a psicomotricidade na prevenção das dificuldades no

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Resumo O presente trabalho tem por objetivo apontar os resultados da pesquisa desenvolvida numa escola no Município de Campos dos Goytacazes, que investiga a influência do aspecto psicomotor na etapa de alfabetização, considerando as habilidades corporais e motoras como pré-requisitos essenciais para o desenvolvimento do ato gráfico e aquisição dos conceitos de leitura e escrita. O trabalho apresenta as características e as defasagens cor- porais das crianças, apontando caminhos através da prática psico- motora em sala de aula, para reduzir as taxas de fracasso escolar e analfabetismo. Destaca, ainda, os dados de observação de 20 alunos, foca- lizando o seu perfil psicomotor e, também, entrevistas com 20 pro- fessoras, analisando suas concepções sobre a relação entre alfabeti- zação e psicomotricidade. O trabalho tece considerações sobre a importância da for- mação profissional do professor, a fim de que este seja capaz de criar estratégias e atividades para diagnosticar as dificuldades que surgem na etapa de alfabetização, auxiliando no desenvolvimento das potencialidades ou na diminuição das defasagens evidenciadas por seus alunos, o que possibilitará um processo de alfabetização e letramento efetivo e qualitativo. Palavras-chave: Alfabetização, Letramento, Habilidades Psicomotoras, Formação do Professor, Prática Psicopedagógica Liliana Azevedo Nogueira Doutoranda em Engenharia da Informática na Sociedade da Informação e do Conhecimento – UP Salamanca/ Espanha Professora do Curso Normal Superior do ISE/CENSA Luzia Alves de Carvalho Doutoranda em Sociologia-UP Salamanca/ Espanha Coordenadora do Curso Normal Superior do ISE/CENSA Fernanda Campos Lima Pessanha Sâmela Carneiro Tavares Lima Scholarship holders A psicomotricidade na prevenção das dificuldades no processo de Alfabetização e Letramento CorrespondŒncia: Rua Salvador Correa, 139 - Centro 28035-310 - Campos dos Goytacazes - RJ Telefone:+55 (22) 2726.2727 Fax: +55 (22) 2726.2720 www.isecensa.edu.br e-mail: [email protected] PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 9

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ResumoO presente trabalho tem por objetivo apontar os resultados

da pesquisa desenvolvida numa escola no Município de Camposdos Goytacazes, que investiga a influência do aspecto psicomotorna etapa de alfabetização, considerando as habilidades corporais emotoras como pré-requisitos essenciais para o desenvolvimento doato gráfico e aquisição dos conceitos de leitura e escrita.

O trabalho apresenta as características e as defasagens cor-porais das crianças, apontando caminhos através da prática psico-motora em sala de aula, para reduzir as taxas de fracasso escolar eanalfabetismo.

Destaca, ainda, os dados de observação de 20 alunos, foca-lizando o seu perfil psicomotor e, também, entrevistas com 20 pro-fessoras, analisando suas concepções sobre a relação entre alfabeti-zação e psicomotricidade.

O trabalho tece considerações sobre a importância da for-mação profissional do professor, a fim de que este seja capaz decriar estratégias e atividades para diagnosticar as dificuldades quesurgem na etapa de alfabetização, auxiliando no desenvolvimentodas potencialidades ou na diminuição das defasagens evidenciadaspor seus alunos, o que possibilitará um processo de alfabetização eletramento efetivo e qualitativo.

Palavras-chave:Alfabetização, Letramento, Habilidades Psicomotoras, Formação do Professor,Prática Psicopedagógica

Liliana Azevedo NogueiraDoutoranda em Engenharia da Informática na Sociedade da Informação e do Conhecimento – UP Salamanca/ EspanhaProfessora do Curso Normal Superior do ISE/CENSA

Luzia Alves de CarvalhoDoutoranda em Sociologia-UP Salamanca/ EspanhaCoordenadora do Curso Normal Superior do ISE/CENSA

Fernanda Campos Lima PessanhaSâmela Carneiro Tavares LimaScholarship holders

A psicomotricidade na prevenção das dificuldadesno processo de Alfabetização e Letramento

Correspondência:Rua Salvador Correa, 139 - Centro28035-310 - Campos dos Goytacazes - RJTelefone:+55 (22) 2726.2727Fax: +55 (22) 2726.2720www.isecensa.edu.bre-mail: [email protected]

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 9

Liliana Azevedo NogueiraCoursing Doctorate in Computer Engineering in the Information and Knowledge Society – UP Salamanca / Espanha

Luzia Alves de CarvalhoCoursing Doctorate in Sociology - UP Salamanca/ EspanhaCoordinator of the Normal Superior Course - ISE/CENSA

Fernanda Campos Lima PessanhaSâmela Carneiro Tavares LimaScholarship holders

Pyscomotricity to prevent dificulties in the literacy process

AbstractThe following work hás the aim to point the results of a

research developed in a public school in Campos dos Goytacazes.This work was done in the last eight months, investigating theinfluence of the psychomotor aspect in the process of literacy,considering the motor and physical habilities as essencial pre-requirements for the development of the graphic performance andthe acquisition of reading and writing concepts.

The work presents the physical caractheristics anddeficiencies of children, pointing out ways through psychomotorpractice in the classroom in order to reduce the rates of schoolingfailure and illiteracy.

It also highlights observation data of twenty studends,focusing on their psychomotor profiles, as well as interviews withtwenty teachers, analysing their conceptions about the relationbetween literacy and psychomotricity.

The work has considerations about the great importance ofthe professional formation of the teachers, in order to enable themto create strategies and activities to diagnose difficulties that appearin the process of literacy, helping in the development ofpotentialities or in the decreasing of deficiencies demonstrated bytheir students.

It can make the process of literacy effective and qualified.

Key works:Literacy, psychomotor abilities, teacher formation, psychopedagogical practice

Correspondence:Rua Salvador Correa, 139 - Centro28035-310 - Campos dos Goytacazes - RJPhone number:+55 (22) 2726.2727Fax: +55 (22) 2726.2720www.isecensa.edu.bre-mail: [email protected]

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Introdução

Este artigo é o resultado da pesqui-sa sobre “Psicomotricidade: um instru-mento eficaz no processo de alfabetiza-ção e letramento”, que foi realizada du-rante oito meses com o apoio dos InstitutosSuperiores de Ensino do Centro Educacio-nal Nossa Senhora Auxiliadora – ISE-CENSA.

O estudo foi motivado pela per-cepção das profundas dificuldades que ascrianças, principalmente na etapa de alfa-betização, vêm demonstrando na constru-ção da lecto-escrita e como essas dificul-dades podem estar associadas a distúrbiose a defasagens corporais, no que se refere àorganização e domínio do espaço.

A presente pesquisa volta-se para atemática da importância de se trabalhar ospré-requisitos psicomotores nas classes deeducação infantil, como instrumentos es-senciais para a construção significativa doconceito de escrita e diminuição das taxasde analfabetismo dos alunos. Objetiva:detectar as defasagens psicomotoras decrianças de uma escola; ressaltar a impor-tância dos movimentos corporais na aqui-sição da escrita e identificar os múltiplosaspectos psicomotores que influenciam oprocesso de alfabetização.

Os sujeitos–objeto da pesquisa consis-tiram em 20 professores e 20 alunos deuma Escola da educação infantil e 1o anode escolaridade básica. Este estudo se efe-tivou ao longo de oito meses no ano de2003. A abordagem teórico-metodológicautilizada caracterizou-se pela pesquisabibliográfica e pesquisa-ação que se reali-zou através de entrevistas, questionários,anamneses e avaliações psicomotoras comas crianças a fim de diagnosticar suas po-tencialidades e defasagens corporais, cons-truindo o perfil psicomotor das mesmas.

