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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH Débora Bottaro Costa Terra “Velho Continente, Nova Identidade: As possibilidades de construção de uma Identidade da União Européia Belo Horizonte 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

Débora Bottaro Costa Terra

“Velho Continente, Nova Identidade:

As possibilidades de construção

de uma Identidade da União Européia ”

Belo Horizonte

2008

2

Débora Bottaro Costa Terra

“Velho Continente, Nova Identidade:

As possibilidades de construção

de uma Identidade da União Européia ”

Trabalho apresentado à disciplina Monografia II do 8º período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Professora Alexandra Nascimento

Belo Horizonte

2008

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Débora Bottaro Costa Terra

“Velho Continente, Nova Identidade:

As possibilidades de construção

de uma Identidade da União Européia ”

Trabalho apresentado à disciplina Monografia II do 8º período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Alexandra do Nascimento Passos

Monografia aprovada em: 25 de junho de 2008.

Banca Examinadora:

______________________________________________________

Prof. Leonardo César Souza Ramos

______________________________________________________ Prof. Dawisson Belém Lopes

4

RESUMO

Este trabalho busca contribuir para o debate acerca da construção identitária na

União Européia, tendo como referência conceitos antropológicos e a Teoria

Construtivista das Relações Internacionais. A construção de uma identidade da

União Européia obterá êxito se forem consideradas a aceitação e o respeito à

pluralidade de seus Estados-membros – distintas culturas e histórias, ou seja, a

manutenção das identidades nacionais e culturais destes, somadas a valores

institucionais que estejam associados à participação de seus cidadãos e aos

símbolos já criados da União Européia.

Palavras-chave: União Européia. Identidades. Construtivismo.

5

ABSTRACT

This work aims to contribute for the debate concerning the identity construction in the

European Union, through anthropologic concepts and the Constructivist Theory of

the International Relations. The construction of an European Union identity will be a

success by means of the acceptance and the respect to the plurality of its State-

members - distinct cultures and histories, that is, the maintenance of the national and

cultural identities of those, and added the institutional values that are associated to

the European citizens participation and the European Union symbols that was

already created.

Keywords: European Union. Identities. Constructivism.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – Uma nova perspectiva ------------------------------------------------- 7

CAPÍTULO 1 ------------------------------------------------------------------------------------10

1. Fundamentação Teórica ------------------------------------------------------------------10

1.1 O Construtivismo --------------------------------------------------------------------------10

1.2 Agente e Estrutura ----------------------------------------------------------------------- 13

1.3 Identidade ---------------------------------------------------------------------------------- 15

1.3.1 Identidade Cultural -------------------------------------------------------------------- 17

1.3.2 Identidade Nacional ------------------------------------------------------------------- 19

CAPÍTULO 2 ----------------------------------------------------------------------------------- 24

2. União Européia ----------------------------------------------------------------------------- 24

2.1 História e Origens ------------------------------------------------------------------------ 24

2.2 Características ---------------------------------------------------------------------------- 27

2.2.1 Membros --------------------------------------------------------------------------------- 28

2.2.2 As principais Instituições ------------------------------------------------------------- 29

2.3 Os principais Documentos Fundamentais ----------------------------------------- 31

CAPÍTULO 3 – Identidade Européia: Possibilidades de Construção ----------- 37

REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------- 47

7

INTRODUÇÃO

UMA NOVA PERSPECTIVA

A União Européia (U.E.), majoritariamente, vem sendo estudada como

forma de integração econômica ou no âmbito do Direito Comunitário. Entretanto, as

discussões identitárias, que poderão influenciar as decisões políticas e econômicas

essenciais ao funcionamento desta organização supranacional, vêm sendo

estudadas concomitantes ao fenômeno da globalização. Esse interesse pode ser

explicado, em certa medida, por existir grandes processos de imigração para o

território europeu, provocados pela globalização, o que aumentou a população de

minorias étnicas presentes nos Estados-membros da U.E. Assim, os estudos que

abordam as questões identitárias no território da U.E., baseiam suas análises

tomando como referência os conceitos de Hall (2004): tradição ou tradução, ou

melhor, na relação entre as minorias étnicas e os países onde estão presentes. As

identidades baseadas na tradição, segundo Hall (2004) são aquelas que possuem

fortes vínculos com os lugares de origem e suas tradições, somados ao desejo e

sonho de um dia retornar ao local de origem, sendo conhecidas como as diásporas.

Já as identidades baseadas na Tradução, conhecidas como as identidades híbridas,

são aquelas que possuem traços da identidade nacional original incorporada à

identidade nacional no país no qual estão vivendo. (HALL, 2004)

A U.E. atualmente é formada por 27 países. São eles: Alemanha, Áustria,

Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia,

Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo,

Malta, Polônia, Portugal, Reino Unido, República da Irlanda, República Tcheca,

Romênia e Suécia. Foram cinco alargamentos, ou seja, cinco processos de adesão

de países na U.E: o primeiro ocorreu em 1973, e posteriormente vieram os de 1986,

1995, 2004 e 2007. Ainda aguardam a adesão e são chamados como países

candidatos, a Croácia, a República Iugoslava da Macedônia e a Turquia. Já os

países potenciais á adesão são compostos pela Albânia, Kosovo, Montenegro e

Sérvia.

A U.E. possui grandes investimentos na formação de uma política externa

comum, de defesa comum e de desenvolvimento, o que fomentaria a unificação da

organização e ainda o importante princípio da supranacionalidade.

8

O objeto do estudo será a União Européia e o papel da identidade cultural

e nacional como um catalisador e/ou obstáculo desta integração e unificação1. As

expectativas geradas acerca do tema provêm de uma gama de conhecimentos e

informações publicadas sobre a área, entendendo a importância de inserir a

discussão os aspectos cognitivos do ser humano, como embrião ou catalisadores de

conflitos e decisões presentes na história e nas Relações Internacionais.

Este trabalho se dividirá em 3 (três) capítulos. O Capítulo 1 apresentará as

fundamentações teóricas. Buscamos integrar à discussão, fundamentos

construtivistas baseados principalmente nas idéias de Alexander Wendt e

discussões antropológicas, baseadas principalmente nas idéias de Stuart Hall.

O Capítulo 2 apresenta a União Européia, identificando suas origens, ou

melhor, a origem do pensamento europeu em relação à defesa territorial e

conseqüentemente a perpetuação de suas nações; Apresenta a sua estrutura, seus

objetivos, membros, bem como os cinco alargamentos, e seus principais órgãos e

instituições. Posteriormente, se fez necessária a apresentação dos Tratados, ou

seja, os documentos fundamentais à materialidade e à consistência institucional e

legislativa da União Européia. Inseridos aos textos destes Tratados, os fundamentos

das discussões sobre a nacionalidade e identidade dentro da União Européia, além

de direitos e deveres dos Cidadãos Europeus e de seus Estados Nacionais. O

capítulo apresenta ainda o projeto da Constituição Européia e seus limites, que

culminou em sua desaprovação em 2005.

O Capítulo 2 fornecerá base para a análise desenvolvida no Capítulo 3.

Esta análise busca identificar a possibilidade do surgimento de uma identidade

comum da união européia, a partir de elementos que a fortalece e/ou a restringe. E

este aspecto é essencial para a discussão de uma contínua e saudável unificação

européia.

O Capítulo 3 tem caráter conclusivo, lançando luz acerca de tais

elementos cruciais, mencionado acima, diante a construção da identidade comum da

União Européia e de um fortalecimento do processo de unificação. A participação e

a influência das identidades culturais e nacionais preservadas atualmente na União

Européia, poderão servir como um grande aliado ou um grande obstáculo para um

futuro desejável: o da contínua e saudável integração e unificação da União

1Entendendo-se unificação como a incorporação não somente no âmbito econômico, mas também político e social. E integração entende-se por questões majoritariamente econômicas e é uma etapa à unificação.

9

Européia, além da constituição de uma identidade comum da União Européia. Nesse

sentido, o estudo acerca identidades culturais e nacionais e seu papel e

transparência no processo de unificação se torna relevante, como também falar

sobre o surgimento de símbolos da integração, aspectos das políticas de segurança

comum e de questões de déficit democrático. Este último revela a importância dos

cidadãos europeus e do alinhamento de questões sociais contempladas como um

aspecto importante para a unificação européia.

10

CAPÍTULO 1

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 O Construtivismo

Neste capítulo será apresentado um referencial teórico baseado na teoria

construtivista, presente como o debate via media das Relações Internacionais, que

posteriormente acrescido por noções de identidade busca analisar o possível

surgimento da identidade comum na União Européia, e a inserção das identidades

culturais e nacionais no processo de unificação e integração desta. Este referencial

é importante para compreender a relação destas identidades para com uma

perspectiva futura da União Européia.

Onuf (1998) afirma que o construtivismo é uma forma de estudar

quaisquer tipos de relações sociais. Ele ainda defende que as relações sociais nos

formam e nos fazem ser o que somos: seres humanos. O autor defende que o

construtivismo acredita que as pessoas formam a sociedade e esta forma as

pessoas.

A premissa básica do Construtivismo é de que “o mundo é socialmente

construído” (NOGUEIRA, 2005), ou melhor, que os agentes (indivíduos) criam o

mundo em que vivem, e este mundo está em constante edificação. O Construtivismo

trabalha com o debate agente versus estrutura, porém ele não busca explicar quem

vem antes ou quem influencia o outro, pois o Construtivismo defende uma co-

construção dos agentes e estruturas: os teóricos construtivistas acreditam que os

agentes formam e influenciam as estruturas, e estas formam e influenciam os

agentes. Assim, podemos afirmar que o Construtivismo nega a antecedência

ontológica2.

A Teoria Construtivista torna possível a idéia de que indivíduos podem

construir realidades sociais, incluindo a própria identidade nacional, e contribuem

2 Ontologia estuda a natureza, ou melhor, a formação dos elementos.

11

através do sistema relacional, na formação das outras identidades nacionais

presentes no sistema internacional. Hurell (2000) afirma que Wendt assim como

todos os construtivistas acredita que as estruturas fundamentais do sistema político

são socialmente construídas e são mais sociais do que materiais: estas estruturas

moldam as identidades e interesses dos atores. Adler (1999) acrescenta que os

construtivistas acreditam nas identidades e interesses como socialmente construídas

através de símbolos e percepções coletivas sobre o mundo.

Os seres humanos são seres sociais e se formam através de suas

relações sociais (BIAGGI, 2007). Estas relações formam as identidades, e

posteriormente os indivíduos, o que gera um processo contínuo de interação, na

qual, os indivíduos influenciam a formação e perpetuação das identidades, e a

sociedade ou nação na qual estão inseridos. No caminho inverso, as identidades

nacionais e culturais, e a sociedade e nação onde estão inseridos, influenciam a

formação constante dos indivíduos. (ONUF, 1998). Esta relação é conhecida e

aplicada como premissa do construtivismo, presente no trabalho de Onuf (1998) e

Wendt (1999), é denominada como co-constituição. Conclui-se assim, que as

interações sociais são um dos elementos que formam as identidades.

