliando a tributação direta (renda e propriedade) e reduzindo o peso sobre o consumo que afeta a parcela mais pobre da população. Palavras-chave: reforma tributária, sistema tributário, tributação no Brasil, carga tributária.

INTRODUÇÃO

Em meio a reformas antissociais ressurge a Reforma Tributária, há anos discutida, mas sempre

omissa em relação ao essencial: ampliar a progressividade do sistema tributário pela

tributação direta sobre os ganhos de capital, a renda e o patrimônio dos mais ricos.

Seu principal foco é “simplificar a cobrança de impostos e desburocratizar a economia” pela

unificação de tributos e contribuições sociais num único Imposto sobre Valor Agregado – IVA.

Em síntese, a “nova” reforma do governo prevê um IVA desagregado em dois outros impostos:

O Imposto sobre Operações com Bens e Serviços – IBS, de competência estadual, que

absorverá os seguintes tributos: IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário-educação,

Cide;

O Imposto seletivo – IS (excise tax), de competência Federal, que incidirá sobre setores

específicos, que hoje têm alta carga tributária, ficando, assim, de fora do IBS: petróleo e

seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, cigarros e outros

produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações, bebidas alcoólicas e

não alcoólicas, veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, novos, bem como

pneus, partes e peças nestes empregados.

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Embora marginais, a proposta têm aspectos positivos. Em primeiro lugar, a simplificação do

ICMS é salutar, sobretudo por limitar a chamada "guerra fiscal" entre os Estados. É positivo

pensar na extinção dos impostos em cascata, um problema muito particular do nosso sistema,

e que está presente em quase todas as fases da cadeia produtiva. O ICMS ainda tem a

capacidade de incidir sobre outros impostos como o PIS e a Cofins. Uma possível solução para o

complexo ICMS, ao invés de fundi-lo num IVA, talvez pudesse partir de um sistema de

compensação entre os estados. Além disso, seria necessária uma legislação nacional que

definisse o destinatário: se o destino físico da mercadoria ou o domicílio ou estabelecimento do

comprador. Essa é uma alternativa à simples extinção desse imposto e à consequente perda de

autonomia tributária dos estados.

Em segundo lugar, a reforma do governo aponta no sentido de restringir a injustificada anistia

aos sonegadores de alta renda, como o último Programa de Recuperação Fiscal – Refis –

instituído em 2017. Segundo dados do Unafisco Associação Nacional (2017), com o Refis

estima-se que os municípios percam mais de R$ 13 bilhões de arrecadação, e que a

perda dos Estados possa chegar a mais de R$ 18 bilhões, entre repasses federais e

tributos próprios. O Refis beneficia primordialmente os grandes contribuintes, pois

mais de 68% dos parcelamentos especiais são concedidos a contribuintes

diferenciados, aqueles com faturamento anual acima de R$ 150 milhões. Beneficiam

também, por exemplo, os “ruralistas”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional –

PGFN estipula que, juntos, eles devem mais de R$ 135 milhões à União. Em meio à

política de “austeridade” do atual governo, isso não soa como forte contrassenso?

Em terceiro lugar, a Proposta de Reforma Tributária relatada pelo Deputado Federal Luiz

Carlos Hauly (PSDB-PR) enfrenta uma questão pontual relacionada à cobrança do IPVA para

embarcações e aeronaves, hoje isentos de tributação. Procura, nesse sentido, tributar de forma

progressiva e considerando a capacidade contributiva de cada cidadão. Concomitantemente,

aponta no sentido de diminuir a carga tributária sobre os veículos de uso comercial destinados

à pesca e ao transporte público de cargas e passageiros.1

1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Segundo a Receita Federal do Brasil (2016), entre 2012 e 2016 a carga tributária

brasileira tem se mantido na faixa dos 32% do PIB. Muitos países europeus têm taxas

1 A proposta inicial da PEC nº 140 de 2012 (Brasil, 2012), com objetivo de alterar o artigo 155, III, da CF/1988, esclareceu bem, na ocasião, a importância dessa nova incidência em virtude do número elevado da frota de aeronaves e embarcações esportivas (dados de 2012): “Considerando o Brasil possuir a maior frota de aviões executivos do hemisfério sul, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil, que aponta para uma média de 12 mil aeronaves registradas e uma frota náutica esportiva em torno de 168 mil unidades, segundo dados do Departamento de Portos e Costa da Marinha do Brasil – seria possível reduzir sensivelmente as alíquotas hoje aplicadas em carros e motos de todo o Brasil e com isso garantir uma maior justiça fiscal”.