Os professores também participaramde entrevistas e questionários expressando

seus conceitos sobre alfabetização psico-motricidade e a importância destes para oletramento.

A relevância social desta pesquisaconsiste em mais uma tentativa de diminu-ição do fracasso escolar nas séries iniciaisda escola básica, através do resgate dashabilidades psicomotoras. Tem como intui-to criar estratégias e recursos para que oprocesso de alfabetização seja mais praze-roso do que mecânico, mais construtivo doque repetitivo, mais reflexivo e significati-vo para a criança, que dessa forma real-mente descobrirá a verdadeira função soci-al da língua escrita.

Os resultados da pesquisa mostram ascaracterísticas psicomotoras das criançasde 3 a 7 anos; as defasagens psicomotorasque evidenciaram e como estas influenci-am na construção do conceito e no desem-penho na leitura e escrita. Outro aspectoevidenciado consiste na apresentação dasconcepções que os professores possuemsobre os conceitos de alfabetização, psi-comotricidade, letramento e construtivis-mo; bem como a necessidade de desenvol-ver uma prática psicomotora a fim de pre-venir dificuldades no processo de alfabeti-zação. Sabemos que a psicomotricidadeantigamente tinha um caráter clínico e seusestudos estavam voltados para a patologia(Fonseca, 1996). No entanto, hoje, os pro-fissionais da área da pedagogia (ensinoregular e especial) ressaltam a grande rele-vância da motricidade ou da psicomotrici-dade em diferentes contextos e em diferen-tes faixas etárias, principalmente na etapacompreendida desde o nascimento até ossete ou oito anos de idade. É importantedestacar que, nesta etapa, se constroemalguns conceitos básicos, referentes aopensamento lógico e às habilidades deleitura e escrita.

A este respeito Oliveira (1997)afirma que “a educação psicomotoradeve ser considerada uma educa-ção de base na educação infantil.

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Ela condiciona os aprendizadosescolares; leva a criança a tomarconsciência de seu corpo, da latera-lidade, a situação no espaço, a do-minar seu tempo, a adquirir habili-dades de seus gestos e movimen-tos”.

Pesquisas atuais no campo da edu-cação têm mostrado que os níveis de anal-fabetismo funcional em nosso município eno país inteiro têm aumentado. Verifica-seque sempre existem alunos que não acom-panham o ritmo acadêmico dos colegas emsala de aula, o que leva professores a en-caminhá-los para diversas clínicas especia-lizadas, que os rotulam como “doentes”,incapazes e/ou preguiçosos. Na verdade,algumas dessas dificuldades poderiam serdetectadas e resolvidas dentro da própriaescola.

II.Dados relevantes da pesquisa

2.1.Concepção dos professores sobre a

alfabetização

Iniciamos a pesquisa realizandoentrevistas com 20 professoras, sobre suaconcepção a cerca do processo de alfabeti-zação. Nota-se que a maioria das professo-ras não possui estudos regulares superioresna área de sua profissão, alegando falta deoportunidade e de recursos para realizá-los.Uma minoria na época (2003) estava cur-sando o Curso Normal Superior, devido àoportunidade de bolsas oferecidas pelaprefeitura de Campos, através do convêniocom o ISECENSA atendendo às normasprevistas da nova LDBEN-96, em seu arti-go 63.

Observamos que as professoras,inicialmente, resistiram em responder àentrevista, tendo como justificativa a gran-de dificuldade nos estudos, a compreensãodas perguntas e a falta de tempo.

A maioria, 80%, trabalhava 40 ho-ras semanais e se queixa da falta de recur-

sos materiais, capacitação e baixos salá-rios, além da baixa estima. Após a nossainsistência, aceitaram responder à entrevis-ta, referente às concepções de alfabetiza-ção.

Concepçõesdos professores sobreaalfabetização

50%

30%

20%ProcessoDomDescoberta

Fig. 01: Algumas concepções dos professoressobre alfabetização

Percebemos que 50% das profes-soras conceberam a alfabetização comoprocesso, mas não caracterizaram os ele-mentos que o compõem.

Citamos abaixo alguns depoimen-tos das professoras entrevistadas:

“Alfabetização é um processoem construção que, para mim, não se

resume em apenas um ano deescolaridade”.

“Na minha concepção a alfabetizaçãoé um processo de iniciação de tudo, pois

todas as crianças devem buscar edescobrir a leitura fazendo ainterpretação do que lêem”.

Outras 20% referiram-se à alfabe-tização como descoberta, a criança desa-brocha ou estoura como um milho de pipo-ca. Esta concepção errônea sobre o cons-trutivismo interpretado como um método, édevido à falta de informação dada aos pro-fessores ou, talvez, à má interpretaçãodestes acerca de suas bases epistemológi-cas.

Na verdade, o construtivismo nãoé um método, mas uma postura diante doconhecimento que deve ser construído a

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partir da ação e da relação dos sujeitos coma realidade emergente no mundo. A pro-posta construtivista é baseada na contextu-alização dos saberes escolares e os saberesda vida.

Capovilla (2002) afirma que ogrande equívoco do construtivismo foi afalta de preparo dos educadores, que que-rem usá-lo como um método para alfabeti-zar. Diante disso descartaram a sistemati-zação e valorização de aspectos fundamen-tais como consciência fonológica, os mo-vimentos gráficos das letras e a contextua-lização de experiências nesse processo.

Não podemos deixar de destacaros 30% que consideraram a alfabetizaçãocomo dom, o que é evidente no discurso daprofessora abaixo:

“A alfabetizaçãoé um processo mágico.

Diria que começa a partir donascimento, quando a criança a cada dia aprende algo

que é novo,necessitando de um mediador.Portanto, o primeiro lugar de

alfabetização é a família”.

As palavras desta professora mos-tram a incoerência, o desconhecimento daverdadeira proposta da alfabetização, con-siderado como um processo mágico, nosremetendo-nos ao mito da caverna, quandoos gregos, não tendo respostas e nem açõesconcretas para situações inesperadas, asdefiniam como divinas e místicas. Issodemonstra o desconhecimento de muitosprofessores dos princípios básicos da etapada alfabetização que se inicia quando nas-cemos e nunca termina.

Outro aspecto relevante observadopor nós é que muitos professores, apesar deatuarem na área de alfabetização, só 45%se consideram competentes enquanto osoutros 55% afirmam não terem recebidoformação para esta tarefa.

Percebe-se que os professores deuma determinada época receberam uma

formação muito técnica, sem relação entreteoria e prática, pois no seu discurso enfa-tizaram muito a prática, descartando avalidade da teoria. Isto fica claro na orali-dade das professoras:

“Sinto muitainsegurança nos passos a seguir”.

Sabemos que a maioria dos cursosde formação de educadores trabalha conte-údos muito teóricos não possibilitandouma reflexão sobre a prática, o que gerainsegurança na hora de praticar, na hora deensinar e de criar estratégias para estimulara aprendizagem da língua escrita e dosdiversos conteúdos.

Outros professores que estavamcursando o Curso Normal Superior mostra-ram uma visão mais ampla sobre a suapreparação para alfabetizar, deixando cla-ro, em seus depoimentos, a importância darelação entre teoria e prática e de um pen-sar reflexivo sobre o dia-a-dia na sala deaula, com seus imprevistos e surpresas..

“No meu Curso Normal Superiora cada dia estou me sentindo cada vez mais preparada, pois

estudamosdisciplinas que dão uma visão

teórico-prática da alfabetização,tais como: Psicogênese que trabalha

níveis de leitura e escrita, o contato comrecursos escritos; Psicopedagogia que

nos apresenta as dificuldades quepodem surgir no decurso da

alfabetização, e Psicomotricidadeque nos apresenta jogos que

desenvolvem o equilíbrio corporal e acoordenação dos movimentos.

