a participação do público nos webjornais wikinews e kuro5hin

8/14/2019 A participao do pblico nos webjornais Wikinews e Kuro5hin

1/19

A participao do pblico nos webjornais

Wikinews e Kuro5hin

Marcelo Trsel1

Resumo: O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado focada nasintervenes de colaboradores sobre material jornalstico publicado nos webjornais

participativos Wikinews e Kuro5hin. Uma amostra de dez textos foi coletada durante sete

semanas, para a criao de um corpus de intervenes que posteriormente foi submetido auma anlise de contedo, com o objetivo de verificar se as intervenes tinham carter

predominantemente pluralizante. Os resultados mostram que as intervenes so em suagrande maioria pluralizantes, indicando que o webjornalismo participativo pode trazercontribuies importantes para a democracia.

Palavras-chave: Jornalismo, Jornalismo Online, Webjornalismo Participativo, Anlise deContedo, Interao

O jornalismo est mudando. O desenvolvimento das tecnologias de comunicao e

computao permite pela primeira vez, desde o surgimento da sociedade de massa, que os

cidados ameacem com alguma chance de sucesso o monoplio da grande mdia sobre o

fluxo de informao. As comportas escancaram-se cada vez mais com o desenvolvimento de

tecnologias de comunicao em rede em tempo real, como telefones celulares e redes sem-fio,

liberando a energia expressiva por dcadas represada pelos altos custos de produo e

circulao dos bens culturais e por polticas de concesso restritivas do espectro

eletromagntico e das licenas de impresso. Sob a influncia desta onda de publicao

amadora, o jornalismo est sendo obrigado a rever seus conceitos, valores e estratgias

comerciais. Ainda mais importante, est sendo obrigado a rever seu papel em uma sociedade

democrtica.

bem verdade que apenas uma pequena parcela da populao mundial conta com

acesso a computadores e telefonia e nada garante que mesmo essa pequena parcela tenha

condies de us-los de forma construtiva para a democracia. Ainda que tenham acesso

tecnologia, os indivduos e grupos interessados em distribuir sua produo cultural via

1 Jornalista, mestre em Comunicao e Informao pelo PPGCOM/UFRGS, professor da PUCRS. Colaboradordo Laboratrio de Interao Mediada por Computador da Fabico/UFRGS: www.ufrgs.br/limc. Contato:[email protected].


2/19


3/19

milhes lem blogs. O uso mais comum a publicao de diatribes e relatos sobre o

cotidiano, mas muitos blogueiros se dedicam a disseminar informaes altamente

especializadas, reportagens ou anlises e crticas das notcias publicadas pela imprensa:

Os blogs esto filtrando as notcias, detalhando o cotidiano de vidas e oferecendorespostas editoriais para os eventos do dia. Para muitas pessoas, um weblog um palanque do qual podem proclamar seus pontos de vista, potencialmenteinfluenciando muito mais pessoas do que poderiam em seu dia-a-dia (BLOOD,2002, p.X)9.

As ferramentas que permitem a qualquer um criar um blog sem a necessidade de ser

um especialista em informtica deram a virtualmente todo cidado com acesso Web a

possibilidade de se expressar. Outras ferramentas que permitiam a publicao na Web sem a

necessidade de saber programar existiam antes como os wikis10, por exemplo , masnenhuma se tornou to popular. Ocasies como os atentados de 11 de Setembro em Nova

York, a segunda guerra no Iraque ou a campanha pela indicao como candidato presidencial

democrata de Howard Dean, nos Estados Unidos, mostraram o potencial dos blogs como

fontes de informao (GILLMOR, 2004). Eles se tornaram uma alternativa quando os

webjornais ficaram inacessveis devido ao imenso trfego de internautas em busca de notcias

sobre o ataque s Torres Gmeas. Do Iraque, o blogueiro Salam Pax11publicou a viso dos

civis locais sobre a segunda invaso americana ao pas. Em 2004, o pr-candidato democrataHoward Dean entrou efetivamente na disputa com John Kerry ao levantar milhes de dlares

em pequenas doaes atravs de seu blog de campanha.

