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Análise do filme "A Rede Social"

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a rede social ed andrade

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MONOGRAFIA ANÁLISE DO FILME

A REDE SOCIAL

ed andrade

profa. Bernadette Lyra

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM COMUNICAÇÃO

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Sumário PARTE I ....................................................................................................................... 5

Desconstrução Fílmica............................................................................................ 5 FICHA TÉCNICA...................................................................................................................... 7 TABELA DE ATORES E PERSONAGENS DA VIDA REAL ......................................................... 9 RELATO.................................................................................................................................. 10 O TEMA DE “A REDE SOCIAL”............................................................................................. 17 NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA....................................................................................... 19

O ESTILO DO FILME........................................................................................................... 19 A SEQUÊNCIA DE ABERTURA E OS CRÉDITOS INICIAIS.................................................. 21 O ROTEIRO DE AARON SORKIN ...................................................................................... 25

PARTE II .................................................................................................................... 27

Contexto Histórico-Social ..................................................................................... 27 REALIDADE X FICÇÃO ......................................................................................................... 29

PARTE III ................................................................................................................... 37

Processos de Envolvimento Externos................................................................... 37 RECEPÇÃO E GÊNERO ........................................................................................................ 39

PARTE IV .................................................................................................................. 43

Síntese Analítica Personalizada ........................................................................... 43 A REDE SOCIAL É O CIDADÃO KANE DO SÉCULO XXI..................................................... 45

1) A COMUNICAÇÃO DE MASSA COMO PROBLEMA CENTRAL ................................ 46 2) O USO DO REAL DRAMATIZADO............................................................................... 46 3) MÚLTIPLOS PONTOS DE VISTA NARRATIVOS.............................................................. 47 4) ATMOSFERA DARK ....................................................................................................... 47

Fontes de Pesquisa ................................................................................................ 53

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PARTE I

Desconstrução Fílmica

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FICHA TÉCNICA

A Rede Social

Título original: The Social Network

Ano: 2010

Tempo: 120min

colorido

Direção: David Fincher

Roteiro Adaptado: Aaron Sorkin

(Baseado no livro The Accidental Billionaires de Ben Mezrich)

Fotografia: Jeff Cronenweth

Edição: Angus Wall e Kirk Baxter

Trilha Original: Trent Reznor e Atticus Ross

Produção: David Fincher, Scott Rudin, Dana Brunetti, Ceán Chaffin, Michael De Luca

Produção Executiva: Kevin Spacey

Storyline:

Baseado no romance The Accidental Billionaires de Ben Mezrich, o filme acompanha o vida do criador da rede social Facebook, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg)- o mais jovem bilionário do mundo. A história se concentra nos anos iniciais da criação do site e a estrutura narrativa é construída a partir da dramatização do processos legais que Mark enfrentou.

Elenco Principal:

Jesse Eisenberg- Mark Zuckerberg

Andrew Garfield- Eduardo Saverin

Justin Timberlake- Sean Parker

Armie Hammer- os gêmeos Winklevoss

Rooney Mara- Erica Albright

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Estúdio: Relativity Media Trigger Street

Distribuidor: Columbia Pictures

Especificações Técnicas:

Câmeras:

Red One Camera ( Lentes Zeiss Master Prime e Angenieux Optimo )

Som:

Dolby Digital, DTS, SDDS

Formato do Negativo:

Redcode RAW

Digitais para Transfer:

Digital Intermediate (2K)- master

Redcode RAW- original

Transfer em Película:

35mm (anamórfico)

Negativo Fugi Eterna- CP 3513DI

Aspect Ratio:

2.35:1

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TABELA DE ATORES E PERSONAGENS DA VIDA REAL

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RELATO

Em 2003, o estudante Mark Zuckerberg tem a idéia de criar um website para avaliar o grau de atratividade das alunas da Universidade de Harvard (onde é aluno) após uma briga onde sua namorada, Erica Albright, rompe com ele. Magoado e querendo uma forma de revanche, Mark começa a hackear as databases dos prédios que acomadam os estudantes, baixa

fotos e nomes das alunas e, usando um algorítimo feito pra avaliar jogadores de xadrez1 fornecido por seu melhor amigo Eduardo Saverin, ele cria um site chamado FaceMash.com, onde os alunos (homens na maioria)

1 trata-se do conhecido algorítimo para sistemas de avaliação Elo, facilmente

encontrado na internet

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tem duas fotos de alunas apresentadas e devem escolher quem é a mais bonita. Isso tudo é feito em uma única noite, bebendo com seus amigos e ao mesmo tempo postando mensagens ressentidas sobre Erica em seu blog.

Mark é punido com seis meses de condicional acadêmica depois que o intenso tráfego no site faz a rede de Harvard cair e, pelo teor sexista do site,

torna-se também o “vilão” da comunidade feminina. No entanto, o sucesso do site e fato dele ter sido criado em apenas uma noite chama a atenção dos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (membros

da equipe de remo da Universidade) e de seu sócio Divya Narendra. Eles o convidam então para fazer a programação de um projeto deles, o site de relacionamentos Harvard Connection.

Na sequência, Mark procura seu amigo Eduardo e lhe conta sobre a idéia que tem para um projeto que se chamaria “thefacebook”, um website de relacionamento social exclusivo para alunos da Harvard. Mark lhe explica que o site permitirá que as pessoas troquem informação social e pessoal de forma segura. Eduardo concorda em fazer parceria com Mark e investe US$1.000,00 iniciais para ajudar na fundação do site. Uma vez finalizado o trabalho de programação, eles enviam links para os contatos de Eduardo dentro de um dos mais tradicionais Final Clubs2 de Harvard, o Phoenix S-K e logo o site se populariza entre seus membros e de lá para o resto do campus. Quando os gêmeos Winklevoss descobrem o site, eles alegam que Mark usou sua idéia e se aproveitou das informações sobre o projeto que lhe forneceram. Eles cogitam processar Mark mas antes decidem tratar da questão fora da corte, como “cavalheiros de Harvard”, tentando entrar em contato direto com Mark que não lhes retorna.

2 Os alunos de Harvard tradicionalmente se afiliam a diferentes clubes sociais ao

longo de seus estudos. Os chamados Final Clubs são a última categoria desses clubes, para os graduandos do último ano, os chamados seniors.

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Numa palestra de Bill Gates, duas outras alunas de Harvard, Christy Lee e sua amiga Alice, se apresentam a Eduardo e Mark. Elas pedem que os garotos lhes contactem através do thefacebook (elas usam o neologismo “facebook us”) e isso lhes deixa bastante impressionados. Eles estavam se tornando figuras populares em Harvard. Eles combinam um encontro num bar mais tarde onde acabam fazendo sexo casual com as gorotas no banheiro, o que só lhes aumenta a reputação cool recém adquirida. Na mesma noite, Mark encontra com a ex-namorada Erica e tenta se desculpar pelo ocorrido anteriormente. Erica ainda está magoada e, por ser estudante da Boston University (e não de Harvard), não sabe nem da existência do thefacebook o que mexe com a vaidade de Mark que então começa a traçar planos e estratégias, junto a Eduardo, para ampliar o thefacebook para outras escolas.