Essas disciplinas e outras nos ajudama refletir sobre os desafios que encontramos

no ato de alfabetizar,nos apontando estratégias para

trabalhar com mais criatividade e segurança”.

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Neste sentido, é relevante destacarque o investimento na formação profissio-nal é essencial e que não pode ser apenasteórica, distante das dificuldades que osprofessores encontram nas salas de aula,mas deve estar baseada numa articulaçãoteórico-prática, discutindo nas universida-des, questões reais do campo educacional,refletindo-as à luz de novas teorias, tendoem vista a melhoria da qualidade das con-dições de ensino-aprendizagem.

Respostas ao questionário destaca-ram como pré-requisitos fundamentais paraa alfabetização: interação (50%), a decodi-ficação (30%), as habilidades psicomotoras(30%), a decodificação (30%), a interpre-tação (20%), o ambiente alfabetizador(20%) e o desenvolvimento cognitivo(15%).

Fig.02: Pré-requisitos consideradospelos professores para o processo dealfabetização

Percebe-se, também, no discursodas professoras, uma desvalorização dateoria e da fundamentação científica e umagrande ênfase na prática como aspectofundamental para alfabetizar. Quandoindagadas sobre os pré-requisitos que con-sideravam essenciais para uma alfabetiza-ção de qualidade, elegeram a interação(troca de experiências entre professor-aluno), desconsiderando a questão da lin-

guagem e do raciocínio-lógico, tão essen-ciais quanto o desenvolvimento corporalpara o processo de aprendizagem.

“Para que a alfabetização ocorra de forma positiva,professor e aluno precisam partilhar aprendendo e

ensinando”. Todos ensinam e todos aprendem prati-cando.Tudo se aprende é na prática” (professora).

Fica evidente nos depoimentos demuitos professores, que a educação e aalfabetização ainda são vistas como uma“vocação sacerdotal” e não como umaprofissão. No entanto, hoje vivemos numnovo paradigma, no qual o ofício do pro-fessor tem sido considerado como umaprofissão.

Para confirmar as concepções evi-denciadas por muitos professores acima,

90% dos pro-fessores entre-vistados afir-maram que não

receberamformação nosseus cursos demagistério emnível médiopara alfabeti-zar. Estas afir-maram que,nos seus cur-sos, a ênfaseera muito

grande na prática voltada para o ensinofundamental (1o. e 2o. ciclo). Apenas 10%disseram que receberam uma formaçãobásica ou, então, fizeram o antigo cursoadicional, que antes era considerado umaespecialização na área de educação infan-til. A maioria, em seus depoimentos, dei-xou claro que aprendeu a alfabetizar naprática cotidiana, sem muita preocupaçãocom as teorias novas e inovações de estra-tégias ligadas a esta área de conhecimento.

Pré-requisitos enumerados em ordem de importânciapara assegurar uma alfabetização qualitativa

0

2

4

6

8

10

12

1 2 3 4 5 6

Pro

fess

ores

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tado

s Interação

Decodificação

HabilidadesPsicomotorasAmbientealfabetizadorInterpretação

Desenvolvimentocognitivo

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Indagadas sobre que autores lhesinspiravam a alfabetizar, as professorasfocalizaram autores de tendência construti-vista e sócio-construtivista: Ferreiro, Pia-get e Vygotsky.

Na verdade é evidente a confusãoque os professores fizeram entre tendênciaou abordagem e método de alfabetizar. Naverdade insistem em usar o construtivismocomo método para alfabetizar, esquecen-do-se de que construtivismo é uma propos-ta, uma postura diante do processo de ensi-no-aprendizagem, que põe em relevo opensar, a lógica do aluno, valorizando atroca de experiências.

É neste ponto que se encontra ogrande equívoco, pois a falta de clarezaquanto ao processo alfabetizador tornou-osem objetivos claros e definidos, o quetrouxe e traz conseqüências sérias como agrande quantidade de crianças de 10 a 15anos analfabetas funcionais nas classes doensino fundamental (2º., 3º., 4º.anos ... do1º. E 2º.ciclo).

As professoras não citaram autorescomo Capovilla, Ana Teberosky e AnaMaria Kaufman, que descrevem o processode alfabetização como a articulação entre

todas as dimensões do sujeito: cognitivas,relacionais, lingüísticas e psicomotoras.

Constata-se que os professores nãopossuiam um conhecimento efetivo doprocesso de alfabetização e letramento,

considerando-o como uma práticamecânica, voltada para o apren-der-fazendo e não para o aprenderdescobrindo e pensando sobre suaexperiência e sobre a realidadeemergente no mundo. Muitasafirmaram que participavam decursos, no entanto alegavam queestes não atendiam e nem respon-diam às dúvidas, aos problemasexistentes no âmbito escolar.

Constata-se que, as taxasde evasão e analfabetismo cres-cem a cada dia. A proposta deaprovação automática segundo asprofessoras, só servia para disfar-çar o fracasso escolar, pois as

crianças eram promovidas sem saber ler eescrever.

Diante desses dados coletados, no-ta-se que para reverter essa situação, éessencial investir na formação dos educa-dores, para que estes estejam preparadospara acolher todo tipo de aluno, auxilian-do-os em suas defasagens, e identificandoas sérias dificuldades que eles trazem.

Nesta pesquisa não se pretendeuque a escola e os professores recuperassemas crianças, mas que conhecessem as habi-lidades psicomotoras que são pré-requisitos para a aquisição da lecto-escrita.Assim, poderiam trabalhar com as crian-ças, a fim de que desenvolvessem capaci-dades gráficas e motoras importantes àalfabetização.

2.2. Avaliação das habilidades psicomo-

toras em crianças de 3 a 8 anos.

Observando as crianças enquantoestavam na sala de aula ou brincando norecreio, verificamos que havia crianças que

Fig. 03: Autores que os inspiram a alfabetizar

Autoresqueinspiramaalfabetizar

50%35%

15%

EmiliaFerreiroJeanPiagetVygotsky

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brincavam, corriam e participavam de jo-gos e na sala de aula não apresentavamnenhum problema de postura, de atenção,liam e escreviam sem dificuldades, conhe-ciam a noção de tempo e espaço.

Também percebemos que haviacrianças diferentes, embora tivessem umainteligência normal. Essas eram “desastra-das”, derrubavam tudo quando passavam,possuiam movimentos lentos, pesados, nãose organizavam na carteira, seus estojos elápis viviam caindo das suas mãos, tinhamdificuldades em participar de jogos. Nassalas de aula não seguravam corretamenteo lápis, apresentavam letra ilegível, àsvezes escreviam com tanta força que ras-gavam o papel, não conseguiam manusearuma tesoura, pulavam letras quando liam ecopiavam do quadro.

Conversamos com as professoras eelas se indagavam sobre o que exatamentese passava com as crianças que tinhamessas atitudes? Além disso, nos indagamosainda sobre o que tornava as primeirascrianças mais capazes de agir no meio? Oque se poderia fazer para ajudar as criançascom essas defasagens? Qual seria o perfilpsicomotor fundamental para uma aprendi-zagem mais qualitativa?

Diante dessas indagações, anali-samos um grupo de vinte crianças, dez dosexo masculino e dez do sexo feminino, dafaixa etária de 4 a 8 anos. Seu nível deescolarização é do 2o. período da EducaçãoInfantil até o 2o ano do primeiro ciclo doensino fundamental de uma escola.

