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// Revista da Faculdade de Direito // número 4 // segundo semestre de 2017 201 A PROVA A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Cristiano Padial Fogaça Pereira* *Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, especialista em Proces- so Civil pelo COGEAE/PUCSP e sócio do escritório de advocacia Fogaça, Moreti & Advogados Associados, e-mail: cristia- [email protected] SUMÁRIO INTRODUÇÃO. 1. CONCEITO DE CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS. 1.1. As partes do contrato. 1.2. Transporte de coisas. 1.3. Responsabilidade civil objetiva. 2. HIPÓTESES DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. 2.1 – Acidente com a transportadora e o fato de terceiro. 2.2.- Roubo de carga como fato de terceiro 3. A PROVA NO CPC/2015. 3.1. A presunção. 3.2. Ônus da prova. 4. QUESTÕES ESPECÍFICAS DA ANÁLISE DA RESPON- SABILIDADE CIVIL DOS TRANSPORTADORES E SUJEITOS AFINS. 4.1. Sobrestadia (demurrage) no afretamento. 4.2. Transporte Multimodal e a importância do ato de vistoria da carga. CONCLUSÃO Resumo O escopo do presente artigo é analisar, à luz do NCPC, o contrato de transporte de coisas e perquirir como a prova da responsabilidade civil relaciona-se com essa modalidade contratual, tendo como foco: (i) os fortuitos externos, analisando-se o fato de terceiro decorrente de acidente com a transportadora em rodovia e o roubo de carga; (ii) a indenização pré-fixada e a necessidade ou não de prova de culpa no atraso na restituição de contêiner ou de embarcação objeto de afretamento, bem como; (iii) o transporte multimodal e a importância da verificação e inspeção da carga. Palavras-Chave: Contrato de transporte de coisas. Prova. Responsabilidade civil. NCPC. Abstract This is an analysis about cargo transport contract and how civil liability evidences should be faced, according to the new Civil Procedural Brazilian Code, focusing on: (i) external fortuitous cases; (ii) predefined amount for damages compensation and the need, or not, to establish fault in case of delay on container restitution; and (iii) the multimodal transport and the relevance of committing cargo inspection. Keywords: Cargo transport contract. Evidences. Civil liability. New civil procedural brazilian code.

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// Revista da Faculdade de Direito // número 4 // segundo semestre de 2017

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A PROVA A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTRATO DE TRANSPORTE DECOISAS À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILCristiano Padial Fogaça Pereira*

*Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, especialista em Proces-so Civil pelo COGEAE/PUCSP e sócio do escritório de advocacia Fogaça, Moreti & Advogados Associados, e-mail: [email protected]

SUMÁRIOINTRODUÇÃO. 1. CONCEITO DE CONTRATO DE TRANSPORTE DE COISAS. 1.1. As partes do contrato. 1.2.

Transporte de coisas. 1.3. Responsabilidade civil objetiva. 2. HIPÓTESES DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL.

2.1 – Acidente com a transportadora e o fato de terceiro. 2.2.- Roubo de carga como fato de terceiro 3. A PROVA

NO CPC/2015. 3.1. A presunção. 3.2. Ônus da prova. 4. QUESTÕES ESPECÍFICAS DA ANÁLISE DA RESPON-

SABILIDADE CIVIL DOS TRANSPORTADORES E SUJEITOS AFINS. 4.1. Sobrestadia (demurrage) no afretamento.

4.2. Transporte Multimodal e a importância do ato de vistoria da carga. CONCLUSÃO

ResumoO escopo do presente artigo é analisar, à luz do NCPC, o contrato de transporte de coisas e perquirir como a

prova da responsabilidade civil relaciona-se com essa modalidade contratual, tendo como foco: (i) os fortuitos

externos, analisando-se o fato de terceiro decorrente de acidente com a transportadora em rodovia e o roubo de

carga; (ii) a indenização pré-fixada e a necessidade ou não de prova de culpa no atraso na restituição de contêiner

ou de embarcação objeto de afretamento, bem como; (iii) o transporte multimodal e a importância da verificação

e inspeção da carga.

Palavras-Chave: Contrato de transporte de coisas. Prova. Responsabilidade civil. NCPC.

AbstractThis is an analysis about cargo transport contract and how civil liability evidences should be faced, according

to the new Civil Procedural Brazilian Code, focusing on: (i) external fortuitous cases; (ii) predefined amount for

damages compensation and the need, or not, to establish fault in case of delay on container restitution; and (iii)

the multimodal transport and the relevance of committing cargo inspection.

Keywords: Cargo transport contract. Evidences. Civil liability. New civil procedural brazilian code.

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// DIREITO, ARTE E CULTURA | PROCESSO CIVIL | PRIMEIRAS LINHAS // número 4 // segundo semestre de 2017

INTRODUÇÃO

O contrato de transporte dispõe de diversas facetas,

na medida em que pode referir-se ao deslocamen-

to de pessoas ou de coisas, bem como este pode

dar-se por diferentes modos de transporte, como rodoviá-

rio, ferroviário, aquaviário e aéreo.

Há um verdadeiro manancial legislativo acerca do tema, for-

mado por normas legais específicas que tratam da matéria,

desde o Decreto 2.681/1912 que versa sobre ferrovias, o Có-

digo Brasileiro de Aeronáutica, perpassando pelo Código de

Defesa do Consumidor, Código Civil até os Tratados e as Con-

venções Internacionais como a Convenção de Varsóvia, por

exemplo. Como se não bastasse, tudo isso vem acompanha-

do de normas editadas por agências reguladoras, sejam elas

a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, ANTT – Agência

Nacional de Transportes Terrestres, ANTAQ – Agência Nacio-

nal de Transportes Aquaviários, dentre outras.

O escopo do presente estudo é tratar do transporte de coisas

somente (e não do transporte de pessoas) e depurar como

a responsabilidade civil relaciona-se com essa modalidade

contratual, examinando em especial: (i) os fortuitos externos,

analisando-se o fato de terceiro decorrente de acidente com a

transportadora em rodovia e o roubo de carga; (ii) a indeniza-

ção pré-fixada e a necessidade ou não de prova de culpa no

atraso na restituição de contêiner ou de embarcação objeto de

afretamento; e (iii) o transporte multimodal, o qual pode asso-

ciar diversos modos de transporte, como aquaviário, terrestre

e aéreo, por exemplo, em uma única entrega de mercadoria e

a importância da verificação e inspeção da carga.

A par disso, temos por objetivo perquirir como o ônus da

prova e o convencimento motivado do Juiz foram tratados

pelo CPC/2015 e de que maneiras tais conceitos refletem

na responsabilidade civil do transportador de carga.

O estudo da responsabilidade civil do transportador de coi-

sas à luz do CPC/2015, portanto, será realizado neste artigo

por meio da verificação de algumas situações concretas,

de sorte a mirar os desdobramentos da responsabilidade

objetiva, que sabidamente incide sobre o contrato em tela.

Da mesma forma, quanto ao direito material, a intenção é

investigar a responsabilidade civil objetiva do transportador,

à luz principalmente do Código Civil e não mediante análise

pormenorizada da legislação extravagante.

1. CONCEITO DE CONTRATO DE TRANSPORTE

Sem a pretensão de tecer um histórico detalhado do con-

trato em análise, convém somente apontar de modo sucinto

a origem desse negócio jurídico.

Os historiadores norte-americanos Edwin Hunt e James

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Murray1 ensinam que, na Europa durante a Idade Média,

empresas transportadoras abriram milhares de postos de

trabalho a operários de inúmeras formações, quando sina-

lizaram com a oportunidade que o ramo dos transportes

poderia oferecer. A evolução dos transportes, nessa épo-

ca, foi de vital importância à expansão do comércio entre

as nações da Europa, registram os referidos historiadores.

(HUNT et MURRAY. 2000. p. 78-79)

Desde essa época, como destaca Ricardo Negrão, havia duas

modalidades ligadas ao transporte de mercadorias, o serviço

de transporte propriamente dito e o afretamento, segundo o

qual o possuidor de uma embarcação a cede para utilização

por outro transportador2. (NEGRÃO. 2011. p. 411-412)

O contrato de transporte, sempre extremamente relevante

ao desenvolvimento econômico das nações, revela grande

importância no atual mundo globalizado, no qual um sem

número de companhias comunicam-se pela internet ou por

telefone e, assim, celebram contratos empresariais, mesmo

situando-se em diferentes continentes, muitas vezes. As-

sim, as mercadorias devem ser entregues com a rapidez

que o mercantilismo exige, vinculando, portanto, o trans-

portador a rígidas obrigações.

Feita essa brevíssima reflexão histórica, devemos caminhar

em direção à noção conceitual de contrato de transporte,

conceito este claramente cunhado pelo Código Civil que,

em seu artigo 730, estabelece: “pelo contrato de transpor-

te, alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de

um lugar para outro, pessoas ou coisas”.

Maria Helena Diniz3 aduz que a empresa de transporte, pes-

soa física ou jurídica, oferece a prestação de serviços de

deslocamento de pessoas ou mercadorias pela via terres-

tre, aquaviária (marítima, lacustre ou fluvial), ferroviária ou

aérea, revestindo-se o contrato de forma empresarial, em

nome individual ou coletivo, assumindo o transportador os

riscos do empreendimento. (DINIZ. 2013. p. 476)

A assunção dos riscos do empreendimento do serviço

prestado pelo transportador é uma noção que se encontra

insculpida no Decreto 2.681/1912, que trata das ferrovias.

Nesse diploma legal, já há a atribuição de responsabilidade

independentemente de culpa pelo legislador, previsão esta

que, até os dias atuais, é invocada como embrião da res-

ponsabilidade objetiva nos contratos de transportes.

Porte ou frete é o nome dado ao preço cobrado pelo trans-

portador para realizar o serviço. Silvio de Salvo Venosa4

salienta que, acaso o contrato estabeleça que o frete será

pago ao final, ou seja, no destino, o transportador pode-

rá invocar a exceção ao contrato não cumprido e reter os

bens, caso o destinatário não efetue o pagamento do porte.

(VENOSA. 2003. p. 487)

1.1. AS PARTES DO CONTRATO

São partes do contrato de transporte, em especial no trans-

porte de cargas que é o objeto deste estudo, o remetente

ou expedidor, que é quem contrata o serviço; e o transpor-

tador ou condutor, que é quem transporta a mercadoria. O

destinatário ou consignatário não é parte do contrato, pois

este é quem recebe o bem deslocado.

Logicamente, acaso remetente e consignatário da mercadoria

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se confundam em razão de uma específica situação de fato,

este último poderá ser parte no contrato, mas essa não é a

regra. Exemplo dessa confusão ocorre na hipótese em que

alguém contrata uma transportadora para realizar a mudança

de residência, haja vista que, neste caso, a parte contratante

(remetente) é o próprio destinatário5. (DINIZ. 2013. p. 479)

Consoante explica Silvio de Salvo Venosa6, existe também

a figura do comissário de transportes que é quem se obri-

ga por transportar a mercadoria, conquanto não realize o

transporte pessoalmente, é o que se chama de empresa de

expedição ou agente de transporte. O comissário assume

diretamente a responsabilidade pelo transporte perante o

remetente, não podendo atribui-la a seu contratado a fim de

escusar-se ante seu contratante. (VENOSA. 2003. p. 485)

Como bem pontua o conceito dado pelo Código Civil, aci-

ma delineado, o transportador age mediante retribuição.

