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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 953 A PRODUÇÃO DO CENTRO PRINCIPAL E DO NÃO-CENTRO A PARTIR DA FORMAÇÃO DE UMA ELITE URBANA NA CIDADE DE JOINVILLE 1851-1942 NAUM ALVES DE SANTANA 1 Resumo: O texto discute o processo de construção do espaço urbano da cidade de Joinville. O estudo foca a janela temporal de 1850 até 1942, dividida em duas partes: a primeira, referente ao período colonial- comunal, marcada pelo isolamento parcial da colônia; e a segunda, referente ao período de vida institucional integrada ao estado brasileiro e à fase pré-industrial da economia local. A análise leva em conta que a sociedade em seu processo histórico de organização, materializa no espaço formas que se relacionam aos diferentes momentos e processos de sua evolução. O texto discute a formação do centro e do não centro da cidade relacionado à formação de uma elite local, cujo movimento produziram signos, valores e materialidades e influenciaram a verticalização que viria a ocorrer ao final do século XX. Palavras-chave: Produção do espaço, centro urbano, hegemonia social, Joinville. Abstract: The paper discusses the process of construction of the urban space of the city of Joinville. The study focuses on the time frame of 1850 to 1942, divided into two parts: the first referring to the colonial- communal period, marked by partial isolation of the colony; and the second, for the period from integrated institutional life to the Brazilian state and the pre-industrial phase of the local economy. The analysis takes into account that society as a historical process of organization materializes in space forms that relate to different times and processes of its evolution. The paper discusses the formation of the center and the city center and the non-center related to the formation of a local elite, whose movement produced signs, values and materiality and influenced the vertical integration that would occur at the end of the twentieth century. Key-words: Space Production, urban center, social hegemony, Joinville. 1 Introdução O texto aborda o processo de formação do espaço urbano, relativo aos períodos colonial e pré-industrial, da cidade de Joinville, localizada no litoral norte do estado de Santa Catarina, importante polo industrial do sul do Brasil, resultado de processo de colonização de origem germânica, em meados do século XIX. A condição extraordinária de acesso direto ao mar, frente às demais colônias estrangeiras do século XIX, permitiu que as ligações da Colônia Dona Francisca com a pátria-mãe dos imigrantes se prolongasse por longo período, reforçando as 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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A PRODUÇÃO DO CENTRO PRINCIPAL E DO NÃO-CENTRO A PARTIR DA FORMAÇÃO DE UMA ELITE URBANA NA CIDADE DE

JOINVILLE – 1851-1942

NAUM ALVES DE SANTANA1

Resumo: O texto discute o processo de construção do espaço urbano da cidade de Joinville. O estudo foca a janela temporal de 1850 até 1942, dividida em duas partes: a primeira, referente ao período colonial-comunal, marcada pelo isolamento parcial da colônia; e a segunda, referente ao período de vida institucional integrada ao estado brasileiro e à fase pré-industrial da economia local. A análise leva em conta que a sociedade em seu processo histórico de organização, materializa no espaço formas que se relacionam aos diferentes momentos e processos de sua evolução. O texto discute a formação do centro e do não centro da cidade relacionado à formação de uma elite local, cujo movimento produziram signos, valores e materialidades e influenciaram a verticalização que viria a ocorrer ao final do século XX.

Palavras-chave: Produção do espaço, centro urbano, hegemonia social, Joinville. Abstract: The paper discusses the process of construction of the urban space of the city of Joinville. The study focuses on the time frame of 1850 to 1942, divided into two parts: the first referring to the colonial-communal period, marked by partial isolation of the colony; and the second, for the period from integrated institutional life to the Brazilian state and the pre-industrial phase of the local economy. The analysis takes into account that society as a historical process of organization materializes in space forms that relate to different times and processes of its evolution. The paper discusses the formation of the center and the city center and the non-center related to the formation of a local elite, whose movement produced signs, values and materiality and influenced the vertical integration that would occur at the end of the twentieth century.

Key-words: Space Production, urban center, social hegemony, Joinville.