Com o objetivo de tecer mais deta-lhes da história pessoal das crianças, inici-almente tivemos uma conversa com asprofessoras destas crianças e analisamos asfichas e os registros escolares destas. Es-clarecemos a proposta de trabalho, que erainvestigar as dificuldades psicomotorasapresentadas pelas crianças e construir umperfil psicomotor destas.

A proposta não se tratava de umtrabalho de reforço curricular ou reeduca-

tivo, mas a uma avaliação das habilidadesou defasagens evidenciadas pelas crianças.Através de jogos criativos e corporais bus-camos descobrir o desempenho corporal dacriança e sua relação com o processo deconstrução da lecto-escrita, oferecendoalternativas para a aquisição de novas con-dutas.

De posse dos dados, avaliamoscada criança individualmente, no que serefere à construção da imagem corporal eàs habilidades psicomotoras (coordenaçãoglobal, fino, viso-motora, esquema corpo-ral, organização espacial, organizaçãotemporal, discriminação visual, discrimi-nação auditiva, lateralidade).

O corpo é o ponto de partida para aconstrução da personalidade e, assim, paraa construção da lecto-escritura. Partindodesta concepção, iniciamos nossa investi-gação a partir da sondagem da imagemvisual do corpo de cada criança. De acordocom Le Boulch (1982), é através das rela-ções mútuas do organismo e do meio que aimagem do corpo organiza-se como núcleocentral da personalidade. A atividade mo-tora e sensório-motora, graças à qual oindivíduo explora e maneja o meio, é es-sencial na sua evolução”.

Uma avaliação permite constataros progressos realizados pela criança naconquista de uma imagem fiel a seu corpo:o desenho da figura humana.

Fizemos algumas atividades comas crianças enfocando sua figura, sua ima-

gem utilizandovários materiais,entre eles o espelhoe depois desenha-ram seu corpo,selecionamos al-guns desenhos paraserem mostrados:6 anos

Fig.04:Desenhos infantis da figura humana

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Estes registrosforam elaborados por

crianças queapresentavamdificuldades na escolae que ainda nãoconseguiam dominaros sons das letras,evidenciandodificuldade na grafia ena leitura de palavras.

.Nos registros as crianças evidenci-

avam dificuldade em registrar a figurahumana, pois ainda não representavam osdetalhes do próprio corpo, só apresentandoos elementos mais perceptíveis, tais como:cabeça e membros superiores e inferiores,quando já deveriam se preocupar com osdetalhes características de seus corpos.

A partir dos estudos sobre o con-ceito de imagem visual do corpo apresen-tados por Le Boulch (1982), construímosum quadro de características da Evoluçãoda Imagem Visual do Corpo, baseado nasidéias do autor e também em crianças quenão apresentam dificuldades de aprendiza-gem.

Fig.04B:Desenhos infantis da

figura humana(8) anos

Fig.05: Construção da Imagem visual da criança segundo Le Boulch (1982)

• Primeira representação figurada, criança se reconhece nos movimentos circulares que realiza.• Elabora uma figura circular com linhas irregulares feitas no interior do círculo.• Movimentos globais, tenta organizar os traços em si mas não entre si.

3 ANOS

• Desenha um círculo com os olhos, o nariz, a boca.• A criança acrescenta ao círculo dois traços que representam os membros inferiores.• Desenha os membros inferiores primeiro, embora os superiores, as mãos, sejam os primeiros

segmentos que a criança descobre e utiliza.

3 ½ ANOS

• Representa a cabeça, os olhos, a boca, as orelhas, o nariz e, às vezes, o cabelo.• Com um segundo círculo representa o tronco de onde partem os membros.

4 ANOS

• Surgimento da figuração das mãos e pés, dos dedos da mão. Estes aparecem sobre forma detraços e os pés são desproporcionais ao corpo.

• Dedos das mãos dispõem-se em raios de roda a partir das extremidades dos braços.• Os membros superiores estão representados por duas linhas partindo do tronco e da cabeça.

5 ANOS

• Nesta etapa a imagem do corpo adquire suas características fundamentais, mas a precisão e avariedade de detalhes difere de uma criança para outra.

• Outra característica é a representação do pescoço, só registrada pela criança depois da sua or-ganização corporal e percepção do seu corpo no espaço.

6/8 ANOS

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Ao comparar os registros corporaisdas crianças com os estudos de Le Boulch(1982) e com os desenhos de crianças comsucesso na alfabetização, percebemos que ascrianças que apresentavam figuras corporaismuito aquém da sua idade, também eviden-ciavam muitas dificuldades no processo dealfabetização. Observamos que a criança querepresentou seu corpo de maneira dissociadae sem uma organização detalhada dos ele-mentos corporais, também evidenciava difi-culdades na representação de outros objetos,tais como letras e números.

Isso acontece porque, como não con-seguem representar o próprio corpo, tambémnão conseguem perceber e representar omundo que o cerca. A este respeito Le Boul-ch (1982) afirma que a percepção do corpoajuda no controle tônico, na atenção e nasfunções perceptivas, competências básicaspara a alfabetização. É essencial destacarque, no ato psicomotor, há sempre a partici-pação da inteligência, através da intenciona-lidade e do comando da ação que se realiza.

Diante dessas constatações pergunta-mos às professoras que tipo de atividadesfaziam para possibilitarem as crianças a co-nhecerem mais seu corpo e elas disseram quemostravam apenas as figuras humanas paraas crianças e trabalhavam a nomenclaturadas partes corporais.

Segundo Le Boulch (1982) “o exercí-cio metódico no treinamento entre o exteriore o próprio corpo é uma das debilidades denossa concepção educativa. Muitos educado-res acreditam que a descoberta do corpodeverá fazer-se pelos livros e pelos modelosexternos e não pela experiência vivida esentida através da própria atividade”. E essacrença típica da moda dos métodos audiovi-suais, reforça ainda mais esta forma de edu-cação dirigida ao exterior e à imagem, tra-zendo grandes malefícios para a constituiçãocorporal e afetiva dos sujeitos, proporcio-nando grandes conseqüências para o seu

processo de alfabetização e aprendizagem aolongo da vida.

Posteriormente à sondagem da ima-gem visual das 20 crianças, iniciamos a ava-liação das habilidades psicomotoras, entreelas: a coordenação global, coordenaçãofina, coordenação viso-motora, esquem acorporal, organização espacial, organizaçãotemporal, discriminação visual e auditiva.

No que se refere ao desempenho nacoordenação motora, realizamos com ascrianças atividades com materiais muitoacessíveis que podem ser usados por qual-quer professor. Usamos como material auxi-liar: banco de 15cm; corda de 2m; elástico;caixas de vários tamanhos; cestas de váriostamanhos, bolas grandes e pequenas, giz ejogos de encaixe.

A coordenação global refere-se à ati-vidade dos grandes músculos e ajuda nodesenvolvimento do equilíbrio postural, nadissociação dos movimentos e na realizaçãode movimentos simultâneos, tais como: boli-che, amarelinha, acertar a bola na lixeira queimplicam na coordenação de vários múscu-los. A coordenação global é a habilidade quese desenvolve na família. Entretanto, atual-mente, devido à falta de tempo dos familia-res, as crianças vêm evidenciando, na escola,problemas motores que muitas vezes não sãodetectados e trabalhados na escola, o queatrapalha a aprendizagem das mesmas.

Na pesquisa percebemos que o de-sempenho das crianças foi satisfatório (de-sempenho alto), pois 70% das crianças con-seguiram realizar bem as atividades relacio-nadas a agarrar bolas, saltar numa perna só,equilibrar-se num banco e numa linha reta oucurva.

