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Anais FLIPA | 55 PARAGUAÇU, A GENTIL, E IRACEMA, A VIRGEM DE TUPÃ: A criação de um modelo da mulher indígena nos períodos árcade e romântico Késsia Poliana Santos Soares Discente do curso de Letras da Faculdade Sete de Setembro RESUMO Este artigo aborda a criação de personagens indígenas, a saber Iracema e Paraguaçu, nas obras de diferentes períodos literários que têm como foco a mulher. Assim, a temática indianista foi idealizada no período Árcade e Romântico, tendo em vista a elaboração de um modelo de índia, o que acarretou na irrealidade das características da nativa, em aspectos físicos e comportamentais. Logo, destacamos as semelhanças e diferenças das índias para analisarmos como ocorreu a criação de cada uma delas, observando a funcionalidade da indígena brasileira, observada em duas obras de períodos literários diferentes. Realizamos, para isso, uma pesquisa bibliográfica, baseados em Candido (1999), Faraco (1998), Sodré (1995), entre outros. Palavras-chave: Índia. Iracema. Alencar. Romantismo. Durão. PARAGRAÇU, THE GENTLE, AND IRACEMA, THE VIRGIN OF TUPAN: The creation of an indigenous female model in the arcade and romantic periods ABSTRACT This paper approaches the creation of indigenous characters, particularly Iracema and Paraguaçu, in the works of different literary periods, which focuses women. Thus, the indigenous subject was idealized in the Arcade and Romantic period, considering the elaboration of a female indigenous standard, which has caused an unreal set of characteristics of the native woman, in what concerns physical and behavioral aspects. Therefore, we highlight the similitudes and differences among indigenous women in order to analyze how the creation of each one of them was conducted, remarking the functionality of the Brazilian native woman, observed in two different works from distinct literary periods. For that, we have carried out a bibliographical research based on Candido (1999), Faraco (1998), Sodré (1995), among others. Keywords: Indigenous woman. Iracema. Alencar. Romantism. Durão. 1INTRODUÇÃO Este artigo bibliográfico abordará as personagens indígenas principais de duas obras de períodos literários diversos: Paraguaçu e Iracema, das obras Caramuru e Iracema, para buscar

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Anais – FLIPA | 55

PARAGUAÇU, A GENTIL, E IRACEMA, A VIRGEM DE TUPÃ: A criação de um

modelo da mulher indígena nos períodos árcade e romântico

Késsia Poliana Santos Soares Discente do curso de Letras da Faculdade Sete de Setembro

RESUMO

Este artigo aborda a criação de personagens indígenas, a saber Iracema e

Paraguaçu, nas obras de diferentes períodos literários que têm como foco a

mulher. Assim, a temática indianista foi idealizada no período Árcade e

Romântico, tendo em vista a elaboração de um modelo de índia, o que acarretou

na irrealidade das características da nativa, em aspectos físicos e

comportamentais. Logo, destacamos as semelhanças e diferenças das índias

para analisarmos como ocorreu a criação de cada uma delas, observando a

funcionalidade da indígena brasileira, observada em duas obras de períodos

literários diferentes. Realizamos, para isso, uma pesquisa bibliográfica,

baseados em Candido (1999), Faraco (1998), Sodré (1995), entre outros.

Palavras-chave: Índia. Iracema. Alencar. Romantismo. Durão.

PARAGRAÇU, THE GENTLE, AND IRACEMA, THE VIRGIN OF

TUPAN: The creation of an indigenous female model in the arcade and

romantic periods

ABSTRACT

This paper approaches the creation of indigenous characters, particularly

Iracema and Paraguaçu, in the works of different literary periods, which

focuses women. Thus, the indigenous subject was idealized in the Arcade and

Romantic period, considering the elaboration of a female indigenous standard,

which has caused an unreal set of characteristics of the native woman, in what

concerns physical and behavioral aspects. Therefore, we highlight the

similitudes and differences among indigenous women in order to analyze how

the creation of each one of them was conducted, remarking the functionality of

the Brazilian native woman, observed in two different works from distinct

literary periods. For that, we have carried out a bibliographical research based

on Candido (1999), Faraco (1998), Sodré (1995), among others.

Keywords: Indigenous woman. Iracema. Alencar. Romantism. Durão.