1 – Introdução

O texto aborda o processo de formação do espaço urbano, relativo aos

períodos colonial e pré-industrial, da cidade de Joinville, localizada no litoral norte do

estado de Santa Catarina, importante polo industrial do sul do Brasil, resultado de

processo de colonização de origem germânica, em meados do século XIX.

A condição extraordinária de acesso direto ao mar, frente às demais colônias

estrangeiras do século XIX, permitiu que as ligações da Colônia Dona Francisca

com a pátria-mãe dos imigrantes se prolongasse por longo período, reforçando as

1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa

Catarina - UFSC. E-mail de contato: [email protected]

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características da formação econômica e social germânica trazida pelos primeiros

imigrantes.

Por conta dessa especificidade, o estudo discute o processo de produção do

espaço urbano da cidade de Joinville, no período de predominância do germanismo

ou deutschtum, que iniciou com a fundação da Colônia, em 1851, e foi francamente

bloqueado pela Campanha de Nacionalização promovida pelo Estado Novo, com o

advento da Segunda Guerra Mundial. (CUNHA, 2008)

A dominância dos processos sociais que comandavam o desenvolvimento da

economia e a organização do espaço local permitiu dividir a janela cronológica da

análise em duas fases distintas: Um primeiro período, chamado de “colonial-

comunal”, teve início com a chegada dos imigrantes e se estendeu até 1868, ano em

que a Colônia se emancipou do Município de São Francisco do Sul. Um segundo

período alcançou o Estado Novo, que implicou na sensível diminuição do

germanismo local. Com essa nova condição administrativo-institucional, surgiram os

partidos políticos e começaram a se intensificar as divergências entre germânicos e

luso-brasileiros, no que diz respeito à luta pelo poder político local, concomitante

com o crescimento da base industrial da cidade, resultado do processo de

acumulação de capitais produzidos na fase anterior. É a espacialidade destas

divergências que o texto pretende abordar.

2 – Discussão

Independente da vertente de discussão sobre a organização espacial, o fato é

que ela resulta de uma imbricação, de diferentes organizações espaciais específicas

(espaço socialmente produzido, paisagem natural). Também é fato que as relações

que se estabelecem entre estes diferentes arranjos, transcendem as instâncias

locais, pois, ao mesmo tempo que a partir do lugar emanam influências sobre o

espaço adjacente, a organização dessa instância também é condicionada por

relações que ocorrem em uma escala ampliada, às vezes global.

Mas como então, compreender a complexidade daquilo que Milton Santos

chama de “totalidade social espacializada”? O caminho para a resposta desta

questão é dado a partir do convite à discussão dialética de quatro categorias

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analíticas: estrutura, processo, função e forma, como sugerem Karl Marx (1982) e

Henry Lefebvre (1991) e Milton Santos (1990).

Essa base teórica e metodológica aponta como início da discussão a análise

das “relações materiais da vida”, através da qual é possível dissecar a “anatomia da

sociedade civil” correspondente a “...uma determinada etapa de desenvolvimento

das suas forças produtivas materiais”, dado que, “o modo de produção da vida

material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual” MARX,

1982.

De outra parte, do debate dialético de Villaça (2001, p.238), que discute a

formação do espaço intra-urbano no Brasil, emergem dois aspectos relacionados à

forma das cidades: a formação do centro e do não-centro. O centro se apresenta

como característica inerente a toda aglomeração humana, e se manifesta como um

“[...] conjunto vivo de instituições sociais e de cruzamento de fluxos de uma cidade

real”, onde se concentram atividades comerciais, de serviços e das instituições de

tomada de decisão, aspectos que lhe atribuem, inclusive, um caráter simbólico –

expressão de poder econômico ou da hegemonia politica e social. Já o não centro é

formado pela trama urbana que se desenvolve ao redor do centro, aí incluindo o

espaço rural, pois também se acha sob o domínio das decisões emanadas do centro

principal.

Ao considerar que a sociedade contemporânea se organiza segundo

diferentes categorias sociais, com distintos níveis de renda e de poder político,

Villaça aponta para a geração de um diferencial de poder de acesso aos espaços

mais centrais. Essa prática social produz e reproduz espaços urbanos diferenciados,

cuja disputa intra e inter-categorias sociais, que se pautam por interesses

contraditórios, produz valores diferenciados que se manifestam no valor de troca da

terra.