As outras 30% tiveram básico de-sempenho regular (baixo) em ordenar obje-tos e blocos e realizar dois comandos simul-tâneos. Percebemos que estas crianças comdesempenho regular (baixo) na coordenaçãoglobal evidenciaram defasagens no que dizrespeito à falta de controle corporal, proble-mas de postura, cansaço excessivo nos mo-

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mentos de escritas e leitura e ainda a frag-mentação dos movimentos corporais e gráfi-cos.

Isso acontece porque a criança nãorealiza automaticamente os movimentos enão consegue coordená-los, o que torna maislenta a realização das tarefas. De acordo comOliveira (1997) quanto mais automatizado enatural for o movimento, mais rápido será opensamento implicado na ação em questão.

As crianças também realizaram ati-vidades referentes à coordenação fina e ocontrole ocular, isto é, a visão acompanhan-do os movimentos da mão, chamada coorde-nação viso-motora.

Segundo Ajuriaguerra (in Condema-rín e Chadwick, 1987), o desenvolvimentoda escrita depende de diversos fatores: matu-ração geral do sistema nervoso, desenvolvi-mento psicomotor geral em relação à tonici-dade e a coordenação dos movimentos edesenvolvimento da motricidade fina dosdedos e mãos.

Apenas 50% das crianças consegui-ram realizar todas as atividades, evidencian-do uma grande dificuldade em realizar ativi-dades que envolviam o uso simultâneo dasmãos e olhos (coordenação óculo-manual).Outra dificuldade muito evidente está rela-cionada ao movimento de preensão; 60%seguravam incorretamente o lápis ou o hi-drocor. Oliveira (1997) afirma que é, atravésdo movimento de preensão, que a criançadescobre os objetos e que a mão é um ins-trumento a serviço da inteligência. Tanto omovimento de preensão quanto o controle dapressão gráfica sobre o lápis e o papel, sãoessenciais para a criança responder às exi-gências de precisão na forma das letras e arapidez de execução.

Percebemos que as crianças apresen-tavam grande lentidão nas tarefas que exigi-am coordenação viso-motora, por isso demo-ravam muito para realizar registros do qua-dro e cópias.

Avaliamos ainda o esquema corpo-ral. Este está relacionado ao conhecimento e

organização do corpo, dos objetos e do do-mínio dos gestos. Está interligado também àcoordenação global e fina. As crianças inves-tigadas demonstraram algumas defasagensno esquema corporal: 50% apresentaramlentidão na realização de gestos harmoniosossimples, como abotoar roupas, fechar o zí-per, jogar bola, elas não planejavam seusgestos ao agir. Quando estavam diante dafolha do caderno não obedeciam aos limitesdo papel, não respeitavam as margens, nãoarmavam contas de somar corretamente enão conseguiam usar vírgulas e pontos nasorações e textos.

Realizamos avaliações referentes àorganização espacial, dentre elas jogos deencaixes, execução de movimentos na ordeme reprodução de movimentos (representaçãohumana). A estruturação espacial é essencialpara que vivamos na sociedade, pois é, atra-vés do espaço e das relações espaciais, queestabelecemos relações entre as coisas, ob-servamos, comparamos e vemos as seme-lhanças e diferenças entre elas. Esta habili-dade psicomotora é pressuposto para muitasatividades realizadas nas salas de aula, entreelas a escrita. Ajuariaguerra (1988) acentuaque “a escrita é uma atividade motora queobedece a exigências muito precisas da es-truturação espacial. A criança deve comporsinais orientados e reunidos de acordo comleis de sucessão que fazem destes sinais pa-lavras e frases. A escrita é uma atividadeespaço-temporal muito complexa”. Primei-ramente, é importante que a criança percebaa posição de seu próprio corpo no espaço edepois a posição dos objetos em relação a simesma e, por fim, aprenda a perceber asposições dos objetos entre si. Para que essapercepção seja qualitativa dependemos dosórgãos sensoriais (visão, audição, tato, assensações cinestésicas de movimento).

Para isso é essencial que desde osperíodos iniciais da educação infantil, ascrianças explorem muito os objetos ao seuredor, com o objetivo de construir o conhe-cimento físico, pressuposto para o conheci-

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mento lógico-matemático e para o conheci-mento social, tão enfatizados por Piaget.Estes três conhecimentos devem ser desen-volvidos pelos professores, possibilitando àcriança uma aprendizagem concreta, signifi-cativa e conceitual desde a mais tenra idade.

Através das avaliações notamos queas mesmas crianças (60%) que apresentaramdificuldades nas avaliações ligadas ao es-quema corporal e à imagem visual do corpo,também evidenciaram dificuldades nas pro-vas de organização espacial. Um dado inte-ressante é que 20% tiveram um desempenhomédio e que apenas 10% completaram toda aprova com sucesso. Esse dado mostra quemesmo aquelas que não apresentam dificul-dades na leitura e na escrita, também apre-sentam algumas defasagens na organizaçãoespacial, o que evidencia um processo deaprendizagem mecânico, centrado apenas nocaráter memorístico, sem um desenvolvi-mento integral das habilidades cognitivas,motoras e lingüísticas.

Percebemos que muitas crianças nãoconseguiam se organizar na folha de papel.Espelhavam letras e números e confundiamnoções de lugar como em cima, em baixo, aolado etc. Então, indagando a algumas profes-soras o que faziam diante dessas dificulda-des, uma nos respondeu assim:

“Olha, quando tenho muitas

crianças espelhando letras e números,

coloco-as para visualizar muito

a letra e depois mando copiar.

Acredito que copiando,

memorizam o formato da letra e do

número e não erram mais.

Na verdade não gosto de fazer isso,

mas é a única estratégia

que acho resolver”.

Constata-se nesse depoimento daprofessora, uma certa angústia, pois sabe queessa não é a melhor forma de trabalhar. Noentanto, elas não têm uma devida formaçãoque as informe sobre novas maneiras deauxiliar as crianças em suas defasagens.

Muitos professores, sem saber comoagir diante de dificuldades de seus alunosusam estratégias mecanicistas. A este respei-to Oliveira (1997) ressalta que muitos “pro-fissionais da educação, preocupados com odesenvolvimento espacial ligado ao ensinoda leitura e escrita, em vez de se preocupa-rem em trabalhar estas noções em nível demovimentação de corpo, de interiorizaçãodas ações, tentam começar esta orientaçãopelos exercícios gráficos. Isto é um erro, poisas crianças apenas aprendem a imitar e deco-rar o que é exigido delas, sem que haja qual-quer transformação mental significativa”.

Esta habilidade de organização espa-cial deve ser estimulada desde os três anos,se estruturando aos oito ou nove anos, épocaem que ela é capaz de situar direita e esquer-da sobre os objetos. A orientação e a estrutu-ração espaciais são importantes porque pos-sibilitam à criança organizar-se perante omundo que a cerca, prevendo e antecipandosituações em seu meio espacial.

Intimamente ligada à organizaçãoespacial está a organização temporal, poisuma pessoa só se movimenta em um espaçoe tempo determinado. É a organização tem-poral que garante ao sujeito uma experiênciade localização dos acontecimentos passados,e uma capacidade de projetar-se para o futu-ro, fazendo planos e decidindo sobre suavida. Kephart (in Fonseca, 1986) afirma quea dimensão temporal não só deve auxiliar nalocalização de um acontecimento no tempo,como também proporcionar a preservaçãodas relações entre os fatos no tempo. Naverdade nunca vemos o tempo como tal,percebemos somente os acontecimentos, ouseja, os movimentos e as ações, suas veloci-dades e seus resultados. Na avaliação daorganização temporal, usamos provas basea-

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 20

das na linguagem, na organização de se-qüências de letras, palavras e frases, organi-zação de imagens, ditado e leitura.