Para os construtivistas, a comunicação e seu processo estabelecem as

interações dos agentes e estas interações formam os interesses e as preferências

destes. Para Wendt (1999), os interesses são formados ou antecedidos pelas

identidades.

Sabemos que o Construtivismo busca mostrar que as interações e

identidades (culturais e nacionais) são as causas para a formação dos indivíduos,

mas também os constituem. Porém, esta importância dada às identidades, não é

compartilhada por todos os autores. Onuf (1998) descarta a menção do conceito de

identidade e acredita que este não substituiria o conceito de interesse, muito mais

completo para lidar com as suas questões. Wendt procura distinguir e interagir o

conceito de identidade com o de interesse. O primeiro precede o segundo.

Para este autor, as identidades ajudam na construção social do mundo e

também são socialmente construídas. Estas seriam formadas por processos

relacionais, marcados pela diferença, e inseridos em um processo constante de

mudança, aproximando do conceito da antropologia. Discute assim, os efeitos

causais e constitutivos das identidades, como também os interesses dos indivíduos,

afirmando que os indivíduos sendo socialmente construídos, assim como suas

12

identidades. Para identificar, defender ou modificar o interesse nacional, ou melhor,

o interesse estatal, devemos definir a identidade (cultural e nacional) que origina os

interesses nacionais.

Wendt (1999) também apresenta outra idéia do construtivismo, a da

existência de materialismo e idealismo. Os construtivistas não descartam a

existência e a importância das causas materiais, mas consideram fundamental e

central as idéias e os valores, elementos que compõem o idealismo construtivista e

ajudam na formulação dos conhecimentos. Para este autor, além das identidades

(culturais e nacionais), os indivíduos são formados pelos conhecimentos (idéias),

que podem ser conflitivos ou cooperativos. Conflitivos quando as identidades

divergem entre os indivíduos, por causa de idéias e interesses divergentes entre

eles. Cooperativo, quando os indivíduos baseiam-se na mesma identidade cultural e

nacional, não existindo conflito entre eles. As interações dos indivíduos/agentes

constroem a estrutura social, de forma conflitiva ou cooperativa.

Este autor aborda a questão da memória comum, ou “memória coletiva”.

Tais memórias criam e constituem as relações de um grupo em detrimento do outro.

Ele acredita que tais memórias ou crenças compartilhadas, em um dado momento

(situacional) e inerentemente históricas, perpetuaram durante vários outros

processos de interação social. Assim, para o autor, tais memórias sobreviventes e

legitimadas, ajudam, conseqüentemente, a perpetuar as identidades (culturais e

nacionais).

Wendt (1999) discute ainda a questão da ontologia, que para os

construtivistas significa que as ações produzem e reproduzem os conceitos do EU e

do OUTRO, o que indica que as identidades e interesses estão em processo de

construção e reconstrução constante. As identidades são construídas a partir da

perspectiva com o outro e a criação de significados (símbolos). Ou seja, a diferença

e relação com o outro corrobora com a formação e percepção das identidades do

EU em detrimento das identidades do OUTRO. Em outras palavras, a construção e

as identidades são relacionais. O processo de relacionamento social é histórico e

contínuo, podendo as identidades ser modificadas.

13

1.2 Agente e Estrutura

Em seu livro “Social Theory of Internacional Politics”, Wendt (1999)

apresenta dois grandes princípios básicos do construtivismo: as estruturas das

associações humanas são determinadas, primariamente, por idéias compartilhadas

e não por forças materiais; identidades e interesses são formados por estas idéias

compartilhadas e não por natureza dada.

Estas idéias compartilhadas fazem parte do mundo ideacional ou o que o

Wendt chamaria também do mundo idealista. Este mundo é aquele que admite ser

fundamental à sociedade, a natureza e estrutura da consciência social: as idéias. Já

as forças materiais fazem parte do que o Wendt (1999) chama de mundo

materialista, entendendo que a sociedade se fundamenta na natureza e organização

das forças materiais, sendo elas, a natureza humana, os recursos naturais, as forças

produtivas, militares, geografia e as forças de destruição. A prioridade para Wendt é

compreender a conduta dos agentes pelas identidades e interesses, e a posteriori as

distribuições materiais, como política, economia e/ou militares. (GRIFFITHS, 2004)

Para Wendt (1999) existem dois tipos de análise: o de ordem primária e o

de ordem secundária (considerada mais importante para Wendt). O primeiro nível de

análise é o nível das explicações substantivas e domínio específico, que busca

entender o conteúdo, como, e o que são as relações internacionais. O segundo nível

busca explicações sobre a ontologia, epistemologia e metodologia, trabalhando com

o formato, ou melhor, a constituição ou formação dos fenômenos.

Este autor apresenta e defende que a solução do problema agente-

estrutura caberia ao estruturacionismo. Este busca conciliar as perspectivas

ontológicas do estruturalismo ou holismo e do individualismo. Entende-se por

individualismo aquela perspectiva ontológica que coloca o agente como a entidade

ontológica primitiva. O individualismo foca os indivíduos/agentes para depois

analisar o impacto das interações, identidades e interesses destes no Sistema

Internacional. Já o estruturalismo ou holismo, coloca como entidade

ontologicamente primitiva a estrutura. O holismo acredita que efeitos das estruturas

sociais constroem e reproduzem os agentes, tanto no sentido causal quanto

constitutivo. Além disso, percebe-se que agentes e estruturas são mutuamente

formados, porém são entidades ontológicas distintas. (SARFATI, 2005)

14

Os participantes da sociedade são denominados agentes pelo

construtivismo, enquanto estes sejam possibilitados de participar das questões da

sociedade. A agência é uma condição social, qualquer nível estável de leis,

instituições e outras conseqüências formam a estrutura da sociedade. As estruturas

para Onuf (1998) são formadas a partir daquilo que os agentes percebem. Estas

podem afetar os agentes. Porém, Onuf (1998) afirma que seria ideal a mudança do

termo estrutura para social arrangement por parte dos construtivistas.

A Estrutura, segundo Giddens (apud. GOULD, 1998) pode ser

considerada como conjuntos de relações de transformações, organizadas como

parte dos sistemas sociais, estando fora do tempo e espaço, e com a ausência de

agente (indivíduos). Já os sistemas sociais são marcados pelo tempo e espaço, e

compõem as atividades e interações dos indivíduos. Para Wendt (1999), as

explicações para os fenômenos são de responsabilidade da construção social, não

podendo afastá-las do contexto social, pois ficariam sem sentido.

Enquanto Giddens (apud. GOULD,1998) expressa suas idéias em relação

ao sistema social, Wendt (1999), em relação à Estrutura, toma como referência o

sistema internacional e não social. Entretanto, se faz necessário abordar a

discussão de Wendt no que tange a apresentação de elementos que compõem este

sistema social. Os três elementos da estrutura social apresentada por Wendt são: as

condições materiais (materialismo), os interesses e as idéias.

Agentes e estrutura constituem e transformam uns aos outros (GOULD,

1998). Wendt define estrutura como um conjunto de elementos internamente

interelacionados (agentes e indivíduos). Acredita que se as identidades e interesses

têm possibilidades de mudança, então a natureza da vida internacional (sistema

internacional) é passível também de transformações. É crucial para Wendt

incorporar a questão da formação de identidades e interesses dentro de uma idéia

de teoria sistêmica.

Wendt (1999) apresenta dois tipos de estrutura, a macro-estrutura e a

micro-estrutura. A primeira é a estrutura de interação social, dentro de um Estado,

dos agentes (indivíduos) e como eles percebem o mundo, ou seja, como o mundo é

interpretado (ou até mesmo imaginado) por estes. A macro-estrutura é formada pela

concepção e visão do mundo a partir do sistema internacional (ou de uma estrutura

maior que a dos Estados, neste caso, como a U.E.), ou seja, da interação social

entre os Estados e não dentro destes.

15

Ele acredita que a existência da estrutura macro e sua autonomia no

sistema internacional não é suficiente para entender as interações e os fenômenos

das relações internacionais. É preciso analisar a macro e micro estrutura para

entendermos a formação da estrutura onde os indivíduos estão. Tal estrutura gera a

identidade que consequentemente estabelece os interesses destes indivíduos,

compondo assim, as interações no nível macro. Assim, as estruturas do nível macro

são produzidas e reproduzidas pelas práticas existentes na micro estrutura.

Complementarmente a esta idéia, é importante distinguir, segundo Wendt

(1999), os efeitos causais e constitutivos. E mais além, é importante distinguir os

efeitos da estrutura sobre o comportamento dos agentes e de criação de suas

identidades. Com relação aos efeitos causais, estes visam entender porquê os

indivíduos/agentes agem dessa ou daquela forma, enquanto que os efeitos

constitutivos buscam entender o porquê das características e formação dos

indivíduos/agentes.

1.3 Identidade

A Identidade é relacional, simbólica e social. Relacional pelo fato dela ser

marcada pela diferença entre o EU e o OUTRO. Simbólica, pois é através da

linguagem e de símbolos que a identidade é apresentada e passa a fazer sentido.

Social em relação ao ambiente, no que tange à sua construção e às interações entre

os grupos e indivíduos que o compõem. Neste mesmo raciocínio, percebemos que a

identidade sendo relacional advinda do sistema diferencial, ou seja, EU versus o

OUTRO, permite que algumas relações de poder, não só entre indivíduos,

sociedades, mas também entre Estados, pesem de forma desiguais as suas

identidades, gerando a legitimação de alguns, em detrimento de outras, e

posteriormente a exclusão e discriminação de outras (WOODWARD, 2000). A

diferença das identidades ocorre por meio das questões simbólicas (imaginadas),

como por questões de exclusão social. Podemos identificar aqui o início de uma

interação marcada por ações discriminatórias raciais e étnicas. Os idiomas podem

ser vistos como elementos deste sistema de diferenças que compõe a identidade.

16

Além disso, as identidades são culturalmente e socialmente produzidas. Não são

algo com a natureza dada. São produzidas, legitimadas e acima de tudo imaginadas.

A globalização é produtora de quadros de diferenças, o que legitima a

produção das várias “posições do sujeito”, incluindo identidades diferentes, como

também possibilita que o sujeito desloque, troque e rompa com as características e

identidades anteriores, produzindo e formando novas. Este sujeito; identificado por

Hall (2004) como pós-moderno; passa por constantes modificações e formações

identitárias: sua identidade não é mais fixa ou permanente, devido às diversas

formas como representamos ou interpretamos (imaginamos) a nós mesmos (auto-

identidade) e ao OUTRO. Hall (2004) ainda acrescenta que o fato de estarmos

inseridos em uma cultura, e esta ser um discurso, a identidade cultural e nacional,

torna-se situacional, a partir do momento que é também definida pelo tempo, “lugar”

e história.