Estes eventos marcam o florescimento do jornalismo participativo na Web, ou

webjornalismo participativo, definido por PRIMO e TRSEL (2006, p.9) como prticas

desenvolvidas em sees ou na totalidade de um peridico noticioso na Web, onde a fronteira

entre produo e leitura no pode ser claramente demarcada ou no existe. O termo refere-se

queles webjornais em que o pblico pode intervir sobre o contedo publicado, seja enviandoseu prprio material jornalstico12, seja reescrevendo textos, fazendo comentrios sobre e

9 Blogs are filtering the news, detailing daily lives, and providing editorial responses to the events of the day.For many people, a weblog is a soapbox from which they can proclaim their views, potentially influencing manymore people than they can in their everyday lives. Traduo livre.10 Wikis so programas instalados no servidor, acessveis atravs de um navegador normal, que permitem aosusurios a criao e publicao conjunta de contedo em pginas da Web. Em geral, qualquer um pode editar ocontedo, inclusive as contribuies de outros usurios. A maioria dos wikis tambm oferece um histrico demodificaes, que permite a reverso para verses anteriores. Disponvel em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wiki.ltimo acesso em: 14 de julho de 2007.11 Seu weblog, interrompido em 2004, est no endereo http://www.dear_raed.blogspot.com.12 O termo ser usado neste trabalho para se referir aos doze gneros jornalsticos propostos por MELO (2003):nota, notcia, reportagem e entrevista, dentro da categoria jornalismo informativo; e editorial, comentrio, artigo,resenha, coluna, crnica, caricatura e carta, na categoria jornalismo opinativo. Prefere-se no usar o termonotcia porque no Brasil este designa um tipo muito especfico de texto narrativo, calcado no uso do modelo da


4/19

debatendo a partir do material jornalstico publicado por outros colaboradores. Blogs que se

dedicam a debater os fatos do dia ou publicar reportagens e notcias e webjornais como o

OhmyNews so exemplos de webjornalismo participativo.

No mais questo de se indivduos sem educao formal ou licena profissional vo

publicar sua prpria produo e influenciar a esfera miditica, mas de quanto e como. Os

jornalistas tero de conviver mais cedo ou mais tarde com o fato de que sero pautados pelas

pessoas que antes ocupavam a posio de simples consumidores de notcias no imaginrio das

redaes. Doravante, sempre haver um especialista em determinado assunto com disposio

para apontar erros factuais ou mesmo casos de m-f usando as ferramentas do webjornalismo

participativo. GILLMOR (2004) descreve como o que chama de ex-audincia est usando

blogs, correio eletrnico, chats, fruns e outros veculos de comunicao via Internet para dar

sua prpria verso dos acontecimentos e, sobretudo, contestar informaes publicadas pela

imprensa.

Antes mera consumidora de notcias, a audincia est aprendendo como conseguirinformao melhor e mais oportuna. Tambm est aprendendo como se juntar aoprocesso jornalstico, ajudando a criar uma enorme conversao e, em alguns casos,fazendo um trabalho melhor que o dos profissionais (p.XIV)13.

certo que a participao da ex-audincia no processo jornalstico no boa em si

mesma e merece um exame profundo. Na verdade, h bastante ceticismo quanto s vantagens

que a participao do pblico possa trazer para o jornalismo, especialmente entre os

jornalistas. Dado que o webjornalismo participativo existe, que indivduos isolados e grupos

de interesse esto produzindo material jornalstico e publicando-o na Web, com ou sem

superviso de profissionais da imprensa, importante analis-lo sem preconceitos,

procurando destacar tanto as promessas quanto os ameaas que esse fenmeno traz para o

futuro do jornalismo e da democracia.

Este trabalho apresenta um resumo dos resultados da pesquisa realizada durante meu

curso de mestrado, que gerou a dissertao A pluralizao no webjornalismo participativo:

uma anlise das intervenes no Wikinews e no Kuro5hin (TRSEL, 2007). O objetivo

principal desta pesquisa foi verificar se a participao de leigos no webjornalismo resulta

em uma proporo significativa de contribuies preocupadas em atender a critrios e valores

jornalsticos e de maneira geral expandir o debate democrtico, ou apenas em interferncias

pirmide invertida (LAGE, 1993).13 Once mere consumers of news, the audience is learning how to get a better, timelier report. It's also learninghow to join the process of journalism, helping to create a massive conversation and, in some cases, doing a betterjob than the professionals. Traduo livre.