3 – Metodologia

O referencial teórico adotado para a pesquisa forneceu a diretriz do

procedimento metodológico adotado para a identificação de aspectos materiais que

pudessem explicar a formação do centro e do não-centro da cidade de Joinville. Por

se tratar de uma análise que remonta a primeira metade do século XX, a pesquisa

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bibliográfica em fontes secundárias - livros, artigos e dissertações - que tratam da

historiografia social, econômica e política da cidade formou o corpo principal dos

procedimentos.

Identificados os atores que formaram parcela significativa da classe

econômica hegemônica (comércio, indústria e política) dos segmentos cronológicos

da pesquisa, tratou-se de identificar os lugares de residência e de desenvolvimento

das atividades econômicas de cada um deles. Na sequência, os respectivos

endereços foram comparados com a toponímia dos logradouros atuais e, após

aferição da sua validade com base em material cartográfico de época, foram

plotados em base cartográfica atual.

A pesquisa concentrou-se nas áreas que formam o centro histórico da cidade

e o seu entorno imediato estendendo-se para a porção norte, em direção aos bairros

América, Glória e Saguaçu, que concentram parcela significativa dos atuais lugares

de residência de parcela da classe hegemônica econômica e política de Joinville.

4 – Resultados

4.1. Primeira fase – 1851 – 1866: O projeto de um centro urbano principal e o

surgimento de uma elite urbana – a hegemonia germânica

Os contratempos registrados na fase inicial da colonização contribuíram para

que a cidade planejada não surgisse da forma esperada. O centro urbano não foi

implantado onde havia sido originalmente planejado – confluência dos rios

Cachoeira e Bucarein - e acabou por se consolidar em torno do local de recepção

dos imigrantes, na região das atuais ruas 9 de Março, XV de Novembro, do Príncipe,

Visconde da Taunay e início da Rua Dr. João Colin, próximo ao porto de acesso à

Baia da Babitonga (FICKER, 1965, p. 51-53).

A estreita dependência do porto – ao final da rua Abdon Batista – e do

primeiro mercado municipal que funcionou na atual Praça Lauro Müller, na rua Nove

de Março, atuaram como elementos de atração para atividades e funções urbanas

que materializaram o centro principal da comunidade. Esse foi o caso dos dois mais

importantes locais de reunião social: o Salão Berner, que se localizava na atual rua

Nove de Março, palco comemorações e de reuniões comunitárias e políticas; e o

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Hotel Ipiranga, que se localizava na atual rua Abdon Batista, que além de servir

como local de reunião para o debate de aspectos da vida cotidiana, ali também

abrigava a estação do telégrafo, além de ser o local onde se reuniam os partidários

do Partido Republicano de Santa Catarina (FICKER,1965, p. 311, 339, 345 e 430).

Em Joinville, tanto Estado quanto a burguesia local se esforçaram no sentido

de impor os valores capitalistas de modo que a produção da cidade se deu sob forte

carga ideológica, segundo a “perspectiva renascentista”, fundada no conceito do

homem livre. No caso de Joinville, esses aspectos são intensamente discutidos por

S. Thiago (1988, 2003), Cunha (2008) e Costa (1996), ao debaterem o “mito

fundador” que ainda impregna determinados segmentos da sociedade local.

Nesse contexto, a atuação dos diversos agentes urbanos no processo de

produção do espaço se fez de modo peculiar, se comparado com as cidades de

origem portuguesa contemporâneas à Colônia Dona Francisca. A diferenciação se

manifestava em dois aspectos: O primeiro, no que se referia à ocupação da terra,

que inicialmente era controlada pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849,

a qual, dadas às características de isolamento do empreendimento e à autonomia de

gestão2, exercia o papel do Estado, que ali se fazia completamente ausente. O

segundo, nas ligações diretas com a elite política do Império Brasileiro por parte dos

administradores da Colônia. Os benefícios dessas ligações se estenderam para os

administradores da Colônia e seus protegidos, formando uma primeira oligarquia

local, e que ainda no período colonial-comunal (1850-1866), despertava

divergências entre as diferentes categorias sociais de colonos, e já chamava a

atenção de visitantes (FICKER (1965), S. THIAGO (1988) e CUNHA (2008).