Vale acrescentar, que a identidade é formada também a partir de

informações e objetos advindos da história, instituições produtivas, geografia,

memória coletiva. Tais informações e objetos são analisados pelos indivíduos,

grupos e sociedades, e posteriormente legitimados por eles. Assim, quando

legitimados pelo indivíduo a identidade é formada, e esta posteriormente constitui o

indivíduo. Dentro desta visão, Castells (2002) afirma que quem constrói a identidade

e automaticamente para quem ela é construída, determina em grande parte o

conteúdo desta e principalmente o significado que esta terá para aqueles que a

legitimaram.

Castells (2002) defende que a construção social da identidade perpassa

por relações de poder, ou seja, que seu processo de formação inclui dinâmicas da

formação de poder. Em sua obra ele apresenta formas e origens das identidades.

Contudo, para este trabalho, o conceito de identidade legitimadora se torna mais

adequado. Entende-se por identidade legitimadora aquela que é formada por conta

de instituições dominantes em relação a grupos e atores sociais e que buscam

através desta identidade fortalecer e legitimar seus domínios por estes indivíduos.

A formação de uma identidade legitimadora gera a constituição de uma

sociedade civil. Segundo Castells, sociedade civil é: “(...), um conjunto de

organizações e instituições, bem como uma série de atores sociais estruturados e

organizados, que, embora às vezes de modo conflitante, reproduzem a identidade

que racionaliza as fontes de dominação estrutural.” (CASTELLS, 2002: 24)

17

Giddens (2005) conceitua sociedade como as interações e interelações

que conectam os indivíduos, e conclui que as sociedades assim como os indivíduos

não conseguem existir sem o outro. Estas sociedades, principalmente as industriais

(modernas) estão se tornando cada vez mais diversificadas em cultura, o mesmo

que multiculturais. Neste raciocínio entendemos que a importância da cultura não se

materializa somente na perpetuação e legitimação de valores e normas que

constituem as sociedades, mas também se inserem nas transformações ocorridas

ao longo do tempo.

O conceito de socialização, segundo Giddens (2005) é o processo de

aprendizagem e transmissão da (s) cultura (s) através dos indivíduos presentes na

sociedade. É advindo da socialização que os indivíduos formam suas identidades.

1.3.1 Identidade Cultural:

Sabemos que assim como a identidade, a identidade cultural é algo

construído socialmente e não de natureza dada. A internalização da cultura só

acontece com a identificação que o indivíduo ou grupo teve com esta cultura, o

sentimento de pertencimento a um grupo. Este pertencimento faz com que se crie

um sentimento de preservação desta identidade cultural, como premissa para a

sobrevivência do grupo.

É a partir de um sistema que ajuda a apresentar o mundo de forma distinta e própria

que a cultura permite os meios em um mundo social. Tais meios são essenciais para

a construção dos significados (símbolos), um dos elementos formadores da

identidade, principalmente a identidade nacional. Sendo assim, a identidade cultural

causa e constitui os indivíduos e sempre corrobora com o processo de formação da

identidade nacional. As culturais nacionais, ou identidades culturais são principais

fontes para a formação da identidade nacional.

Segundo Hall (2004), a cultura nacional, ou seja, a cultura inserida e

enraizada dentro do Estado-Nação é formada a partir de discursos, narrativas como:

estórias, os eventos, símbolos (bandeiras, hinos, lemas, dentre outros) e rituais que

representam as experiências que dão sentido àquela nação, de mitos ou de um povo

originário. Neste sentido, tais conhecimentos compartilhados materializam esta

18

sustentação comum entre os indivíduos. Para Giddens (2005:38), “a cultura refere-

se às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da

sociedade”. Reitera que a cultura compreende questões de vestuário, costumes,

idéias, vida familiar e matrimonial e valores compartilhados.

Hall (2004) apresenta cinco formas de entender esta narrativa da

identidade cultural, a qual a constitui. São elas: a narrativa da nação, na qual é

contada e recontada a história e em outros símbolos que darão sentido à nação; a

ênfase nas origens e/ou tradição de certa nação; a tradição inventada, na qual se

busca criar valores e normas pela repetição, com o intuito de dar continuidade a este

“passado” histórico; mito fundacional e idéia de povo ou folk puro.

A identidade cultural é formada pela unificação de diversas identidades,

pela cultura nacional. Hall (2004) afirma que a identidade cultural forma a identidade

nacional, ou melhor, a identidade nacional é em parte construída pela identidade

cultural.

Para Eley e Suny (apud. CASTELLS, 2002:45) na introdução da sua obra,

”Becoming National”, a cultura ou identidade cultural seria aquilo que é

compartilhado e legitimado entre os indivíduos, mas principalmente, aquilo pelo qual

eles resolvem lutar.

O nacionalismo constrói ações e reações por parte de todos os indivíduos

de uma sociedade, massa e elite. Castells (2002) apresenta o conceito de

nacionalismo cultural, por parte de Kosaku Yoshino no Japão:

“O nacionalismo cultural procura regenerar a comunidade nacional por meio da criação, preservação ou fortalecimento da identidade cultural de um povo, quando se sente sua falta ou uma ameaça a essa identidade. Tal nacionalismo vê a nação como fruto de sua história e cultura únicas, bem como uma solidariedade coletiva dotada de atributos singulares. Em suma, o nacionalismo cultural preocupa-se com os elementos distintivos da comunidade cultural como essência de uma nação.” (apud. CASTELLS, 2002:48)

Segundo Hall (2000) existem duas formas de pensar a identidade cultural:

quando uma comunidade busca a “verdade” sobre o seu passado, buscando a

história única e a cultura compartilhada existente; ou quando a cultura faz o

indivíduo compartilhar aquela identidade, porém busca reconstruir a identidade

cultural, a partir do reconhecimento de um passado comum e reinvidicar aquela

identidade.

19

O multiculturalismo pode ser entendido como a tolerância e o respeito pela

diversidade e a diferença de identidades culturais, consequentemente de

identidades nacionais. Este aspecto é defendido pela União Européia, entretanto, os

movimentos xenófobos e a resistência para com outras etnias e culturas dentro da

U.E. são perceptíveis, tornando possível o questionamento acerca da consolidação

do multiculturalismo em seu território, e até mesmo de uma identidade comum da

União Européia. Vale ressaltar que tal fenômeno – multiculturalismo - poderá

diminuir as diferenças identitárias na U.E., gerando estabilidade para o processo de

unificação e integração.

1.3.2 Identidade Nacional:

A Identidade Nacional, como já mencionado acima, é também uma

identidade construída, imaginada. O espaço nos quais se inserem, se é que

podemos delimitar um espaço, é na nação. Esta por sua vez é formada por

diferentes identidades, porém tende-se a unificá-las e construir uma identidade

nacional. (HALL, 2004)

Woodward (2000) acredita que a globalização e suas conseqüências no

âmbito político e econômico podem gerar reafirmações e perpetuações de

identidades nacionais, principalmente quando estas se sentem ameaçadas. No

âmbito interno, a homogeneidade cultural pode levar resistência de certos indivíduos

ou grupos, que fortalecem ou reafirmam suas identidades, como as questões dos

Catalãos, na Espanha. Estes afirmam uma identidade cultural e nacional diferente

daquela expressa e legitimada na Espanha. Entretanto, quando pensamos em um

âmbito regional, a tentativa de homogeneização cultural poderia gerar resistências

entre os Estados (ou as nações), em detrimento da defesa e proteção de suas

identidades nacionais (WOODWARD, 2000). Entende-se por nações, construções e

realidades fictícias, e “relativamente resistentes” (ALBROW, 1999: 22) Estas nações

possuem raízes nas ethnies3, que possuem mito fundacional, memórias comuns e

são desterritorializadas.

3 “Versão francesa de “comunidade étnica””. (ALBROW, 1999: 24)

20

A identidade nacional adquire sentido a partir da lógica relacional, entre o

EU e o OUTRO. Esta diferença com o OUTRO, principalmente com outra “nação”, é

que constituiu verdadeiramente a formação das identidades nacionais. Além disso,

esta lógica diferencial também é situacional, ou seja, está relacionada diretamente

com uma época (tempo), história e espaço. (WOODWARD, 2000)

As diferenças entre as múltiplas identidades nacionais observadas dentro

da União Européia são causadas pelas formas nas quais estas foram imaginadas

(interpretadas). Este termo, “comunidades imaginadas” foi inicialmente introduzido

por Benedict Anderson (apud. HALL, 2000). Hall (2000) apresenta uma descrição

sobre estas “comunidades imaginadas”, baseadas na idéia de formação das

identidades nacionais através da invenção (imaginação) e criação de laços que

conectam as pessoas, como o apelo a mitos fundadores. No caso da Europa, as

“comunidades imaginadas” estão baseadas na conservação e perpetuação das

identidades nacionais de seus Estados-membros e da formação de mitos e símbolos

conectando sua vasta e diversa população em uma identidade comum da União

Européia.

Assim, a cultura, ou melhor, a identidade cultural dentro destas

“comunidades imaginadas”, surge a partir de três conceitos apresentados por Hall.

São eles: a memória do passado; a perpetuação da herança histórica e o desejo de

viverem em conjunto. (HALL, 2004)

É importante ressaltar que um idioma, território, religião e etnia, por si, não

são suficientes para construir nações e nacionalismos. É preciso ter no projeto

nacional, uma memória comum compartilhada, mas principalmente, a expectativa de

um futuro comum.

Entende-se por nacionalismo, ou o movimento nacionalista, ressurgido na

atual era da globalização, como a re-construção da identidade nacional de um

Estado em oposição ao OUTRO, considerado o estrangeiro. O nacionalismo, assim

como outras identidades, é construído culturalmente. Entretanto assume também ser

construído politicamente.

Hobsbawm (apud. CASTELLS, 2002) apresenta a idéia de que o

nacionalismo surgido a partir de questões compartilhadas e legitimadas territoriais,

étnicas, religiosas, lingüísticas e político-históricas, seria denominado como

protonacionalismo. Entende-se então que a partir do surgimento do Estado-Nação, é

que as noções de nações e nacionalismo se formam. Entretanto, existem discussões

21

acerca desta afirmativa, que acreditam na independência das nações e nacionalismo

em relação ao Estado-Nação.

Castells (2002) acredita que o nacionalismo e/ou as nações estão

independentes da condição do Estado-Nação, e afirma que estes dois elementos

possuem vida própria, apesar de estarem presos a comunidades imaginadas

culturais e nacionais, além de um projeto político. Isto porque, inviabilizaria a

explicação sobre a ascensão do nacionalismo e o declínio do Estado moderno.