O crescimento e popularidade do thefacebook irrita ainda mais os irmãos Winklevloss, por verem “sua idéia” se desenvolvendo sem eles. Eles ainda exitam em processar Mark judicialmente e resolvem antes apelar para o diretor de Harvard, alegando que Mark quebrara o código de ética dos alunos ao se apropriar de sua idéia para o site. O presidente de Harvard, Larry Summers, não dá atenção ao caso ou ao potencial do thefacebook e recomenda, caso eles realmente se sintam prejudicados, que então entrem com um processo.

O thefacebook acaba chamando a atenção de Sean Parker, um dos fundadores da rede p2p (peer-to-peer) Napster. Através de Christy Lee,

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agora namorada de Eduardo, um encontro é arranjado entre Sean Parker e os empreendedores do thefacebook. No encontro, Mark se fascina com o jeito inconformista e petulante de Sean Parker mas Eduardo fica mais reticente, preocupado com o histórico profissional e pessoal polêmico e notando uma certa paranóia no comportamento de Parker. Nenhuma parceria é estabelecida mas Mark fica muito emplogado com a visão de Parker, muito semelhante ao que ele mesmo vê para sua empresa. Antes de sair, Sean Parker ainda deixa uma contribuição importante ao projeto: sugere que tirem o “the” do nome e deixem somente “Facebook”.

Nas férias de verão, Mark aluga uma casa na Califórnia (Palo Alto) e muda a sede de operações do site para a costa Oeste, sugestão também feita por Parker, para que eles ficassem mais perto da energia que rolava no chamado Vale do Silício. Eduardo fica na costa Leste já que tem um estágio para as férias em Nova York e procuraria anunciantes em potencial para o site. Neste ponto, Mark e Eduardo tem visões já bem diferentes do que a empresa precisa para crescer. Eduardo quer implantar o modelo de anúncios pagos como na maioria dos sites de sucesso e Mark prefere continuar investindo no lado “cool” do Facebook e primando por ser um site de grande confiablidade técnica e cujos servidores nunca caíam. Pare ele,

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e também para Parker, isso é o verdadeiro diferencial do Facebook e o que pode lhe distinguir entre ser só mais um site de sucesso ou ser um negócio realmente grande e único.

Quando Eduardo vai visitar Mark na Califórnia, ele encontra Parker vivendo com ele na casa que alugaram e também participando das decisões para a empresa, contactando investidores em potencial. Enciumado com a intrusão de Parker, Eduardo bloqueia a conta de banco que abrira para a empresa e volta a Nova York. Chegando em casa, Eduardo e Christy tem uma briga porque na página de Eduardo no Facebook, ele declara seu status de relacionamento como “solteiro”. No meio da briga, Mark liga pedindo satisfações sobre o porque Eduardo havia congelado a conta e como isso poderia ser prejudicial a empresa. Enquanto isso Christy bota fogo na echarpe que Eduardo lhe trouxera de

presente e tenta espalhar o fogo pelo apartamento. Eduardo tem que lidar com o telefonema e com a cena de ciúmes da namorada ao mesmo tempo, nisso Mark lhe diz que a empresa conseguiu um investimento de meio milhão de dólares de um empreendedor novo, Peter Thiel, um dos fundadores do site de pagamentos online Pay Pal. Eduardo resolve então voltar a Palo Alto e também termina o romance com Christy.

Na Inglaterra, após uma competição de remo (a Henley Royal Regatta), os irmãos Winklevoss descobrem que o Facebook agora também já chegou nas melhores faculdades da Europa. É então que eles finalmente resolvem processar Mark Zuckerberg. Em Palo Alto, Eduardo assina um acordo com os novos investidores, onde a participação societária do Facebook é redividida, o que ele não sabe ao assinar o novo contrato social é que apenas as suas cotas de ação são passíveis de serem diluídas quando a empresa entrar no mercado de capital aberto.

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De volta mais uma vez a Palo Alto para comemorar com Mark e Parker (agora também sócio com 7% das ações) a marca de um milhão de usuários do Facebook, Eduardo descobre que sua participação acionária na empresa caiu de 36% para 0,3% depois que somente sua parte nas ações sofreu diluição. Enfurecido, Eduardo briga com Mark, lhe acusa de ter traído seu único amigo e anuncia que entrará com um processo contra ele.

Para comemorar a marca do “um milhão” de usuários, Parker dá uma festa. A polícia, que fora chamada para acabar com o barulho, acaba flagrando Parker com posse de drogas e na companhia de menores de

idade (estagiárias do Facebook) e ele vai preso mas é solto após pagar fiança. O episódio estremece a relação de Parker e Mark, que teme os reflexos negativos que o incidente trará para a empresa.

O filme todo é construído em cima de uma narrativa não linear, alternando vários flashbacks e o transcorrer desses dois processos, o dos irmãos Winklevoss e o de Eduardo Saverin, vão ser os fios condutores da narrativa e de onde vamos apreendendo todo esse enredo.

Na cena final, uma das advogadas de defesa conversa sozinha com Mark e lhe explica que é melhor que ele aceite a proposta de acordo com

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Eduardo. Os detalhes de como as negociações foram feitas e a própria personalidade de Mark, fariam dele um réu que causaria grande antipatia num júri público. O acordo seria a melhor solução portanto. Antes de sair a advogada ainda lhe diz: “Você não é esse imbecil que todos pensam, você só está tentado muito sê-lo…” . Mark então volta a olhar sua página no Facebook, quando encontra o perfil da antiga namorada Erica Albright. Ele então lhe envia um pedido de “amizade” e fica atualizando a página a cada cinco segundos pra ver se ela o aceitara. Durante essa última cena de Mark na frente do computador ainda vemos uma espécie de epílogo (em textos) mostrando o destino dos personagens reais: Mark se tornou o bilionário mais jovem do mundo e seu Facebook hoje conta com mais de 500 milhões de usuários e está avaliado em 25 bilhões de dólares. Os irmão Winklevoss competiram nas Olimpíadas de Pequim e chegaram em sexto (e último) lugar, no processo fecharam um acordo com cláusula de confidencialidade com Mark que lhes garantiu 65 milhões de dólares. Eduardo Saverin também fechou um acordo de valor não revelado com Mark, assegurou participação de 7% nas ações da empresa e teve seu nome restituído como um dos co-fundadores do Facebook.

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O TEMA DE “A REDE SOCIAL”

O filme “A Rede Social” tem sido considerado como um retrato do jovem do século XXI e realmente atinge esse objetivo.

Mas não é um filme somente pra usuários do Facebook nem é apenas sobre a história do Facebook, é um grande filme que trata do tema universal dos relacionamentos humanos numa abordagem clássica, não é um filme “moderninho” sobre tecnologia. Grandes temas estão discutidos lá: amizade, traição, inveja, solidão, ambição, hierarquia social, etc. É nesse sentido que o filme se aproxima de uma abordagem clássica, uma estrutura de tragédia na sua construção. O frescor do filme vem da coragem de trabalhar uma visão dessa geração de dentro desse furacão. Daqui alguns anos, quando outros cineastas retornarem a esse período da nossa História talvez eles consigam ser mais críticos e mais analíticos, amparados pela claridade e eloquência que a passagem do tempo trás. Porém, um dos grandes méritos do filme é esse sentido de urgência que ele consegue passar por estar tentando definir o seu próprio tempo.