Assim, os transportes feitos por mera cortesia, como o

transporte de móveis de uma residência feito por um amigo

ou uma carona, não constituem contrato de transporte e

submetem-se à responsabilidade subjetiva7. Exige-se, pois,

o elemento “retribuição financeira”.

Importa salientar que mesmo que a retribuição financeira não

seja em pecúnia, estará caracterizado o contrato em tela.

Exemplo disso ocorre no serviço prestado por hotéis que ofe-

recem traslado ao aeroporto ou até pontos turísticos da locali-

dade em que estão inseridos. Mesmo que não haja cobrança

pelo serviço em especial, o hotel agrega valor ao serviço de

hotelaria, qual seja, o valor representado pela comodidade de

levar e trazer os hóspedes, elemento que o diferencia de ou-

tros concorrentes e costuma lhe redundar em novos clientes.

Nesse caso, a sociedade que gerencia o hotel assemelha-se

ao transportador e assim responde se houver algum dano

causado a hóspedes transportados pelo estabelecimento.

O mesmo não ocorre com o fornecedor de mercadorias que

as vende e entrega pessoalmente ao comprador. A entrega

da mercadoria feita diretamente pelo fornecedor é absorvi-

da pelo negócio jurídico de venda e compra e passa a fazer

parte desse contrato principal. O fornecedor não é, portan-

to, transportador.

1.2. TRANSPORTE DE COISAS

O artigo 749 do Código Civil define que, no contrato de

transporte de coisas, o transportador obriga-se por deslo-

car determinada mercadoria ao local de destino, tomando

as cautelas necessárias para mantê-las em bom estado e a

fim de entregá-las no prazo ajustado.

Silvio Salvo Venosa8 novamente faz relevante observação, que

acolhemos como pertinente. Para o autor, o transporte de coi-

sas abrange desde a remessa por motoqueiros em grandes

cidades (os chamados motoboys) até o deslocamento de uma

usina inteira por via marítima. (VENOSA. 2003. p. 495)

Por haver diferenças brutais entre o porte de um contra-

to de transportes e outro, estabelecer-se, no pacto, limi-

tes para a responsabilidade do transportador, em caso de

perda ou avaria, é uma questão fundamental. Para tanto,

importante discorrermos sobre o documento denominado

“conhecimento de transporte”.

Ricardo Negrão9 destaca que o conhecimento de trans-

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porte é título de crédito, porém despido de executividade

por ser causal, indicativo da coisa transportada. Entende-

-se, portanto, que se trata de título de crédito impróprio, ou

seja, título que representa uma mercadoria e não um direito

a crédito. (NEGRÃO. 2011. p. 430)

Acerca de se tratar de título impróprio, Fábio Ulhoa Coelho10

também defende ideia similar. (COELHO. 2007. p. 472)

Conhecimento de transporte é documento que faz prova

da existência do contrato de transporte, contrato este que

não exige forma escrita. É de suma importância, pois, ano-

tar-se no comprovante de transporte o valor da mercadoria,

suas especificações, como peso, qualidade e quantidade,

conforme se infere do art. 743 do Código Civil.

O valor da mercadoria constante do conhecimento de

transporte é que limitará a dimensão econômica da respon-

sabilidade do transportador.

A razão pela qual exige-se a indicação da natureza do produ-

to em conhecimento de transportes decorre do fato de que o

transportador deve ter ciência daquilo que irá transportar, a fim

de que possa tomar as cautelas necessárias à conservação

adequada do bem, bem como a fim de evitar risco de danos

às outras mercadorias transportadas concomitantemente.

A especificação feita em conhecimento de transportes, por-

tanto, viabiliza que o transportador possa entregar a coisa em

bom estado, o que interessa ao próprio remetente, bem como

assegura que o veículo de transporte e os demais bens deslo-

cados estejam em segurança, o que importa ao transportador.

Não pode, sob pena de responsabilidade civil, o remetente

de produtos inflamáveis, por exemplo, deixar de comunicar

tal natureza da mercadoria ao transportador. Isso porque o

transporte inadvertido acarretaria risco à coletividade.

Acaso o remetente preste informações inadequadas ao

transportador, quando da elaboração do conhecimento de

transporte e tal omissão cause danos ao transportador, este

último disporá de 120 (cento e vinte) dias para mover ação

indenizatória contra o contratante, nos termos do art. 745

do Código Civil.11

Especificamente no transporte marítimo, o conhecimento de

transporte é o título que constitui a prova escrita do contra-

to de transporte internacional de mercadorias. O capitão do

navio deve sempre portar o conhecimento de transporte (bill

of lading), porquanto este constitui o principal documento no

transporte marítimo de coisas, juntamente com o documento

de trânsito aduaneiro.12 (MARTINS. 2008. p. 101-120)

A emissão do conhecimento de transporte pode ser nomi-

nativa à ordem, com possibilidade de endosso; não à or-

dem; ou ao portador.13 (VENOSA. 2003. p. 498)

O afretamento pode ser considerado uma modalidade de

contrato de transporte, que contempla não somente o des-

locamento de uma mercadoria de um ponto ao outro, como

também a cessão do uso de um veículo ou de equipamento

próprio, a ser utilizado no transporte. Essa modalidade é

bem conhecida no transporte marítimo.

Ricardo Negrão14 preleciona que o afretamento (de veículo

e não de equipamentos) pressupõe a necessidade de ocu-

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pação de um espaço no interior da embarcação por parte

do expedidor, o qual será operado por armadores, isto é,

empresas de navegação que cuidam da logística dos trans-

portes. (NEGRÃO. 2011. p. 443)

O afretamento pode se referir também a compartimentos

que são colocados dentro dos veículos, como é o caso do

afretamento de contêineres.

O documento que faz prova do afretamento de embarca-

ções ou de contêineres não é o conhecimento de transpor-

te, mas sim a carta-partida.

Segundo o contrato sob enfoque, o fretador é aquele que

dá a embarcação a frete, em geral, é o proprietário do veí-

culo. De outro lado, o afretador é aquele que recebe a em-

barcação e realiza o serviço de transporte ao remetente.

É o afretador, com efeito, quem se responsabiliza ante o

remetente da mercadoria.

Em geral, os contratos de afretamento preveem um perío-

do durante o qual o afretador poderá utilizar o veículo para

transporte, após o qual, caso a embarcação ou o contêiner

não seja devolvido, incidirá valor da sobrestadia, como será

mais bem explorado a seguir, em tópico próprio.

1.3.- DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Estabelece o art. 927 do Código Civil15, em seu parágrafo

único que a responsabilidade civil objetiva, ou seja, que in-

depende da análise de culpa, incidirá sobre determinada

atividade, desde que haja previsão legal específica ou caso

esta atividade tenha, em sua natureza, o risco.

O art. 734 do Código Civil16 preconiza claramente que o trans-

portador responde pelos danos causados às pessoas trans-

portadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo

nula cláusula de exclusão de responsabilidade17. Ou seja, é

clara a imputação de responsabilidade objetiva ao transporta-

dor, eis que não se depende de verificação de dolo ou culpa.

O Decreto nº. 2.681 de 191218, que versa a responsabilida-

de das estradas de ferro, em seu artigo 1º. aduz claramente

que a companhia que explora a estrada de ferro sempre

responderá por danos causados, independentemente de

prova de culpa, pois esta, é presumida.

O mesmo dispositivo legal elenca possíveis exceções como

caso fortuito ou força maior, erro no acondicionamento ou no

carregamento feitos pelo próprio remetente da mercadoria,

afretamento de vagão pelo próprio remetente, entre outras.

Obviamente essas hipóteses constituem rol exemplificativo e

denotam que a responsabilidade civil do transportador seria

excluída em hipóteses de rompimento de nexo causal.

Afora tais exceções, o transportador responderá por danos ou

avarias perante o remetente da carga. Tal lógica inscrita no De-

creto 2.681/1912 aplica-se às demais modalidades de trans-

porte, em especial, no caso de transporte de mercadorias.

Havendo previsão legal expressa para a responsabilidade

objetiva, aplica-se a primeira parte do parágrafo único do

art. 927, do Código Civil, portanto, de modo que fica des-

necessária a análise acerca de ser ou não a atividade do

transportador uma atividade de risco.

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Pontes de Miranda19 discorreu a respeito do tema, dando

sua peculiar visão a respeito e comparando o serviço de

transporte com a empreitada: (MIRANDA. 1984. p. 160)

“O que importa é o resultado, o que bem mostra que, se

se pagou a locatio, permaneceu o que, na língua portugue-

sa, se denomina “empreitada”. A pessoa transportada, ou o

possuidor do bem ou dos bens transportados, quer o ciclo

elaborativo do resultado.”

Segundo essa análise, além de a responsabilidade objetiva

no contrato de transporte contar com especificação legal,

Pontes de Miranda vai ao cerne da obrigação do transporta-

dor para encontrar uma explicação, para a própria intenção

da lei. Defende, pois, que se trata de obrigação de resultado.

De fato, a obrigação do transportador é de resultado e não de

meio. Obriga-se, com efeito, a deslocar mercadorias ou pes-

soas de um ponto ao outro, cumprindo necessariamente horá-

rio e itinerário, além de dever levá-los com segurança e diligên-

cia. Tal obrigação está prevista pelo art. 749 do Código Civil.20

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz21 destaca que se trata de

obrigação de resultado, o que somente permite excetuar como

causa de responsabilidade do transportador, a força maior, caso

fortuito e o vício intrínseco da coisa. (DINIZ. 2013. p. 487)

Como dito em tópico anterior, o conhecimento de transpor-

te limita a responsabilidade civil do transportador, a qual

é objetiva. Novamente Maria Helena Diniz22 salienta impor-

tante ponto nessa seara ao mencionar que o remetente e

o transportador podem fixar um limite máximo para a res-

ponsabilidade (jamais podem convencionar que esta será

excluída), nos casos de perda ou avaria, desde que isso

reflita em redução no valor do frete contratado.

A exceção que trata de força maior e caso fortuito é aquela

capaz de romper o nexo de causalidade entre o ato perpe-

trado e o dano experimentado, o que será tratado detalha-

damente a seguir.

A par dessa exceção, incluem-se também o fato de terceiro

e a culpa exclusiva da vítima.

2.– HIPÓTESES DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL

Agostinho Alvim23 preconizou que é indenizável o dano que

se filia a uma causa necessária, por não existir outra que

explique o mesmo dano. (ALVIM. 1955. p. 161-169)

Assim, prestigiando a teoria da causalidade, a responsabi-

lidade civil objetiva deve decorrer da conjugação dos ele-

mentos, ato, dano e nexo causal. Como se sabe, para a

verificação da responsabilidade subjetiva, exige-se ainda o

elemento culpa ou dolo.

O art. 403 do Código Civil estabelece que, nesse sentido,

que a indenização somente deve incluir os lucros cessantes

e o prejuízo provocado diretamente pelo ato danoso, não

servindo decorrências indiretas, sob pena de prestigiar-se o

que chamamos de regressão ao infinito, ou seja, o parado-

xal “efeito sem causa”.