Sobre o nacionalismo contemporâneo, apresentado por Castells (2002),

podemos inferir quatro pontos fundamentais: o nacionalismo contemporâneo pode

ou não estar voltado à formação do Estado-Nação, ressaltando a afirmativa de que

as nações e nacionalismos podem ser independentes do Estado-Nação; as nações

não estão mais limitadas historicamente pelos Estados-Nação; não é

necessariamente um fenômeno de elite; é mais reativo do que ativo o que implica

uma maior defesa da cultura do que de política, ou melhor, de um Estado, seja em

construção ou proteção. Diante destes quatro pontos, percebemos que o

nacionalismo contemporâneo visa a defesa dos indivíduos, e fortalece sua natureza

e sua longevidade, ao desvinculá-lo de uma instituição como Estado, pois este pode

até certo ponto não responder ou contemplar os interesses de sua sociedade. Além

disso, a identidade cultural e nacional entendidas como independentes, têm

reforçado sua importância para com a constituição dos indivíduos, que se apegam a

estas identidades, como forma única de perpetuação de seu grupo de

pertencimento. “(...) a formação de nações e o surgimento dos nacionalismos étnicos

se assemelham mais à institucionalização de uma ‘religião alternativa’ do que

propriamente a uma ideologia política, sendo, portanto bem mais duradouros e

poderosos do que nos permitimos admitir” (CASTELLS, 2002:47) Assim como Hall

(2004), defende que as identidades culturais e nacionais são pensadas como parte

de nossa essência, de nossa natureza.

Giddens (2005) apresenta o nacionalismo como um movimento social

mais relevante na contemporaneidade. Para alguns autores, como Marx e Durkheim

(apud. GIDDENS, 2005) o nacionalismo iria declinar devido à constante integração

econômica. Entretanto, é perceptível que ele ainda é existente, como tem sido

reforçado em algumas partes do mundo. A interdependência das relações culturais e

nacionais cada vez mais intensas serviria para limitar e extinguir o nacionalismo,

porém é possível que o efeito tenha sido contrário, ou seja, esta interdependência

22

teria fortalecido e legitimado o nacionalismo. Além disso, Giddens (2005) acredita

que a força do nacionalismo estaria presente na capacidade do mesmo em criar

identidades, nas quais ele define que os indivíduos não saberiam viver sem.

Ao falarmos de nacionalismo é preciso também remeter à nacionalidade. A

nacionalidade, vínculo jurídico a alguma nação, pode ser atribuída aos indivíduos ou

coletividades (grupos, sociedade, nação) de três formas: por associação com

pessoas; por associação a um território e por associação de cultura. (ALBROW,

1999) Indivíduos, Estados e Organizações Internacionais criam e utilizam critérios

para a atribuição de nacionalidade.

As identidades nacionais podem ser unificadas de duas maneiras: através

da etnia, ou através da raça. Porém, nenhuma das duas opções obteve êxito,

segundo Hall (2004). A etnia passou, na modernidade a ser identificada como um

mito, pois não existe nenhuma nação ou grupo de indivíduos formados por único

povo. Entende-se por etnia as características culturais como idioma, religião, lugar,

costume, tradições compartilhadas por indivíduos. Em relação à raça, a unificação

não pode ser efetiva, porque não pode ser entendida como condição genética ou

biológica: a diferença genética não distinguiria um povo. Raça é considerada um

elemento discursivo, ou seja, é formada pelos discursos de diferenças das

características físicas (como marcas simbólicas) por indivíduos em seus sistemas de

representações e de práticas sociais.

A globalização, como já mencionado anteriormente, legitima a produção

das identidades, e também possibilita que o sujeito (indivíduo) desloque, troque e

rompa com as características destas identidades, produzindo e formando uma nova.

Isto porque à medida que as identidades nacionais e culturais ficam expostas à

influências externas, estas se tornam frágeis. Ou melhor, torna-se difícil perpetuar

identidades nacionais e culturais intactas ou ainda impedir que sejam enfraquecidas.

Visto de outro modo, a globalização também possibilita a legitimação e o

fortalecimento de identidades nacionais. Cabe, portanto destacar as três possíveis e

principais conseqüências da globalização para com as identidades nacionais. São

elas: elas desintegram, rompem ou deslocam as identidades nacionais; elas são

reforçadas como forma de resistência à globalização; elas declinam e formam novas

identidades nacionais, porém híbridas. Entende-se por híbridas, identidades que são

produtos de culturas e histórias diversas interconectadas e sincretismos – fusão

entre diferentes tradições culturais. É considerável que a globalização não vá

23

simplesmente acabar ou destruir as identidades nacionais e culturais, mas sim

produzir novas identidades híbridas locais e globais. (HALL, 2004)

Assim, as formas de fortalecimento das identidades nacionais e culturais,

ou seja, reação forte e defensiva em relação a outros grupos e identidades a partir

de um sentimento de ameaça pressupõe um racismo cultural. Esta última gravita ao

redor da tradição. Na tradição os indivíduos buscam recuperar as identidades

primordiais, e permanecem com vínculos fortes quanto a seus locais de origem

(país, território) e tradições que carregam e de marcas simbólicas, sem assimilarem

as identidades nacionais e culturais do novo local onde estão inseridos sem abrir

mão de suas identidades nacionais e culturais. As formas de produção de novas

identidades nacionais e culturais híbridas gravitam ao redor da tradução, na qual os

indivíduos e grupos aceitam as novas identidades híbridas. A tradução diminui a

possibilidade de indivíduos e/ou grupos retornarem aos seus locais de origem e

intensifica a possibilidade destes indivíduos e/ou grupos traduzirem ou transferirem

parte das identidades nacionais, culturais e de marcas simbólicas da identidade e

cultura (pré) existente no local onde vivem no atual momento.

24

CAPÍTULO 2

2. UNIÃO EUROPÉIA

2.1 História e Origens

As origens da União Européia remontam das origens da Europa e de seus

povos. Os gregos, por exemplo, identificavam a Europa como um espaço geográfico

imenso, com um mosaico de paisagens, pluralidade de raças das quais surgiam a

diversidade lingüística e cultural.

O Cristianismo difundiu-se no território europeu, através de pregações,

entretanto tornou-se a religião oficial de grande parte da Europa na época do

Império Romano, sendo alastrada e enraizada por meio das grandes cruzadas.

Desse modo, o Cristianismo contribuiu na construção de valores e princípios que

regem a sociedade e as famílias européias. Entretanto, com as reformas religiosas,

instaurando a divisão do cristianismo e o surgimento de anglicanos (predominância

na Grã-Bretanha) e de protestantes nos Paises Baixos e Alemanha, a unidade do

Cristianismo ficou abalada, não sendo mais o ponto ou a base comum para a

integração européia.

Os vários choques entre civilizações, como as com os Árabes em Poitiers

no ano de 711 e as invasões dos vikings Normandos entre os anos de 843 e 962,

originou mudanças políticas e culturais, além do surgimento de uma consciência de

uma possível identidade na Europa, denominadas como Europeus, materializada

pela convergência econômica e posteriormente política.

Desta forma vários pensadores começaram a vislumbrar a idéia de um

poder supranacional e um equilíbrio federativo entre as grandes potências

européias. Assim como desenvolver um equilíbrio para uma defesa comum, como

aconteceu diante o Império Turco e a parceria com a Igreja Ortodoxa, diante o

fenômeno do protestantismo. Nos projetos de uma integração e unificação européia

a preocupação constante foi a criação de uma comunidade entre as grandes

potências em detrimento de ameaças conjunturais como as do Império Turco, a da

25

Reforma, e posteriormente as ameaças do comunismo e nazismo, o que culminaram

nas duas Guerras Mundiais e no período da Guerra Fria.

É importante mencionar o surgimento da situação política européia que

precedeu a União Européia, a partir da Paz de Westfália (1648), quando os Estados

Nacionais surgiram determinados por uma soberania nacional, um território nacional

e uma população nacional, e a Paz de Utrecht (1713), que instituiu um novo

equilíbrio europeu que perdurou até a Independência dos Estados Unidos da

América (1776) e a Revolução Francesa (1789).

A partir destes acontecimentos os pensamentos europeístas tornaram-se

cada vez mais eloqüentes e comuns. Um exemplo deste tipo de declaração é o

trecho de Victor Hugo, grande dramaturgo e poeta francês, que presidiu o

Congresso de Paris de 1802 a 1885 e dizia que:

“No século XX haverá uma nação extraordinária... Esta nação terá por capital Paris e não se chamará França, chamar-se-á Europa. Chamar-se-á Europa do século XX e nos séculos seguintes, e ainda transfigurada chamar-se-á a Humanidade”. (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:26)

Já nos finais do século XIX, as civilizações européias travavam grandes

rivalidades, como no Leste Europeu e neste período a Alemanha já era o centro da

política européia. Entre 1914 e 1918, ocorreu a Primeira Guerra Mundial (I GM). E as

conseqüências desta guerra foram além das numerosas mortes e atrocidades.

Somou-se à destruição e à fragilidade dos países europeus no pós-guerra, em

particular a Alemanha.

Entre 1919 e 1920, diversos Tratados sobre a I GM, reconfiguraram o

mapa político da Europa responsabilizando a Alemanha e seus aliados pelo conflito.

Estes acontecimentos contribuíram para futuros conflitos de alcance e mundial,

como a Segunda Guerra Mundial (II GM). Ocasionado dentre outros motivos um

sentimento revisionista e revanchista dos alemães, diante dos demais países

europeus.

Em 1923, o movimento Europeu para a Pan-Europa buscava a integração

e união da Europa, em resposta a ameaça bolchevique e do domínio econômico dos

Estados Unidos. Os simpatizantes deste movimento buscavam instituir o chamado:

Estados Unidos da Europa. Além disso, a partir da II GM, torna-se fundamental a

construção de uma estrutura de unificação européia para reinstaurar a democracia.

26

Até mesmo a propaganda nazista do Hitler tinha menções á formação de um projeto

europeu de unificação. E Hitler declararia em Maio de 1941: “esta não é uma guerra

como as outras guerras, é uma revolução da qual sairá uma nova Europa,

reorganizada e próspera.” (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:36)

Em 1944, belgas, holandeses e luxemburgueses apresentam a

necessidade de uma União Aduaneira e monetária da Europa Ocidental, assinando

o Tratado da União Aduaneira – BENELUX, que entraria em vigor em 1948. Em

1948, a Organização Européia de Cooperação Econômica – OECE surgiu tendo

como membros os seguintes países: Alemanha (incorporada em 1949), Áustria,

Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega,

Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. O Preâmbulo do

Tratado da OECE manifestava: “uma economia forte e próspera é essencial para

salvaguardar as liberdades e acrescentar o bem-estar geral, o que contribuirá à

manutenção da paz”. (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:52)

A busca constante pela recuperação e reconstrução econômica dos

países europeus, e o medo de um novo conflito, levou os países europeus a

instituírem uma cooperação de carvão e aço, materiais essenciais para o armamento

e a indústria, controlando e diminuindo potenciais guerras. Em 1951 o Tratado da

Comunidade Econômica do Carvão e do Aço – CECA, a primeira Comunidade

Européia, foi assinado pelos seguintes países: Alemanha, Bélgica, Itália,

Luxemburgo e Países Baixos. Esta integração econômica foi instituída por um

Mercado Comum do Carvão e do Aço e representou um laboratório de princípios e

mecanismos da União Européia, assim como a nova forma de estrutura

interestadual.