5/19

mais preocupadas com a gramtica e ortografia, estilo, frivolidades e mesmo bate-bocas

inteis. Em outras palavras, nas intervenes feitas pelos colaboradores em webjornais

participativos, predomina o carter pluralizante, ou o carter formal/disruptivo? Para

responder a essa questo, foram selecionados para anlise dois webjornais participativos em

ingls, o Wikinews e oKuro5hin, que sero apresentados brevemente a seguir.

Wikinews

Wikis so sistemas cuja caracterstica mais notvel permitir a edio de pginas da

Web por qualquer internauta, sem o conhecimento de HTML ou qualquer linguagem de

programao e usando apenas um navegador comum. Alm disso, todo link introduzido em

um texto remete a uma pgina dentro do prprio wiki, ou cria uma nova pgina, caso aquelettulo ainda no exista. Wikis oferecem tambm um histrico de modificaes para cada

pgina, de modo que se possa reverter erros ou atos de vandalismo. O Wikinews (WN)14 o

projeto de uma agncia de notcias aberta e livre, baseada em um sistema wiki e produzida por

uma comunidade de colaboradores.

Ao entrar na pgina principal do WN, o navegante se depara com uma manchete,

seguida abaixo por outras matrias de importncia. Em geral, h fotos. Um menu no canto

superior direito oferece links para as listas de notcias em diferentes lnguas. Acima da

manchete, h uma caixa de texto com apontadores destinados s ltimas notcias, a pginas

sobre como participar, iniciar um artigo, redao15 (newsroom) e a verses em udio e

impressas, bem como outros servios. Na coluna esquerda h um menu de navegao.

No topo de cada pgina do WN, abas oferecem as opes de participar de uma

discusso aberta a respeito da primeira pgina com outros colaboradores, exibir o cdigo

fonte e o histrico de modificaes. No necessrio se cadastrar para faz-lo. Se o leitor

clicar em editar esta pgina (edit this page), ser apresentada uma plataforma com o cdigo

do texto, que utiliza uma sintaxe simplificada. H tambm uma barra de tarefas que permite

introduzir a sintaxe especfica sem a necessidade de memoriz-la. O leitor ento pode fazer as

mudanas que achar necessrias no texto e depois republic-lo, clicando em salvar pgina.

A mudana entra no ar automaticamente.

14 http://en.wikinews.org/wiki/Main_Page.15 Trata-se de uma pgina onde os colaboradores podem checar quais artigos esto sendo escritos no momento ecomo podem colaborar para seu desenvolvimento, bem como contatar outros membros da comunidadeWikinews e acessar recursos para a redao de suas colaboraes. Disponvel em:http://en.wikinews.org/wiki/Wikinews:Newsroom. ltimo acesso: 14/05/2007.


6/19

Figura 1 Pgina principal do WikinewsFonte: http://en.wikinews.org. Acesso: 21/01/2007

De acordo com o guia do WN16, as notcias publicadas devem ser: a) focadas em um

nico assunto; b) escritas de um ponto de vista neutro; c) factuais; d) relevantes; e) globais e

locais; e f) colaborativas. Editoriais,press releases e artigos cientficos no so aceitos. Uma

matria do Wikinews no tem um reprter como seu autor, o mundo est convidado aparticipar e escrever, editar e reescrever cada artigo para melhorar seu contedo.17 No h

controle prvio sobre a publicao de matrias, espera-se que a prpria comunidade de

colaboradores corrija erros e elimine os contedos que infringem as regras editoriais.

16 Disponvel em: http://en.wikinews.org/wiki/Wikinews:What_Wikinews_is. Acesso: 10/02/2007.17 A Wikinews story does not have one reporter as its author, the world is invited to join in and write, edit andrewrite each article to improve its content. Traduo livre. Disponvel em:http://en.wikinews.org/wiki/Wikinews:What_Wikinews_is. Acesso: 10/02/2007.


7/19

Figura 2 Plataforma de edio de uma notcia no WikinewsFonte: http://en.wikinews.org. Acesso: 11/02/2007

Um histrico de modificaes acompanha cada matria do WN, permitindo que o texto

seja revertido a uma verso anterior em caso de erro ou vandalismo. Aps uma semana, em

geral, um colaborador com status de administrador do sistema fecha a matria para edio,aps ela ter sido considerada completa pelos envolvidos em sua preparao.