1INTRODUÇÃO

Este artigo bibliográfico abordará as personagens indígenas principais de duas obras de

períodos literários diversos: Paraguaçu e Iracema, das obras Caramuru e Iracema, para buscar

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compreender por que e como diferem, mas também como se complementam. Tendo como base

os movimentos literários árcade e romântico, exploraremos primeiramente os períodos, visando

compreender o contexto histórico de cada obra, na intenção de examinar o caráter ideológico e

funcionalidade das personagens. Para fundamentar esta pesquisa, foram utilizados autores

como Candido (1999), Faraco (1998), Sodré (1995), etc. Desse modo, a utilização da obra de

Candido Iniciação a literatura brasileira ocorre para dar subsídios a nossas indagações,

acompanhando as transformações por que a literatura brasileira vem passando, observando o

contexto histórico e o modo como ambos estão interligados nos discursos dos autores. Faraco,

com sua obra Língua e literatura, colabora no estudo dos períodos literários e Sodré, com seu

livro A história da literatura brasileira, respalda os dados para desenvolver a temática

indianista.

2 O ARCADISMO E O ROMANTISMO BRASILEIRO NAS OBRAS CARAMURU E

IRACEMA

O período árcade consistia na retomada do Classicismo, a volta para os grandes poetas gregos

e latinos que influenciaram e continuam a influenciar a literatura contemporânea e universal.

Essa retomada dos clássicos intensificou o apego à métrica e aos padrões dos versos. O poeta

árcade descreve a natureza de maneira harmônica e bucólica. Os poemas do Arcadismo buscam

a conciliação do homem com a vida campestre, ao lado da mulher ideal, a criação de uma

mulher anjo, um ser que não podia ser alcançado consistindo na beleza feminina num ideal de

beleza europeu.

A expressão fugere urbem, aclamada nesse período, trata da natureza vista como um escapismo,

onde o poeta pode devotar sua vida aos seus versos, distante de toda a preocupação e agitação

da vida urbana. Essa necessidade do poeta de encontrar um lugar que mantenha sua vida

equilibrada entre o homem e a natureza, ou seja, a razão e a emoção, manifesta a intenção de

harmonia do homem e os elementos ao seu redor. Segundo Cademartori (1990, p. 32):

Não cabia à fantasia poética deslizar além da inteligibilidade, devendo regular-se, sempre, pelo

entendimento racional e pelas regras da natureza. Esta, entendida como cosmos, ou seja, como a

relação harmônica de todos os elementos, é o modelo de equilíbrio que a arte deve reproduzir.

Dessa forma, o período árcade estava entrelaçado à possibilidade do real. Contrariamente ao

Romantismo, que instituía em máxima a liberdade e a originalidade, presentes nas diversas

manifestações do espírito humano e em suas formas de visão e organização do mundo, o árcade

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conformava-se aos modelos imperecíveis e consagrados da Antiguidade que tendem ao

universalismo. Os autores árcades estão influenciados pelos grandes nomes clássicos para a

criação de uma estética harmônica entre a natureza e o homem, assim tratando de temáticas

próximas ao ser humano, como a mulher, a vida pastoril, o desejo pelo escapismo.

Ideologicamente, o árcade, oriundo da burguesia em ascensão, protege os interesses da sua

classe. Seria necessário o ímpeto das épocas revolucionárias para mobilizar as forças sociais

para o questionamento do status quo. No Brasil, o Romantismo torna-se possível com a

Independência do país.

Em Caramuru (1781), obra árcade, ocorre a presença do nativismo, já presente no período

literário posterior, com o Romantismo em sua primeira fase, consistindo na procura pela figura

heroica brasileira, a exaltação da pátria por meio das personagens e dos elementos da natureza.

O épico, também subintitulado como O poema épico do descobrimento da Bahia, é narrado na

época da chegada dos primeiros colonizadores ao Brasil, quando teve início o contato com os

nativos e o processo de aculturação. O livro contém, ainda, a presença do indianismo para criar

uma narrativa que exalta o povo português, dessa forma, o livro não visa a exaltação do índio,

como na obra indianista romântica, o indígena presente é usado para exaltar o herói principal:

o homem português.

Diferentemente, no Romantismo, era preciso criar uma figura que simbolizasse a liberdade do

Brasil, que não mais era uma colônia portuguesa, tornando-se uma nação independente em que

o índio foi visto como a possibilidade de ser o herói da pátria representado nos romances da

época.

O indianismo oitocentista, inextricavelmente ligado ao nacionalismo e afirmação de independência

política, fez parte da busca de uma identidade para nação. Enquanto no romantismo a literatura

europeia endeusava o passado e entronizava o cavaleiro medieval como seu herói de eleição, o

Brasil, carente de Idade Média, investirá no índio. (GALVÃO, 2009 p. 07)

A formação de Portugal como nação remonta ao século XII, sendo um dos países mais antigos

da Europa. Como não havia no novo continente um passado medieval de cavaleiros, as atenções

foram voltadas ao nativo, ou seja, o índio. Assim, a imagem do nativo das terras brasileiras

consistia no sujeito indomável, colocado como alma livre; por outro lado, lhe foram atribuídas

as qualidades dos cavaleiros medievais do século XII, surgindo a imagem de um índio quase

europeu. Vista assim, a criação da figura literária do índio atende à intenção de criar um passado

mítico necessário ao orgulho nacional e identidade do povo brasileiro. O Romantismo no Brasil

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se deu no século XIX, quando os autores buscavam a criação de uma nacionalidade inteiramente

brasileira que não tivesse influência direta do europeu, o colonizador.