Muitos entendem que o filme fala de relacionamentos numa geração que escolhe não se relacionar e usa a tecnologia como uma espécie de esconderijo para evitar o contato humano, para não se relacionar. Outros defendem que a tecnologia e o relacionamento através das redes sociais digitais são uma extensão, e não substituta, da estrutura social “real” e por isso as pessoas se relacionam mais e não menos. Essa discussão é complexa e no mínimo polêmica, e muitos defendem um ou outro lado, porém não vamos discutir essa questão aqui mesmo porque não é isto que o filme discute também.

“A Rede Social” não discute diretamente os relacionamentos mediados pela tecnologia como a princípio possa parecer. Também não é um filme sobre o Facebook e sua história. Tópicos que são efetivamente discutidos no filme, além desses relacionamentos universais e humanos que apontamos, são as relações mediadas pelo sistema legal e jurídico e a crítica que se faz aqui é justamente a essa instituição tradicional que efetivamente usa seus códigos pra estabelecer suas “verdades”, não é uma busca pela verdade

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em si, é antes um exercício de como mostrar a “verdade” cabível e interpretada pelas leis. O filme é implacável em mostrar como a sociedade americana em particular usa esse sistema jurídico de forma distorcida. É muito comum que se diga que a comunicação pela internet afasta as pessoas dos relacionamentos reais e o que o filme mostra é que isso não é uma característica da internet e sim de qualquer instituição reconhecida. As instituições, quer seja a internet, o sistema jurídico ou o próprio cinema só se sustentam usando os códigos e regras que elas mesmas criam.

A história do Facebook e a genialidade do empreendedor Mark Zuckerberg são panos de fundo para o filme. Existe sim uma nova geração retratada no tom geral do filme e nas excelentes atuações do elenco, porém a história que é contada não trata da relação que essa geração estabelece com a tecnologia, trata sim de tradicionais códigos e hierarquias sociais. O grande tema universal é a comunicação e a necessidade inerente ao ser humano de se relacionar.

Muitos reconhecem aqui uma estrutura de tragédia nessa narrativa. É uma história que vai fatalmente acabar sem final feliz. O personagem central está envolvido em algo maior que ele mesmo, a criação do Facebook, a maior rede social digital de nosso tempo.

Como no instigante slogan que estampa o cartaz do filme diz “não se chega a 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos”.

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NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA

O ESTILO DO FILME

O filme é todo construído de forma não linear. O roteiro de Aaron Sorkin, conhecido pelos roteiros de Questão de Honra (A Few Good Men,1992) e do seriado para TV The West Wing, faz um uso criativo e inteligente de vários

recursos pra atingir essa não linearidade. Com seu estilo característico (e até atípico no cinema americano) de escrever muitos diálogos, Sorkin imprime um rítmo ágil e frenético a narrativa, apesar da relativa falta de ação física nas cenas do filme. Esse recurso da não linearidade é traduzido na forma de diferentes pontos de vista narrativos, alternados ao longo do filme, o que por si só, já deixa ver que não existe um só narrador 100%

confiável, os pontos de vista dependem do lado de quem está contando a história o que torna o filme sempre instigante e deixa o espectador desconfiado do que ouve. Cabe a ele pesar os fatos e chegar a sua própria conclusão

David Fincher é conhecido pela sua direção segura, seu estilo visual apurado e sombrio e pela predileção por filmes de thriller (suspense). Filmes como Os 7 Pecados (Seven,1995), O Clube da Luta (Fight Club,1999), O Quarto do Pânico (Panic Room, 2002) e Zodíaco (Zodiac, 2007) deixam ver seu gosto pelo gênero. Além do suspense, podemos identificar em muitos de seus filmes protagonistas problemáticos que são retratados de forma oblíqua e cuja história geralmente é contada sob outros pontos de vista que não desses personagens. Podemos destacar o personagem paranóico de O Clube da Luta, que sofre de dupla personalidade mas que só descobrimos no fim da trama ou o serial killer de Zodíaco que é procurado por um

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jornalista e um policial mas que nunca conhecemos ao longo do filme. O que queremos destacar aqui é que Fincher gosta de trabalhar seus protagonistas “de fora”, eles não são sempre os narradores da história. Isso cria um efeito interessante que ao mesmo tempo gera um distanciamento e uma desconfiança porque sabermos (ou descobrirmos no final) que não é através dos olhos desses personagens que estamos vendo a história. Essa é uma característica interessante que podemos ver em Fincher e que vai ser importante para o viés que vamos traçar na análise de A Rede Social. Outra característica que não é muito comentada mas também nos vai ser central é que Fincher já referenciou e homenageou grandes diretores e filmes em alguns de seus projetos anteriores. Ele é um fã de Cinema. Podemos destacar seus trabalhos com a cantora Madonna, em especial a ode ao Cinema de Vogue (1990) e a homenagem ao clássico Metrópolis (1927) do diretor expressionista alemão Fritz Lang em Express Yourself (1989). Outro exemplo nessa linha é o tom Hitchcockniano assumido de O Quarto do Pânico e seu famoso plano-sequência que evoca o clássico Festim Diabólico (Rope, 1948). Enfim, Fincher gosta de visitar a memória do Cinema.

A fotografia de Jeff Cronenweth e a montagem de Angus Wall e Kirk Baxter (todos colaboradores costumeiros de Fincher) usam um conceito interessante para um filme cujo assunto central é o Facebook: a própria tecnologia digital. A fotografia do filme, ao invés de ter sido feita em película, foi feita desde a captura em digital, utilizando as câmeras RED ONE, coqueluche dos ávidos por tecnologia. A edição e a pós-producão foram feitas com os softwares Final Cut Pro da Apple e After Effects da Adobe. Apesar de serem programas robustos e profissionais, muitos filmes de grande orçamento usam sistemas proprietários para a montagem e pós-produção. Tanto o Final Cut quanto o After Effects são programas que são usados também por um público menos especializado e são quase que padrão para cineastas e editores independentes. Isso é um dado interessante porque revela que tanto a fotografia quanto a edição optaram por deliberadamente usar ferramentas comuns, isso aproxima essa equipe criativa da geração que buscam retratar e o uso dessas ferramentas comuns já garante uma conexão com a linguagem que esta geração está familiarizada. É claro que não quero implicar com isso que o filme, como é, poderia ter sido feito com um baixo orçamento, é obviamente um filme mainstream e caro mas essa escolha das ferramentas, por si só, ajuda criar um elo de familiaridade com a linguagem digital mais democratizada e acessível a essa geração.

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A trilha sonora de Trent Reznor (do Nine Inch Nails) e Atticus Ross, reforça esse conceito apoiado na idéia de tecnologia. Trata-se de uma trilha essencialmente techno, com batidas e sons industriais, distorções e pouca “humanidade”. A atmosfera que trás para o filme é aflita, rápida, agitada. Existe um clima de urgência na narrativa e a trilha brilhantemente reforça e conversa com o filme.

Neste capítulo vamos ainda analisar em mais detalhes como algumas sequências específicas são construídas e como elas definem o estilo do filme. Essa pequena introdução que fizemos da equipe criativa principal vai ser útil uma vez que vamos voltar a falar deles na desconstrução dessas cenas e em outras partes dessa análise.