Utilizando o exemplo do sistema institucional da CECA, criar-se-ia a

Comunidade Européia de Energia Nuclear – a Euratom, em 1957, materializando os

interesses comuns dos países europeus neste setor e proporcionar uma integração

econômica para as demais áreas desta atividade.

Diante de vários fracassos para a criação de autoridades supranacionais

na união européia, ainda sim, este objetivo não foi deixado de lado. E dali adiante os

países europeus buscaram fortalecer a união econômica, buscando também a união

política e monetária.

27

2.2 Características

A União Européia é formada por 25 Estados, comprometidos por questões

e objetivos políticos, jurídicos e econômicos comuns, com o objetivo de manter a paz

entre seus Estados-membros. Baseia-se nos princípios da igualdade, equilíbrio

institucional, solidariedade e uniformidade. (DEL’OMO,:181) Este processo de

integração desencadeou no maior bloco mundial de integração regional, com mais

de 450 milhões de pessoas. A coordenação de interesses intergovernamentais

baseados em interesses supranacionais e/ou comunitário torna a União Européia

uma organização de integração regional sui generis. (TOSTES,2006;

OLIVEIRA,2004)

O Conselho Europeu, em 1976, concluía que “(...) a realização da União

Econômica e Monetária é fundamental para a consolidação da solidariedade

comunitária e para o estabelecimento da União Européia”. (PÉREZ-BUSTAMANTE;

COLSA, 2004:118) Desta declaração, entendemos que a importância da integração

mais complexa dos Europeus é um caminho para a consolidação de um sentimento

comum e posteriormente da paz.

A União Política, um dos fins importantes da integração européia buscou

uma grande acelerada em seu processo com as mudanças políticas advindas dos

anos 1989 e 1990, como a queda do socialismo real e da Guerra Fria. Desta forma,

gerou-se uma vontade paralela à Unificação Econômica e Monetária. Esta União

Política surgiu substancialmente de uma iniciativa franco-alemã, do Presidente

Mitterrand e Chanceler Kohl.

O Euro, a moeda única da União Européia, adotado em 2001 pelos

Estados-membros da União Européia tem como símbolo - € - inspirado na letra

grega, o épsilon, lembrando o berço da civilização européia e representando as duas

primeiras sílabas do nome do continente europeu, Europa. (PÉREZ-BUSTAMANTE;

COLSA, 2004)

28

2.2.1 Membros:

Em 1969, foi o ano que marcou a candidatura de entrada para a CEE

pelos seguintes países: Grã-Bretanha, Dinamarca, Irlanda e Noruega. Em 1970,

estes quatro países e mais Áustria, Suécia, Suíça, Finlândia, Islândia e Portugal

estiveram em negociações para a adesão na CEE. A situação da Grã- Bretanha foi

única, pois em sua adesão em 1973, a libra esterlina se mantivera como moeda

nacional em detrimento de uma moeda comum da CEE, posteriormente denominada

Euro. Assim, em meados de 1973 acontece o Primeiro Alargamento da Comunidade

Européia, com a entrada de Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca. Na Noruega, o

plebiscito foi desfavorável, não ocorrendo sua adesão. A Comunidade Européia

tornava-se a Europa dos Nove.

Em 1976, a Grécia apresentou sua proposta de adesão. Esta proposta foi

ratificada em 1980 pelos Nove integrantes da Comunidade Européia. Assim, com

este Segundo Alargamento configura-se a Europa dos Dez.

Já em 1986 Portugal e Espanha aderem à Comunidade Européia. Desta

forma, tem-se o Terceiro Alargamento e o surgimento da Europa dos Doze. O

Quarto Alargamento refere-se a adesão de Áustria (que teve sua candidatura em

1970), Suécia em 1991 e Finlândia em 1992, no ano de 1995. Tornando-se a Europa

dos Quinze. A Noruega apresentou uma nova candidatura em 1992, porém

novamente o referendo foi desfavorável. A Suíça apresentou sua candidatura em

1992, porém desistiu posteriormente. Com o Tratado da União Européia exigiam-se

aos países que aderiam a ele três condições: fundar-se numa “identidade européia”;

possuir um Governo Democrático; e promover a proteção dos Direitos Humanos.

Nos finais da década de 1970 e durante a década de 1980, o diálogo com

os países do Leste Europeu estava aberto, permitindo negociações entre os demais

países da Europa Ocidental, principalmente os que já faziam parte da CEE. O

contexto do Leste Europeu era de países não liberalizados, com forte militarização

soviética e perseguições políticas. Mesmo assim, os países da Comunidade

Européia acreditavam que a partir do constante diálogo com os países do Leste,

conduziria numa transição democrática e na abertura à integração européia, tendo

todo apoio possível.

29

Desta forma e com a “queda” do Muro de Berlim (1989) foi possível seguir

com o alargamento para o Leste Europeu, ficando cada vez mais perto da realização

de uma Europa Unida. A partir da “queda” do Muro de Berlim tem-se a unificação da

Alemanha, acontecimento vital para a integração européia e um dos grandes

desafios. A adesão da Alemanha na integração européia significaria um aumento de

16,5 milhões de pessoas (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004).

Em 1993, o Conselho Europeu analisou a possibilidade de uma

cooperação mais estreita com os países do Leste Europeu. E concluiu que estes

países poderiam se associar à UE, caso o quisessem e cumprissem as exigências

mínimas para a adesão e adoção. Em 1995, se candidataram para a UE os países:

Romênia, Eslováquia, Letônia, Estônia, Lituânia e Bulgária. Em 1996, foram

candidatos a República Checa e a Eslovênia. Desde 1990, Malta e Chipre tornaram-

se candidatos. Em 2004, aderiram como Estados-membros da União Européia os

países: Chipre, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, República

Checa e República da Eslováquia. Instituindo assim, o Quinto Alargamento e

intitulada como a Europa Alargada. Somente em 2007, aderiram à União Européia a

Bulgária e a Romênia.

2.2.2 As principais Instituições:

O Conselho Europeu foi criado em 1974, tendo como objetivo a

institucionalização da cooperação política e a coordenação de assuntos

comunitários. Este Conselho teria identidade e especificidades próprias para a

realização de seus objetivos. Além dos dois objetivos apresentados, têm-se uma

maior missão que é impulsionar a construção européia. É constituído pelos Chefes

de Governo e/ou Estado4 e representa os governos nacionais.

Com o Tratado da União Européia, o Conselho Europeu busca definir as

políticas gerais para a consagração da União Européia. Estabelece os princípios da

Política Externa e de Segurança Comum e coordena as transições das fases dois e

três da Política Econômica e Monetária.

4 (DEL’OMO, 2005:181)

30

O Conselho da União Européia entrou em vigor no ano 1949 e tinha

como órgãos, o Comitê de Ministros e a Assembléia Consultiva, sendo o principal

órgão legislativo e executivo da Unia Européia. Tinha como objetivos e funções,

realizar atividades de caráter político, coordenar os organismos europeus, servir de

tribuna política para os debates importantes em matéria de política externa e teve

como maior sucesso a criação e manutenção da Convenção Européia dos Direitos

do Homem, ratificada em 1950. Este texto visa à proteção e promoção dos direitos

fundamentais do homem, como: direito à vida, à liberdade, ao trabalho, dentre

outros. Posteriormente, em 1961 foi adotada a Carta Social Européia que defendia e

promovia direitos econômicos e sociais, como: direito à assistência médica, à

segurança social, dentre outros.

Em sua aparição no Tratado da CEE (1957) era instituído como órgão de

decisão e coordenava as políticas dos Estados-membros, além de legislador. No

Tratado da União Européia suas funções foram reformuladas, tornando-se uma

instituição que define a Política Externa e de Segurança Comum, o segundo pilar da

União Européia (UE), além de coordenar o terceiro pilar da UE, o de Justiça e

Assuntos Internos.

Já Parlamento Europeu surgiu em 1951 e 1957, como Assembléia

Comum. Entretanto, 1962, denominaram-se Parlamento Europeu. Órgão Consultivo,

que a partir do Tratado da União Européia passa a exercer o procedimento de co-

decisão, onde em conjunto do Conselho da Europa produz elementos jurídicos e

substantivos que asseguram problemas dentro da União Européia. É composto

pelos representantes dos cidadãos europeus, ou seja, representa os cidadãos,

sendo a única instituição a ser eleita diretamente pelos cidadãos.

A Comissão das Comunidades Européias surgindo do Tratado da CEE,

tinha como objetivo a formulação das Políticas Comunitárias e garantir a execução

das mesmas, assim como direcionar serviços que contribuíssem para o

funcionamento da Comunidade. No Ato Único Europeu garante seu caráter de órgão

executivo natural, ou seja, inerente à Comunidade Européia. E no Tratado da União

Européia alargam-se seus poderes. Representa os interesses comuns da União

Européia.

O Tribunal de Justiça também estava presente na composição do

Tratado da CEE e buscava garantir o respeito do direito de interpretação e aplicação

desse tratado. No Tratado da União Européia sofre suas modificações: garante

31

seções de todos os assuntos e alarga a sua competência para toda a classe de

recurso, modificação permitida pelo Conselho da União Européia.

Em 1977 nascia o Tribunal de Contas, parte importante das instituições

da União Européia. Possui função fiscalizadora de contas das receitas e despesas

do Orçamento geral da União Européia. Emite os relatórios anuais de gastos e os

especiais. Além de garantir uma boa gestão dos recursos financeiros.

O Banco Central Europeu é reconhecido como instituição pelo Tratado

da União Européia, mas somente na Terceira Fase da União Econômica e Monetária

que ele surge, sendo em 1999. Tem como seio o Sistema Monetário Europeu que

serviria como instrumento para a criação do EURO, a moeda única européia.

2.3 Os principais Documentos Fundamentais

O Tratado de Roma ratificado em 1957, apresentava em seu texto a

assinatura da Comunidade Econômica Européia (CEE), a Euratom e os anexos.

Este Tratado foi assinado pela Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e os

Países Baixos, a Europa dos Seis. Estes seis plenipotenciários buscaram com este

documento instaurar um Mercado Comum em todas as matérias e setores. Assim, a

CECA passa a compor esta Comunidade Econômica Européia.