Na busca pela afirmação ufanista, os autores românticos apropriaram-se da figura do indígena

para criar esse personagem que simbolizasse as origens do país. Assim foi imaginada a figura

heroica do indígena, ocorrendo o resgaste de seus valores, crenças, tradições. Em 1822, o Brasil

tornava-se independente e buscava desassociar-se de Portugal e de qualquer influência que

remetesse ao seu tempo de colônia. Uma vez que o Romantismo é marcado pela exaltação

patriótica de seu país que tem na figura do índio seu emblema, a primeira geração romântica

foi denominada de Indianista ou Nacionalista.

O índio brasileiro foi visto com o símbolo, a representação da nação. A idealização dessa

personagem fez com que o índio se distanciasse do real, passando a ser uma representação da

autonomia do país, mas criado em moldes europeus, resultando, portanto, em um índio que foge

do nativo brasileiro concreto.

O autor brasileiro descobriu no índio um símbolo plástico e poético, capaz de conferir

expressividade ao romantismo nacional. O índio foi tratado com dignidade e soberania que

possibilitassem a substituição da mitologia clássica. Devido a esse caráter simbólico, o índio

romântico não apresenta densidade ou correspondência ao real. Trata-se de uma individualização

nacional, afirmação da autonomia estética e política brasileira. (CADEMARTORI, 1990, p.41)

O autor mais consagrado no quesito de obras indianistas foi José de Alencar. Sua obra romântica

em prosa é vasta, ademais sua aclamação e influência se deram pela sua obra indianista.

Dedicou-se à criação de uma trilogia indianista que contempla obras como o Guarani (1857),

Iracema (1865) e Ubirajara (1874). Declarando no prefácio de Ubirajara:

Este livro é irmão de Iracema. Chamei-lhe de lenda como ao outro. Nenhum título responde melhor

pela propriedade, como pela modéstia, às tradições da pátria indígena. Quem por desfastio percorrer

estas páginas, se não tiver estudado com alma brasileira o berço de nossa nacionalidade, há de

estranhar entre outras coisas a magnanimidade que ressumbra no drama selvagem a formar-lhe o

vigoroso relevo. (ALENCAR, 1966, p.11.)

É inegável que o autor se dedicou a uma vasta pesquisa sobre a língua tupi e costumes indígenas,

tendo em vista o projeto de formação de identidade brasileira por meio da literatura. Assim, é

perceptível seu interesse na afirmação da cultura indígena. Em Iracema (1865), obra que será

objeto de nossa análise, é possível observar a representação dos costumes indígenas e da índia.

Não obstante, antes de Alencar, a obra poética de Gonçalves Dias foi considerada no Brasil a

primeira de elevada qualidade. A propósito de sua obra, Candido (2002, p. 44) afirma que “a

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cadência melodiosa, o discernimento dos valores da palavra e a correção da linguagem

formavam uma base, rara naquela altura, para a calorosa vibração e o sentimento plástico do

mundo que animam os seus versos.” Além de sua maneira de retratar a natureza e exaltá-la por

meio dos seus poemas, Dias trata da temática indianista exibindo a força dos sentimentos e

emoções comuns dos homens. Sobre esta vertente literária, Machado de Assis afirma:

Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-

se dos assuntos que lhe oferece sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a

empobreçam. O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne

homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.

(ASSIS, 1873, p.28).

Desse modo, é possível inferir que o principal autor realista brasileiro buscava uma literatura

que tratasse de assuntos nacionalistas, mas uma nacionalidade que fosse condizente com a

realidade do Brasil. Logo, a crítica é direcionada ao exacerbamento patriótico, da criação desse

indígena que não condiz com o real. Além disso, Machado de Assis, sendo um escritor realista,

recusa a idealização dos períodos árcade e romântico defendendo que a literatura é universal,

buscando um público mais crítico, afirmando culto aos valores pátrios deve ser feito de modo

crítico.