Um evento danoso que não possa ser vinculado, por rela-

ção lógica de causalidade ao ato em questão – por haver

outros elementos impactantes, como culpa exclusiva da ví-

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tima, o fato de terceiro, caso fortuito ou a força maior – não

pode levar à responsabilização de seu agente. São as cau-

sas excludentes de responsabilidade civil.

Em síntese, a culpa exclusiva da vítima ocorre nas hipó-

teses e que a vítima é quem deu causa ao dano, sendo o

agente mero instrumento para o acidente ocorrer por ato

culposo praticado do próprio prejudicado. Exemplo clássi-

co é a vítima que caminha bêbada sobre os trilhos de um

trem e acaba por ser atingida pela locomotiva.

O fato de terceiro traduz-se na situação em que o um terceiro

que não tem qualquer relação com o contrato ou com a reali-

zação de um serviço, intervém de forma deletéria na consecu-

ção do mesmo, causando danos a alguém. Estando o agente

submetido a determinada responsabilidade civil pela realiza-

ção de dada atividade, deverá provar que o fato foi causado

pelo terceiro, a fim de eximir-se de responsabilidade.

Já o caso fortuito consiste na situação por meio da qual um

fato que não poderia ser evitado ou previsto pelo agente faz

com que a prestação do serviço deste torne-se falha ou não

realizada. Exemplo disso são as greves do serviço bancário ou

as quedas de energia em toda uma região do país (conhecidas

em 2001 e 2002 como “crise dos apagões”) que impeçam que

alguém venha a realizar serviço para o qual foi contratado.

A força maior, por sua vez, consubstancia-se em episódios

causados pela força da natureza, como tempestades, de-

sastres naturais, raios que provocam incêndios etc.

2.1 – ACIDENTE COM A TRANSPORTADORA E O FATO

DE TERCEIRO

Como visto anteriormente, define-se fato de terceiro pela

realização de ato praticado por pessoa estranha à relação

contratual que, agindo com culpa, afeta a realização do ser-

viço por parte do contratado. Tal fato, em geral, exclui a

responsabilidade do prestador de serviço.

No entanto, em vista da responsabilidade objetiva do trans-

portador, o fato de terceiro somente terá o condão de ex-

clui-lo de responsabilidade, caso seja praticado em situa-

ção alheia à atividade do transportador. Há, nesse sentido

jurisprudência remansosa24. (DINIZ. 2013. p. 116)

Suponha-se a situação em que o transportador esteja des-

locando a carga em seu caminhão, dirigindo-o pela rodovia

e seja injustificada e inevitavelmente “fechado” por outro

veículo na estrada, de modo que seu caminhão tombe e o

carregamento de frágeis kiwis fique inutilizado. Surge, então,

a questão: estaríamos diante de fato de terceiro, a isentar

o transportador de responsabilidade perante o contratante?

Entendemos que não há que se falar em isenção de res-

ponsabilidade do transportador, o qual deverá indenizar o

remetente que lhe contratou, podendo, após, mover ação

de regresso contra o terceiro.

O artigo 735 do Código Civil é explícito nesse sentido:

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador

por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de

terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

A justificativa, para tanto, reside no fato de que transportar

a carga em rodovia é ínsito ao contrato celebrado. Assim,

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erros causados por outros motoristas são frequentes e o

transportador deve estar atento a isso, não havendo que se

falar em fato inesperado. Mesmo que o transportador te-

nha agido com plena cautela e diligência, esses fatos fazem

parte do risco do transporte e devem ser contingenciados

por quem se habilita a prestar tal serviço.

Por analogia, pode-se afirmar que Maria Helena Diniz25 lecio-

na no mesmo diapasão ao explicitar que, nos contratos de

transportes de pessoas, a responsabilidade do transportador

por acidente sofrido por passageiro não é ilidida por culpa de

terceiro, cujo carro veio, por imperícia, colidir com o ônibus,

mas contra o qual tem ação regressiva. (DINIZ. 2013. p. 510)

Ou seja, sempre que o fato praticado por um terceiro im-

pactar em ato conexo ao risco da atividade do transporte,

não haverá que se falar em fato de terceiro propriamente

dito, porquanto não se rompe o nexo causal.

Convém refletirmos a respeito de caso concreto julgado

pelo Tribunal de Justiça de São Paulo26 em situação similar,

ainda mais evidente, na qual a transportadora alegou fato

de terceiro, argumentando que o erro deu-se por falha do

motorista por ela contratado.

Ora, evidente que não se trata de fato de terceiro, pois a

responsabilidade por contratar e fiscalizar motoristas é da

própria atividade da transportadora. Trata-se de fortuito in-

terno, que deve ser absorvido pela transportadora, não ser-

vindo de excludente de responsabilidade.

De outro giro, haveria hipóteses em que o fato de terceiro

poderia isentar o transportador de responsabilidade peran-

te seu contratante, rompendo o nexo de causalidade? A

resposta é afirmativa, desde que o fato seja inesperado e

completamente desconexo à atividade da transportadora.

É justamente o que se encontra no tópico seguinte.

2.2.- ROUBO DE CARGA COMO FATO DE TERCEIRO

Conforme já dito, embora a responsabilidade civil do transpor-

tador seja objetiva, há hipóteses em que o nexo de causali-

dade se rompe, de modo a não se falar em responsabilidade.

A responsabilidade civil do transportador no caso de rou-

bo de carga, ou seja, quando da subtração da mercadoria

mediante violência ou grave ameaça, é algo muito debatido.

Poder-se-ia defender que a transportadora tem obrigação de

evitar o roubo, eis que este não seria um fato imprevisível e

inevitável, em vista da violência que ronda nosso país, em

especial, em determinadas estradas sabidamente perigosas.

Todavia, considerar que o assalto à mão armada de carga

transportada por via rodoviária, por exemplo, é um fato que

cabe ao transportador evitar seria um equívoco.

Por mais que saibamos que esse fato pode ocorrer e não

raras vezes ocorre, não é de se impor ao transportador o

dever de coibir esses atos, utilizando-se de segurança par-

ticular, por exemplo.

Cabe ao transportador cumprir itinerário e horários contra-

tados, deslocar as mercadorias com diligência e cautela, no

entanto, há fatos que são alheios à atividade do transpor-

tador. A violência somente poderia ser evitada e, mesmo

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assim, sem certeza de êxito total, acaso o transportador

contratasse segurança particular para acompanhá-lo, lan-

çando mão de escolta armada.

É uma questão de alocação de risco. Impor esse ônus à trans-

portadora - o de manter uma escolta armada – como forma de

excluir a responsabilidade civil desta em casos de roubos de

carga, seria compeli-la à assunção de um gravoso encargo.

Certamente acaso as transportadoras fossem tratadas

como responsáveis por roubos de carga teriam que passar

a arcar com esse alto encargo, o que fatalmente encarece-

ria muito o frete nesse ramo ou desestimularia as transpor-

tadoras a realizar o serviço.

Essa curiosa situação remete à questão descrita por Ivo Wais-

berg27 a respeito de ação judicial movida pelo Ministério Públi-

co com o fim de obrigar supermercados a etiquetar individual-

mente cada produto exposto. Os supermercados reagiram

alegando que já há preços afixados nas gôndolas e, havendo

dúvidas, o consumidor poderia utilizar os terminais de códigos

de barras ou checar nos caixas. (WAISBERG. 2005. p. 656)

O Ministério Público insistiu argumentando que a falta de eti-

quetas individuais nos produtos pode levar o consumidor a

erro. A decisão judicial acabou por acolher o pleito do Minis-

tério Público, entendendo que segundo o Código de Defesa

do Consumidor, a informação deve ser a mais clara possível.

Questiona Ivo Waisberg se a obrigatoriedade de colocar-

-se preço nos produtos individualmente e não somente em

gôndolas irá beneficiar ou prejudicar o consumidor, de uma

forma geral. Conclui o citado autor que a decisão prejudica

o consumidor, na medida em que, embora a probabilidade

de erro fosse pequena, os supermercados terão de investir

na colocação de preços individualmente em cada produto

e repassar esse custo no próprio preço das mercadorias,

onerando a todos os consumidores. É o que ele chama de

“efeito bumerangue do populismo jurídico”.

De fato, decisões por vezes “simpáticas” a uma parcela pe-

quena da coletividade podem, ao final, acabar por prejudi-

car uma parcela bem mais expressiva, com o aumento do

preço do serviço ou produto.

Por esse mesmo motivo, não nos parece que exigir que as

transportadoras contratem segurança privada para coibir

sobremaneira os roubos, elevando assim de forma expres-

siva o preço do frete, seria algo que iria ao encontro dos

interesses da coletividade. Ao contrário, por encarecer o

frete, iria de encontro a esse interesse.

Interessante decisão neste diapasão foi proferida pelo Su-

perior Tribunal de Justiça28, ao entender que não existe nor-

ma legal ou contratual que exija da transportadora dever de

manter segurança privada, de sorte que, se não houve prova

de facilitação de preposto da transportadora na prática do

delito, esta não irá responder, pois rompe-se o nexo causal.

Importante tecer um parênteses neste particular para regis-

trar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

a exemplo do citado acórdão, tem feito distinção entre o

fortuito interno e o externo. Propomos aqui uma outra de-

nominação, a saber, fato de terceiro atrelado à atividade e

fato de terceiro não atrelado. O fato de terceiro atrelado à

atividade ocorre durante o processo de execução do ser-

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viço, não eximindo a responsabilidade civil do fornecedor,

pois trata-se de ato ínsito à sua atividade. Já o fato de ter-

ceiro não vinculado é alheio ao processo de execução do

serviço, excluindo a responsabilidade civil do agente.29 (GA-

GLIANO. 2004. p. 76)

Reconhecemos que se trata de análise econômica do di-

reito, ciência esta que busca examinar o direito, com base

também em fundamentos econômicos. O fundamento, por

trás da resistência em permitir que se exija de transportado-

ra a alocação de novos recursos (investimentos) no serviço

prestado é que tal investimento não seria benéfico para a

maior parte da coletividade. Ao passo que a situação como

está atualmente é menos gravosa.

Leciona Ivo Gico Júnior30 ao versar sobre Law & Economics,

que o ideal é o equilíbrio – ou chegar o mais próximo deste

– entre os agentes econômicos, em um exercício inspirado

no Ótimo de Pareto. Segundo o autor, uma situação “Pareto

ineficiente” será sempre injusta, porquanto alguém poderia

melhorar sua situação sem prejudicar ninguém, mas não o

faz. (GICO JÚNIOR. p. 25)

Nesse sentido, entendemos que a contratação de um seguro

contra roubo, por parte da transportadora é uma medida in-

teressante que pode servir como um valor agregado ao ser-

viço de transporte de carga, sobretudo rodoviária. O seguro

não promete evitar a subtração da mercadoria logicamente,

pois esta pode ser inevitável de fato, mas dá uma solução ao

mal causado à vítima, protegendo o transportador.

A transportadora pode expor, aos clientes, que exerce uma

atividade diferenciada das demais, na medida em que, em

havendo roubo de carga, uma seguradora poderá ressarcir

o prejuízo. Obviamente, o frete de transportadoras que con-

tratam seguros é mais alto do que o frete das demais.

No entanto, isso não obriga todas as transportadoras a

contratarem seguro contra roubo. O importante é que tal

fato fique claro ao remetente, no momento da contratação,

ou seja, se as mercadorias estarão ou não seguradas, bem

como se o remetente pagará algo a mais pelo seguro.