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superiores a 40% (França, Dinamarca, Dinamarca, Bélgica e Suécia, dentre outros)

(OCDE, 2018).

Entretanto, no Brasil, a carga tributária bruta é indicador pouco eficaz para aferir o

peso real da tributação. Segundo Pochmann (2008), no Brasil ao contrário desses

países, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado

livremente pelos governantes. Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga

tributária bruta, há a quase imediata devolução desses recursos para grupos

econômicos e classes sociais mais ricas na forma de subsídios, isenções, transferências

e pagamento dos juros. Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam

pela esfera pública antes de retornar aos detentores da riqueza financeira no mercado

financeiro (recebimento de juros da dívida) e na atividade produtiva (subsídios e

incentivos), bem como as classes sociais que gozam de multiplicidade de isenções

(gastos com saúde e educação privada, dentre outros).

Assim, segundo o autor, seria mais adequado analisar a carga tributária líquida, que, de

fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao

tamanho da renda dos brasileiros. Nesse sentido, embora a carga tributária bruta seja

de 32,3 % do PIB (2016), a carga tributária líquida, já há algum tempo, permanece

estabilizada em 12% do PIB.

O que onera as camadas de menor renda, não é tanto o percentual da carga tributária

em relação ao PIB, mas o fato de o Brasil estar no grupo dos países que tributam pouco

a renda e o patrimônio, e muito o consumo de bens e serviços. Nos países

desenvolvidos, principalmente após a Segunda Grande Guerra, houve combinação de

tributação direta e financiamento do Estado de Bem-estar Social (Welfare State), o que

propiciou a redistribuição da renda pela via tributária. A taxação direta incidente sobre

os mais ricos proporcionou a transferências de recursos dos fundos públicos para a

população de menor renda, combatendo a pobreza, o desemprego e a desigualdade

social. Aqui, o sistema tributário tem sido historicamente utilizado com instrumento a

favor da concentração de renda, agravando o ônus fiscal sobre os mais pobres.

2. LIMITES DA PROPOSTA DO GOVERNO

Segundo Varsano (2014) a ótica do IVA é arrecadar, não sendo um bom instrumento

para corrigir externalidades e melhorar a distribuição de renda. Há outros

instrumentos mais apropriados para essas finalidades. Impostos seletivos lidam bem

com externalidades. Impostos sobre a renda e sobre a propriedade e, principalmente,

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utilização da receita para o gasto social, são bons instrumentos para tratar com

pobreza e desigualdade. Em síntese, o IVA é um imposto regressivo por natureza e não

é capaz de atenuar, per si, os males do sistema brasileiro ou de tornar nossa tributação

mais progressiva.

O foco exclusivo no IVA não enfrenta o mais grave dos problemas do sistema que é a

regressividade tributária. O Brasil, historicamente, descumpre princípios tributários

(previstos na Constituição de 1988) importantes como o princípio do respeito à

capacidade contributiva (a tributação deve ser proporcional a esta capacidade), o

princípio da isonomia (tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais) e o da

progressividade dos impostos.

A Figura 1 mostra a disparidade do sistema tributário brasileiro em relação à maioria

dos países desenvolvidos que privilegiam a tributação sobre a renda, lucros e ganhos

de capital em detrimento da tributação sobre o consumo.

FIGURA 1 - CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE RENDA, LUCRO E GANHO DE CAPITAL. (EM %) BRASIL E PAÍSES DA OCDE 2015

Fonte: OCDE (OCDE Revenue Statistic 2017). Elaboração RFB

A Figura 2 mostra o peso da carga sobre o consumo de bens e serviços, por sua vez,

que deveria ter um papel inverso, tornando o sistema mais progressivo, é muito mais

elevado no Brasil do que em outros países. Em uma sociedade desigual, como a nossa,

esse efeito é potencializado, onerando mais o contribuinte de menor renda.