Portanto, a vertente indianista também será alvo de críticas por causa da idealização que lhe

está subjacente, não obstante ter cumprido um importante papel de narrativa fundacional, na

tentativa da criação de uma identidade nacional para o Brasil, em sua fase transitória de país

colonizado para país que acabara de ser declarado independente, mas que ainda carrega grande

influência europeia. Tendo abordado o contexto histórico dos períodos literários, no próximo

tópico traremos a análise das personagens índias femininas nas obras já citadas.

3 A IDEALIZAÇÃO DAS ÍNDIAS PARAGUAÇU E IRACEMA NOS DISTINTOS

PERÍODOS LITERÁRIOS, ÁRCADE E ROMÂNTICO, PARA PRODUÇÃO DE UMA

PERSONAGEM ESPERADA PARA A IDEOLOGIA DA ÉPOCA

Na obra romântica Iracema (1865) é narrada a lenda da origem do Ceará, por meio de

personagens históricos que fizeram parte da colonização cearense. Um ambiente de lendas,

exaltação de um ideal e amor impossível serve para simbolizar o nascimento do primeiro

cearense, ou seja, o fruto da miscigenação entre o homem branco e a mulher indígena, o índio

representando o nascimento do povo brasileiro. A personagem Iracema, índia da tribo dos

Tabajaras, é descrita como a virgem que portava o segredo da jurema, sendo a única pessoa que

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poderia guardá-lo. Era filha do Araquém, o pajé da tribo, a figura mais poderosa entre os

indígenas. Iracema era a virgem de tupã, suas características estão sempre sendo comparadas

às da natureza, mostrando a idealização dos dois elementos presentes no Romantismo: a mulher

e a natureza.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem

dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe

de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito

perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu,

onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava

apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. (p.31)

As características físicas de Iracema são sempre comparadas com elementos da flora e da fauna

brasileiras. Segundo Walnice Nogueira Galvão (2009, p. 8), “A perfeita fusão entre Iracema e

paisagem tropical transforma a protagonista em ícone da natureza brasileira.” Assim, surge, por

meio da personagem, o enaltecer da nação brasileira, desse modo, criando-se, através da figura

da índia, a mistificação dos entes que já estavam no Brasil antes da colonização, ocasionando

na elevação dos nativos juntamente com a natureza brasileira.

A beleza de Iracema é tamanha que resulta no ódio da personagem Irapuã, o maior guerreiro da

tribo contra o colonizador Martim. O personagem histórico Martim Soares Moreno foi um

colonizador português que se aliou à tribo dos Pitiguaras, tribo que era inimiga dos Tabajaras,

ou seja, da tribo de Iracema, representando o português que leva até os índios uma cultura

civilizada e a fé cristã, assim, sempre buscando aculturá-los.

A personagem Iracema representa a conciliação entre os dois povos, os portugueses e os

indígenas, idealizando o processo de aculturação, sendo este o processo de dominador e

dominado. Desse modo, usando do período literário em que a obra foi escrita, o autor cria, em

moldes europeus, a temática brasileira: a colonização, por meio do mito da heroína ufanista que

levará sua pátria, sua honra, natureza, crenças e costumes, contudo, acabará deixando-as para

simbolizar a morte da cultura indígena e o nascimento da cultura híbrida, a miscigenação entre

portugueses e indígenas.

No primeiro encontro de Iracema e Martim, ela acaba ferindo-o com sua flecha; logo, ela

arrepende-se e quebra a flecha para simbolizar a paz entre os dois. Esse momento representa o

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sinal de união dos povos que não mais estão em guerra, esse ato é a união entre o opressor e o

oprimido.

Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito

da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas

profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue

borbulham na face do desconhecido. (p.31)

Nesse caso, um amor-paixão que nasce de forma tão intensa, sendo exposto como o amor

impossível que não poderia ter sido correspondido. O amor de Martim e Iracema era

improvável, assim, a flecha de Iracema pode ser comparada à flecha de Cupido, o símbolo de

uma paixão que avassala.

Ao entregar-se ao português ou consumar o seu amor, o fato tem a intencionalidade de

romantizar o período de colonização. Iracema não é mais a mulher casta, delicada, a mulher-

anjo, agora ela está entregue ao colonizador. A obra, a todo momento, deixa evidente que o

homem que tocar na virgem de tupã morrerá, o que já anuncia que alguma tragédia poderá

acontecer aos personagens.