A partir dessas avaliações notamosque 80% das crianças não conseguiram com-pletar as tarefas, apenas 20% tiveram suces-so, necessitando de mediação na realização.Apresentaram, como maior dificuldade, afalta de percepção dos intervalos de tempoao ler frases e textos, escrita sem ritmo (pa-lavras aglutinadas umas nas outras), lentidãonos registros do quadro e esquecimento dascorrespondências som-letra.

Realizamos as avaliações referentesà discriminação visual e auditiva de formaintegrada, através de ortografia, músicas,parlendas e trava-línguas.

Constatamos que 80% das criançasnão conseguiram completar, com sucesso, astarefas ligadas à discriminação auditiva, poismuitas não reconheciam os fonemas fonolo-gicamente, o que prejudicou o desempenhodestas nas atividades, principalmente naortografia e no trava-língua. Outra dificulda-de apresentada pelas crianças se relacionou auma carência na discriminação visual. Aca-bavam lendo várias vezes a mesma palavra,ou pulavam frases inteiras, numa verdadeirafalta de controle ocular. Um total de 60%apresentaram dificuldades na discriminaçãovisual das letras, evi-denciando muitastrocas de letras, taiscomo: p/b; f/v; t/d;s/z; c/g; o/e; m/n etc.

Diante dessasanálises, verificamosque a maioria dascrianças que apresen-tavam dificuldades noprocesso de alfabeti-zação evidenciavamalguma defasagemnas habilidades psi-comotoras referentesà imagem visual docorpo, ao esquema

corporal, organização espacial e temporal,discriminação visual e auditiva.

Como podemos observar, as criançasdemonstraram um bom desempenho nashabilidades básicas, tais como coordenaçãoglobal e fina. Nas habilidades mais comple-xas, entre elas imagem visual do corpo, es-quema corporal, organização espacial, orga-nização temporal, discriminação visual eauditiva, evidenciaram dificuldades.

A partir destes dados podemos cons-tatar que a educação escolar ainda não per-cebeu a importância da dimensão corporalno seu currículo, por isso usam tarefas alta-mente mecânicas e “treinamentos” alegandoque são atividades psicomotoras. Antes donosso contato com os professores e com ascrianças, estas acreditavam que estavamusando de todos os recursos da psicomotrici-dade para preparar os alunos para a escrita.Entretanto perceberam que usavam exercí-cios totalmente desprovidos de significadopara as crianças e não eram nem precedidosde um trabalho mais amplo de conscientiza-ção dos movimentos, de posturas, visandoum desenvolvimento mental maior. Parailustrar essa concepção, perguntamos a umaprofessora no ínício da pesquisa como traba-lhava conceitos de dentro/fora, em cima/embaixo e ela respondeu:

Desempenho nas avaliações das habilidadespsicomotoras

70%

50%40%

30%20%

41%

20%

40%

1 2 3 4 5 6 7 8

Habilidades avaliadas

Cri

ança

s

Cord. Global Coord. Viso-motoraEsquema Corporal Org. EspacialOrg. Temporal LateralidadeDisc. Auditiva Disc. Visual

Fig. 06: Desempenho nas avaliações das habilidades psicomotoras

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 21

“Por exemplo, para trabalharconceitos como em cima/em baixo,usodesenhos numa folha de mimeografo.

Coloco o desenho numa mesa epeço para as crianças desenharem uma

bola em cima e desenharemum X em baixo.

Para trabalhar dentro/ fora,sugiro que colem bolinhas de papel

dentro e desenhem fora”.

O que estes profissionais estavamestimulando era a aquisição de gestos auto-máticos e técnicas sem se preocupar com aspercepções que dariam aos alunos o conhe-cimento de seu corpo e, através deste, o co-nhecimento do mundo que os rodeiam. Osexercícios psicomotores, através do movi-mento e dos gestos, não devem ser realiza-dos de forma mecânica, devem ser associa-dos às estruturas afetivas e cognitivas.

2.3. Habilidades Psicomotoras e Alfabeti-

zação

Um dos aspectos mais significativos,na concepção de alfabetização nesses últi-mos anos, é o de reconhecer que este é umprocesso que se inicia desde os primeirosanos de vida, se intensificando no ingressona educação infantil, se estruturando nasclasses de alfabetização e primeiro ciclo doensino fundamental.

A partir dessa nova visão, podería-mos nos indagar: de que maneira podemosatender, acompanhar a criança na etapa daeducação infantil e primeiros anos de fun-damental para que seja agente ativo na aqui-sição do conhecimento da lecto-escrita, noconhecimento de si mesma e conquiste suaautonomia?

O primeiro aspecto a levar em contaé a criação de um clima, de um ambienteeducativo que lhe permita tomar consciênciade que existe a partir de suas próprias sensa-ções, percepções e experiências. Nesse am-

biente, os educadores devem organizar ativi-dades a partir dos interesses, atividades ejogos pelos quais os alunos manifestam curi-osidade, levando em consideração seu nívelde maturidade afetiva, cognitiva e de seupotencial motor.

Para isso os educadores tenham umaformação holística que contemple a observa-ção, a reflexão e a compreensão das necessi-dades afetivas, cognitivas e corporais dosalunos.

Nesta perspectiva, a educação psi-comotora é essencial ao processo de alfabe-tização e deve ser praticada desde a maistenra idade, pois o movimento é um suporteque ajuda a criança a adquirir o conhecimen-to do mundo que a rodeia através de seucorpo, de suas percepções e sensações, alémde prevenir as dificuldades e combater ainadaptação escolar.

Essa educação psicomotora, quepode chamar-se, também, de educação pelomovimento, tem que estar voltada para oestímulo às habilidades psicomotoras, taiscomo: coordenação global, viso-motora,imagem corporal, esquema corporal, organi-zação espacial, organização temporal, dis-criminação visual e auditiva, pressupostospara a aquisição do ato gráfico e da lecto-escrita.

Coordenaçãoglobal

Coordenaçãoóculo-manual

Esquemacorporal

Lateralidade

Estruturatemporal

Discriminaçãovisual e auditiva

Processo de Construçãoda Lecto-Escrita

Estruturaespacial

Fig. 7: Esquema das Habilidades Psicomotoras impli-cadas no Processo de Construção da Lecto-Escrita

22PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007

Depois de analisar o desempenho decrianças de quatro a oito anos de uma escolada rede pública no que se refere às habilida-des psicomotoras, notamos que a práticapsicomotora não é uma ação muito realizadano âmbito escola, sendo priorizadas ativida-des mais dirigidas e voltadas para a aquisi-ção técnica da leitura e escrita.

Entretanto, em encontros com asprofessoras e durante as entrevistas, levamosestas a perceberem que esta prática psicomo-tora é fundamental, como um novo auxíliopara facilitar o processo de alfabetização.Muitas deixaram claro o desejo de estimular

o desenvolvimento das habilidades psicomo-toras, mas alegavam não saber como utilizá-las nas séries iniciais da educação infantil eensino fundamental.

A partir desta necessidade das pro-fessoras, das características corporais dascrianças investigadas e das pesquisas sobreos estudos realizados por Le Boulch(1982),Rosa Neto (2002), Oliveira(1997) e Ajuria-guerra(1988) construímos um quadro dashabilidades psicomotoras em níveis de gra-duação progressiva e que atividades podemser realizadas para desenvolvê-las.

Fig 8: Quadro das Habilidades Psicomotoras a serem desenvolvidas na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fun-

damental

AtividadesHabilidades Psicomotoras

Coordenação Global(0 aos 7anos)

Rolar, rastejar, engatinhar, andar, correr, soltar, transpor, dançar e a realiza-

ção de jogos imitativos.