3.- A PROVA NO CPC/2015

Não são muitas ou evidentes as inovações do CPC/2015

com relação ao CPC/1973, no que se refere às provas no

processo civil. No entanto, não deixam de ser relevantes.

Conforme destaca Lenio Luiz Streck31, acerca da inovação

do novo CPC quanto às provas “a parte efetivamente inova-

dora está em um silêncio legislativo e não e um enunciado

explícito”. (STRECK. 2016. p. 110)

Isso porque observa o autor que o livre convencimento foi

extinto pelo NCPC.

De fato, o art. 369 do CPC/2015 preceitua que: “O Juiz

apreciará a prova constante dos autos, independentemente

do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as

razões da formação de seu convencimento”.

Ao contrário, o art. 131 do CPC/1973 estabelecia que o

“Juiz apreciará livremente a prova”. A subtração da expres-

são “livremente” tem enorme significado para o direito pro-

cessual e não é mero detalhe.

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Como realça Lenio Luiz Streck, a rigor, com o advento do

citado art. 369, os Magistrados não poderão mais afirmar

que a decisão foi unicamente proferida calcada em seu livre

convencimento e, por consequência, não poderão funda-

mentar decisões com base em sua “consciência”. Realmen-

te, o NCPC buscou extinguir com o livre convencimento.

A apreciação da prova produzida nos autos deve ser reali-

zada pelo Juiz, de modo racional e lógico. Obviamente não

há como impedir que o Magistrado deixe eivar, de algum

modo, a decisão com suas impressões pessoais, políticas

e ideológicas, pois isso seria impossível, como verificado

por diversos autores pós-Kelsen, na teoria geral do Direito.

Por analogia, seria o mesmo que o físico pesquisador que,

ao analisar a velocidade dos neutrinos a fim de tentar verifi-

car se estes alcançam a velocidade da luz, lança luz sobre o

sistema analisado. Não há como evitar que a mão humana,

que aponta o feixe de luz, interfira no experimento. O sujeito

interfere no objeto, em alguma medida.

Todavia, não há como se admitir que Magistrados prolatem

decisões, sem fundamento lógico, em desrespeito à prova

objetivamente carreada aos autos e de forma a interpretar o

Direito por uma ótica subjetiva e pouco cartesiana.

Sob nossa ótica, o fim do livre convencimento narrado pelo

citado autor, somado à obrigatoriedade de que as decisões

judiciais sejam claramente fundamentadas, não se admitin-

do fundamentos vagos que caberiam a qualquer decisão

(art. 489, §1º, II e III NCPC) elevam o ônus argumentativo

dos Magistrados, o que é extremamente salutar ao Direito

e à jurisprudência.

Essa noção de que o “dizer o Direito” deve ser um ato cal-

cado em lógica, racionalidade e competente argumentação

caminha na direção do conceito filosófico desenvolvido por

Jürgen Habermas32 de que – em outras palavras, a verdade

não se descobre, mas se constrói, através da argumenta-

ção. Ou seja, tem forte relação com a teoria da ação comu-

nicativa. (HABERMAS. 1984. p. 392)

No entanto, a verdade não deve ser um mero resultado de

um procedimento formal. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio

Cruz Arenhart destacam que o conhecimento se trava na

interferência intersubjetiva, ou seja, relação sujeito-sujeito33.

(ARENHART et MARINONI. 2015. p. 53-54)

Os citados autores defendem que, diante dessa percepção

aristotélica, o processo deixa de ser instrumento para a re-

construção dos fatos para ser palco de argumentação, de

modo que concluem que “a verdade é aquilo que o consen-

so do grupo diz que é, embasado esse em posições de ve-

rossimilhança e no diálogo argumentativo”34. (ARENHART

et MARINONI. 2015. p. 54)

Nesse diapasão, lecionou Piero Calamandrei35, afirmando

que ao analisar as provas para julgar, deverá o Juiz con-

siderar o que ocorre na normalidade dos casos, diante do

resultado da argumentação formulada. No entanto, é sabi-

do que o Magistrado não forma seu convencimento sobre

os fatos totalmente livre de pré-conceitos ou de vontade

anterior. (CALAMANDREI. 1955. p. 169-170)

3.1. A PRESUNÇÃO

O conceito de presunção parte da premissa de que o co-

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nhecimento de certo fato pode ser induzido pela verificação

comprovada da existência de outro. Ou seja, considera-se

que, sendo certo que comumente um determinado fato (A)

decorre logicamente de outro (B), portanto, por lógica, se

“B” é verdadeiro então “A” existe.

Ensina Cândido Rangel Dinamarco que presunção: “é um pro-

cesso racional do intelecto, pelo qual do conhecimento de um

fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro

ou o estado de uma pessoa ou coisa”.36 (DINAMARCO. p. 113)

Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni descrevem que

as presunções são sobremaneira importantes nas hipóte-

ses de “redução de módulo de prova”, ou seja, técnica juris-

dicional de diminuição das exigências legais para a solidez

da prova. Tal ocorre quando o Juiz nota que a prova de

um certo fato é extremamente difícil ou sacrificante que se

serve da ideia de presunção, a fim de construir um raciocí-

nio capaz de conduzir à conclusão da ocorrência do fato.37

(ARENHART et MARINONI. 2015. p. 158)

Sendo certo que a presunção de um fato depende da pro-

va de outro fato a ele correlato, conclui-se que presunção

depende de prova (do fato A), bem como presunção é meio

de prova (do fato B).

O art. 443, II do CPC/2015 preconiza que não se admite a

prova testemunhal sobre fatos que só por documento ou

por exame pericial puderem ser provados.

Os autores acima aludidos38 explicam que “a lógica do CPC

pressupõe que, se um fato apenas pode ser provado por

meio de documento ou de perícia, ele não pode ser demons-

trado por meio de outras provas, aí incluída, certamente, a

presunção”. (ARENHART et MARINONI. 2015. p. 54)

Significa dizer que o NCPC traça limites à utilização da

presunção como instrumento a guiar o Juiz a seu racional

convencimento.

O art. 445 do CPC/2015 flexibiliza um pouco o mandamen-

to dado pelo art. 443, II, na medida em que admite a prova

testemunhal, quando aquele a quem incumbe provar o fato

não dispuser de condições de obter a prova escrita da obri-

gação, em casos de parentesco; de depósito necessário ou

de hospedagem em hotel ou em razão das práticas comer-

ciais do local onde contraída a obrigação.

O dispositivo tem o intuito de orientar a respeito das justas

possibilidades de se utilizar a prova oral no processo civil.

A preocupação justifica-se porquanto o Magistrado constrói as

presunções a partir de indícios e, por meio de seu raciocínio ló-

gico, pode atingir um fato probando a partir de uma presunção.

Entretanto, a presunção interpretada pelo Juiz pode condu-

zi-lo eventualmente a um juízo de verossimilhança apenas,

o qual será ponderado em conjunto com os fatos proban-

dos, a fim de se tecer a análise de mérito. Ou será utilizado

unicamente para o ato de decidir.

Como é sabido, a presunção pode ser legal ou judicial, con-

forme decorra da lei ou de ato do homem/Estado-Juiz. Por

sua vez, a presunção legal pode ser relativa ou absoluta. A

presunção relativa (iuris tantum) admite prova em sentido

contrário, todavia, a absoluta (iuris et de iures), não.

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Clássica é a análise feita por Francesco Carnelutti39 no

sentido de que a presunção relativa apenas propicia uma

facilitação da prova, isto é, o ônus da prova é daquele be-

neficiado pela presunção, de modo que a existência desta

torna menos gravosa seu encargo de produzir prova acerca

do fato. (CARNELUTTI. 1944. p. 547)

Assim sendo, o fato de existir uma presunção relativa de

certo fato em um determinado processo cível não faz de-

correr necessariamente que o fato será considerado verda-

deiro pelo Juiz. Os indícios apresentados para sustentar tal

presunção podem ser frágeis e não virem acompanhados

de provas de outros fatos.

Da mesma forma, a presunção relativa pode ser descon-

truída pela produção de prova da parte contrária a quem a

presunção beneficiaria.

Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni asseveram que a

presunção relativa não tem o condão de inverter o ônus da

prova, ou seja, o fato de o Juiz reconhecer a existência de

um presunção relativa não faz com que a parte beneficiada

pela presunção deixe de possuir o encargo de provar tal

fato, transferindo-o à parte contrária.

Os referidos autores explicam que a presunção relativa não

inverte o ônus da prova, mas fixa as consequências jurí-

dicas da prova contrária ao fato presumido. Concordamos

com esse entendimento, na medida em que a presunção

relativa não beneficiará necessariamente a parte que detém

o ônus da prova, mas supostamente tornará sua prova mais

fácil de ser produzida.

Na mesma linha, defendendo que ocorre mera facilitação da

prova, professa Pedro Batista Martins40. (MARTINS. 1960. p.73)

A fim de ilustrarmos, suponhamos que o autor da ação, quem

em geral detém o ônus da prova mais substancial, alega e

demonstra fatos, em sua inicial, que lhe garantem uma pre-

sunção relativa. Tal situação não causará automaticamente

a inversão do ônus da prova, ou seja, não desincumbirão o

autor de produzir provas, deslocando o ônus ao réu. Apenas

e tão somente tornarão a prova do autor mais fácil, eis que

o conjunto probatório poderá apoiar-se no fato presumido,

desde que o réu não produza prova em sentido contrário.

A posse pelo devedor do título de crédito sacado contra si

é uma presunção relativa de que o pagamento foi realizado.

No entanto, se o credor puder produzir prova em sentido

contrário, demonstrando que houve o desapossamento da

cártula, a presunção relativa irá desfalecer. Da mesma for-

ma, constitui em presunção relativa a boa-fé do possuidor a

justo título de bem imóvel.

Por outro lado, a presunção absoluta foi defendida por par-

te da doutrina como uma presunção imprópria. Isso porque

autores como Pedro Batista Martins41 (MARTINS. 1960. p.

72) e Carlo Lessona42 (LESSONA. p. 179), a presunção ab-

soluta é, na verdade, um fato definido por lei e não propria-

mente uma presunção.

Exemplo disso é a previsão legal que trata da maioridade

civil aos dezoito anos. Não admite prova em contrário o

fato de que aos dezessete anos, não emancipado, o in-

divíduo não é um sujeito plenamente capaz de direitos e

obrigações. Trata-se de presunção absoluta de incapaci-

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dade, sendo certo que a prova a respeito de uma eventual

emancipação não seria prova em contrário, mas a des-

constituição do fato. Outro exemplo reside na exigência

legal de que a venda e compra definitiva de bem imóvel

seja realizada por documento escrito e público. Não há

prova em sentido contrário capaz de demonstrar a vali-

dade de um negócio jurídico de venda e compra realizado

verbalmente.

Baseado em presunções e mesmo em provas produzidas, o

Magistrado pode tecer juízo de verossimilhança sobre o méri-

to, a tal ponto que não se poderia afirmar que atingiu certeza

sobre os fatos. No entanto, a convicção acerca da verossimi-

lhança não é o mesmo que estar em dúvida sobre o mérito.

3.2.- DO ÔNUS DA PROVA

Importante inicialmente definir-se “ônus”. Parte da doutrina

já se perguntou bastante se seria ônus uma obrigação?