José de Alencar busca, por meio do amor do homem branco e da índia, fantasiar o processo de

colonização do Ceará, assim como acontece no épico Caramuru (1781), do autor árcade Santa

Rita Durão, que também narra uma lenda, mas sobre o descobrimento da Bahia. A obra traz

uma personagem indígena chamada Paraguaçu, integrante da tribo Tupinambá, localizado na

Bahia, filha de Taparica, que é o chefe da tribo. Assim, Paraguaçu, filha única do líder daquele

povo, e Iracema estão em posições elevadas na hierarquia social de suas tribos. Vejamos a

descrição da personagem feminina na obra árcade:

Paraguaçu gentil (tal nome teve), Bem diversa de gente tão nojosa, De cor tão alva como a branca

neve, donde não é neve, era de rosa; O nariz natural, boca mui breve, Olhos de bela luz, testa

espaçosa. (p.75)

Diferentemente de Iracema, nessa obra não ocorre que a personagem seja descrita com

utilização dos elementos da natureza, já que o período árcade brasileiro não tinha a intenção de

criar a personagem por meio da elevação da flora e fauna brasileira, porém Paraguaçu ainda

foge de ser a representação da verdadeira índia. Descrita com aspectos diferentes do restante de

seu povo, resultando no despertar do interesse do personagem principal, o europeu, suas

características são próximas do ideal português: ela tem a pele clara, o nariz e a boca

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pequeninos. Além do mais, o narrador expressa, no segundo verso, como Paraguaçu era

diferente de “gente tão nojosa”. Dessa forma, explicita seu repúdio aos índios que são mais

próximos do real.

As características já citadas influenciam para a índia se casar com o português Diogo Álvares,

denominado de Caramuru, que simboliza o trovão de Tupã. A narrativa acontece depois do

naufrágio do barco do personagem, que se torna refém da tribo Tupinambá. Sua companheira

Paraguaçu intercede a seu favor, salvando-o. Mesmo que a índia já estivesse prometida para

outro índio da sua tribo, ela escolhe casar com o português. Essa união resultou em filhos que

serão fruto da miscigenação brasileira, simbolizando a união entre povos distintos e, além disso,

a “pacificação” entre colonizado e colonizador. Assim, representa também o estabelecimento

de alianças entre os Tupinambás e os portugueses.

A presença do indianismo ocorre em ambas as obras, tendo o personagem indígena sido usado

para exemplificar o nativismo. Na obra Caramuru, ocorre que o índio é colocado como segundo

plano para colaborar na narração do épico, o grande feito realizado por um português, que foi

a descoberta e colonização da Bahia. As personagens indígenas aparecem como suporte para

descrição do fato. De fato, o Arcadismo não está preocupado com a elevação do índio e da

natureza, de modo diverso do Romantismo, por isso o Arcadismo irá descrevê-las de maneira

idealizada em função da necessidade de escapismo para um espaço mítico originário. Assim,

as obras indianistas cumprem a função de constituição de narrativas fundadoras e legitimadoras

de uma nação jovem recentemente emancipada de Portugal. Segundo Candido:

O indianismo foi importante historicamente e psicologicamente, dando ao brasileiro a ilusão

compensadora de um altivo antepassado fundador, que, justamente por ser idealizado com arbítrio,

satisfez a necessidade que um país jovem e em grande parte mestiço tinha de atribuir à sua origem

um cunho dignificante. (CANDIDO, 1990, p.42)

O indianismo compensa a necessidade de antepassados, trazendo esse sentimento de

pertencimento, no período romântico. E a importância do índio explica-se pela função que lhe

é atribuída, nas obras indianistas, nessa nova ordem social e política: ser o símbolo do Brasil,

na tentativa de criar uma identidade brasileira e o sentimento de país livre que deixará de ser

colônia.

Além da presença do indianismo em ambas as obras consideradas, ocorre também a presença

da religião que é utilizada de maneira ideológica para legitimar/impor a cultura, porém, de

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maneiras muito distintas nas duas obras. Em Caramuru, a índia torna-se católica para

simbolizar sua transição para a vida europeia, representando-se, assim, uma índia que já foi

colonizada e aceita a cultura do seu colonizador. Desse modo, o ato do batismo é puramente

ideológico, o que implica que o novo Deus é visto como a negação do Deus indígena, assim,

negando-se também toda a cultura dos índios. No período árcade, a idealização da natureza e o

indianismo já se fazem presentes, sendo o índio também idealizado, porém, os autores árcades

não estavam envolvidos na criação de um personagem patriótico por meio do índio, ainda não

ocorria essa preocupação com o símbolo que o índio representava para o Brasil. Vejamos o

momento em que Paraguaçu pede para passar pelo batismo:

Esposo (a bela diz), teu nome ignoro;

Mas não teu coração, que no meu peito

Desde o momento que te vi, que o adoro

Não sei se era amor já, se era respeito;

Mas sei do que então vi, do que hoje exploro,

Que de dous corações um só foi feito.

Quero o batismo teu, quero a tua Igreja,

Meu povo seja o teu, teu Deus meu seja.