Coordenção Fina e Viso-motora( 2 aos 7anos)

Transportar, agrupar, bater, segurar, encaixar, manipular, atar, desatar,

aparafusar, lançar, amarrar, abotoar, riscar, modelagem, recorte, colagem, e

escrita (iniciação do movimento de pinça).

Imagem visual( 3 ½ a 7 anos) Observação do corpo no espelho e desenho do próprio corpo

Esquema Corporal( 3 ½ aos 8 anos) Auto-identificação, localização, abstrata corporal, reconhecimento de todas as

partes do corpo.

Lateralidade(6 os 7 anos) Dominância lateral dos três níveis: olho, mãos e pés.

Organização Espacial( 5 aos 7 anos)Obs: esta habilidade pode serestimulada desde os 2 anos, masse consolida dos 5 aos 7 anos)

Jogos de identificação de cores, formas, tamanhos, direcionalidades e relações

espaciais (em cima, em baixo, lado direito, lado esquerdo, atrás , frente, etc.

Amarelinha, jogos de comandos, letras e números gigantes para serem obser-

vados e manipulados corporalmente.

Orientação Temporal(6 aos 8 anos)Obs: esta habilidade pode serestimulada desde os 2 anos, masse consolida dos 6 aos 8 anos)

Perceber os intervalos de tempo entre as palavras, ritmos musicais, danças

cantadas, cirandas, construção de instrumentos musicais rítmicos (tambor,

chocalho, etc), acompanhamento dos ritmos musicais com o corpo, trabalho

com seqüências sonoras e gráficas.

Discriminação Visual eAuditiva(4 anos aos 8 anos)

Jogos de memória com letras e sílabas, dominó de letras e gravuras, quebra

cabeças de letras e palavras, seqüências de fatos, leitura de histórias, escritasespontâneas de palavras, reescritas de histórias, músicas etc.

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 23

Entendemos e deixamos claro paraas professoras que a prática psicomotora,deve ser entendida como um processo deauxílio que acompanha a criança em seupróprio percurso maturativo, que vai desdea expressividade motora e do movimentoaté o acesso à capacidade de escrever, ler,ou seja, se comunicar através do ato gráfico.

Em tal processo, são atendidos osaspectos primordiais que formam parte daglobalidade em que as crianças estão imer-sas nessa etapa, tais como a afetividade, amotricidade e o conhecimento, aspectos queirão evoluindo da globalidade à diferencia-ção, da dependência à autonomia e da im-pulsividade à reflexão (García Olalla, 1995,in Arnaiz Sánchez, 2003).

Esse trajeto é universal no desen-volvimento de todos os seres humanos edeve ser a base de qualquer projeto pedagó-gico para a educação infantil e para o pri-meiro ciclo da educação fundamental, abase para construir uma prática pedagógicacoerente. Neste sentido é essencial investirna formação dos educadores, para que en-tendam a forma como seus alunos reagem ese modificam diante dos estímulos do meioe como se adaptam a ele. Dessa forma, po-derão auxiliar seus alunos a tomar consci-ência de seus próprios bloqueios e procurarsuas origens e, principalmente, criar exercí-cios adequados para um bom desempenhocorporal e, conseqüentemente, um desen-volvimento cognitivo, afetivo e lingüísticointegral.

Durante nossa pesquisa, percebe-mos que este ainda é um caminho que asescolas precisam percorrer, investir na for-mação e informação dos seus professores,pois estes ainda se sentem despreparadospara lidar com certas defasagens apresenta-das pelas crianças.

A partir dos depoimentos das do-centes, percebe-se um desejo, mas tambémuma angústia, pois já estão sentindo a ne-cessidade de uma formação baseada na

teoria e na prática, num constante processode reflexão-na-ação e sobre a ação.

“Tenho muita vontade de auxiliarmeus alunos, porque sei que algumas

dificuldades que alguns apresentam nãosão graves, mas não sei como fazer.

Acho que seria importantefazermos um curso que oportunizasse

uma visão global e integrada dasdimensões das crianças.

Hoje estamos percebendo que ocorpo é muito importante”.

“É engraçado a maneiracomo as coisas vão e voltam.

Antes a base da educação infantil eratrabalhar o corporal da criança,

mas era tudo muito solto;depois deixamos o corporal de ladopara trabalhar o aspecto cognitivo.

Hoje estamos chegando àconclusão de que ambos, corporal e

cognitivo (além do afetivo)têm que estar integrados,

um colaborando com o outro.Porém ficamos perdidas, muitas vezes

não conseguimos saber como criaratividades para realizar esta integração.

Talvez se tivéssemos cursos maispráticos, aprenderíamos como fazer”.

A concepção das professoras mu-dou no decorrer da pesquisa. Iniciamosnossa pesquisa no 1o. Semestre de 2003, ejá no fim do primeiro semestre muitos pro-fessores nos procuravam para dizer que sóatravés de algumas avaliações, muitos alu-nos melhoraram seus rendimentos escola-res. Assim, estas começaram a perceber aimportância da prática psicomotora comoauxílio na aprendizagem, suscitando o dese-jo de conhecer mais sobre o assunto e in-vestir na própria formação.

Aliada a isto, no 2o. semestre, quan-do estávamos finalizando a pesquisa, a se-

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cretaria municipal de educação sofreu al-gumas modificações de lideranças, as quais,cientes da nova visão de ensino, iniciaramuma grande campanha de formação profis-sional no município, enfatizando nas atuali-zações para os professores da rede questõesrelacionadas ao letramento, a alfabetizaçãoe a educação psicomotora.

Essa mudança de lideranças foi cru-cial para que uma nova visão educacionalsurgisse e pudesse mudar a postura e a ma-neira de os professores encararem o proces-so de alfabetização, buscando novas estra-tégias para realizá-la significativamente.

III. A MODO DE CONCLUSÃO

A análise do discurso dos professo-res, as avaliações das habilidades psicomo-toras dos alunos, os estudos bibliográficossobre a relação entre psicomotridade e alfa-betização nos propiciaram constatar algunsachados fundamentais relativos aos nossosestudos bibliográficos, aos objetivos dapesquisa e à problemática levantada:

n As habilidades psicomotoras, alia-das ao desenvolvimento da lingua-gem são pressupostos fundamen-tais para a aquisição do processode alfabetização e posteriormentedo letramento.

n A escola e os professores, geral-mente, não possuem uma prepara-ção para lidar e auxiliar os alunosque evidenciam alguma defasagempsicomotora.

n A maioria das professoras aindausa estratégias muito tradicionaispara lidar com as crianças que a-presentam dificuldades no proces-so de aprendizagem da leitura e es-crita.

n As professoras alegaram que nãotêm formação para diagnosticartais dificuldades. Não sabiam que

estratégias utilizar e para que pro-fissionais encaminhar seus alunoscom dificuldades.

n Almejam uma capacitação maior,ligada ao processo de alfabetiza-ção, à psicomotricidade e às difi-culdades de aprendizagem.

n Reconheceram a importância dodesenvolvimento psicomotor naconstrução da lecto-escrita.

n Demonstraram muito interesse nacapacitação na área de educação.

Diante dessas questões apresentadaspelas professoras, reforçamos a idéia de quea formação do professor é essencial, pois,estando preparado, criará estratégias e ati-vidades para auxiliar os alunos no desen-volvimento de suas potencialidades e defa-sagens psicomotoras.

É essencial investir na profissionaliza-ção teórico-prática dos professores, pois seestes tiverem uma formação holística econhecerem as propostas eficazes no campoda educação, poderão criar meios para esti-mular o desenvolvimento dos seus alunos eprevenir, desde os anos iniciais, o surgi-mento de dificuldades nas classes de alfabe-tização e séries iniciais do ensino funda-mental. Foi evidente a angústia das profes-soras e a vontade de aprimorar suas práti-cas.