Conhecido também como Tratado da CEE, tendo como objetivo principal a

livre circulação de pessoas, bens e serviços. Em seu Preâmbulo lê-se: “(...) estão

determinados a estabelecer os fundamentos de uma união sem fissuras mais

estreita entre os países europeus”. (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:81)

Este tratado foi divido em cincos partes, onde a primeira apresenta os

princípios que regem a Comunidade; a segunda explica as modalidades de livre

circulação; a terceira intitula a Política da Comunidade em matéria de fiscalização,

legislações, Fundo Social e a criação do Banco Europeu de Investimentos; a quarta

define as linhas da relação entre os países da Comunidade com os demais países

não europeus; e a quinta parte estabelece as instituições, sendo estas: Assembléia

Européia (Parlamento Europeu), Conselho, Comissão e Tribunal de Justiça.

Neste processo de unificação dos tratados da CECA, CEE e EURATOM,

até 1970, presenciou-se um atraso do processo, em detrimento das divergências

32

sobre asa questões agrícolas, determinadas como uma das matérias que requeriam

unanimidade nas decisões. Esta situação ficou marcada como uma das crises na

construção européia. Principalmente quando a França se ausentou de algumas

reuniões do Conselho, na matéria agrícola, paralisando as decisões do mesmo e

automaticamente paralisando o Mercado Comum, durante seis meses. Neste

período, funcionaram somente as vias diplomáticas tradicionais de os acordos

bilaterais.

Em 1985 surge o Ato Único Europeu (ATM) , trazendo consigo a revisão

necessária do Tratado de Roma. Em 1986 foi realizada a assinatura do texto pelos

países membros, ficando de fora a Dinamarca, Itália e Grécia, que posteriormente

deram a sua aprovação. Somente em 1987 entrou em vigor.

Em seu preâmbulo dizia em “(...) transformar o conjunto de relações entre

seus Estados numa União Européia ” (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:135).

Seu principal objetivo é a realização da União Econômica e Monetária. Além disso,

sua principal característica é a unicidade, inerente aos textos da integração, e em

busca de uma compreensão universal para todos eles. É também importante para

manter o aparato institucional da Comunidade Européia.

Com o Conselho de Compenhage, em 1973, completou-se a Declaração

sobre a identidade européia, baseando-se nas relações de seus Estados-membros

com os demais Estados do Mundo e suas responsabilidades frentes aos assuntos

de agenda internacional.

Foi a partir do ATM que se instituiu um marco jurídico em prol de

transformações necessárias para a consolidação da União Econômica. Esta foi

criada em 1992 com o Tratado de Maastricht.

Este Tratado de Maastricht – Tratado da União Européia – foi assinado

em 1992, tornando-se a pedra angular do ordenamento jurídico comunitário. Seu

corpo normativo é robusto, e complementa e/ou altera outros tratados importantes

da União Européia.

É importante apresentar que foi no Tratado da União Européia (TUE) que

a denominação União Européia é oficialmente apresentada. O termo união é

apresentado de duas formas: União entre os Estados e União entre os Povos da

Europa. (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004). A utilização da palavra União,

neste tratado, buscava representar um avanço histórico, que anteriormente foi

33

representado como Comunidade Econômica Européia (CEE) e depois de

Comunidade Européia (posterior ao Tratado de Roma).

A subsidiariedade é o princípio que rege o Tratado. Entende-se por este

princípio garantir que toda decisão atinja seu objetivo através do âmbito mais

adequado, nacional ou comunitário. Este elemento é composto por três outros,

sendo eles: competência nacional é regra; competência comunitária atuará a

Comunidade caso o objetivo é mais na esfera comunitária do que a nacional; e os

meios que a Comunidade emprega devem ser proporcionais ao objetivo proposto,

sendo assim o princípio da Proporcionalidade relacional com o princípio da

Subsidiariedade.

Uma das evoluções desenvolvidas e apresentadas por este Tratado é o

conceito de Europa dos Cidadãos. Este conceito é composto por direitos e deveres

que o cidadão da União Européia possui. Entende-se por cidadão da União Européia

(EU) “(...) qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro.”

(PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:162) Alguns exemplos de direitos dos

cidadãos europeus são os direitos à residência, à circulação, de elegibilidade, dentre

outros.

O TUE também consagra outras políticas, seus princípios e objetivos,

como a Política de Coesão Econômica e Social, Industrial, de Transportes, Saúde

Pública, Mercado Interno, Defesa de Consumidores, Ambiente, das Pescas e a

Política Agrícola Comum (PAC). Esta última é um dos eixos básicos da política

comunitária. Possui mais da metade do orçamento geral da União Européia5 e é

palco das muitas divergências e controvérsias entre os Estados-membros, como

França e Portugal. Além de importantes reformas institucionais.

A PAC tem como objetivos a permissão do crescimento da produtividade

da agricultura, o asseguramento do nível de vida eqüitativo, estabilização de

mercados e o asseguramento dos abastecimentos a preços razoáveis para o

consumidor.

Outro importante texto do TUE é o asseguramento do principal objetivo da

UE, a União Econômica e Monetária (UEM). Estabelecem três fases para a UEM,

descritas no Relatório Delors em 1988 em que os Estados-membros deveriam

adotar. São elas: iniciada em 1990, a adoção de um conjunto de medidas para a

5 PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:171.

34

livre circulação de capitais, velando a convergência econômica; a segunda iniciada

em 1994, tentativas de impedimento dos déficits públicos excessivos e o começo de

um processo que permitisse a independência do Banco Central; e por fim a terceira

fase iniciada em 1999, onde os Estados deveriam finalizar tais processos como a

materialização do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central

Europeu, a introdução de uma moeda única, controle dos critérios de convergência

econômica, dentre outros.

Por fim é importante expor os 3 Pilares da União Européia, apresentados

no TUE. O Primeiro Pilar é representado pela União Econômica e Monetária. O

segundo pela PESC – Política Externa e de Segurança Comum. E o Terceiro Pilar

pela cooperação em Justiça e Assuntos Internos.

Em 1999, entrou em vigor o Tratado de Amsterdão, tendo como objetivo

a reforma do Tratado da União Européia e a consolidação das exigências existentes

para a unificação européia. Em seu texto apresentou-se três acordos significativos: o

de controle jurisdicional dos Direitos Fundamentais; utilização e estabelecimento de

mecanismos de sanções quanto à violação dos princípios da União Européia; a

inclusão do respeito aos direitos sociais fundamentais.

O Tratado de Nice teve sua aprovação em 2000. É composto por

alterações substantivas dos demais tratados europeus pré-existentes e disposições

sobre a transição européia, como os alargamentos.

Uma das novidades deste tratado, além das reformas institucionais, foi a

consolidação de uma Carta de Direitos Fundamentais, garantindo e reunindo em um

único texto, os direitos cívicos, os políticos, como o de cidadania, e por fim os

direitos econômicos e sociais.

Mas a principal preocupação do Tratado de Nice era sobre o futuro da

União Européia, principalmente em matérias dos próximos alargamentos e a

sustentabilidade institucional. Em 2001, a Declaração de Laeken sobre o Futuro da

União Européia é criada, tendo como missão, examinar as questões e os problemas

identificados e buscar as devidas respostas. Tal reforma seguraria a possibilidade

em curto prazo da adoção da Constituição da União Européia. E ao final da

Declaração, são apresentados, como proposta, os atuais símbolos da União

Européia: bandeira, hino, lema, moeda e o dia da União Européia. Tanto que no

artigo referente a estes símbolos dizia:

35

“A bandeira da União Européia é constituída por um círculo de doze estrelas douradas sob o fundo azul. O hino da União é baseado no Hino à Alegria da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven. O lema da União é: Unida na Diversidade. A moeda da União é o Euro. O dia 09 de Maio é comemorado em toda a União como o dia da Europa.” (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:258)

A Bandeira Européia significa a unidade, identidade, solidariedade e

harmonia dos europeus. O círculo representa a unidade e a plenitude no seio da

União Européia. Tradicionalmente o número 12 é o símbolo da perfeição. Em 1955,

o Conselho da Europa buscava um símbolo que o representasse. Em 1983 foi

adotado pelo Parlamento Europeu em 1985 os Chefes de Estado e de Governo

adotaram a bandeira. Já em 1986, todas as instituições adotaram o símbolo, apesar

de possuírem seus próprios emblemas.6

O hino da União Européia, extraído da Nona Sinfonia de Beethoven de

1823, adotou o Hino à Alegria em 1972, buscando nas partituras e na linguagem

universal da música a expressão dos ideais de liberdade, paz e solidariedade. Em

1985 todos os Estados-membros adotaram-no como Hino da União Européia,

preservando os seus hinos nacionais. Não se pretende substituí-los.7

O dia da União Européia representado pelo dia 9 de Maio é baseado na

Declaração de Robert Schuman (09/05/1950), onde apresentou a proposta de

criação de uma Europa organizada, requisito para manter as relações pacíficas. Esta

proposta significou a criação da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA). Neste dia

são promovidas atividades, feiras, festejos, aproximando todos os cidadãos da

União Européia.8

Por fim, o lema da União Européia, a “Unida na diversidade”, adotado em

2000, busca representar a união e a construção a partir da paz e da prosperidade.

Além de demonstrar a principal característica da União Européia, as diversas

identidades nacionais e culturais existentes.9

A partir da Declaração de Laeken foi produzido um texto que viria a ser

reconhecido como o projeto da Constituição Européia . Em seu texto basicamente

apresenta e reforça os símbolos e princípios comuns regentes da União Européia,

6 Informações retiradas do site http://europa.eu/abc/index_pt.htm, acessado no dia 04/06/2008, às 14:32.

7 idem 8 idem 9idem

36

principalmente a fundamentação da identidade comum da União Européia que

contribuiria ainda mais com o progresso social.

Este texto constitucional se divide em quatro partes, contemplando a

primeira os princípios e as normas que consolidam a estrutura da UE. A segunda

contempla a Carta dos Direitos Fundamentais, a terceira apresenta as Políticas e

Funcionamento da UE. E por fim, a quarta parte é representada por Disposições

gerais e finais, em matérias como os símbolos, as uniões regionais, processo de

revisão, dentre outras.

Seus principais objetivos são: aproximação dos cidadãos europeus;

reforço da democracia; simplificação do processo decisório; fortalecer e aumentar a

capacidade da União Européia frente ao cenário internacional e buscar responder os

desafios da globalização.

Entretanto em 2005, este projeto de Constituição Européia não foi aceito,

pois ocorreram dois referendos desfavoráveis: o francês e o holandês. Em relação

ao referendo Francês, entendeu-se que ocorria uma crise ideológica e política, onde

se votou contra a Constituição Européia em contraposição ao governo francês

vigente na época. (TOSTES, 2006) Já na Holanda, a rejeição da Constituição se deu

por falta de informação em relação à UE, entretanto mesclou também aspectos de

nacionalismo (medo de perder a soberania nacional) e de oposição ao governo.