A SEQUÊNCIA DE ABERTURA E OS CRÉDITOS INICIAIS

A sequência de abertura de “A Rede Social” é uma sequência chave dentro da narrativa. Pra começar, ela é estruturalmente um “prólogo” ao filme, iniciando a pré-narrativa antes mesmo dos créditos. Como “prólogo”, ela deve ser entendida como uma força determinante dentro do que será

Plano Conjunto de Erica e Mark

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contado nessa narrativa. É nela que vamos encontrar a motivação para a ação principal do filme.

Já na vinheta de abertura com o logo da Columbia Pictures, o primeiro elemento do filme que temos contato é o audio. A música que toca (uma das poucas que não é composta pela dupla Trent Reznor e Atticus Ross) é “Ball and Biscuit” da banda “The White Stripes”. A faixa é do disco “Elephant” de 2003, mesmo ano em que começa a narrativa do filme, etabelecendo aí, pelo uso do som, o espaço temporal dessa primeira sequência.

O som e sua aplicação no filme através dos diálogos e da trilha sonora também deve ser entendido como o elemento condutor principal do filme e isso fica claro também nesta sequência. Antes mesmo de vermos alguma

imagem, o que ouvimos primeiro já é um diálogo entre o protagonista Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) e sua então namorada Erica Albright (Rooney Mara). Da tela preta, vem um longo fade in que revela os personagens, num plano conjunto, sentados numa mesa de bar.

A conversa que se segue revela vários pontos interessantes. Em primeiro lugar, ela estabelece o ritmo rápido dos diálogos que vão dominar o filme. A velocidade e a quantidade de assuntos que Mark dispara chega a quase provocar vertigem no espectador e isso é crucial também para entendermos o que Erica está sentindo. Além de ter de dar conta de acompanhar o fluxo de assuntos díspares que Mark vai concatenando na conversa, ela também tem que lidar com a interpretação enviesada que Mark apreende de suas respostas. É exaustivo. Mark sempre está um passo a frente e Erica, e os espectadores, correm atrás para acompanhá-lo.

A decupagem é relativamente simples: plano e contra-plano, privilegiando o uso de planos próximos por cima dos ombros (over-the-shoulder) o que mantém o foco narrativo nos diálogos e cria uma certa

Plano Próximo de Erica

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equivalência na importância imagética desses planos, próximos aos atores mas mantendo uma certa distância, sugerindo falta de intimidade.

Ao longo da cena Erica se cansa. Ela resolve acabar o relacionamento com Mark ali mesmo. Até esse ponto, Mark já conseguiu, em poucos minutos, implicar que ela não acompanha intelectualmente seus pensamentos, desprezar sua escolaridade por ela estudar na Boston University e não na Harvard, se enciumar por achar que ela preferiria que ele fosse um remador, corrigir sua gramática ( “é ‘Final Clubs’ e não ‘Finals Clubs’…”), sugerir que ela o menospreza (?!!!), que acha que ele só entraria no Clube menos importante de Harvard e a lista vai embora…

Mark se revela arrogante, presunçoso, neurótico, preocupado demais com status social (e entrar num prestigioso Final Club), desfensivo em excesso e com pouquíssimo traquejo social. Ele não tem idéia de como é desagradável. Isso tudo, dentro da narrativa, serve para estabelecer essa caricatura básica do Mark do filme: um cara genial e inteligentíssimo sem dúvida mas (com o perdão da palavra) um grande “cuzão” (asshole) no trato com as pessoas. Como Erica profetiza: “No futuro você vai ser um cara muito importante no mundo dos computadores mas você vai passar a sua vida pensando que as garotas não gostam de você porque você é um nerd. Só quero te clarificar uma coisa, do fundo do meu coração, que essa não vai ser a razão: a razão é que você é um cuzão!” Essa última frase de Erica é dita num plano mais próximo, em oposição a maior parte da decupagem (em over-the-shoulder), o que ressalta a importância desse comentário na cena, no prólogo do filme, definindo, pelo menos dentro da lógica do filme, o leitmotiv que vai nortear as ações de Mark.

Assim termina o prólogo e entra e sequência com os créditos, o início propriamente dito do filme. Essa sequência é uma montagem de vários planos mostrando o retorno de Mark ao campus. Não tem diálogos. A música é o que liga estruturalmente as cenas e dá o tom dessa sequência. No início, a música é lenta e melancólica, evoca uma sensação de abandono e solidão, são apenas poucas notas de piano conduzindo a melodia. A medida que Mark se aproxima do dormitório, vão entrando notas dissonantes e a melancolia dá lugar a um estranhamento, a música fica sombria e presumimos que o filme tem algo de suspense, o gênero que o diretor David Fincher frequentemente visita. A música aqui também é atípica se comparada ao resto da trilha. Ela é mais “humana” e orgânica ao passo que o resto da trilha é mais techno, privilegiando um som mais industrial. Esse Mark do filme tem um lado negro, ele está tramando algo…

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Essas sequências vão, como dissemos, estabelecer o leitmotiv do filme. Dentro da estrutura narrativa (do conto do filme mais do que a precisão histórica dos fatos), vão estar aqui as razões e a motivação que levam Mark a construir o maior site de relacionamentos do mundo, o Facebook.

A sequência que segue, mostra Mark externando seu despeito, construindo o site FaceMash.com para comparar as garotas da Universidade enquanto posta simultaneamente em seu blog comentários ressentidos e maldosos sobre Erica. Interessante notar que aqui é um dos poucos momentos do filme que a história é narrada por Mark, porém, não é o Mark personagem em primeira pessoa que conta a história, é o Mark do blog e é pelas postagens que fez no blog que ouvimos suas explicações de como foi o processo para criar o FaceMash.com.

Ao longo do filme, o ponto de vista narrativo vai sendo alternado várias vezes. No geral, a história que ficamos sabendo é uma colagem das versões dos irmãos Winklevoss e de Eduardo Saverin durante os processos legais que moveram contra Mark. Esses 2 processos vão sendo alternados com flashbacks e “costurando” essa narrativa. É interessante notarmos que a não lineridade que identificamos no filme está na temporalidade e espacialidade, o filme pula pra frente e pra trás o tempo todo mas ele relaciona esses tempos e lugares diferentes através de uma coesão narrativa. É como se acompanhássemos uma história contínua e linear porém construída com esses fragmentos tirados de lugares e tempos diferentes.

Essa brincadeira em alternar os pontos de vista narrativo no filme vai ser planejada de forma brilhante no roteiro de Aaron Sorkin. É interessante notarmos que a não linearidade do filme vem sobretudo da construção do roteiro. Existem filmes, onde essa não linearidade ganha forma realmente na edição como em Pulp Fiction ( de Quentin Tarantino, 1994). Aqui é no roteiro.

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O ROTEIRO DE AARON SORKIN

O roteiro de Aaron Sorkin vai estruturar como essa não linearidade é construída na narrativa.

Aaron é um roteirista conhecido por seus diálogos bem construídos e por seu estilo bastante pessoal. O cinema geralmente privilegia a ação em detrimento do diálogo. Um filme que tem muitos diálogos, como “A Rede Social”, depende de uma direção e atuação fortes o suficiente para que o filme não fique sem ritmo ou em que a linguagem não pareça mais próxima do teatro do que propriamente do cinema. Aaron prevê essas dificuldades e propõe soluções interessantes no próprio roteiro.