Outros achados são referentes ao pro-blema que iniciou a pesquisa, sobre as difi-culdades psicomotoras apresentadas pelascrianças de quatro a oito anos das classes deeducação infantil e séries iniciais do ensinofundamental. As crianças evidenciarammuitas defasagens corporais, que prejudi-cam a aprendizagem da leitura e da escrita.Entre elas destacamos:

n Dificuldade na percepção do seupróprio corpo.

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n Não reconheciam, não nomeavame não registravam graficamente aprópria figura.

n Imagem visual do corpo fragmen-tada, sem articulação entre osmembros.

n Problemas de postura.n Cansaço excessivo sentiam dores

ao escrever, o que estava relacio-nado à defasagem na coordenaçãoglobal.

n Realização fragmentada da escrita;o ato gráfico não era contínuo, nãoera linear, saiam da linha, ultrapas-savam a margem.

n Lentidão para registrar palavras etextos do quadro (defasagem nacoordenação viso-motora).

n Dificuldades em coordenar movi-mentos e seguir comandos ritma-dos e seqüenciados.

n Dificuldades na discriminação dasposições dos sinais gráficos p/b,d/t, q/p, t/f.

n Dificuldades na discriminação au-ditiva dos fonemas v/f, t/d, c/q,p/b, d/t.

n Reconheciam lentamente os sím-bolos impressos, evidenciandouma leitura sem ritmo, entonação.

n Escreviam palavras omitindo letrase trocando fonemas (ex. inverno –iverno – inferno - iferno).

n Escreviam com letra ilegível.n Liam várias vezes uma mesma pa-

lavra ou frase, ou pulavam frasesinteiras durante a decodificação.

n Decodificavam, mas não compre-endiam o sentido do texto.

n Dificuldade na organização dotempo demoravam muito em umatarefa e não conseguiam terminaras outras por “falta de tempo”.

Diante do exposto, notamos que a mai-oria das dificuldades evidenciadas pelascrianças não são casos de encaminhamentospsicoterápicos, mas requerem uma reeduca-ção corporal, que pode ser realizada dentroda própria escola pelas professoras, duranteas aulas de educação física, nos intervalos eaté mesmo articuladas nas aulas de portu-guês, matemática e outras disciplinas.

Uma outra questão é que as defasagensno desenvolvimento das habilidades psico-motoras gera conseqüências no desempenhoe construção do conceito de leitura e escrita,principalmente nas séries iniciais do ensinofundamental. O que se constata é que noprocesso de alfabetização o corporal, a lin-guagem e o cognitivo são aspectos interde-pendentes e relevantes para o alcance dosucesso na prática da escrita e leitura.

Da análise dos dados, portanto, pode-mos concluir que é importante que o profes-sor tenha uma formação necessária paraobservar e perceber as dificuldades ou po-tencialidades que os alunos apresentam noprocesso de alfabetização. Antes de rotularou encaminhar uma criança para um trata-mento clínico, o professor deve procurardescobrir o que está acontecendo com seualuno. Em vez de transferir para outros oencargo de cuidar das suas crianças, elepróprio deve tomar sob sua responsabilida-de não só os bons alunos, quanto os que têmmais dificuldades. Dentro de sua área peda-gógica é o professor quem tem mais condi-ções de desenvolver um maior aproveita-mento acadêmico e não pode se alienarneste sentido.

Ao realizar as avaliações e instruir asprofessoras sobre como trabalhar com osalunos com defasagens, muitos deles serecuperaram e começaram a avançar noprocesso de alfabetização. Essa situação éilustrada pela fala de uma professora:

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 26

“Nossa!Depois daquela avaliação

e das dicas de vocês pesquisadoras, Xteve uma melhora significativa em sualetra, tornou-se mais ágil nas ativida-

desde registros e ainda começou a

ler as primeiras palavras.Olha que ele era uma criança

totalmente apática, lenta e demoravaa escrever e quando fazia,

era impossível compreender seusrabiscos (letras sem forma).

Parece que depois ele teve um “estalo”e aos poucos foi tomando gosto por

aprender a escrever e ler.É uma pena que ele não tenha feito

essas avaliações antes,pois tem 9 anos e só agora está se

alfabetizando. Mas valeu a pena. Noinício achei que não ia dar em nada,

mas ele melhorou muito.”.

O depoimento mostra que a propostade inserção da psicomotricidade na realida-de de educação infantil, com objetivos eestratégias definidas é muito válida, poisvisa provocar um aumento do potencialpsicomotor, afetivo e cognitivo do aluno,melhorando e acelerando sua aprendizagem.

Assim com este estudo, pretendemosmostrar que o estímulo às habilidades psi-comotoras desde a educação infantil, podeaumentar o potencial motor do aluno, capa-citando-o para uma compreensão de si, dosseus movimentos e do mundo que o cerca,melhorando suas construções acerca dalecto-escrita e dando bases sólidas para suasfuturas aprendizagens.

Por isso acreditamos ser extremamenterelevante que a escola reforme sua estrutu-ra, investindo na formação dos educadores enuma educação holística, valorizando nãosó os aspectos cognitivos, lingüísticos eafetivos, mas dando ênfase também ao cor-poral (psicomotor).

É o professor com sua experiência pro-fissional e prática que tem condições deprovocar um maior desenvolvimento cogni-tivo e propiciar uma alfabetização de quali-dade, que leve os alunos a interpretaremtextos e também a escrevê-los criticamente.

Cabe ao educador estar sempre abertoàs indagações e dúvidas, tratar os alunoscom respeito e consideração, respeitar oritmo de cada um, estimulando-os de formaadequada para que se desenvolvam.

Nosso estudo apresenta, como alterna-tiva, a prática da educação psicomotora noperíodo de quatro aos sete anos (etapa deeducação infantil) que tem como objetivosbásicos possibilitar:

n A consciência e o controle do pró-prio corpo;

n Controle e equilíbrio das funçõesfísicas;

n O uso dos membros do corpo e a-quisição da lateralidade;

n Domínio do ato-gráfico;

n Capacidade de interpretação e pro-dução de textos;

n Ritmo e entonação na leitura;

n Habilidade de registros pictóricos.

n Socialização;

n Respeito às regras morais e sociais.

n Capacidade de coordenação de su-as ações para atingir um objetivoindividual ou proposto.

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 27

Espera-se que os dados apresenta-dos e as concepções apresentadas contribu-am para uma reflexão sobre a importânciada psicomotricidade na educação infantilcomo suporte para o processo de alfabetiza-ção e letramento que acontece nas sériesiniciais do ensino fundamental.Gostaríamos de acrescentar que a aprendi-zagem da leitura e da escrita envolve diver-sos outros fatores que devem ser reconheci-dos e pesquisados, tais como o aspecto cog-nitivo e lingüístico, conforme o esquema aolado:

O estudo sobre a psicomotricidade edas habilidades psicomotoras básicas para aaquisição da leitura e escrita, não se encerraaqui mas, certamente, suscitará discussõesno cenário educacional, servindo comodesafio para que outros educadores se lan-cem a desvendar os caminhos da psicomo-tricidade ou de outras áreas de conhecimeno

que contribuam significativamente parauma alfabetização de qualidade.

Cremos que lançamos um alerta aoseducadores junto aos quais realizamos apesquisa, estimulando-os a almejar umaformação profissional de qualidade.

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AFETIVIDADE

COGNIÇÃO

LINGUAGEM

Fig. 9: Processo de alfabetização e letramento

PERSPECTIVAS ONLINE, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007 28