a reforma da reforma

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O agregador da advocacia 38 Julho de 2011 www.advocatus.pt Simplifique-se o processo e reconheça-se que governar por decreto, suportado em pretensas boas ideias e teorias desligadas da realidade e da prática dos Tribunais, em nada tem ajudado para a boa solução dos problemas diários de quem lida com o nosso sistema de processo civil Escrever um artigo sobre a refor- ma do Código de Processo Civil é escrever necessariamente so- bre as inúmeras mudanças a que se tem assistido, introduzindo as mais diversas formas de processo (chegando-se ao ponto de já exis- tirem comarcas que seguem formas processuais próprias como é o caso das Varas Cíveis do Porto e mais umas poucas comarcas abrangidas pelo regime processual civil experi- mental, algo possivelmente impen- sável sequer num Estado Federal), alterando-se constantemente, com avanços e recuos, a lei de organi- zação e funcionamento dos Tribu- nais, a regulamentação das custas processuais, o regime dos recursos, o processo executivo, entre tantos outros exemplos. E por cada governo, e por cada mi- nistro, parece que se descobriu a pólvora e logo se introduz uma nova reforma, que se sobrepõe à anterior reforma, com a inerente dificuldade de, a certo ponto, mal se perceber qual o regime aplicável a um proces- so pendente, perdendo o sistema qualquer coerência, previsibilidade e unidade. Provavelmente, qualquer solução passaria simplesmente por reco- nhecer que projectos pomposos e ambiciosos de reforma, plenos de “na falta de fundamentos quanto à substância, sempre se poderá ‘deitar a mão’ de um qualquer erro na tramitação processual para que assim se anule todo um processo, normalmente longo” gonçalo malheiro Sócio de Indústria da pbbr. Licenciado pela Universidade Católica, em 1995, tem um LL.M em Arbitragem/ Contencioso na Universidade de Queen Mary, em Londres A reforma da reforma recurso respeitante ao julgamento da matéria de facto. Claro está que qualquer novo mode- lo de processo civil está condenado ao insucesso se não for acompanha- do por uma mudança do modelo de gestão e organização do Tribunal e por uma maior exigência na qualifi- cação de juízes, advogados, agentes de execução e funcionários judiciais com uma maior responsabilização pelo trabalho de cada um. Em suma, simplifique-se o processo e reconheça-se que governar por decreto, suportado em pretensas boas ideias e teorias desligadas da realidade e da prática dos Tribunais, em nada tem ajudado para a boa solução dos problemas diários de quem lida com o nosso sistema de processo civil. soluções originais, só ajudaram a complicar e a retirar credibilidade ao próprio funcionamento dos Tri- bunais. Assim, a solução passaria desde logo por simplificar o processo em vez de serem adoptadas “peregri- nas” soluções, que pouco resolvem e que ficam no papel. Sugerindo-se que essas alterações, antes de mais, sejam exequíveis e agilizem o processo, como, por exemplo, tornando-o menos escrito e mais oral, terminando com a fase infindável de articulados que deve- riam terminar na tréplica mas que se prolongam ao abrigo do princípio do contraditório que tudo justifica. Tornar efectiva a condenação por li- tigância de má-fé (seja da parte, seja do mandatário) por quem faz um uso ilegítimo do processo e utiliza expedientes meramente dilatórios. Eliminando as formas de processo avulsas, dispersas por muita legisla- ção que não o Código de Processo Civil. Concentrando a produção de prova num curto espaço de tempo, evitando-se que passem meses en- tre as várias audiências. Juntando- -se num só momento o julgamento da matéria de facto e de direito. Per- mitir a gravação vídeo e não apenas áudio das audiências de julgamento, de modo a tornar mais efectivo o Debate PUB

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A reforma da reforma

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Page 1: A reforma da reforma

O agregador da advocacia38 Julho de 2011

www.advocatus.pt

Simplifique-se o processo e reconheça-se que governar por decreto, suportado em pretensas boas ideias e teorias desligadas da realidade e da prática dos Tribunais, em nada tem ajudado para a boa solução dos problemas diários de quem lida com o nosso sistema de processo civil

Escrever um artigo sobre a refor-ma do Código de Processo Civil é escrever necessariamente so-bre as inúmeras mudanças a que se tem assistido, introduzindo as mais diversas formas de processo (chegando-se ao ponto de já exis-tirem comarcas que seguem formas processuais próprias como é o caso das Varas Cíveis do Porto e mais umas poucas comarcas abrangidas pelo regime processual civil experi-mental, algo possivelmente impen-sável sequer num Estado Federal), alterando-se constantemente, com avanços e recuos, a lei de organi-zação e funcionamento dos Tribu-nais, a regulamentação das custas processuais, o regime dos recursos, o processo executivo, entre tantos outros exemplos.E por cada governo, e por cada mi-nistro, parece que se descobriu a pólvora e logo se introduz uma nova reforma, que se sobrepõe à anterior reforma, com a inerente dificuldade de, a certo ponto, mal se perceber qual o regime aplicável a um proces-so pendente, perdendo o sistema qualquer coerência, previsibilidade e unidade.Provavelmente, qualquer solução passaria simplesmente por reco-nhecer que projectos pomposos e ambiciosos de reforma, plenos de

“na falta de fundamentos quanto à substância, sempre

se poderá ‘deitar a mão’ de um qualquer

erro na tramitação processual para que

assim se anule todo um processo, normalmente

longo”

gonçalo malheiro

Sócio de Indústria da pbbr. Licenciado pela Universidade Católica, em

1995, tem um LL.M em Arbitragem/Contencioso na Universidade de

Queen Mary, em Londres

A reforma da reforma

recurso respeitante ao julgamento da matéria de facto.Claro está que qualquer novo mode-lo de processo civil está condenado ao insucesso se não for acompanha-do por uma mudança do modelo de gestão e organização do Tribunal e por uma maior exigência na qualifi-cação de juízes, advogados, agentes de execução e funcionários judiciais com uma maior responsabilização pelo trabalho de cada um.Em suma, simplifique-se o processo e reconheça-se que governar por decreto, suportado em pretensas boas ideias e teorias desligadas da realidade e da prática dos Tribunais, em nada tem ajudado para a boa solução dos problemas diários de quem lida com o nosso sistema de processo civil.

soluções originais, só ajudaram a complicar e a retirar credibilidade ao próprio funcionamento dos Tri-bunais. Assim, a solução passaria desde logo por simplificar o processo em vez de serem adoptadas “peregri-nas” soluções, que pouco resolvem e que ficam no papel.Sugerindo-se que essas alterações, antes de mais, sejam exequíveis e agilizem o processo, como, por exemplo, tornando-o menos escrito e mais oral, terminando com a fase infindável de articulados que deve-riam terminar na tréplica mas que se prolongam ao abrigo do princípio do contraditório que tudo justifica. Tornar efectiva a condenação por li-tigância de má-fé (seja da parte, seja do mandatário) por quem faz um uso ilegítimo do processo e utiliza expedientes meramente dilatórios. Eliminando as formas de processo avulsas, dispersas por muita legisla-ção que não o Código de Processo Civil. Concentrando a produção de prova num curto espaço de tempo, evitando-se que passem meses en-tre as várias audiências. Juntando--se num só momento o julgamento da matéria de facto e de direito. Per-mitir a gravação vídeo e não apenas áudio das audiências de julgamento, de modo a tornar mais efectivo o

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