Na TV, em trabalhos como as séries “The West Wing” e “Sports Night”, o estilo verborrágico dos roteiros de Sorkin acabou resultando numa solução de direção, hoje muito difundida e em voga, de como se filmar tais cenas com longos diálogos. É o recurso chamado “walk & talk”, onde as cenas de longos diálogos são filmadas com os personagens andando e fazendo

o roteirista Aaron Sorkin

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alguma coisa. Geralmente usam o recurso da steady-cam para acompanhar esses atores e conseguir uma cena mais dinâmica do que o simplesmente filmar em plano e contra-plano esses atores parados numa sala.

Em “A Rede Social”, Aaron tem um outro desafio: a maioria das cenas se passa em acareações durante os processos que Mark responde. Pela natureza dessas cenas, os personagens estariam numa sala, sentados e impossibilitados de se movimentar. Sorkin garante dinamismo para essas cenas através da não linearidade da história. Ele pula de um processo pro outro e para as cenas de flashback construindo uma narrativa coesa e contínua que não está apoiada em quando os fatos aconteceram mas antes usa os temas que estão sendo discutidos como ponto de ligação.

Como exemplos desse recurso, podemos citar as sequências que mesclam cenas dos dois processos diferentes que Mark enfrenta, onde uma pergunta é levantada em um processo e vemos a resposta em outro ou uma questão é feita numa cena e a resposta é no flashback de onde aconteceu o fato.

Uma variação também interessante que ele usa pra brincar com essa simultaneidade que permeia o roteiro é na cena em que Christy e Eduardo Saverin (Andrew Garfield) estão tendo uma briga ao mesmo tempo que Eduardo está conversando com Mark. Eduardo tem que apagar o fogo que sua namorada bota no quarto ao mesmo tempo que tem que explicar pra Mark o porquê havia congelado a conta da empresa. Se no resto do filme vemos o recurso de juntar numa ação contínua cenas que aconteceram em tempos e locais diferentes, aqui vemos o contrário, ele usa uma cena que tem unidade temporal e espacial para construir duas ações diferentes e simultâneas. Mais um toque de sofisticação neste excelente roteiro.

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PARTE II

Contexto Histórico-Social

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REALIDADE X FICÇÃO

Como o filme trata de personagens reais, fica sempre a pergunta: quanto do roteiro é verdade e quanto é ficção?

O Mark Zuckerberg real declarou que o filme é pura ficção, tirando o fato dele e seus amigos terem fundado o Facebook ainda enquanto estudantes em Harvard e que as coisas mais realistas que identificou na sua representação no filme foram as roupas. “Todo moletom e camiseta que mostram no filme realmente são peças que eu tive”, diz ele.

O diretor David Fincher e o roteirista Aaron Sorkin consideram que o filme é bastante fiel aos fatos porém que a realidade foi dramatizada para tornar o filme mais interessante afinal, ponderam, ninguém gostaria de ver um filme de duas horas sobre um cara programando um site. Sorkin é um pouco mais específico na sua avaliação e declara que não quer que sua “fidelidade seja com a verdade, mas com a arte de story-telling.” Aí está um grande acerto na abordagem que utilizou para o filme, ao invés de “A Rede Social” soar como um documentário ou ter uma preocupação didática em relatar fatos, ele se vê como obra cinematográfica e nisso alcança seus maiores méritos.

O filme é baseado no livro “The Accidental Billionaires” de Ben Mezrich e assim como o livro, os fatos narrados vieram basicamente das declarações obtidas nos dois processos no qual o filme se concentra e de informações publicadas em jornais, revistas e até do próprio antigo blog de Mark Zuckerberg. Como muito do livro e do filme foi baseado em queixas que levaram a processos jurídicos, não é de se estranhar que o filme não retrate Mark Zuckerberg como um personagem íntegro e de caráter inabalável, mesmo assim, o personagem do filme consegue ser multifacetado e embora o filme mostre Eduardo como um personagem mais fácil de se gostar, Mark também ganha certa simpatia do espectador principalmente quando

Mark Zuckerberg

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enfrenta com sua eloquente arrogância os personagens que representam o sistema.

No mundo real, não podemos nos esquecer que o tema das redes sociais na internet estava quente no mundo inteiro em 2003. Não é que Mark Zuckerberg inventou o conceito, muito menos os irmãos Winklevoss. No Brasil, por exemplo, redes como Fotolog e Orkut já eram bastante populares entre

os jovens. O que o Facebook trouxe de diferente foi uma certa exclusividade para os usuários. Quem entra hoje na rede, já tão ampla e difundida, não tem mais como ter essa perspectiva. Mesmo depois do Facebook não estar mais restrito a Harvard ou a apenas endereços universitários, novos membros só conseguiam criar um perfil através de convite. O Facebook espelhava uma hierarquia social que distinguia seus membros e trazia consigo um certo pedigree e um toque de exclusividade por ter vindo da elite universitária de Harvard. Também não é uma rede social que basta participar para ter acesso irrestrito. Cada usuário constrói sua própria rede de amigos e só quem

pertence a essa rede tem acesso as informações postadas, o que evita uma certa “bisbilhotisse” que caracterizou, por exemplo, muito tempo o Orkut.

O Facebook também era um site fortemente apoiado em seus aplicativos sociais. Muito do “relacionamento” que acontecia no site era atravás de pequenos aplicativos que se podia instalar na página do usuário e isso atraía também um público mais ligado em tecnologia e que prezava essa remixibilidade, afinal esses aplicativos eram desenvolvidos for terceiros e poderiam rodar no Facebook como plataforma de execução. A interface mais simplista de “posts” na página do usuário como é hoje veio bem depois, até os posts nessa primeira fase eram manejados também por um aplicativo que era conhecido como “The Wall” e não gerenciados na interface do site.

A ordem em como os personagens é apresentada no filme também influencia nossa percepção do enredo. Em linhas gerais. Fica subentendido

Eduardo Saverin

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que Mark, motivado por ciúmes, cria uma rede social depois de se “inspirar” na idéia dos gêmeos Winklevoss. Eduardo é passado pra trás pelo seu melhor amigo e pelas más companhias que o influenciaram, em particular Sean Parker e Peter Thiel.

Se olharmos essa história vinda da outra ponta podemos ter uma visão diferente. Começando de trás pra frente, pensemos em Peter Thiel, que é o último a entrar na história. Na verdade, Peter Thiel já era um empreendedor extremamente competente e reconhecido na época que entrou no Facebook como investidor. Fundador do site de pagamentos eletrônicos Pay Pal, já naquela época declarava que o mercado imobiliário americano estava extremamente inflado e sem lastro, essa característica provou ser uma das maiores causas que levaram os EUA a grande recessão econômica a partir de 2007. Portanto, podemos compreender

que ele era uma figura que inspiraria enorme confiança em um jovem empreendedor.

O mesmo podemos dizer de Sean Parker. Ele foi um dos fundadores da rede de compartilhamento de arquivos mp3 Napster e a importância dessa empreitada e sua perspectiva visionária mudaram pra sempre os rumos da indústria musical. Como o próprio personagem Sean Parker do filme questiona, ao ser confrontado por Eduardo se o Napster tinha mudado a indústria, “quem hoje quer comprar CDs na Tower Records?”