Assim, Paraguaçu buscava para si o ideal português, a aceitação dessa cultura por meio da

religião. A índia representa a submissão à colonização. Ela está disposta a negar seu passado

como indígena ao assumir o catolicismo e seu novo nome português: Catarina. Já em Iracema,

obra que foi escrita no período romântico, em que os autores estavam fazendo obras conscientes

sobre o papel do indígena no projeto de colonização para que ele passasse a ser o herói nacional,

acontece o batismo do homem branco que aceita a religião indígena, assumindo a miscigenação

cultural. Agora o europeu não era somente católico, ele tinha aceitado o Deus tupi,

simbolizando a união de culturas. Atentemos no trecho do ‘batismo” da personagem Martim:

Martim abriu os braços e os lábios para receber o corpo e alma da esposa.

— O meu irmão é um grande guerreiro da nação Potiguara; ele precisa de um nome na língua da sua

nação.

— O nome do teu irmão está no seu corpo, onde o pôs a tua mão. — Coatiabo (Guerreiro-Pintado)!

exclamou Iracema.

— Tu disseste; eu sou o guerreiro pintado; o guerreiro da esposa e do amigo.

Poti deu ao seu irmão o arco e o tacape, que são as armas nobres do guerreiro. Iracema tinha tecido

para ele o cocar e a araçóia, ornamentos dos chefes ilustres.

A filha de Araquém foi buscar à cabana as iguarias do festim e os vinhos de jenipapo e mandioca.

Os guerreiros beberam copiosamente e fizeram as danças alegres. Enquanto volveram em torno dos

fogos da alegria, ressoaram as canções. (p.95)

O “batismo” de Martim e o ritual que cumpre a função de integrá-lo ao povo nativo mostra a

exaltação da cultura indígena. Da união entre os dois povos é gerada uma nova etnia: a

brasileira. O homem branco não irá utilizar sua cultura para oprimir, ele irá conviver com

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ambas. O enredo, entretanto, começa a evidenciar que o personagem europeu, mesmo após o

batismo, com sua nova identidade e nome indígena, ainda sentirá vontade de retornar a Portugal.

O sentimento de pertencimento ainda está como colonizador.

As indígenas em ambas as obras são retratadas com características semelhantes no combate: a

índia Paraguaçu é uma personagem autônoma, ela escolhe lutar e colabora com a criação de um

ideal indianista, com personalidade e características de uma personagem forte e corajosa que

mantém sua cultura. Assim, participa bravamente nas lutas, podendo até se sacrificar pelo seu

povo. Como no seguinte trecho:

Paraguaçu, que de Diogo Esposa

(Porque mais Jararaca se confunda)

Ia a seu lado a combater briosa,

Nem teme a multidão,

que o campo inunda:

Usa com ela a Tropa belicosa

Da vulgar seta, do bodoque, e funda;

Leva a Amazona um rígido colete,

E co’a espada de ferro o capacete

Assim, podemos perceber que o retrato da índia é exposto como sendo uma personagem forte

e destemida; igualmente Iracema, que é capaz de sacrificar-se pelo homem que ama, seu

colonizador. Tal característica mostra a romantização da personagem e sua devoção pelo

homem branco, como na passagem em que a índia diz que morrerá ao lado de seu amado e

ainda ressalta que poderia até assassinar seu irmão Caubi pelo português:

— Filha do pajé, disse Caubi em voz baixa. Conduz o estrangeiro à cabana: só Araquém pode salvá-

lo.

Iracema voltou-se para o guerreiro branco:

— Vem!

Ele ficou imóvel.

— Se tu não vens, disse a virgem; Iracema morrerá contigo. (p.54)

O irmão de Iracema veio direito ao estrangeiro, que arrancara a filha de Araquém à cabana

hospedeira; o faro da vingança o guia; a vista da irmã assanha a raiva em seu peito. O guerreiro

Caubi assalta com furor o inimigo.

Iracema, unida ao flanco de seu guerreiro e esposo, viu de longe Caubi e falou assim:

— Senhor de Iracema, ouve o rogo de tua escrava; não derrama o sangue do filho de Araquém. Se

o guerreiro Caubi tem de morrer, morra ele por esta mão, não pela tua.

Martim pôs no rosto da virgem olhos de horror:

— Iracema matará seu irmão?

— Iracema antes quer que o sangue de Caubi tinja sua mão que a tua; porque os olhos de Iracema

veem a ti, e a ela não. (p.77)

Iracema faz parte da construção da identidade indígena para a representação da nação, uma

índia vista de maneira pura que está disposta aos maiores sacrifícios pelo que acredita estar

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correto, sendo vista de maneira bondosa e ingênua, mas exibindo a coragem da nação. Por meio

da criação desta personagem, Alencar forja literariamente a construção da identidade pátria.