(TOSTES, 2006)

37

CAPÍTULO 3

IDENTIDADE DA UNIÃO EUROPÉIA: POSSIBILIDADES DE CON STRUÇÃO

Este capítulo tem caráter conclusivo: discute as propostas implementadas

e busca lançar luz acerca da importância de se considerar elementos essenciais

para a construção de uma identidade comum da União Européia, tais como maior

reconhecimento e participação dos cidadãos no âmbito da União Européia,

bem como o respeito às diversidades culturais e nacionais.

O destino do contínuo processo de unificação européia é, historicamente,

um dos temas mais discutidos, tanto no âmbito europeu como para estudiosos de

integrações regionais, de globalização econômica e de Direito Comunitário. Os

debates acerca do surgimento de uma identidade comum da União Européia podem

ser fundamentados à luz de conceitos antropológicos e da teoria construtivista das

Relações Internacionais. Este capítulo apresentará a discussão da construção da

identidade comum na União Européia. Esse debate tomará como referência

elementos que podem ser compreendidos como tentativas de um construto

identitário – ainda que sejam políticas que não possuam essa conotação explícita, e

a relação desta construção com os nacionalismos já existentes.

Castells (2000) considera a importância do nacionalismo e da identidade

cultural como embriões da unificação e integração da UE, mesmo que esta tenha

sido constituída inicialmente por interesses sociais e econômicos. Nesse sentido, o

autor reconhece a importância de levar em consideração as identidades culturais e

nacionais no processo de integração e unificação da U.E.

A partir da segunda metade do século XIX, a Europa passou por um

processo de fortalecimento das identidades nacionais, principalmente na Itália e

Alemanha. O francês Ernest Renan apresentava a idéia de que as nações eram

formadas, naquele período pelo consentimento das suas populações e pela vontade

destas viverem juntas (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:27). Para tanto, os

Estados deveriam rejeitar qualquer iniciativa de hegemonia como princípio para a

construção de uma Europa, território gigante e berço de diversidades. Tal afirmativa

demonstra que era pertinente a formação de uma Europa unida, com interesses

comuns que permeavam um ambiente de paz e solidariedade, sem que um Estado

38

buscasse realizar seus interesses em detrimento dos demais, e sem que nenhum

Estado abrisse mãos de sua identidade nacional.

Neste contexto, o General De Gaulle acreditava em um grande projeto

europeu, tendo bases nos ideais de Jean Monnet10, o de uma união política fundada

primeiramente em uma integração econômica. (MARTINS, 2002) Assim, em 1960 foi

apresentado um projeto europeu, baseado na união “política” econômica e na

cooperação intergovernamental. De Gaulle defendia também que os pilares da

Europa eram seus Estados e afirmava que: “Os Estados são certamente muito

diferentes uns dos outros, que têm cada um a sua alma, a sua história, a sua

linguagem, as suas tragédias, as suas glórias, as suas ambições” (PÉREZ-

BUSTAMANTE; COLSA, 2004:90). Desta forma, percebemos a preservação das

identidades de cada Estado, o que é uma característica importante na União

Européia e crucial na formação e manutenção de uma identidade comum da União

Européia, enraizados na história nesta unificação européia. Além disso, percebemos

que tal declaração de De Gaulle perpassa por uma idéia de que os Estados são

diferentes, tendo sua própria história e seus próprios mitos, o que descartaria a

possibilidade de uma identidade comum da União Européia construída a partir de

convergências históricas e culturais dos Estados que se sobrepusesse e/ou

descartasse as demais identidades nacionais e culturais.

Margaret Tatcher, ex-ministra britânica, acreditava que o surgimento de

uma união política e a utilização deste termo para denominar, o que é hoje a União

Européia, era desastrosa, pois, desencadearia prejuízos para as identidades

nacionais, abandono dos sistemas jurídicos nacionais, restringiria o direito de uma

política externa para cada país11: os Estados-membros entregariam parte de seus

interesses e direitos, o que significaria uma diminuição da soberania estatal, em

detrimento de uma organização supranacional, a União Européia. Segundo

Krunkhorst (2006) quando se retira a capacidade das estruturas nacionais

deliberarem, retira-se parte de suas decisões para que a organização supranacional

responda, já não existe democracia. O autor nomeia tal fenômeno como

10 Político francês, conhecido como um dos arquitetos da unificação européia, além de ser um dos responsáveis pelo surgimento do Plano Schuman, que instituiu a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA). Em 1952 foi eleito como Alta Autoridade da CECA e em 1976 recebeu o prêmio “Cidadão Honorário da Europa”. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/biografias.htm#Monnet, acessado no dia 07/06/2008, às 22:13. 11 (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:152)

39

expertocracia, ou seja, uma democracia de fachada, que segundo ele, é o que a

União Européia consolida.

Para Castells (2000), é possível que a ampliação dos poderes, ou melhor,

da supranacionalidade, ameaçaria as identidades nacionais e culturais, em relação à

sua manutenção e legitimação. Desta forma, alguns líderes políticos consideram a

União Européia uma organização de integração regional que dá continuidade e

perpetua os aspectos da globalização.

Houve, no entanto, outras tentativas de unificar a Europa. De acordo com

Martins (2002), os que se relacionavam às questões militares não obtiveram êxito,

nem mesmo em meio à Guerra Fria. Para Castells (2000): “A União Européia

sobreviverá como construção política somente se conseguir administrar e acomodar

o nacionalismo” (CASTELLS, 2000: 403). Este terá de partilhar espaços com a

construção e consolidação de uma identidade que exprima a totalidade das

identidades nacionais e culturais que constituem a União Européia.

A preservação das identidades nacionais pode ajudar a construção de

uma identidade comum da União Européia, a partir do momento que a última é

constituída pelas primeiras. Entretanto, esta relação pode levar a outro extremo:

desencadear uma resistência dos estados-membros e de seus cidadãos em defesa

de suas identidades nacionais. Segundo Woodward (2000), a exacerbação dos

nacionalismos pode desencadear processos de discriminação nacionalistas,

principalmente contra os imigrantes, conhecido como as práticas de xenofobia e

racismo. Tais grupos estão cada vez ganhando mais espaço e procuram até mesmo

em partidos políticos enraizarem sua ideologia. É importante ressaltar que

atualmente no território europeu, existem mais de três milhões de imigrantes ilegais.

(TOSTES, 2006)

De acordo com Tostes (2006) “a noção de ‘pertencimento’ a um corpo

coletivo é que legitima algum tipo de cooperação e coexistência.” O sentimento de

pertencimento a um grupo é materializado pela internalização da identidade. Este

cria um sentimento de preservação desta identidade como premissa para a

sobrevivência do grupo. Desta forma, segundo o Eurobarometer12 de 2003, os

baixos percentuais de pertencimento foram para os grupos que valorizam mais a sua

identidade nacional em detrimento da identidade comum da União Européia e são

12 É o sistema de monitoramento das opiniões públicas a respeito da União Européia.

40

representados por: Reino Unido, Áustria e Suécia. Por outro lado, os que possuem

um alto percentual de pertencimento são aqueles que demonstraram um fraco ou

insignificante sentimento nacional, como os países da Europa Alargada (2004), mas

principalmente a Estônia e Hungria. (TOSTES, 2006: 390)

Desta forma, a sobrevivência das nações e automaticamente de suas

identidades nacionais, contribuem em parte com a unificação e integração da União

Européia. Caso estas nações sintam dificuldade em perpetuar suas culturas e

nacionalidades, torna-se conflitante a continuidade do processo de unificação e

integração. As nações, portanto, devem estar seguras e convencidas de que suas

identidades culturais e nacionais não serão ameaçadas, nem pelo processo, e nem

por outras identidades culturais e nacionais. (CASTELLS, 2000)

Martins (2002) argumenta que a percepção cultural dos diversos grupos

que conviveram e ainda convivem (OUTRO) com os Europeus (EU) é um elemento

crucial para a identidade comum da União Européia. Esta dicotomia, ou melhor, esta

diferença, entre EU e OUTRO são decisivos para o surgimento desta identidade

comum. Este dualismo do EU versus o OUTRO também pode se materializar, não

só com os grupos de fora da União Européia que convivem com ela, mas também

um dualismo dentro da própria União Européia, entre Imigrantes/ Europeus e/ou

Europeus/Europeus. O autor afirma que:

“Movimentos nacionais populares, afirmações nacionalistas e reivindicações multiculturais são os três principais formas da questão ‘identitária’, em nossos dias, no continente europeu; a União Européia é por vezes acusada de os refrear, por outras, de os incentivar” (MARTINS, 2002:118)

O Comitê Dooge13 teria como missão a formulação de um relatório que

demonstrasse todas as sugestões para que as instituições européias tivessem

melhor funcionamento melhor. Em 1984, dois anos antes da aprovação do Ato Único

Europeu (1986), o Relatório do Dooge foi apresentado, e dentre suas considerações,

aponta a necessidade de os Estados unirem em uma vontade comum e jurídica,

denominada União Européia. No entanto, a mais importante consideração para este

trabalho foi a afirmação de uma “identidade européia” a partir de uma política

13 Comitê ad hoc para as questões institucionais das Comunidades Européias, instituído em 1984 e presidido pelo ex-ministro de Negócios Estrangeiros da Irlanda e atual senador, Hames Dooge. (PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:132)

41

externa comum e da extensão da cooperação para a área de segurança, sendo as

bases da PESC (Política Externa e de Segurança Comum) 14. Percebemos que as

normas e valores compartilhados no seio dos Tratados da União Européia são

majoritariamente promovidos pelo engajamento da política externa comum da União

Européia.

Segundo Tostes (2006), a identidade comum da União Européia viria com

o propósito de fortalecer a própria organização e principalmente sua

supranacionalidade e legitimidade social. Para tanto, a UE utilizaria como

instrumentos para sua construção a cidadania européia (que não substitui as

cidadanias nacionais, e sim as complementa) e a Constituição Européia.

A cidadania européia foi instituída no Tratado da União Européia (TUE)

que previa que todo cidadão dos Estados-membros eram cidadãos da União

Européia. Os direitos destes seriam aqueles relacionados às políticas do Tratado

como o direito aos fundos sociais, livre circulação, salários igualitários, direito ao

passaporte, ao sistema de livre circulação de trabalho, ao sistema educacional com

o acesso ao programa ERASMUS15, dentre outros. Brunkhorst (2006) ressalta que

esta cidadania pode ser reivindicada pelos cidadãos europeus, mas somente no que

se refere aos direitos da União Européia, e não aos direitos de cada Estado.

Cidadãos europeus reivindicam direitos europeus, cidadãos de cada Estado-membro

reivindicam os direitos dos ordenamentos jurídicos, cívicos, dentre outros, nacionais.

A cidadania é um instrumento útil para o processo de legitimação da União

Européia, mas também de sua consolidação e eficiência (TOSTES, 2006).