Esses dois visionários influenciam muito o Mark do filme e provavelmente influenciaram também o Mark da vida real. Não porque eram persuasivos e inescrupulosos mas porque eram empreendedores visionários e conseguiam ver o mundo de uma maneira nova, cheia de possibilidades e não presa a valores e instituições antigas.

Sean Parker

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Já o caso dos gêmeos Winklevoss e de Eduardo Saverin pode ser visto de maneira oposta.

Os gêmeos claramente representam o status quo dos bem sucedidos. Ricos, atléticos, loiros e privilegiados em todos os sentidos, eles são a personificação do conceito de WASP (white, anglo-saxon, presbiterian). O filme deixa espaço para que nos perguntemos se Mark sentia inveja e ressentimento do gêmeos mas é mais provável que sentia um profundo desprezo pelos valores que eles representam. Não só por serem privilegiados mas por não serem nada contestadores. A dúvida sobre se Mark usou a

idéia deles ou não pra criar o Facebook é irrelevante quando entendemos a ética que Mark (do filme e da vida real) compartilha: a ética dos hackers, onde existe uma disposição em compartilhar bens de propriedade intelectual para assegurar um desenvolvimento maior pra todos. Não se trata de não pensar em dinheiro, é algo mais arraigado nesta cultura e a própria natureza do Facebook inicial (que incentivava os mashups e aplicativos de terceiros) serve pra demonstrar essa ideologia aplicada.

Já Eduardo Saverin, que no filme é o personagem que desperta maior simpatia, também pode ser visto como alguém que não estava 100% envolvido no projeto e essa talvez seja a razão maior de seu afastamento,

Cameron e Tyler Winklevoss

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apesar de tanto o filme quanto os fatos nos mostrarem que ele foi realmente lesado nos seus direitos. Nascido em São Paulo e criado em Miami por medo de sequestros, Eduardo é o personagem mais fácil para nós brasileiros criarmos empatia. Esse jovem extremamente privilegiado para os padrões do brasileiro médio, é mais um dentro da hierarquia social rígida e elitista de Harvard. Mesmo tendo se destacado no mercado financeiro (ele já ganhara 300 mil dólares aplicando na bolsa durante as férias), ele luta para entrar em algum dos Final Clubs e suspeita que só esteja sendo convidado pelo Phoenix por uma questão de “diversidade”. Eduardo vem de uma família judia e de valores bastante tradicionais, fica claro sua

vontade de estar sempre agradando ao pai e podemos apreender disso que ele, embora peça importante na parceria com Mark durante a criação do Facebook, também tem outras prioridades como terminar os estudos e fazer estágios na área do mercado financeiro. Diferente de Mark e dos novos associados que entraram de cabeça no negócio do Facebook, Eduardo se dividia com outros projetos. Ele não estava lá na California participando de tudo o que acontecia o que deve ter sido interpretado por Mark como um certo desinteresse. Eduardo compartilha muito dos valores tradicionais e das visões estabelecidas de mercado para entrar de cabeça em um negócio com um direcionamento tão novo. Se hoje o Facebook é indiscutivelmente um dos grandes negócios do mundo, na sua primeira fase nada disso era evidente. Eduardo provavelmente tinha mais confiança no plano de carreira que sua família sonhava pra ele e que Harvard lhe abriria

Mark Zuckerberg

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as portas do que nesse seu pequeno negócio criativo da “internet” que montara com seu colega de faculdade.

O Mark Zuckerberg do filme, apesar de apresentar várias características não muito simpáticas, acaba sendo um personagem intrigante, multifacetado e não um “vilão” na história. Ele acaba se saindo como um jovem gênio empreendedor, visionário, focado no seu trabalho e suas falhas de caráter e suas dificuldades em se relacionar acabam humanizando o personagem de certa forma. Como a advogada do filme lhe diz no final, ele não é um imbecil, só está tentando demais ser um… E é justamente no confronto dessas contradições da sua persona que o filme acaba traçando um perfil contundente dessa geração do século XXI.

Dos personagens reais que são representados no filme, nenhum participou do projeto do filme ( e só Eduardo colaborou com o livro), quer seja na etapa de roteirização dando depoimentos sobre sua versão dos fatos, quer seja na preparação dos atores. Durante a promoção do filme, somente os irmãos Winklevoss reais fizeram campanha para o filme por considerarem que o filme retrata bem sua posição nos acontecimentos, mostrando um comportamento ético e bem intencionado (o que pode ser contestado segundo minha avaliação…)

Durante a cerimônia do 68th Grammy Awards, David Fincher, recebendo o prêmio de melhor direção agradeceu “as pessoas reais em cujas vidas o filme foi baseado”. No prêmio de Melhor Filme, o produtor Scott Rubin fez questão de agradecer “a todos no Facebook e a Mark pela sua boa vontade em nos permitir usar sua vida e seu trabalho como uma metáfora através da qual pudemos contar uma história sobre comunicacão e sobre como nos relacionamos uns com os outros”. O roteirista Aaron Sorkin foi ainda mais pessoal e fez questão de deixar clara sua visão sobre o Mark Zuckerberg real enquanto agradecia o prêmio de melhor roteiro, ele disse: “Eu gostaria de dizer a Mark Zuckerberg, se você estiver assistindo, que no começo do filme a personagem de Rooney Mara faz uma previsão… Ela estava errada. Você se tornou um grande empreendedor, um homem visionário e um altruísta incrível”3

De todos estes personagens reais e seus correspondentes no filme, existe uma omissão que parece mais gritante. Mark Zuckerberg tem uma namorada (real!) desde 2004 e estão juntos até hoje. Ela é Priscilla Chan e

3 http://www.examiner.com/tv-in-flint/the-social-network-wins-4-golden-globes-

sorkin-rudin-thank-mark-zuckerberg?render=print

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também era aluna em Harvard, eles se conheceram enquanto Mark estava no início de seu projeto para o Facebook, ela entrou para a equipe e até se mudou para Palo Alto quando a companhia foi transferida pra lá. Nas trivialidades que encontramos sobre o casal, contam que eles fizeram até um contrato onde, apesar do trabalho duro no Facebook, eles procuram garantir um tempo de qualidade para seu relacionamento e determinando pelo menos 100 minutos semanais de tempo passado só entre eles, em algum lugar que não seja o apartamento de Mark e definitivamente não seja através do Facebook. Com todos esses ingredientes interessantes parece estranho que esse personagem tão essencial na vida de Mark não apareça no filme enquanto a maioria dos personagens que participaram da história real do Facebook estão lá representados.

Em contrapartida, parece que a personagem Erica Albright é apenas ficcional apesar de depois do filme, terem aparecido vários aliases para ela e até um site chamado ericaalbright.com, porém todos foram considerados falsos.