O índio literário dos romances é o descendente, em linha direta, do índio social e individualmente

bom, dotado de bondade natural, a criatura que fascinou os elementos intelectuais da larga fase de

ascensão burguesa, dos viajantes e utopistas aos enciclopedistas. (SODRÉ, 1995, p.268)

Mesmo com a tentativa de valorizar o nativo e sua cultura, sua representação corresponde à

criação de um ideal. A índia brasileira foge da realidade do povo nativo. Criando-se um índio

que apresenta o caráter ideal para os colonizadores no século XIII e XIX, a elevação indígena

intencionava igualá-lo ao homem europeu.

Ambas as obras Tanto em Caramuru como em Iracema, a índia e o homem branco têm filhos,

simbolizando a miscigenação das raças, o crescimento populacional de mestiços, os futuros

brasileiros, as primeiras famílias e descendentes baianos e cearenses.

Em Iracema, o casal protagonista gerou um filho que representa o primeiro brasileiro cearense

nascido da miscigenação das etnias, sendo chamado de Moacir, nome que significa “nascido da

dor”. Desse modo, simbolizando que o nascimento de uma nova cultura e de um novo povo

implica sofrimento, sacrifício e abdicação da cultura própria em benefício da estrangeira: “O

primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma

raça?” (Alencar, 1865, p.151).

Além disso, o falecimento de Iracema na obra representa mais que a morte física da

personagem. Na obra Caramuru, outra personagem feminina indígena perdidamente

apaixonada pelo personagem português, a índia Moema é a representação do amor cego pelo

estrangeiro que, ao não ser correspondida, prefere a morte do que viver separada de seu amado,

no que já anuncia traços românticos na representação trágica do amor. É possível perceber que

Iracema e Moema estão ligadas em relação ao seu destino e motivo de falecimento: o amor

exacerbado pelo homem português. Moema prefere o suicídio quando é abandonada por Diego

e Iracema acaba desfalecendo aos poucos quando percebe a falta de reciprocidade de Martim.

O percurso feito pela personagem Iracema, no texto, demonstra que o seu papel de esposa exige

todos os sacrifícios, inclusive o da renúncia de si mesma. Antes de conhecer Martim ela se

encontrava em plena harmonia com os animais, com a natureza e com a sua comunidade. Ao chegar,

Martim quebra essa harmonia e aos poucos Iracema vai perdendo o seu sorriso, a sua força, o seu

coração e a sua superioridade. (COSTA, 2008, p. 165)

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À medida que se afasta do interior em direção ao litoral, Iracema afasta-se de seus costumes,

de sua tribo. A personagem encontrava-se em harmonia com sua cultura e com a natureza

envolvente, porém, a chegada do homem português quebrará essa conciliação entre a mulher

indígena e a natureza, simbolizando esse gesto a usurpação da natureza pelo colonizador

europeu branco. Mais do que isso, Iracema, que ocupava um lugar elevado em sua tribo, sendo

uma espécie de sacerdotisa que detinha um enorme poder espiritual, passa a acomodar-se ao

papel de esposa de Martim. Walnice Galvão (2009, p.9) considera que a “extrardinária […]

Iracema domina sobranceira o natural e o sagrado” e que “sua única fraqueza é a força de sua

paixão”. Além disso, a morte de Iracema mostra simbolicamente ao leitor a extinção e

esquecimento da cultura indígena, agora miscigenada. O homem branco trouxe consigo suas

crenças, ideias, hábitos e impregnou a cultura indígena, que sucumbiu, assim como o povo que

era portador dela. Não mais é somente a cultura indígena, houve a troca de culturas, tendo a

oprimida sido esquecida e suplantada pela opressora, o que acarreta na hibridização cultural e

na geração de novas etnias, juntamente com uma nova cultura, resultado da troca de elementos

europeus e indígenas. Martim, em quem o sentimento paterno instiga ainda assomos do amor

primeiro por Iracema, não é mais capaz de mantê-la ligada à vida:

Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos braços de Martim. O terno esposo,

em que o amor renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma de

alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor se rompera. (p.149)

É perceptível que as índias nas obras representam as criações de ideias para fundamentarem as

necessidades dos seus períodos literários, de tal forma que foram criadas visando a propagação

de uma ideologia. Iracema representa o período nacionalista.