O descumprimento de uma obrigação gera um ilícito. Por

outro lado, o não atendimento a um ônus não o enseja.

Francesco Carnelutti lança mão dessa didática diferença

para distinguir os dois conceitos, o que se afigura bastante

acertado. (CARNELUTTI. 1944. p. 222)

Não sendo uma obrigação, pode-se questionar se “ônus”

é um direito. Também não é correto equiparar ônus a um

direito, pois direitos subjetivos conferem a seu titular uma

faculdade de agir ou deixar de agir, sem que o não agir lhe

provoque uma consequência negativa. Por outro lado, se o

sujeito deixa de se desincumbir de um ônus, sabe que po-

derá sobre ele se abater uma consequência negativa.

Note-se que utilizamos o termo “poderá”, ao tratar da conse-

quência negativa. Isso porque, no caso do ônus da prova, por

exemplo, é bem sabido que mesmo que a parte a quem cabe

o ônus não produza prova, o Juiz poderá julgar a ação a seu

favor, de modo que não necessariamente ela será prejudicada.

Conforme alertam Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Mari-

noni44, o fato de o onerado pela produção de prova, não

precisar necessariamente produzi-la para sair-se vitorioso

da demanda, “não retira a importância de que as partes sai-

bam, se forma prévia, a quem incumbe o ônus da prova”.

(ARENHART et MARINONI. 2015. p. 201)

Nesse sentido, o art. 357, III do NCPC estabelece que, na

decisão saneadora, o Juiz deve definir o ônus da prova.

Além disso, o art. 373, §1º apregoa que a inversão do ônus

da prova deverá dar à parte a oportunidade de se desin-

cumbir do ônus. Tais dispositivos têm o intuito de afastar

definitivamente a odiosa situação na qual o Magistrado in-

verte o ônus da prova no ato da sentença, ou seja, quando

já está a julgar o mérito e não há mais o que as partes pos-

sam fazer para mudar seu convencimento.

O art. 9º do NCPC também milita no sentido de vedar a inver-

são do ônus da prova na sentença, na medida em que proíbe

as chamadas decisões-surpresa, isto é, que o Magistrado pro-

late decisões, sem dar antes às partes a devida oportunidade

de se manifestar a respeito e prevenir responsabilidades.

Importante ainda notar que o art. 373, §1º não se refere so-

mente à inversão do ônus da prova, mas sim à possibilidade

de distribuição dinâmica de tal ônus. Ou seja, havendo difi-

culdade extrema a uma das partes em produzir determinada

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prova, o Juiz, na decisão saneadora, poderá atribuir o ônus da

prova em questão à outra parte, a quem é mais fácil obtê-la.

O fato de restar reconhecido que o réu, em ação inde-

nizatória, possui responsabilidade objetiva não resultará

necessariamente na inversão do ônus da prova. Tal dis-

tribuição do ônus deve constar claramente da decisão

saneadora. Responder independentemente de culpa não

é sinônimo de receber o ônus da prova de fato substan-

cial a ser provado.

Em geral, cabe ao autor o ônus da prova acerca do fato

constitutivo de seu direito e ao réu, o ônus de provar fatos

modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor.

Pode ocorrer, no entanto, que a prova produzida pelo autor,

na verdade, aproveite ao réu, pois ao invés de provar o di-

reito veiculado na inicial, acaba por demonstrar justamente

um fato impeditivo desse direito.

Todavia, o Magistrado pode distribuir de forma dinâmica

o ônus da prova, inclusive de molde a definir que o autor

receberá o ônus das provas de certos fatos o e réu terá o

ônus da prova com relação a outros fatos, conforme a maior

facilidade em produzir-se cada prova.

Concluem Sérgio Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni45 que

a regra do ônus da prova se destina a nortear o Juiz que

chega ao final do processo sem se convencer sobre os fa-

tos narrados. Assim, a regra do ônus da prova presta-se a

que o juiz livre-se do estado de dúvida, de sorte que se a

dúvida pairava sobre o fato constitutivo, o autor poderá ser

prejudicado, com a improcedência da ação. (ARENHART et

MARINONI. 2015. p. 194)

Ou seja, o Juiz não está em dúvida, no momento em que pro-

lata a sentença. Ele pôde experimentar dúvidas quanto a cer-

tos fatos ao compulsar os autos, mas o ato de julgar pressu-

põe que o Magistrado já tenha deliberado pela procedência

ou não do pedido, podendo utilizar a obscuridade de certa

prova, como razão de decidir. Quando assim ocorrer, o Juiz

poderá asseverar que determinada parte não de desincum-

biu adequadamente de seu ônus e, portanto, foi prejudicada.

Daí a importância de se estabelecer a distribuição do ônus

da prova em decisão saneadora.

O Juiz poderá, ainda, julgar o mérito com base em convic-

ção que construiu fundada em verossimilhança somente.

Trata-se da teoria da verossimilhança preponderante.

Com o intuito de ilustrarmos tal teoria, imaginemos um

transportador que estivesse conduzindo um caminhão baú

contendo mercadorias empilhadas e o veículo viesse a

tombar. Suponha-se que o transportador alegasse, em sua

defesa, que a culpa deve ser atribuída ao contratante que

dispôs pessoalmente as mercadorias em seu caminhão, eis

que a forma como foram dispostas causou o tombamento

do veículo, por força do desequilíbrio causado pela força

centrípeta da curva.

O contratante do transporte (remetente) alega que o moto-

rista estava em velocidade excessiva e que, por essa razão,

perdeu o controle do veículo e tombou.

O Magistrado, diante dos fatos alegados, provavelmente

não terá certeza se as mercadorias foram inadequadamen-

te postas no caminhão, nem mesmo se esse fato causou o

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tombamento. De igual modo, o Juiz poderá não dispor de

elementos para precisar, se o caminhão estava em veloci-

dade incompatível com a segurança.

Assim, não havendo certeza, o Magistrado dispõe de veros-

similhança, bem como de suas regras de experiência.

Estando convicto e ciente da boa argumentação a respeito

do caso, o Juiz poderá julgar o mérito com base em juízo

de verossimilhança. Rememore-se que essa técnica de-

pende do raciocínio lógico e da análise fria das alegações

e fatos propostos, não podendo fundar-se nos pré-concei-

tos puros do Magistrado.

Como regra de experiência, o Juiz pode levar em consi-

deração o fato de que a fotografia da rodovia indica que a

curva em questão é de fato bastante acentuada, de forma

que a versão acerca do tombamento do veículo por conta

da força centrípeta é verossímil. No entanto, não há prova

de que o motorista estivesse em alta velocidade.

De todo modo, o Juiz pode considerar que a responsabili-

dade por verificar a distribuição da carga no caminhão é do

transportador, independentemente de quem a disponha na

carroceria. Além disso, que representam caso fortuito atre-

lado à atividade do transportador as vicissitudes encontra-

das nos traçados das rodovias (tais como curvas, buracos

etc.), devendo o motorista estar preparado para contorná-

-las, de modo a estar presente a convicção acerca do nexo

causal entre a conduta do transportador e o dano causado.

O Magistrado poderá, ainda, ter fixado em decisão sanea-

dora na direção de que o ônus da prova compete ao réu/

transportador por ser objetiva a responsabilidade do mesmo.

Em outras palavras, independentemente de o Magistrado

verificar provas cabais que comprovem a velocidade exa-

ta do caminhão no momento do acidente ou a distribuição

efetiva das mercadorias na carroceria, fato é que o trans-

portador assume, em última análise, a responsabilidade

pelo correto e seguro acondicionamento da carga em seu

veículo. Se ele próprio alega que esse fato causou o aciden-

te, está a confessar sua responsabilidade.

Sendo indiscutível pelo saneador que o ônus da prova con-

cernente ao estado da carga no caminhão, bem como so-

bre como o veículo era conduzido cabe ao transportador, se

este não se desincumbiu do encargo, o Juiz poderá julgar a

ação procedente.

Ou seja, havia um estado de dúvida, no entanto, fundado

em verossimilhança e na regra do ônus da prova, o Juiz

sanou-a, julgando com convicção.

4. QUESTÕES ESPECÍFICAS ACERCA DA RESPONSA-

BILIDADE CIVIL DOS TRANSPORTADORES E AFINS

4.1.SOBRESTADIA (DEMURRAGE) NO AFRETAMENTO

Após breve análise acerca das provas no CPC/2015, im-

portante retomarmos a análise do contrato de transporte,

agora à luz das alterações do NCPC.

Como já exposto acima, o afretamento, muito usual no trans-

porte marítimo, pode ser considerado uma modalidade de

contrato de transporte, segundo a qual o afretador utiliza veí-

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culo ou contêiner do fretador, que em geral é o proprietário

da embarcação ou do equipamento de transporte.

No mais das vezes, o contrato de afretamento marítimo

- que é a modalidade que nos interessa neste capítulo –

estabelece cláusula por meio da qual o afretador poderá

utilizar a embarcação ou o contêiner em determinado pe-

ríodo (laytime) mediante remuneração fixa, de modo que

acaso ultrapasse o aludido prazo, pagará retribuição diária

pela sobrestadia.

Para ilustrar, suponhamos que, em determinado contrato

de afretamento, o afretador e fretador convencionem que

aquele poderá utilizar contêineres deste último, por vin-

te dias e, em contrapartida, deve pagar R$ 6.000,00 (seis

mil reais). Na hipótese de sobrestadia, também conhecida

internacionalmente por demurrage, o afretador pagaria R$

1.200,00 (mil e duzentos reais) por dia. Ou seja, a ideia é de

que para um “pacote” fechado de vinte dias, o valor uni-

tário da diária seja bem inferior do que o valor da “diária

extraordinária” em demurrage, pois esta seria uma retenção

indevida do equipamento.

Trata-se de desestímulo à extrapolação do prazo e um estí-

mulo ao cumprimento exato do laytime.

O que se discute, e faz bastante sentido para o desenvol-

vimento do presente estudo, é: há que se apurar culpa do

afretador para a caracterização do demurrage?

Em outras palavras: trata-se de responsabilidade civil previa-

mente assumida e com indenização pré-fixada ou trata-se de

cláusula penal que força o cumprimento da obrigação?

Com o intuito de distinguir-se os institutos, antes de tudo, é

fundamental definir “cláusula penal”.

A leitura do art. 408 do Código Civil56 denota que incorre

automaticamente na cláusula penal aquele que descumprir

culposamente uma obrigação contratual. Ou seja, o credor

pode exigir o pagamento da cláusula penal, mas não se fur-

ta da discussão acerca de culpa e da conduta do devedor.

Importa destacar que há duas formas de cláusula penal:

i) Cláusula penal moratória: a mais conhecida dos

operadores de direito, que consiste na medida de

coerção ao adimplemento da obrigação assumida,

como, por exemplo, a multa que força o devedor a

cumprir a obrigação de fazer ou deixar de fazer algo,

funcionando como desestímulo à mora. Caso o deve-

dor se atrase no cumprimento da obrigação, o credor

exigirá deste o pagamento da obrigação principal e

da cláusula moratória, que costuma ser um percentual

sobre o valor do contrato. É o preço da demora; e

ii) Cláusula penal compensatória: a cláusula penal que se

consubstancia em uma obrigação alternativa, isto é, caso

o devedor não cumpra a obrigação, o credor poderá exi-

gir o cumprimento dessa obrigação principal ou da obri-

gação alternativa, escolhendo a seu critério. Por exemplo,

promitente comprador que deixa de pagar parcelas do

compromisso de venda e compra, deixando a critério do

vendedor exigir o valor avençado ou rescindir o contrato e

cobrar do comprador uma multa estipulada em contrato

pela frustração do negócio. (vide art. 410 do Código Ci-

vil57). É o preço do descumprimento da obrigação.