No que tange à cidadania, tal direito implicaria na aceitação de uma

relação estreita e cotidiana com demais indivíduos dos Estados-membros, uma vez

que a livre circulação de pessoas deveria ocorrer sob preceitos do respeito e

tolerância das distinções culturais. Desta forma, enquanto não se afirmasse uma

identidade comum da União Européia, os discursos xenófobos e racistas tomariam

espaço. Importante considerar em qualquer discussão acerca da construção de uma

identidade européia o número elevado de imigrantes ilegais e legais que vivem no

território europeu e o acirramento das leis contra a imigração.

14 PÉREZ-BUSTAMANTE; COLSA, 2004:132 15 Programa instituído em 1987, com o intuito de parcerias e cooperação interuniversitária, de alunos e docentes, com mobilidade acadêmica entre 3 a 12 meses. Disponível em http://europa.eu/.htm, acessado em 05/06/08.

42

Cabe ressaltar as práticas racistas e xenófobas de grupos oriundos do

próprio ambiente europeu. Nesse sentido, o processo de integração e unificação

ainda terá de enfrentar resistências ideológicas, históricas e reações de resistências

no interior dos estados europeus, como os Bascos e Catalães (TOSTES, 2006). Tais

aspectos levam a inferir acerca da possibilidade de uma construção em âmbito

maior. Os ataques terroristas contra civis e a relação hostil entre bascos e espanhóis

suscita questionar acerca da exacerbação dos nacionalismos em face de uma

tentativa de maior convivência entre grupos distintos. Hoje a situação pode estar

controlada, mas ainda sim, não existem indícios de um sentimento comum entre

estes grupos e o Governo Espanhol.

A discussão sobre a Constituição Européia, sua rejeição, e até mesmo sua

materialização é crucial para entendermos o processo atual de unificação. Como já

mencionado, é possível inferir que a união da Europa foi baseada, inicialmente, em

interesses econômicos. Esta união busca o constante desenvolvimento econômico,

social, político e institucional de cada Estado-membro. Entretanto, com as

desigualdades econômicas cada vez maiores entre os Estados-membros, causadas

por conjunturas nacionais anteriores, contribuem para uma divisão, em detrimento

de uma união, da “Europa de ricos e a de pobres”. Isto leva ao surgimento dos

atuais desafios políticos e econômicos vividos pela União Européia, principalmente

em face aos últimos alargamentos.

Outra importante consideração a respeito da Constituição é a legitimidade

do processo constitucional e de suas condições, sendo essencial, a adoção da

Constituição pelo demos europeu, ou seja, pelos cidadãos europeus. Esta é a

diferença sumária entre o processo constitucional europeu dos demais, como o dos

Estados Unidos da América e Canadá. (RAMOS, 2007:4). Porém, a premissa de um

demos é de que este seja formado por cidadãos com uma identidade comum, o que

ainda não se encontra definido no contexto da unificação européia. Diferente seria

afirmar que não existe a possibilidade de uma identidade comum, entretanto, como

os laços e vínculos solidários (cooperação) criados e fortalecidos, a formação de

uma identidade da União Européia se torna bastante considerável.

Para Brunkhorst (2006), já existe de fato uma constituição européia, no

sentido de que os tratados de formação da União Européia designam normas,

regras, direitos e deveres para os cidadãos europeus. Soma-se a isto ainda, as

competências legislativas e jurídicas dos órgãos da comunidade européia.

43

Observando a discussão acerca da sumarização da Constituição

Européia, e da percepção a respeito dos primórdios da integração e unificação,

percebemos que a partir de 2004, quando o tratado da constituição foi elaborado (e

rejeitado em 2005), a União Européia não poderia mais avançar somente em

matéria econômica, mas também necessita considerar as matérias subjetivas de

identidades, cultura e cidadanias, principalmente a participação dos cidadãos

europeus e nacionais nas discussões políticas e funcionais da união

Esta participação acima é definida como déficit democrático: a capacidade

dos cidadãos em influenciar decisões na União Européia é baixa, se não

insignificante (CASTELLS, 2007). Além disso, boa parte do que seriam os poderes

que afetam a vida dos cidadãos foram transferidos para a União Européia. Este

isolacionismo tende direcionar a União Européia para um lado e a participação dos

cidadãos dela para outro, o que dificultaria o sentimento de pertencimento destes

cidadãos ou até mesmo dificultaria a percepção da chamada cidadania européia.

Tostes (2006) acredita que a busca para corrigir o déficit democrático são as ações

que buscam consolidar a cidadania européia e posteriormente a identidade comum.

É importante a participação e o conhecimento dos cidadãos europeus nas

questões de seus países como também no âmbito da União Européia. De acordo

com Tostes (2006), o processo de ratificação do Tratado de Maastricht foi demorado

e conflitivo, pois os cidadãos não estavam conscientes do processo de integração, e

não possuíam informações a respeito das instituições comunitárias. Assim como

desconhecem das mudanças nas políticas nacionais por conta da integração. A falta

de informação sobre as instituições comunitárias tornou-se arma fatal para a

promoção de uma identidade comum, principalmente no que tange ao

desconhecimento do papel e competência do Parlamento Europeu, a instituição

comunitária que representa os cidadãos da União Européia. Cabe destacar outro

dado essencial: a grande maioria dos Tratados que constituíram a UE não sofreram

ratificação popular. Nesse sentido, Tostes (2006) argumenta que:

“(...) a criação de uma cidadania e de um ordenamento jurídico de caráter regional visa reforçar, além dos instrumentos legais e institucionais, características de similaridades e de coincidências de idéias, interesses, crenças e valores entre os cidadãos que integram os Estados-membros da UE.” (TOSTES, 2006: 387)

44

Para os construtivistas, a formação das estruturas, principalmente as

políticas, são resultados das interações sociais de atores estatais e/ou indivíduos

(agentes), o que resultaria em identidades (re) construídas a partir de símbolos,

histórias, mitos. Assim como os agentes formam as estruturas, as estruturas também

moldam os agentes. Nesse sentido, partindo da premissa que a União Européia é

uma estrutura formada pelos agentes – Estado e indivíduos (cidadãos) – a UE

moldaria e influenciaria no comportamento, escolhas e identidades dos agentes,

resultando numa co-existência.

Castells (2000) acredita que a construção da integração e unificação da

União Européia perpassa por questões decorrentes da globalização e de identidades

nacionais. Em relação às implicações do fenômeno da globalização, Hall (2004)

aponta três efeitos deste sobre as identidades, a saber: as identidades rompem ou

deslocam; as identidades são reforçadas; e o declínio e a formação de novas

identidades híbridas. Neste sentido, cabe ressaltar que a formação das identidades

dos agentes, na atualidade, não se dá, pela rejeição das identidades nacionais

existentes. A construção de uma identidade da União Européia pressupõe a

preservação e adaptação das identidades nacionais e culturais de seus Estados-

membros. Não se trata, em momento algum, do abandono e negação das

identidades nacionais, mas da possibilidade de negociações em torno de uma nova,

que poderá conviver com outras já existentes.

Tostes (2006) acredita que o projeto para a construção de uma identidade

comum na União Européia já estava na agenda da integração, sendo uma

preocupação antiga deste processo, antes mesmo de se estabelecer a União

Européia. Entretanto, na história da integração e unificação, percebemos que a

identidade comum na União Européia só começou a ser discutida legitimamente

após o TUE, com o reconhecimento da cidadania e posteriormente do projeto

constitucional.

Outra forma da materialização da tentativa de construção de uma

identidade da União Européia pode ser reconhecida por meio dos processos

culturais e simbólicos ocorridos em seu interior. A construção de símbolos que

representam a União Européia, como a bandeira, o passaporte, o dia da

organização, o lema, Euro e o hino, podem ser compreendidos como signos que

pretendem unificar grupos distintos, prática bastante comum desde a criação do

Estado-Nação. Para Flôres Jr. (2007:17), os símbolos em um processo de

45

integração regional se constituem em elementos imprescindíveis no processo de

formação de uma consciência supranacional. Os símbolos auxiliam na formação de

uma organização e aprofundamento de integração regional. Hall (2000) afirma que

os símbolos são elementos constitutivos de uma consciência coletiva, ou seja, de

uma identidade comum. Flôres Jr. (2007:22) também afirma que é através da

“simbolização”, ou do processo de surgimento e utilização de símbolos, que a

identidade cultural será transmitida socialmente.

São três as razões a respeito da formação e utilização dos símbolos para

os contextos da integração regional: a primeira é para reforçar uma identidade

comum através de símbolos tangíveis (passaporte, bandeira) e de intangíveis

(baseados em princípios e conceitos) como o acquis communautaire16; a segunda é

auxiliar a criação de um espaço simbólico (através de eventos – esportivos e feiras);

e o último como reforço das instituições e suas práticas. (FLÔRES JR., 2007:22)

O contínuo processo de unificação européia é, historicamente, um dos

temas mais discutidos, e sua realidade está longe de ser definida. Cabe pensar até

que ponto um processo de unificação, que encerra objetivos de caráter internacional

e transnacional, poderá se efetivar justificado e apoiado apenas em interesses

econômicos e políticos. Entendemos a importância da manutenção das identidades

nacionais e culturais e a construção de uma identidade comum da União Européia

como cruciais para o sucesso duradouro desta integração e unificação.

Para que ocorra tal integração existem elementos que devem ser

considerados: destacamos a importância de construções políticas e econômicas em

relação ao déficit democrático, desde iniciativas de seus Estados, como da própria

União Européia. Acreditamos, corroborando com Castells (2000), que a Europa

permanecerá unificada não por vontade de seus Estados-membros, mas

principalmente pela vontade de seus cidadãos. Nesse sentido, a participação e

reconhecimento destes, no âmbito da União Européia, se convertem em pilar

fundamental: estes cidadãos devem estar informados e se interessarem nas

questões acerca da União Européia. Tentativas para que estas barreiras sejam

transpostas devem ser encarados como meta das políticas implantadas no âmbito

da União Européia.

16 Também conhecido como EU acquis. É todo o corpo de leis utilizado pelo Direito da União Européia, incluindo tratados e regulamentações das Instituições Européias, e contém principalmente os termos que devem ser adotados pelos candidatos a adesão da UE.

46

Cabe ressaltar as questões recorrentes de racismo e xenofobias.

Entendemos que, estes, quando são direcionados ao OUTRO – o latino, o asiático, o

africano – concorrem para fortalecer a identidade do EU – membro da União

Européia. No entanto, quando direcionados ao cidadão europeu, fruto das diferenças

culturais e identitárias, o etnocentrismo configura-se como barreira para a formação

de um sentimento de pertencimento.

Em linhas gerais, acreditamos que a construção de uma identidade da

União Européia obterá êxito por meio da aceitação e respeito à pluralidade de seus

Estados-membros – distintas culturas e histórias, somadas a valores institucionais

que estejam associados à participação de seus cidadãos e aos símbolos já criados

da União Européia.

47

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