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FIGURA 2 - CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS (EM %) BRASIL E PAÍSES DA OCDE 2015

Fonte: OCDE (OCDE Revenue Statistic 2017). Elaboração RFB

A Figura 3 mostra que, ao contrario da experiência internacional, quase a metade da

carga tributária brasileira (47.4%, em 2016) incide sobre o consumo (Bens e Serviços).

A tributação direta chega apenas a 24,7% (20,0% sobre a Renda e 4,7 sobre a

Propriedade).

FIGURA 3 - EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS BASES DE INCIDÊNCIA NA ARRECADAÇÃO TOTAL (EM % DA ARRECADAÇÃO) BRASIL 2007-2016

TIPO DE BASE 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Renda 19,3% 20,5% 19,6% 18,2% 19,1% 17,9% 18,2% 18,1% 18,3% 20,0%

Folha de Salários 24,6% 24,5% 26,6% 26,2% 25,9% 26,7% 26,0% 26,2% 26,1% 26,3%

Propriedade 3,5% 3,6% 3,9% 3,8% 3,7% 3,9% 3,9% 4,1% 4,4% 4,7%

Bens e Serviços 47,6% 49,5% 48,2% 49,6% 49,1% 49,6% 50,2% 50,0% 49,4% 47,4%

Transferências Financeiras 4,8% 2,0% 1,8% 2,1% 2,2% 2,0% 1,7% 1,6% 1,8% 1,7%

Outros Tributos 0,2% -0,1% -0,1% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

Fonte: RFB

A proposta de Reforma Tributária do Deputado Federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) que

tramita no Congresso Nacional não enfrenta esta que é a principal anomalia do sistema

brasileiro. Particularizando a questão da regressividade no caso Imposto de Renda (IR),

observe-se que a ausência de correção da tabela progressiva ao longo dos anos

ampliou a incorporação de novos trabalhadores (de menor renda) à base de incidência

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do imposto sobre a renda. Assim, houve captura de boa parte dos ganhos de renda

líquida disponível dos que vivem dos rendimentos do trabalho. Para corrigir essa

situação e reestabelecer a renda líquida disponível da base da pirâmide, seria preciso

sistematicamente corrigir em termos reais a tabela do IR, o que não tem sido feito.

A tributação progressiva também requer criar alíquotas mais elevadas que o teto atual

(27,5%) que incidam sobre as pessoas físicas de maior renda e, simultaneamente,

isentar a base da pirâmide da distribuição da renda. Ter quatro faixas com um teto de

27,5%, como o que temos hoje, não torna esse tipo de imposto progressivo. Na França,

por exemplo, são 12 faixas com teto de 57%. Esse é um problema a ser corrigido,

assegurar a equidade horizontal e vertical na tributação do IR, e que não está

contemplado na atual proposta de reforma.

Da mesma forma, a proposta do Governo não enfrenta outra anomalia do sistema

tributário brasileiro que é a não tributação dos lucros e dividendos distribuídos. Sem

revogar esse benefício às rendas do capital, uma possível nova calibragem da tabela

progressiva do IR só alcançaria as rendas do trabalho. Os rendimentos recebidos pelas

pessoas físicas a título de lucros ou dividendos não entram na tabela progressiva do

Imposto de Renda. O mesmo ocorre no caso de lucros e dividendos distribuídos para as

pessoas jurídicas, que informam esse rendimento como sendo “isentos e não

tributáveis”

A proposta do governo não faz menção à Lei nº 9.249 de 1995, cujos artigos 9º e 10º

estabeleceram, dentre outras benesses, a isenção na distribuição de lucros e

dividendos que vigoram até a atualidade. Desde o ano-calendário de 1996, estão

desonerados os lucros e dividendos distribuídos a sócios ou acionistas, pessoas físicas

ou jurídicas, domiciliados ou não no Brasil, por pessoas jurídicas tributadas pelo lucro

real (presumido ou arbitrado) ou integrantes do SIMPLES-Nacional:

Lei 9.249 de 1995: “Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências.”

(...)

Art. 9º. A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP;

(...)

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Art. 10º. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Não é justo que uma Pessoa Jurídica possa deduzir do IR os juros pagos a titular, sócios

e acionistas. Tampouco é correto que lucros e dividendos pagos ou creditados pelas

pessoas jurídicas, tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não

fiquem sujeitos à incidência do imposto na fonte. A proposta de reforma é

praticamente omissa nesse ponto.