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A cláusula penal moratória ou compensatória depende da

análise de culpa do agente, de modo que cabe ao mesmo o

ônus de provar que descumpriu a obrigação, por motivo fun-

dado. Outra cláusula contratual bastante usual, mas que não

se confunde com a cláusula penal, é a indenização pré-fixada.

É relevante diferenciar a indenização pré-fixada da cláusula

penal moratória. Esta última, consoante já dito, impõe uma

precificação pela demora no cumprimento da obrigação, que

ousamos denominar de “preço da mora”. Exemplo de cláu-

sula penal moratória seria a cobrança de 10% sobre o valor

de aluguel pago com atraso pelo locatário. Em tese, cabe

discutir-se se houve ou não culpa, embora a justificativa te-

nha um espectro bastante restrito e a habitualidade e boa-fé

no decorrer da execução contratual devam ser observadas.

Por outro lado, a indenização pré-fixada, como o nome su-

gere, representa o ressarcimento por um prejuízo causado.

Ou seja, essa cláusula pretende deixar bem claro, desde a

celebração do contrato, que a hipótese de atraso no adim-

plemento provocará um dano ao credor, que precisa ser in-

denizado, não cabendo discussão sobre culpa.

De outro giro, a cláusula penal compensatória, a nosso en-

tender, não tem em seu cerne uma grande preocupação com

o ligeiro atraso de um ou dois dias, por exemplo, mas sim

quer garantir o adimplemento da obrigação principal em si,

de sorte que, neste caso, discute-se culpa com maior mar-

gem de análise. Exemplo disso reside no fato de que os com-

promissos de venda e compra costumam recomendar, por

força do Decreto-Lei 745/1969, que o vendedor notifique o

comprador para purgar a mora dentro do prazo de quinze

dias, sob pena de rescisão, não havendo a rescisão de plano,

antes de decorrido o prazo assinalado pela notificação.

No exemplo acima, caso o compromissário comprador re-

solva purgar a mora e evitar a rescisão, pagará a obrigação

principal acrescida de uma cláusula penal moratória (em

geral, 10% sobre o saldo devedor), situação em que a dis-

cussão acerca de culpa será bem mais estreita, conforme

já demonstrado. Caso não pague, ficará a critério do pro-

mitente vendedor cobrar do devedor a obrigação principal

com multa moratória ou a cláusula penal compensatória,

que representa “preço” pelo descumprimento da obrigação.

A cláusula de indenização pré-fixada, portanto, não se con-

funde com cláusula penal moratória, nem com cláusula

penal compensatória, não dependendo de discussão so-

bre culpa. Alinhamo-nos ao entendimento de Álvaro Villaça

Azevedo58, que defende que tal indenização independe de

prova de culpa, pois é verdadeiro estabelecimento prévio

de prejuízos: (AZEVEDO. 2004. p. 258)

“Como tal, ela impõe-se para garantir o cumprimento da

obrigação assumida, assegurando à parte inocente, inde-

pendentemente da prova de culpabilidade da outra, em

caso de atraso ou de inadimplemento, o recebimento da

multa, cujo conteúdo econômico reflete-se como verdadei-

ro e prévio estabelecimento de prejuízos”.

A sobrestadia, destarte, caracteriza-se como indenização

pré-fixada, de molde que o afretador tem pleno conheci-

mento de que deve restituir a embarcação ou o equipamen-

to de transporte dentro do prazo contratado, sob pena de

ter de pagar (caro) pelos dias extravagantes, sem poder ale-

gar que não agiu com culpa. Trata-se de uso consolidado

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na prática, sobretudo marítima.

Não há como equiparar a cláusula de demurrage a uma

cláusula penal compensatória, porquanto o pagamento

dela não substitui a devolução dos bens. Também não se

pode classificar demurrage como cláusula penal moratória,

porquanto não representa uma leve multa pelo atraso na

obrigação, mas sim uma verdadeira indenização pelos dias

em que permanecer com o bem indevidamente, além do

prazo contratado.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido da

mesma forma, enfocando demurrage como indenização

pré-estabelecida:

“A demurrage tem natureza jurídica de indenização pré-fixa-

da em razão da retenção indevida do contêiner pelo devedor,

por prazo excedente ao determinado no instrumento contra-

tual, independentemente de culpa. Logo, sua cobrança não

se enquadra nas hipóteses previstas de cláusula penal.49”

(...) Mesmo que se entendesse possuir a cláusula de paga-

mento do aluguel caráter de cláusula penal, inquestionável

sua natureza moratória, independentemente da prova da cul-

pa. Decorrido o prazo certo para devolução e não sendo resti-

tuído o container, incorrerá de pleno direito na cláusula penal”.

A cobrança da sobrestadia, portanto, não depende de aná-

lise de culpa do afretador, passando a incidir a cobrança

pelo simples fato de a devolução do bem não ocorrer a tem-

po, caracterizando retenção indevida.

A conclusão de que demurrage não depende de prova de

culpa vai ao encontro do entendimento de que ao trans-

portador incide responsabilidade objetiva, mesmo que o

afretador responda pela sobrestadia junto ao fretador e não

perante o remetente da carga.

Importante rememorar que a responsabilidade objetiva não

induz necessariamente a inversão do ônus da prova, embo-

ra as duas situações em muito se assemelhem, pois aque-

le que responder sem necessidade de prova de culpa terá

sua linha de defesa bastante estreitada, restando-lhe provar

ruptura do nexo causal ou demonstrar que a prova do autor

acerca do fato constitutivo foi insuficiente.

Sendo assim, a nosso ver, nas ações judiciais em que hou-

ver responsabilidade objetiva de uma das partes é funda-

mental que o Magistrado, na decisão saneadora, realize a

clara distribuição do ônus da prova, a fim de evitar a in-

versão do ônus da prova na sentença. Tal cautela proces-

sual mostra-se sobremaneira relevante nas ações em que a

transportadora for ré e esteja litigando contra o fretador, por

exemplo, e não em face do remetente.

4.2. TRANSPORTE MULTIMODAL E A IMPORTÂNCIA DO

ATO DE VISTORIA DA CARGA

O transporte multimodal de cargas é disciplinado pela Lei

9.611/98 . Trata-se de um contrato único, por meio do que

há o deslocamento de mercadoria de um ponto a outro, me-

diante mais de um meio de transporte no mesmo trajeto

e com atuação e execução de um operador de transporte

multimodal (OTM), que é sempre uma pessoa jurídica.

Firmado o contrato e assinado o conhecimento de trans-

porte multimodal, o OTM assume responsabilidade perante

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o contratante. Destaque-se que o operador nem sempre é

transportador.

Exemplo de contrato de transporte multimodal pode ser feito

por um expedidor de mercadorias que pretende transportar

soja de Goiânia até a China. O expedidor contrata um opera-

dor de transporte multimodal que gerencia todo o transporte.

A viagem inicia-se por um trajeto rodoviário a partir da cidade

Goiânia até Pederneiras no Estado de São Paulo, por exem-

plo, ponto em que a mercadoria é transposta em um trem até

o porto de Santos. De lá, vai de navio até a China.

O operador de transporte multimodal, como já dito, não ne-

cessariamente é transportador e cabe a ele subcontratar

transportadores e, até mesmo, serviços de armazenagem,

de inutização (reunir cargas em único volume) e de logística

da carga, bem como consolidação documental da carga.51

(NEGRÃO. 2011. p. 451-452)

Além do termo inutização, há outros termos específicos a

este tipo de contrato, os quais devem ser esclarecidos, tais

como transbordo, que é a baldeação da carga de um meio de

transporte a outro e o handling, que consiste no manuseio da

carga, mesmo que dentro do mesmo meio de transporte52.

Ricardo Negrão53 indica ainda que a responsabilidade civil pelo

transporte, perante o remetente, é primariamente do operador

multimodal, podendo este cobrar, mediante ação de regresso,

dos transportadores e demais subcontratados eventuais pre-

juízos causados por estes. (NEGRÃO. 2011. p. 452)

A nosso sentir, há uma exceção a essa responsabilização pri-

mária do operador multimodal, qual seja, a hipótese em que

determinado transportador responsável por certo trecho seja

cabalmente identificado como o causador do dano ao reme-

tente. Nesse caso, o contratante poderá exigir o ressarcimento

do operador multimodal e do transportador ligado ao fato.

Mesmo na hipótese acima, o operador multimodal, acaso ve-

nha a arcar com prejuízos causados pelo transportador em

questão, aquele terá direito de regresso contra este último.

Exemplo de fato passível de atribuição de responsabilidade a

um dos transportadores envolvidos é a queda de contêiner no

mar, em trecho de transporte marítimo, que venha a causar o

extravio ou dano da mercadoria trasladada, desde que fique

comprovado que o equipamento extraviou-se naquele trecho.

Para tanto, é muito importante que, ao final de cada trecho

do transporte multimodal, a carga seja conferida por pre-

posto do OTM, de sorte a confirmar-se se esta se encontra

em bom estado de conservação e, mesmo, se não foi obje-

to de furto, avaria ou extravio, conforme o caso.

Há um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, como

exporemos a seguir, que revela que a falta de diligência em

verificar o estado da carga no momento do transbordo (bal-

deação), pode fazer com que o remetente perca eventual

direito à indenização pelo furto da mercadoria, como se fos-

se rompido o nexo causal.

No caso concreto, as mercadorias simplesmente desapa-

receram dos contêineres, não havendo sinais de violência

ou grave ameaça, de modo que, em tese, poderia haver

participação de prepostos dos transportadores envolvi-

dos. Sendo a responsabilidade solidária e objetiva entre os

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transportadores multimodais, poder-se-ia impor a eles a

responsabilidade civil neste caso?

Entendemos que não. Isso se justifica uma vez que, de fato,

há norma legal que recomenda a verificação da carga, a sa-

ber, o art. 754 do Código Civil, que será abaixo explorado.

Ademais, o dispositivo trata também do registro de avarias

ou extravio no momento do desembarque.

O caso concreto a ser analisado consiste em Importadora que

adquire telefones sem fio da Ásia para revender a uma empre-

sa de Ilhéus - Bahia. Contrata transportadora marítima para

trazer contêineres da Ásia para Santos e para fazer o transbor-

do para Salvador. Em Salvador, outra transportadora conduz a

carga via terrestre até a cidade de Ilhéus, retirando o contêiner

do navio e colocando-o em caminhão. Ao chegar em Ilhéus, a

empresa compradora nota estar vazio o contêiner.

A importadora acionou a seguradora contratada para esse

tipo de sinistro, que a indenizou regularmente. Após, a se-

guradora moveu ação contra as transportadoras marítimas,

a fim de obter o reembolso do prêmio pago. Entretanto, o

Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu por bem que,

como não foi demonstrado nos autos em que trecho teria

ocorrido o furto, pois a remetente não vistoriou a carga ao

final de cada “perna”, teria havido de negligência desta. Es-

pécie de culpa exclusiva da vítima.