A evolução econômica até a consolidação da cidade de Joinville ocorreu de

modo semelhante ao ocorrido no Vale do Itajaí com a cidade de Blumenau: a origem

do excedente econômico para a futura industrialização esteve calcada no “complexo

formado pelo comércio export-import e o sistema colônia-venda”, controlado pelos

imigrantes, como observam Mamigonian (1965) e Ficker (1965).

2 A Administração da Colônia tinha autonomia de cobrar uma espécie de imposto local para financiar a

infraestrutura local, assim como, não submetia à Presidência da Província, os atos administrativos locais,

relativos aos tributos e às disposições de posturas de caráter municipal. Essa prerrogativa durou até a

emancipação política de São Francisco do Sul, em 1866.

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Esse controle era exercido, em um primeiro momento, pelos comerciantes de

origem germânica e umas poucas famílias de origem francesa. No entanto, ainda

que houvesse a barreira linguística, a dinâmica econômica da colônia também atraiu

luso-brasileiros oriundos da elite econômica de São Francisco do Sul cuja inserção

avançou inclusive para a cena política local e regional (FICKER, 1965; S. THIAGO,

1988).

As atividades culturais também tiveram importante papel na formatação e

culto ao “mito fundador” da Colônia Dona Francisca cuja influência se estendeu por

longo período e com tal intensidade que atualmente ainda serve de referência para a

afirmação do caráter hegemônico de algumas manifestações econômicas e políticas.

Atuaram com grande ênfase nesse processo a Loja Maçônica (1855) Deutsch

Freundschaft (Amizade Alemã) e a Sociedade Harmonie, ou Harmonie Gesselschaft

(1855), “... o berço da aristocracia de Joinville”. (TERNES, 2007, p. 20);

Figura 1. Representação da hegemonia construída de 1851 até 1866. 1) Estabelecimentos residenciais, comerciais e industriais: Em vermelho, de propriedade de teuto-

brasileiros, e em verde, estabelecimentos de propriedade de luso-brasileiros. 2) Estabelecimentos culturais e de gestão pública: Em laranja, relacionados aos teuto-brasileiros, e

em lilás, estabelecimentos relacionados aos luso-brasileiros Fonte: DigitalGlobe em Google Earth, acessado em 01.01.2015

Organização: SANTANA (2015)

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Contudo, as divergências de caráter étnico ou político, não impediram que os

interesses econômicos comuns unissem as lideranças locais, em diversos

momentos, no sentido de defender a projeção econômica da Colônia e depois do

município de Joinville. Nascia assim, o que se poderia chamar de elite econômica

social e política, cuja hegemonia seria disputada entre os representantes da

população teuto-brasileira e da luso-brasileira, por conta de suas convicções

políticas nos diferentes momentos do período que vai de 1850 a 1942 (CUNHA,

2008; S. THIAGO 2003 e COSTA, 1996). Essa elite residia, em sua maioria na área

que por todo o período dessa análise (1850-1942), constituiu o chamado “centro

principal”, atual centro histórico – Figura 1.

4.2. Segunda Fase – 1868-1942 – O fim do domínio da sociedade colonizadora

com a emancipação de Joinville e o Início do processo de industrialização

A segunda fase se relaciona ao que Villaça (2001, p. 250) chama de segundo

ciclo de produção da cidade capitalista, quando então a cidade se desenvolveu “[...]

sob a égide do mecanismo de mercado”.

A emancipação do município de Joinville, em 1866, que poderia se traduzir

em um ato meramente burocrático, teve sérias implicações na estrutura de poder

local e no relacionamento com o Governo Imperial e da Província de Santa Catarina.