Segundo Caroll e Prante (2012), além do Brasil, apenas a Estônia e a Eslováquia

isentam de tributação lucros e dividendos. Todos os países, em maior ou menor grau, a

depender do sistema de tributação (Clássico, Intermediário, Parcial, Imputação Plena,

dentre outros), tributam os dividendos. Se a isenção do imposto sobre a distribuição de

resultados pretendeu estimular o investimento, como afirmavam seus idealizadores

em 1995, a sua extensão a atividades profissionais que se utilizam da própria força de

trabalho, notadamente profissionais liberais, pode ser apontada como uma distorção

do modelo. Essa distorção resulta em tributação desigual sobre a renda do trabalho,

em detrimento dos trabalhadores assalariados, hoje praticamente os únicos a se

sujeitarem à tabela de alíquotas mais onerosas do IRPF.

Outro ponto crítico da proposta do governo é a destruição dos mecanismos de

financiamento do Estado Social inaugurados pela Constituição de 1988. Os tributos

constitucionalmente vinculados para a proteção social serão substituídos por novo

tributo sem essa vinculação, desmontando as bases de financiamento das políticas

sociais asseguradas pela Constituição de 1988 e por legislações anteriores.

Essa ameaça vai em sentido contrário ao da experiência internacional. Estudos sobre a

incidência da política fiscal na distribuição da renda realizados pela Comissão

Econômica para a América Latina (Cepal) revelam que, após a ação da política fiscal, o

coeficiente de Gini declina, em média, de 0,47 para 0,24 na Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pelos impactos acumulados dos

impostos diretos e do gasto social. Em contraste, em média, na América Latina, o

coeficiente de Gini declina de 0,51 para 0,42. Esse resultado discreto é obtido

preponderantemente pelo gasto social, dado o caráter regressivo dos impostos

(FAGNANI, VAZ, CASTRO E MOREIRA, 2018).

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Um dos maiores exemplos do caráter redistributivo é a Seguridade Social brasileira,

cujas fontes de financiamento estão constitucionalmente asseguradas pela

Constituição de 1988 (Art. 195). A proposta do governo poderá sepultar a diversidade

das bases de financiamento da Seguridade que ampliou o custeio da previdência, saúde

e assistência social para além da folha de salários, incluindo, a receita, o faturamento e

o lucro.

NOTA FINAL

Nosso sistema tributário é reconhecidamente complexo, burocrático e injusto, com um

elevado número de leis, que muitas vezes impedem que sejam cumpridas as

obrigações acessórias. Há unanimidade quanto a esse entendimento.

Mas a proposta de Reforma Tributária do atual governo não elimina a oneração pesada

sobre bens e serviços; não resolve deficiências na cobrança sobre a renda; não altera o

caráter regressivo do sistema. Será uma reforma na qual os pobres continuarão a

pagar mais impostos, proporcionalmente, que os ricos. O que se vê colocado sobre a

mesa, sem alterações e salvo algumas benesses pontuais, beneficia unicamente o topo

da pirâmide da distribuição da renda e destrói as fontes de financiamento do Estado

Social.

Bibliografia

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FAGNANI, E; VAZ, F.T; CASTRO, J.A. e MOREIRA, J. (2018). Reforma tributária e financiamento da política social. São Paulo: Plataforma Política Social, (Texto para Discussão 21). http://plataformapoliticasocial.com.br/reforma-tributaria-e-financiamento-da-politica-social/

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POCHMANN, Marcio. O mito da tributação elevada no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 set. 2008. Tendências e Debates http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1409200808.htm.

UNAFISCO ASSOCIAÇÃO NACIONAL. Parcelamentos Especiais (Refis): Prejuízo para o Bom Contribuinte, a União, os Estados, o Distrito Federal e para os Municípios. São Paulo: Unafisco Associação Nacional, Nota Técnica, 3, 2017. http://unafisconacional.org.br/img/publica_pdf/nota_t_cnica_Unafisco_no_03_2017.pdf

VARSANO, Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-lo às melhores práticas internacionais. BID, Documento para Discussão, fev. 2014. http://www20.iadb.org/intal/catalogo/PE/2014/13443.pdf