Por quê então no filme aparece a tal Erica ficcional enquanto a Priscilla Chan real é completamente ignorada? Seria uma tentativa de fazer o Mark da ficção parecer ainda mais anti-social e misógino? Num filme como “A Rede Social” que evita fazer o retrato manequeísta de seus personagens , possibilitando tantas nuances de interpretação, parece estranho que justamente esse dado tão importante da vida pessoal de Mark tenha sido não só ignorado mas distorcido de forma intencional para prejudicar a percepção da personalidade do protagonista… Fica essa dúvida…

Vamos tentar responder a essa pergunta mais pra frente nessa análise.

Priscilla Chan

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PARTE III

Processos de Envolvimento Externos

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RECEPÇÃO E GÊNERO

O filme “A Rede Social” foi (tem sido…) um grande sucesso de crítica e público.

O filme teve um orçamento estimado de 40 milhões de dólares e desde que estreiou nos EUA em 1 de outubro de 2010, já gerou,só de bilheteria interna, US$ 94.828.518,004 , fora a bilheteria internacional e o que ainda vai gerar quando sair em DVD/Blu-Ray.

Antes do antecipado lançamento do filme, a imprensa especulava se, afinal de contas, um filme “sobre” o Facebook teria capacidade de atrair o grande público para as salas de cinema ou se o asunto do filme o colocaria num nicho mais especializado, atraindo somente um público jovem e de usuários do Facebook. A recepção do filme mostra que ele tem sim capacidade de gerar esse interesse mais geral e se bancar como um blockbuster. Como vimos até aqui, o fato do filme ter sido construído mais como uma grande história para o cinema, valorizando a arte do story-telling mais do que se detendo em especificidades da comunicação na era digital, se mostrou uma abordagem eficaz e acertada para o filme.

A crítica especializada também tem elogiado muito as qualidades do filme. O site Rotten Tomatoes, que publica um famoso índice de avaliação de filmes, mostra que o público o avalia com a nota 4.2/5.0 (89%) e que 100% dos críticos principais (uma das categorias de avaliação do site) o recomendam com uma nota de 9.5/10. O site também mostra uma curta sinopse de crítica que diz: “impecavelmente roteirizado, belamente dirigido,

4 dados do IMBd em 16 de janeiro de 2011

O diretor David Fincher

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cheio de ótimas performances, ‘A Rede Social’ é um eletrizante e ambicioso exemplo de cinema contemporâneo, feito no seu melhor”5

No 68th Golden Globe Awards (de 2011), “A Rede Social” foi o grande destaque da noite, levando 4 dos 6 prêmios nas categorias principais em que concorreu, incluindo Melhor Trilha Original, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Diretor e Melhor Filme/Drama.6

Nas indicações para o Oscar de 2011, está indicado em 8 categorias, incluindo Melhor Ator (para Jesse Eisenberg), Melhor Roteiro Adaptado (Aaron Sorkin), Melhor Direção (David Fincher) e Melhor Filme.7

O sucesso e a aceitação do filme são evidentes. Isso me faz levantar uma questão… É claro que filmes mais pessoais e originais muitas vezes conseguem um bom reconhecimento de crítica mas quando um filme também tem grande aceitação de público, geralmente reconhecemos nele traços de algum gênero bem definido.

5 http://www.rottentomatoes.com/m/the-social-network/ 6 http://mashable.com/2011/01/16/social-network-golden-globes/ 7 http://www.switched.com/2011/01/25/social-network-oscar-nominations-jesse-

eisenberg-zuckerberg/

O produtor Scott Rudin no Golden Globes 2001 agradecendo o prêmio de melhor filme/drama

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Por definição, o “gênero” de um filme serve para classificá-lo dentro de um formato reconhecível, com algumas características identificáveis bem claras e que serve tanto para a indústria poder vender o filme mais facilmente quanto para o público ter um referencial que facilite sua compreensão.

Filmes que não são facilmente enquadrados dentro de um gênero costumam ter mais dificuldade de aceitação principalmente do grande público.

“A Rede Social” parece ser o caso de um filme que mistura gêneros, muitas vezes o classificam com Drama, outras como Biografia e ainda outras vezes destacam seu humor irônico. Essa falta de um gênero bem definido poderia ter atrapalhado a aceitação do filme para o grande público, mas isso não aconteceu.

Essa é mais uma questão que vamos tentar investigar melhor no próximo capítulo dessa análise.

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PARTE IV

Síntese Analítica Personalizada

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A REDE SOCIAL É O CIDADÃO KANE DO SÉCULO XXI

Essa epifania que o filme “A Rede Social” me passou, ser o “Cidadão Kane” da nova geração, do século XXI, é passível de causar mal estar nos mais conservadores que podem considerar tal afirmação uma verdadeira blasfêmia cinematográfica.

Por mais que se possa considerar “A Rede Social” um bom filme, o simples fato de compará-lo, nesses termos, com o “sagrado” filme de Orson Welles pode ser considerado um despudorado exagero, uma afetação irresponsável. Com que direito se pode equiparar o “melhor filme do mundo” com “A Rede Social”???

Antes que o leitor que acompanhou essa análise até aqui se sinta insultado e pare de ler esse texto, peço uma chance de me explicar: não pretendo dizer que “A Rede Social” seja tão inovador, que quebre tantas convenções ou que vá mudar a História do Cinema como “O Cidadão Kane” reconhecidamente o fez. De cara, já me declaro também um grande fã do filme e compartilho desse respeito solene a sua memória. Reconheço todas as suas contribuições e inovações para a arte o Cinema e de maneira nenhuma quero implicar que “A Rede Social” vai deixar um legado equiparável a ele.

Quando digo que “A Rede Social” é o “Cidadão Kane” do século XXI, estou pensando no clássico de 1941 enquanto um gênero de cinema. Aqui pretendo começar a juntar as arestas que foram deixadas abertas na análise desse filme. Quando pensamos em gênero, estamos pensando numa série de características que podem ser reconhecidas em outros filmes. É isso

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que gostaria de propor aqui: a originalidade e as inovações de “Cidadão Kane” são tantas que podemos tomá-lo como um paradigma para conceber um “gênero novo” por assim dizer. Para tanto, vamos tentar encontrar características únicas em Cidadão Kane e buscar a equivalência em A Rede Social. É assim que um gênero aparece… Depois que alguma obra muito original é criada, ela passa a ser usada como paradigma para outras obras que aparecem depois. Essas novas obras, quando “preenchem” certos requisitos passam a ser consideradas obras desse gênero…

Aqui já busco livrar o filme “A Rede Social” das cobranças com relação a sua “inovação” que aparecem quando o comparamos com um filme como “Cidadão Kane”. Um filme que segue qualquer gênero, quer seja um bom filme ou não, por definição não é um filme original e inovador, é um filme de gênero. Original e inovador tem que ser a obra que define aquele gênero, no nosso caso, “Cidadão Kane”. Acredito que agora já deixei bem claro esse posicionamento então vou continuar com minha linha de raciocínio.

Vamos então tentar reconhecer as características estruturais mais marcantes que esse gênero sugerido teria:

1) A COMUNICAÇÃO DE MASSA COMO PROBLEMA CENTRAL

Cidadão Kane é um filme que conta a história de Charles Foster Kane, um milionário do ramo da comunicação impressa.

A Rede Social conta a história do jovem bilionário Mark Zeckerberg, criador do Facebook, maior rede social digital de nosso tempo.

2) O USO DO REAL DRAMATIZADO

Charles Foster Kane é inspirado (não abertamente) no magnata das comunicações norte americano William Randolph Hearst.