As relações locais de poder já vinham apresentando alterações no equilíbrio de

forças, com a chegada de contingentes cada vez maiores de luso-brasileiros, não

somente para atuar como mão-de-obra, mas também detentores de capital e de

capacidade de empreendimento (S. THIAGO, 1988, 2011; COSTA, 1996 e CUNHA,

2008). Era o potencial empreendedor do germanismo se voltando contra si próprio, o

germanismo, que começava a enfrentar resistências e iniciava um lento processo de

diluição na medida em que progresso local emergia como uma ilha de prosperidade

no entorno economicamente estagnado.

De outra parte, com a emancipação de Joinville, as relações comunais que

até então predominavam foram substituídas por um sistema institucionalizado sob a

ordem do Estado brasileiro. As relações políticas se construíram a partir de

programas e bandeiras políticas institucionalizadas e as eleições municipais

passaram a seguir o calendário nacional. Contudo, como já foi comentado

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anteriormente, só não houve alteração na união dos adversários políticos em torno

dos interesses econômicos comuns.

A estrutura urbana, nos primeiros 50 anos do século XX se apresentava,

bastante concentrada, apoiada em um pequeno centro comercial, em torno do qual

se instalavam grande parte das fontes de emprego, sejam comerciais ou industriais

e de onde partiam as vias de penetração em direção aos bairros residenciais.

O crescimento demográfico associado à industrialização levou à formação de

uma classe operária industrial, totalmente desvinculada da atividade agrícola e

também sem ligações culturais com a origem étnica do período colonial. Essa

característica se refletiu na ocupação do território urbano através de uma separação

espacial, naturalmente aceita e manifesta em algumas expressões como “bairros

operários”, ou, “região de moradia dos caboclos”. Não bastasse a separação

espacial de natureza étnica, a condição de renda do operariado também contribuiu

para geração de espaços diferenciados.

Figura 2 - Hegemonia constituída no período de 1866 a 1942. 1) Estabelecimentos residenciais, comerciais e industriais: Em vermelho, de propriedade de teuto-

brasileiros, e em verde, estabelecimentos de propriedade de luso-brasileiros. 2) Estabelecimentos culturais e de gestão pública: Em laranja, relacionados aos teuto-brasileiros, e

em lilás, estabelecimentos relacionados aos luso-brasileiros Fonte: DigitalGlobe em Google Earth, acesso em 01.01.2015

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Organização: SANTANA (2015)

Como resultado do estudo levado a efeito, é possível notar que sob o ponto

de vista étnico, se confirmam algumas das considerações feitas anteriormente. A

figura 2 demonstra de modo inequívoco, que mesmo no estrato de renda mais

elevada, que conduziu o processo hegemônico de formação do centro principal,

havia essa segregação de caráter étnico.

As famílias de origem teuta ou teuto-brasileira ocuparam preferencialmente os

terrenos situados no centro principal, nas imediações das ruas do Príncipe, Nove de

Março e Princesa Isabel, na porção norte do centro principal. No sentido contrário,

ao sul do centro principal, se instalaram as residências e atividades ligadas aos luso-

brasileiros, com forte concentração ao redor das ruas do Príncipe e Abdon Batista.

Essa relação com a porção sul do centro principal, pode ser explicada pelo fato de

que a maior parte desse contingente populacional, tinha atividades ligadas ao setor

comercial com estreita ligação com o porto, situado ao final da rua Abdon Batista.

4.3. A produção do não-centro e a segregação espacial

A produção que trata da história da cidade de Joinville, nos seus

diferentes aspectos, pouca referência faz sobre os aspectos espaciais da

distribuição das diferentes categorias sociais segundo o nível de renda. Por isso se

faz necessário, no momento, recorrer à análise efetuada por Santana (1998), no

sentido de inferir como os demais extratos de renda ocuparam o espaço urbano,

formando o que Villaça (2001) chama de não-centro.

Praticamente formando um anel, envolvendo esse núcleo de renda mais

elevada, ocorre um cinturão de classes de renda misturadas, formando bolsões de

renda média baixa e de renda média alta. Uma grande e extensa periferia começava

a se desenvolver ocupando o restante da área urbana, cuja produção já dava seus

primeiros sinais no início do século XX, nas terras ao sul da Estação Ferroviária.

Essa periferia alcançou o auge da sua formação no período da grande

industrialização da cidade, entre 1950 e 1980 constituída basicamente por

loteamentos populares (Santana, 1998).