No Brasil, o período Romântico deve ser compreendido paralelamente ao processo de emancipação

política. Dois princípios orientaram os escritores da época: o desejo consciente de enfatizar o

orgulho patriótico e a intenção de criar uma literatura independente e diferente da portuguesa. Por

isso, costuma-se dizer que a literatura romântica no Brasil equivaleu, no plano cultural, ao que a

Proclamação da Independência representou no plano político. (FARACO; MOURA, 1998, p.217)

A obra de Alencar simboliza a procura pela liberdade política, a afirmação do brasileiro como

patriota e do país como um Brasil independente. Assim, Iracema pode ser visto como um

manifesto político, pois sua função é exaltar o elemento autóctone, o índio e a natureza, por

meio da descrição dos ambientes e das características da índia, sempre mistificada e exaltada

como a natureza, resultando na intenção consciente da necessidade de mistificação da fundação

da pátria.

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Na obra Caramuru, seu viés político é voltado para o colonizador, sendo um épico que narra a

“descoberta” da Bahia pelo homem português. Por meio da religião, é feito o discurso de

aculturação. Assim, o índio é inferiorizado e sua finalidade na obra é colaborar com o herói

português. A estrutura do poema árcade de Durão é influenciada pelo épico de Camões, Os

lusíadas (1572), seguindo, dessa forma, moldes europeus.

No Arcadismo predomina a dimensão que se pode considerar mais cosmopolita, intimamente ligada

às modas literárias da Europa, desejando pertencer à mesma tradição e seguir os mesmos modelos,

o que permitiu incorporar a produção mental da colônia inculta ao universo das formas superiores

de expressão. (CANDIDO, 1990, p.37)

A estética árcade está totalmente voltada para a influência europeia, através dos moldes

camonianos, uma literatura, portanto, mais voltada para o colonizador. O Brasil ainda era

colônia de Portugal e não havia intenção da exaltação do índio pela sua liberdade. O Arcadismo

retoma aos conceitos dos poetas gregos e de grandes clássicos, seguindo os modelos estéticos

impostos na literatura.

Segundo Candido (1999, p.37),

Entre Arcadismo e Romantismo há uma ruptura estética evidente, mas há também continuidade

histórica, pois ambos são momentos solidários na formação do sistema literário e no desejo de ver

uma produção regular funcionando na pátria.

Portanto, vale assinalar que, mesmo sendo períodos que assentam em princípios estéticos

diferentes, eles acabam se complementando pelo desejo de construção da literatura brasileira.

Assim, ambos contribuem para o desenvolvimento de uma produção literária que dá

visibilidade ao passado local e concede ênfase ao índio.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os papeis representados das índias protagonistas nas obras indianistas apresentadas estão

interligados ao contexto histórico em que as obras foram desenvolvidas. No período árcade, o

Brasil permanecia uma colônia de Portugal. Embora brasileiro, Santa Rita Durão, autor de

Caramuru, viveu sua vida em Portugal, logo, transparece em seu discurso a fala do colonizador.

Isso não significa, no entanto, que não houvesse escritores interessados na emancipação

brasileira, pois desde o Arcadismo já havia obras e escritores comprometidos com os ideais de

liberdade para a nação, como a Inconfidência Mineira. Além disso, os discursos estavam

presentes nas obras, como em Uruguai, de Basílio da Gama, que, tal como Caramuru, apresenta

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temática indianista, mas é no período posterior, com a independência do Brasil, que ocorre a

busca por uma identidade patriótica, pois o país necessita de um representante que afaste a ideia

de colonização. Buscando no índio o ideal de brasileiro e de povo livre, a partir desse marco

histórico de 1822, os escritores irão buscar a retomada da cultura indígena para se desvincular

do europeu. Assim, ocorrem o indianismo, Arcadismo e no Romantismo acabam convergindo

e se complementando na intenção de formar uma literatura brasileira. Houve uma ruptura

estética entre os padrões árcades e românticas, porém a presença dos elementos nativistas e

indianistas inaugura uma vertente da literatura brasileira a que o Romantismo se encarregaria

de dar uma conformação mais definida, reservando à narrativa indianista a função de mito

fundador da nacionalidade.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. Machado de Assis: crítica, notícia da atual literatura brasileira. São

Paulo: Agir, 1959. p. 28 - 34: Instinto de nacionalidade. (1ª ed. 1873).

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. Ed. Ática. 1990.

CANDIDO. Antonio. Iniciação a literatura brasileira. ed.– São Paulo, 1999.

CANDIDO, Antonio. Romantismo no Brasil. Universidade de São Paulo. 2002.

COSTA. Maria Edileuza da. Lindoia, Moema, Carolina, Iracema: mitos românticos da

literatura brasileira. edição especial. 2008.

FARACO & MOURA. Língua e Literatura. São Paulo: Ática, 1998.

GALVAO, W. N. . Introdução a Iracema - A fraqueza da paixão. São Paulo, 2009.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand,

1995.