Embora A Rede Social use o nome real de Mark Zeckerbrg, o personagem é ficticio, baseado nele mas dramatizado para caber no filme, como o verdadeiro Mark afirma e como podemos apreender das declaracões do roteirista Aaron Sorkin e do diretor David Fincher.

Além desse uso dramatizado de elementos da realidade, ainda podemos ver nos dois filmes que existe uma preocupação em discutir essas questões

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relativas a comunicação massiva dentro de seu próprio tempo e sociedade, o que afasta esses filmes de um formato mais biográfico ou histórico na maneira que abordam seu fio condutor narrativo.

3) MÚLTIPLOS PONTOS DE VISTA NARRATIVOS

Uma das grandes inovações que o “Cidadão Kane” introduziu na linguagem do cinema, foi o uso de múltiplos pontos de vista narrativo, contando a história de Charles F. Kane através de vários flashbacks que constroem uma narrativa não linear do enredo. Embora outros filmes já tivessem explorado o recurso do flashback, esse foi o primeiro filme em que essa estrutura narrativa é usada o tempo inteiro.

Na análise que fizemos de “A Rede Social” fica também bastante claro o uso desses múltiplos pontos de vista narrativos e como isso está presente ao longo de todo o filme.

4) ATMOSFERA DARK

Esse é um conceito um pouco mais abstrato e se refere a um clima que o filme passa como um todo, é como o tom do filme.

Em “Cidadão Kane” a fotografia (de Gregg Toland), a trilha sonora (de Herbert Herrmann) e o próprio desfecho aberto, que não explica tudo, não “resolve” o pesonagem que acompanhamos no desenvolvimento do roteiro (de Herman J. Mankiewicz); contribuem para criar essa atmosfera, esse “tom” que chamamos aqui de “dark”. Tem a ver com um certo desconforto e estado de apreensão que o espectador sente ao longo do filme.

Em “A Rede Social” a direção de David Fincher, a fotografia de Jeff Cronenweth, a trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, o clima de suspense, enfim todo o “estilo” do filme também contribui para construir esse mesmo tom “dark” de que estamos falando.

Acredito que essas 4 características já sejam suficientes pra definir a estrutura desse gênero “Kaniano” que propomos aqui. Outros gêneros podem, semelhantemente, ser definidos em poucos traços, como exemplo poderíamos falar do Film Noir e citar narrativa policial, a figura da femme fatale e ambientações noturnas/escuras como características que o definem.

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Se pensarmos na carreira de David Fincher e em como ele já homenageou outros clássicos e diretores de cinema, notoriamente Alfred Hitchcock em seu “O Quarto do Pânico” e Fritz Lang no music video “Express Yourself” de Madonna, não seria improvável e nem incompatível com seu estilo, especularmos essa possibilidade dele intencionalmente ter buscado construir seu “A Rede Social” espelhando a estrutura de “Cidadão Kane” e portanto, usando o filme como gênero.

Se considerarmos a partir daqui que “A Rede Social” é, portanto, um filme que se enquadra no gênero que “Cidadão Kane” define, já podemos retomar a questão que lançamos no capítulo anterior sobre “A Rede Social” e o fato de um filme sem gênero claro e definido, geralmente encontrar dificuldades de aceitação pelo grande público.

A idéia pressupõe duas consequências relativas: que um filme muito original não vai ser facilmente aceito pelo grande público e que, inversamente, um filme com gênero já digerido pelo público encontraria uma acolhida mais fácil… Tomando como exemplo essa proposta de vermos “A Rede Social” como um filme de gênero, poderíamos aí entender uma das razões pelas quais ele tem sido tão amplamente bem aceito e, ao

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mesmo tempo, a hipótese também ajuda a explicar porque “Cidadão Kane”, que é o original, foi bem recebido pela crítica mas seu reconhecimento pelo público mais amplo foi mais difícil e demorado.

Além desses traços gerais na estrutura dos 2 filmes, podemos ainda buscar algumas semelhanças mais específicas.

“Cidadão Kane”, assim como vimos em “A Rede Social”, começa também com um “prólogo”. O filme abre mostrando Xanadu, a mansão

faraônica de Charles Foster Kane do lado de fora, de onde vemos sinais proibindo a entrada de estranhos. A sequência, com esse tom dark que mencionamos, nos mostra os últimos momentos de vida de Kane, já velho e enfermo e pouco antes de sua morte, ele pronuncia a palavra “rosebud”. Esse prólogo

vai servir de motivação central que guia a ação do resto do filme. Um repórter, tentando descobrir o significado de ‘rosebud’, vai juntando fragmentos da história de Kane através do que lhe revelam outros personagens.

O propósito narrativo que esse prólogo tem em “Cidadão Kane” é exatamente o mesmo propósito do prólogo de “A Rede Social”: servir de estopim que motiva as ações do resto do filme.

Aqui ainda podemos fazer uma outra associação. A Xanadu de Kane é o Facebook de Zuckerberg. Ambos são essas construções monumentais criadas pelos nossos protagonistas e que servem de abrigo, de esconderijo, onde eles podem se recolher isolados do mundo.

Já “rosebud” tem toda uma mitologia associada a seu significado. No filme “Cidadão Kane” , vemos um trenó com a inscrição “rosebud”, brinquedo da infância de Kane, que é queimado na última cena sem que ninguém perceba que seria esse pertence a tal “rosebud” a qual o magnata se referiu antes de morrer e que o reporter tentou identificar, sem sucesso, durante todo o filme. Nas lendas que cercam o filme, existem várias

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versões para o que teria inspirado o uso do termo “rosebud”. De acordo com Louis Pizzitola, biógrafo do magnata verdadeiro, Hearst, “rosebud” era um apelido da mãe do magnata. Em outras histórias mais picantes, “rosebud” seria um apelido para o clitóris da amante de Hearst, Marion Davis, como revela o ensaista Gore Vidal. Já um dos biógrafos de Orson Welles, David Thompson, não arrisca nenhuma versão específica sobre o significado da palavra e prefere, sabiamente, declarar que “Rosebud é o maior segredo do cinema…”

Me parece ser exatamente essa a função de ‘rosebud’ em “Cidadão Kane”, ser um segredo… O trenó e a própria palavra devem ser entendidos como uma alegoria que representa, abstratamente, essa força essencial de um grande homem que o impele a fazer as coisas que faz na vida mas que não pode ser definida. É uma essência que se procura mas nunca se acha, é o elemento motivador da busca interna do próprio Kane.

Isso me leva a tentar compreender aquela outra questão que ficou aberta nesta análise. Por quê Fincher e Sorkin usam uma personagem fictícia, a Erica, e não a própria namorada na vida real da Zuckerberg, Priscilla Chan, como personagem neste roteiro? Revendo a cena de Erica no prólogo e sua função dramática dentro deste filme, uma imagem começa a se formar. Essa Erica imaginária é um recurso dramático que serve de alegoria para a força essencial que move o Zuckerberg do filme a fazer tudo que faz. Usar sua namorada real como modelo para esse personagem, esvaziaria essa força alegórica e simbólica que o personagem trás enquanto recurso narrativo.

Erica é a ‘rosebud’ de “A Rede Social”…

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