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É importante salientar que a resposta espacial aos processos sociais

vivenciados na cidade de Joinville foi marcada por uma sensível segregação

espacial. Assim se formaram espaços com nítida referência germânica, bairros

América, Glória, Atiradores e Anita Garibaldi, próximos ao centro principal. Em

contraponto, também surgiram espaços produzidos em áreas menos valorizadas e

mais distantes do centro principal formando o que se convencionou chamar

localmente de “bairros dos caboclos”, sem vínculos com a etnia germânica.

Ainda há que se fazer referência que entre os bairros dos germânicos e dos

caboclos, ocorreu o assentamento de uma elite e de uma classe média de origem

luso-brasileira e brasileira, além de alguns teuto-brasileiros, que ocuparam a região

do atual bairro Bucarein, localizado na porção sul do centro principal e que se

estende até a estação ferroviária.

Essa característica do processo de ocupação do espaço urbano assumiu, sob

o ponto de vista espacial e de estruturação da cidade, uma grande importância,

cujos efeitos ainda se manifestam na atualidade, refletida no mercado imobiliário de

terras. A segregação espacial por força das condições de renda ganhou intensidade

e que ao se materializar passou a se tornar visualmente incômoda a certos setores

da cidade (COSTA, 1996, SANTANA, 1998 e CUNHA, 2008).

5. Conclusões

A análise aqui apresentada procurou seguir a trilha teórica de um conjunto de

autores que propõem a discussão dos movimentos da sociedade ao longo do tempo

cuja materialidade se revela através da produção do espaço organizado, no caso

específico, a cidade de Joinville.

A discussão do caso material teve por base dois importantes recortes: o

primeiro, de caráter espacial, no sentido de dirigir a análise para o processo

hegemônico de formação dos espaços relativos ao centro principal e ao não-centro

da cidade de Joinville; e o segundo, de caráter temporal, dirigido para discussão do

processo de formação da categoria social que respondeu pela geração dos signos

que impregnam o espaço urbano de Joinville, refletindo a visão de mundo dessa

classe hegemônica, que influenciou produção dos espaços mais valorizados, objeto

de disputa econômicas e sociais.

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A historiografia do lugar revela a subversão do escopo inicial relacionada com

as condições adversas do sítio para os fins que se propunham inicialmente e ao

isolamento étnico da comunidade. Tal isolamento (linguístico) estimulou relações de

solidariedade com a Alemanha, que garantia o fornecimento de mão-de-obra

especializada, equipamentos e know how, necessários para a industrialização do

empreendimento, reforçando o caráter capitalista originalmente projetado.

Essas duas situações revelam o problema da escala do processo de

produção do espaço urbano de Joinville, que reflete um intenso fluxo entre a colônia

e espaços distantes localizados na Europa e no centro da economia do Brasil. Ao

contrário do que acontecia com grande parcela do território brasileiro, Joinville, já

tinha desde a sua fundação, ligações diretas com os centros de decisão política e

econômica. Daí resultam as condições para o surgimento de uma elite econômica e

política local.

A condução do processo de produção do espaço urbano de Joinville dirigido

pelas elites locais que conduziram os diferentes processos hegemônicos estão

claramente representadas na área central da cidade. É de se destacar que os dois

períodos refletem a forte influência do germanismo (deutschtum), cuja manifestação

é perceptível em diferentes setores da sociedade local, em especial, naqueles

ambientes onde as categorias sociais hegemônicas mais se fazem representar: o

centro da cidade.

As considerações feitas ao longo do texto tratam de estabelecer um debate

dialético entre a formação do centro principal, espaço de expressão das categorias

sociais hegemônicas, e o não-centro, que exprime as condições de reprodução das

demais categorias sociais. Assim, ficam registradas e confirmadas para o caso da

cidade de Joinville, as condições de produção do espaço urbano que, segundo

Villaça (2001), são carregados de símbolos e contribuem para geração de espaços

valorizados – o centro da cidade e sua periferia imediata - cuja disputa influencia o

processo de verticalização da cidade de Joinville.

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