“No caso em exame, observa-se que o Juízo a quo analisou

detidamente os elementos constantes dos autos, correta-

mente concluindo que as rés não podem ser responsabi-

lizadas pelo extravio das mercadorias, pois infere-se dos

autos que, em momento algum, a carga foi conferida ou

vistoriada logo após o seu desembarque em Santos ou em

Salvador. Ademais, não há termo de avaria apontando si-

nais de danos no contêiner, que estava com seu lacre em

ordem quando chegou em Ilhéus.” (grifou-se)54

Note-se que o julgado aponta, ainda, que não houve termo

de avaria do contêiner, sendo que este chegou com seu lacre

incólume na Cidade de Ilhéus, de modo que também faltou

com sua diligência a remetente/importadora, e o eventual

operador multimodal, ao deixaram de registrar avarias como

é exigido para tais casos, ex vi do art. 754 do Código Civil.55

Obviamente causa espécie o fato de os lacres dos con-

têineres estarem intactos e a mercadoria ter sido furtada.

Esclarece-se que é possível - e alguns grupos criminosos

assim agem desde 2004 - retirar os ferrolhos que fecham

as portas dos contêineres e, após, recolocá-los, sem deixar

sinais de arrombamento.

O fato é que o destinatário, ao receber, a carga entregue,

deve verificar se esta encontra-se em perfeita ordem, bem

como se as especificações anotadas estão de fato atendi-

das no produto. Acaso haja divergências ou avarias, o des-

tinatário deve registrar, no ato, apostando no conhecimento

de transporte sua reclamação, portanto.

Caso os defeitos não sejam perceptíveis no ato, o parágrafo

único do art. 754 do Código Civil permite que o destinatário

faça sua reclamação junto ao transportador ou ao remeten-

te em dez dias, contados da retirada da carga.

Na hipótese de avaria ou perda de mercadoria que seria

visível no ato da verificação, acaso o destinatário não faça

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reclamação alguma e retire a mercadoria, sofrerá com a de-

cadência de seu direito. Tal fato aplica-se a toda modalida-

de de transporte, não apenas à multimodal.

Todavia, no caso em espécie, que trata de transporte mul-

timodal, a questão ganha contornos ainda mais graves,

porquanto o destinatário, o remetente o ou o operador mul-

timodal devem checar o estado da carga ao final de cada

trecho de transporte, a fim de identificar eventual problema

de deslocamento ou avaria, a tempo, sem que lhes seja im-

putado posteriormente o peso do descuido. Devem ainda

documentar eventuais desconformidades.

Maria Helena Diniz56 destaca a situação em que, deixan-

do o remetente de registrar a ocorrência no conhecimento

de transporte (avaria ou perda), poderá ainda reclamar do

transportador, no entanto, o ônus da prova passa a pender

sobre o remetente, que terá de comprovar o dolo (ou culpa

grave) daquele. (DINIZ. 2010. p. 490)

Conforme já dito, embora a responsabilidade civil do trans-

portador seja objetiva, nem sempre haverá a inversão do

ônus da prova no processo, quando o transportador for réu.

Daí a importância de uma decisão saneadora que observe o

art. 373, §§ 1º e 2º do NCPC, de forma clara e fundamentada.

Na hipótese de ação movida pelo destinatário contra o

transportador, a apresentação de eventual “nota de ins-

peção” feita pelo destinatário, indicando avarias na mer-

cadoria, terá considerável força probante e poderá ser

recepcionada pelo Magistrado como uma presunção re-

lativa acerca da falha do transportador, admitindo prova

em contrário.

Outra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo57 a respeito de transporte multimodal envolve ainda o

serviço de armazenagem em terminais marítimos. Também

se revela a importância da verificação da carga de que trata

o art. 754 do Código Civil.

No caso sob enfoque, uma companhia exportadora de café

do interior do país contratou transporte multimodal, para

transportar sacas de café até o porto de Santos, por meio de

caminhões, utilizando-se dois contêineres, e, após, despachá-

-las, dentro dos referidos contêineres, via marítima à Itália.

Como é usual em casos similares, a exportadora contratou

com duas empresas que atuam como Terminais de Carga

no Porto de Santos, em São Paulo. Assim, estas empresas

deveriam armazenar a carga em galpões até a remessa em

navio que iria a Trieste, Itália. O transporte contratado era de

modalidade house to house, ou seja, deveria ser entregue

no estabelecimento empresarial da comprador na Itália.

Entretanto, ao chegarem na cidade italiana de Trieste, no

estabelecimento da compradora, notou-se que dentro das

sacas havia areia e não café. Examinada a areia, soube-se

que sua procedência era das praias de Santos/SP.

A companhia seguradora, que havia sido contratada pela

exportadora, assumiu o sinistro e pagou o prêmio contra-

tado. Após, moveu ação contra as duas Companhias de

Terminais do Porto de Santos, alegando que a troca de café

por areia ocorrera quando os contêineres estavam armaze-

nados nos ditos galpões.

O Tribunal de Justiça de São Paulo observou que, quando

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os contêineres foram recebidos pela empresa que realizou

o transporte pela via terrestre, esta não realizou qualquer

protesto ou ressalva quanto à existência ou não de avarias

nos contêineres, para comprovar que nada de irregular teria

ocorrido dentro do estabelecimento da exportadora.

Salientou a decisão do Tribunal ainda que, quando uma das

Companhias de Terminais de Carga recebeu os contêine-

res no Porto de Santos, fez ressalva quanto à existência de

avarias nos mesmos. Após, a transportadora que recebeu a

carga em seu navio, não fez qualquer ressalva, como tam-

bém não o fez protesto algum o armador que descarregou

os contêineres na Itália.

Assim, sendo certo que a única parte que registrou algum

protesto quanto a avarias nos contêineres, foram as Com-

panhias de Terminal de Carga, estas foram consideradas im-

passíveis de responsabilização. Isso porque os sujeitos que

receberam a carga depois de esta ter passado pelos Termi-

nais do porto brasileiro não registraram nenhuma avaria.

Importante notar da análise do julgado acima que o ato de

vistoriar a carga não deve ser feito somente pelo operador

multimodal ou pelo remetente e seus prepostos, mas tam-

bém pelas transportadoras e companhias terminais, que ar-

mazenam a mercadoria.

Os julgados sob foco não fazem menção à fórmula da respon-

sabilidade civil objetiva, a saber, existência de fato, nexo causal

e dano. Limitam-se a investigar os fatos que deram origem à

demanda, no entanto, sem fundamentar tecnicamente a razão

pela qual não incide responsabilidade civil aos entes contratuais

em questão, o que já não seria bem aceito à luz do CPC/2015.

O ato de vistoria denota diligência do sujeito contratante

que compõe o transporte multimodal, de sorte que, embora

o Juiz possa inverter o ônus da prova para que o transpor-

tador prove não ter cometido falha, acaso o remetente não

cuide (por si ou por meio de um operador multimodal) de

perquirir se a carga está em perfeito estado, a cada trecho

que é realizado, poderá deixar de verter luz sobre o nexo

causal que revelaria a responsabilidade civil de um dos su-

jeitos contratuais. Sem esse fato desvelador, rompe-se o

nexo causal e não há responsabilidade civil.

CONCLUSÃO

Por meio da análise de casos concretos, sobretudo a juris-

prudência do Tribunal de Justiça de São Paulo colaciona-

dos neste artigo, foi possível verificar que, conquanto a res-

ponsabilidade civil dos transportadores seja objetiva, isso

não significa dizer que não existam casos peculiares que

exijam meditação a respeito do tema.

A responsabilidade objetiva do transportador decorre da lei,

tanto do art. 1º do Decreto 2.681 de 1912, quanto do art.

734 do Código Civil, que demonstram não ser necessária

a verificação de culpa do contratado para que este esteja

obrigado a indenizar o contratante, por prejuízos causados.

Há, no entanto, situações que rompem o nexo causal e tor-

nam não indenizáveis determinados atos do transportador.

Vimos que o roubo de carga rompe o nexo causal, eis que

não está conexo ao risco natural da atividade do transpor-

tador, de sorte a não compelir o transportador ao ressarci-

mento do prejuízo causado ao contratante.

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Fica claro que obrigar o transportador a assumir o risco pela

insegurança de nossas rodovias seria impor a ele um pesa-

do e injustificado ônus, o que acabaria por elevar o valor do

frete no país, na medida em que o transportador, a fim de

evitar o mal maior, teria de contratar segurança privada. Ou

simplesmente deixaria de atuar na área.

De outro lado, o acidente automobilístico em que o motorista

transportador vier a se envolver, mesmo que por culpa exclu-

siva de outro motorista, não isenta o transportador de res-

sarcir o remetente da carga, tendo, porém, ação de regresso

contra o terceiro. O risco, neste caso, é ínsito à atividade.

Na análise de situações mais específicas, investigamos a

responsabilidade civil que emerge da cláusula de sobresta-

dia e nos contratos de transporte multimodais.

No caso da sobrestadia ou demurrage, evento típico do

contrato de afretamento - que é considerado um desdobra-

mento do contrato de transporte – conclui-se que se trata

de cláusula que estabelece prévia indenização, de modo

que não se depende de análise de culpa, diferentemente da

cláusula penal compensatória ou moratória.

Por fim, encontra-se o contrato de transporte multimodal,

que é aquele em que o remetente contrata, em geral, por

meio de um operador de transporte o deslocamento da

mercadoria mediante diversos meios de transporte.

O transporte multimodal e suas peculiaridades revelaram a

importância de se realizar de forma proba a vistoria a res-

peito do estado da carga, ao final de cada trecho de trans-

porte, seja rodoviário, marítimo, ferroviário ou aéreo, de

sorte a registrar-se formalmente a existência de eventuais

avarias ou danos causados aos bens transportados.

A ausência de registro de protestos no conhecimento de

transporte, por parte do remetente ou destinatário poderá

fazer esmaecer o direito à indenização por danos causa-

dos à mercadoria.

Todas as nuances narradas no presente artigo demonstram a

necessidade de o juiz definir claramente a distribuição do ônus

da prova a cada parte, em vez de simplesmente supor que o

transportador, em razão da responsabilidade objetiva, será

sempre onerado com o encargo de produzir provas. Restou cla-

ro, ainda, que a inversão do ônus da prova na sentença é con-

duta que o CPC/2015 busca coibir, por força dos arts. 9º e 373.

Forçoso compreender, portanto, que a responsabilidade ob-

jetiva a incidir sobre o transportador não necessariamente

compelirá a este o dever de indenizar, sendo de fundamental

importância a análise dos vários desdobramentos que com-

põem o quadro fático em que o contrato está contextualizado.

BIBLIOGRAFIA

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Notas

1. HUNT, Edwin S. e MURRAY, James M. Uma História do Comércio na Europa Medieval. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, p. 78-79.

2. NEGRÃO, Ricardo. Direito Comercial e de Empresa – Títulos de Crédito e Contratos Empresariais. 2ª. Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. pp. 411-412.

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3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 3. 26ª. Edição. São Paulo: 2013, Ed. Saraiva. p. 476.

4. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie. 3ª. Edição. São Paulo: 2003, Ed. Atlas. p. 487.

5. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 479.

6. VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 485.

7. Súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportador quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

8. VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit., p. 495.

9. NEGRÃO, Ricardo. Op. cit. p. 430.

10.“Por isso, pode-se afirmar que o título de crédito é o documento representativo de obrigação pecuniária sujeito a regime informado por tais princí-pios. Por outro lado, há alguns instrumentos jurídicos sujeitos a disciplina legal que aproveitam, em parte, os elementos do regime jurídico-cambial. Tais instrumentos não podem ser considerados títulos de crédito exatamente porque a eles não se aplicam, na totalidade, os princípios e normas de direito cambiário. Esses instrumentos são normalmente referidos como “títulos de créditos impróprios”. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, p. 472.

11. Art. 745 – Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente (conhecimento de transporte), será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência.

12. MARTINS, Eliane Maria Octaviano. “Curso de direito marítimo – Vol. 2. Barueri: 2008, Ed. Manole”, p. 101-120.

13. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. p. 498.

14. NEGRÃO, Ricardo. Op. Cit. p. 443.

15. Art. 927, § único - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

16. Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qual-quer cláusula excludente da responsabilidade.

17. Súmula 161 STF - Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar. (26/10/2015)

18. Decreto 2.681/1912 - Art. 1º - As estradas de ferro serão responsáveis pela perda total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que receberem para transportar. Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas:

1ª - caso fortuito ou força maior;2ª - que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mercadoria ou causas inerentes à sua natureza;

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3ª - tratando-se de animais vivos, que a morte ou avaria foi consequência de risco que tal espécie de transporte faz naturalmente correr;4ª - que a perda ou avaria foi devida ao mal acondicionamento da mercadoria ou a ter sido entregue para transportar sem estar encaixotada, enfardada ou protegida por qualquer outra espécie de envoltório;5ª - que foi devido a ter sido transportada em vagões descobertos, em consequência de ajuste ou expressa determinação do regulamento;6ª - que o carregamento e descarregamento foram feitos pelo remetente ou pelo destinatário ou pelos seus agentes e disto proveio a perda ou avaria;7ª - que a mercadoria foi transportada em vagão ou plataforma especialmente fretada pelo remetente, sob a sua custódia e vigilância, e que a perda ou avaria foi consequência do risco que essa vigilância devia remover.

19. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito dos Transportes. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 160.

20. Art. 749 - O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto.

21. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 487.

22. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 489: “Mas o remetente e o transportador podem fixar um limite máximo para o valor da indenização nos casos de perda ou avaria, desde que tal fixação corresponda a uma diminuição no valor da tarifa (Dec. nº. 2.681/12, art. 12)”.

23. Conf. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. Ed. Saraiva, 1955, p. 161-169.

24. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 7. 26ª. Edição. São Paulo: 2013, Ed. Saraiva. p. 116: Súmula 187 do TJSP: “A RESPON-SABILIDADE CONTRATUAL DO TRANSPORTADOR, PELO ACIDENTE COM O PASSAGEIRO, NÃO É ELIDIDA POR CULPA DE TERCEIRO, CONTRA O QUAL TEM AÇÃO REGRESSIVA.”

25. DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 510.

26. TJSP, Apelação nº 0169316- 27.2008.8.26.0100, 15ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Araldo Telles, j. 14/05/2013: “Desse modo, a responsabilidade contra-tual do transportador não é ilidida por culpa de terceiro, contra o qual, apenas, tem ação regressiva. No caso presente, a ré tenta se esquivar da obriga-ção de indenizar amparada na culpa do motorista que ela mesma contratou. Ainda que o condutor do caminhão tenha agido com culpa, a responsabilida-de não se afasta porque se trata de caso fortuito interno, isto é, a escolha dos motoristas que contrata é inerente ao risco da atividade que desenvolve.”

27. “Mas será que obrigar o supermercado a colocar preços individualmente vai beneficiar aos consumidores em geral no prazo mais longo, ou somente beneficiaria uma parcela pequena deles em detrimento de uma parcela extremamente superior que arcará com o custo desta etiquetagem?”WAISBERG, Ivo. Direito e Economia – O efeito bumerangue do populismo jurídico in A empresa no Terceiro Milênio - Coordenação de Arnold Wald e Rodrigo Garcia da Fonseca. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2005, p. 656.

28. “O roubo de carga constitui força maior e exclui a responsabilidade da transportadora perante a seguradora do proprietário da mercadoria transpor-tada, quando adotadas as cautelas necessárias para o transporte seguro da carga. (...)O Tribunal de origem manteve a sentença que concluiu pelo afastamento da excludente de responsabilidade pela existência de força maior, pois con-siderou que o roubo não pode ser considerado como motivo que permite o afastamento da responsabilidade objetiva ante a obrigação da empresa de transporte de prevenir de forma efetiva a ocorrência deste crime.O entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, não havendo norma contratual que estabeleça a necessidade de a carga ser protegida por segurança privada, não demonstrada a participação de algum preposto da transportadora na prática do crime nem eventual culpa, não há como pretender indenização da sociedade empresária pela perda da carga”.

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STJ, AgReg. em Recurso Especial 1580824-SP, Min. Rel. Humberto Martins, j. 17/03/2016. 29. GAGLIANO, Pablo Stolze. Responsabilidade Civil – vol. 3. 2ª. edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p.76.

30. GICO JÚNIOR, Ivo T. O que é Análise Econômica do Direito – Um Introdução. Belo Horizonte: Ed. Fórum, p. 25.

31. STRECK, Lenio Luiz. Grandes Temas do NCPC, v.5 – Direito Probatório. Coordenadores do volume: Marco Felix Jobim e William Santos Ferreira. Coordenação Geral: Fredir Diddier Jr. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 110.

32. “(...) não é a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo que pode ser representado e manipulado mas a relação intersubjetiva, que sujeitos que falam e atuam, assumem quando buscam o entendimento entre si, sobre algo. Ao fazer isto, os atores comunicativos movem-se por meio de uma linguagem natural, valendo-se de interpretações culturalmente transmitidas e referem-se a algo simultaneamente em um mundo objetivo, em seu mundo social comum e em seu próprio mundo subjetivo”. HABERMAS, Jürgen. The theory of communicative action. Vol 1. Reason and the rationalizalion of society. Boston: Beacon Press, 1984, p. 392.

33. ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme. Prova e Convicção de acordo com o CPC de 2015. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 53/54.

34. _________________________________p. 54.

35. CALAMANDREI, Piero. Veritá e verosimiglianza nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale, 1955, p. 169-170.

36. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III, 2ª Edição. p. 113.

37. ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 158.

38. _______________________________. p. 161.

39. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de derecho processual civil. Buenos Aires, 1944, t. III, p. 547.

40. MARTINS, Pedro Batista. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1960, vol. III, p. 73.

41. MARTINS, Pedro Batista. Op. cit. p. 72.

42. LESSONA, Carlo. Trattato delle Prove in Materia Civile, 3ª ed., vol. 59 p. 179.

43. CARNELUTTI, Francesco. Op. cit. p. 222.

44. ARENHART, Sérgio Cruz e MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 201.

45. _______________________________ p. 194.

46. Art. 408 - Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

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47. Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

48. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das Obrigações - 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. p. 258.

49. TJSP, Apelação nº 0003980- 29.2012.8.26.0003, 13ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Francisco Giaquinto, 16 de maio de 2013: “Desse modo, não tendo a demurrage natureza jurídica de cláusula penal e considerando que o vínculo existente entre as partes é contratual, perfeitamente cabível a indenização decorrente do descumprimento contratual pela demora na devolução do equipamento além do prazo livre pactuado, independentemente de culpa do devedor pelo atraso, bastando sua ocorrência.” Precedentes: Apelação nº 990.09.328661-0, 20ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Re-bello Pinho, julgamento: 12/04/2010; Apelação n° 7.229.968-0, 24ª Câmara de Direito Privado – Des. Rel. Roberto Mac Cracken - Data de julgamento: 29/05/2008.

50. . Art. 2º - Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal.

51. NEGRÃO, Ricardo. Op. cit. p. 451-452.

52. Art. 3º O Transporte Multimodal de Cargas compreende, além do transporte em si, os serviços de coleta, unitização desunitização, movimentação, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas.

53. NEGRÃO, Ricardo. Op. cit. p. 452

54. TJSP, Apel. 0093627-49.2009.8.26.0000, 11ª. Câmara de Dir. Priv. Des. Rel Marino Neto, j. 21/12/13.

55. Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.

56. DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 490: “No caso de transportador sucessivo ou de transportador de fato, o protesto será encaminhado a todos os res-ponsáveis, transportador contratual e transportador de fato. O dano ou avaria e o extravio de carga importada ou em trânsito aduaneiro serão apurados de acordo com a legislação específica (Portaria GM 5 nº. 957/89, art. 47).”

57. TJSP, Apelação nº. 9140602-10.2008.8.26.0000, 12ª Câm. Dir. Priv., Des. Rel. Sandra Esteves, j. em 30 de janeiro de 2013: “A autora alega na inicial que contratou com COMPANHIA IMPORTADORA E EXPORTADORA COIMEX uma apólice de seguro que a obrigava ao pagamento do capital segurado em caso de sinistro da mercadoria transportada (sacas de café). Aduz que a mercadoria foi acondicionada em dois contêineres. A segurada, então, con-tratou as rés para depósito de sua mercadoria até seu embarque em navio. Ocorre que, enquanto a mercadoria permaneceu sob custódia das rés, houve a substituição do conteúdo dos cofres por sacos de areia. Segundo a autora, o evento danoso ocorreu em razão da negligência das rés em seu dever de cuidar do bem depositado. Afirma, ainda, que a areia inserida nos cofres tem origem geológica na região da Baixada Santista. Assim, por haver pagado à sua segurada o capital segurado contratado na apólice, pretende receber indenização, na qualidade de sub-rogada. (...)

Como bem ressaltado pelo nobre magistrado a quo, a análise dos autos permite concluir que se trata de contrato de transporte house to house. Nessa modalidade, a mercadoria é retirada do estabelecimento empresarial do exportador e entregue no estabelecimento do importador. A estufagem do con-

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têiner se dá no estabelecimento daquele, e a desova no deste. Após a estufagem, o cofre é selado e lacrado, e sua abertura ocorre apenas no momento da chegada ao estabelecimento do importador. Durante o transporte e a armazenagem, nem o transportador, nem o depositário têm acesso ao conteúdo.

Consta dos autos que os contêineres foram transportados por via terrestre desde as instalações da segurada até o porto de Santos. O transporte ter-restre foi prestado pela sociedade empresária TRANSPORTE E COMÉRCIO FASSINA LTDA. Essa transportadora não fez qualquer ressalva quanto à selagem e lacração dos cofres. Chegando ao porto de Santos, os contêineres foram entregues aos cuidados das rés, que se responsabilizaram por seu armazenamento até o momento do embarque em navio. Ao recebê-los, a corré LIBRA TERMINAIS S/A 3fez ressalva quanto à vedação de um cofres, por apresentar avaria (fl. 87). Cinco dias depois, os cofres foram embarcados no navio. O comandante da embarcação não fez qualquer ressalva quanto à vedação e lacração dos contêineres. Não há notícia de que, na chegada dos cofres ao porto de Trieste (Itália), tenha sido feita qualquer ressalva a respeito de seu fechamento. Apenas no estabelecimento empresarial do importador constatou-se que a mercadoria entregue não eram sacas de café, mas de areia”. (grifou-se)

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