KURO5HIN

O Kuro5hin (K5)18 funciona de maneira bastante diferente do WN, embora tambm

seja baseado no princpio da colaborao entre reprteres amadores. O K5 foi aberto pelo

programador Rusty Foster em 21 de dezembro de 1999. O ttulo um apelido usado na Web

pelo prprio Rusty, uma brincadeira com seu nome, pois Kuro5hin uma corruptela de

corrosion, ou corroso, e Rusty relativo a rust, ou ferrugem. O 5 substituindo um S

homenagem ao personagem Da5id19, do livro Snow Crash, de Neal Stephenson.

Em termos de contedo, h uma clara opo em favor das discusses que ocorrem nos

fruns relacionados a cada matria, mais do que em publicar notcias. Damos bastante

preferncia a propostas que expressem um argumento ou ponto de vista sobre a matria e

18 http://www.kuro5hin.org.19 Trata-se de um tipo de escrita conhecido como leet script(tambm grafado l33t ou 1337), tpico dassubculturas da informtica, usada principalmente entre programadores, hackers e jogadores de videogames. Otermo uma corruptela baseada na pronncia inglesa da palavra elite e pretende indicar que quem usa essetipo de grafia um usurio de computadores experiente.


8/19

encorajem a discusso ou o debate.20 Os artigos so freqentemente escritos em primeira

pessoa e raramente partem de uma notcia publicada em outro webjornal ou site.

Figura 3 Reproduo da pgina principal doKuro5hinFonte: http://www.kuro5hin.org. Acesso em: 16/8/2006

Na coluna central da pgina principal aparecem dez matrias que tenham sido

escolhidas para a posio. Elas no so necessariamente recentes. No dia 6 de agosto de 2006,

por exemplo, a primeira posio era ocupada por um artigo em primeira pessoa sobre um

funeral japons21, publicado naquele dia, enquanto o artigo em ltima posio, uma receita do

prato indiano chamado vindaloo22, fora publicado no dia 22 de junho, mais de um ms antes.

O K5 dividido em 12 sees: diaries (dirios), que funciona como um blog para

digresses pessoais, cujo subttulo se voc no tem nada a dizer, diga aqui; technology

(tecnologia), para matrias a respeito de equipamentos e programas; science (cincia), para

artigos relacionados a pesquisa e estudos; culture (cultura), cuja descrio o mundo em que

vivemos: discutam;politics (poltica); media (mdia), voltado a comentrios sobre noticirios

e entretenimento;Internet, com foco no aspecto social, no no tecnolgico; Op-Ed(editorial),

20 We very much prefer article submissions that express an argument or point of view about the article, andencourage discussion or debate. Traduo livre. Disponvel em: http://www.kuro5hin.org/special/faq. ltimoacesso em: 5/8/2006.21 BJH. Family reunion. Kuro5hin, 6/8/2006. Disponvel em:http://www.kuro5hin.org/story/2006/8/4/17244/24684. ltimo acesso em: 15/8/2006.22 TROLLAXOR. Vindaloo a l'Agni. Kuro5hin, 22/6/2006. Disponvel em:http://www.kuro5hin.org/story/2006/6/20/141135/408. ltimo acesso em: 15/8/2006.


9/19

para artigos de opinio;fiction (fico), para publicao e discusso de textos narrativos e

poticos; meta, onde so publicados os artigos sobre o prprio K5; MLPou Mindless Link

Propagation (propagao impensada de links), para notas com sugestes de sites; e

finalmente news (notcias), onde os coladoradores podem publicar informao atual. Um

aviso na descrio desta seo define melhor a diferena de matrias com links e o que a

comunidade critica como propagao impensada dos mesmos: Aqui onde VOC relata

as notcias, chega s suas prprias concluses, adicionando links como forma de providenciar

informao suplementar (em oposio MLP onde o link a informao)23.

Qualquer internauta pode se cadastrar como colaborador doK5, bastando escolher um

nome de usurio (username) e indicar um endereo vlido de correio eletrnico. Aps esse

breve trmite, pode submeter matrias votao da comunidade. No topo de cada pgina h o

apontadorsubmit story (submeter matria), clicando-se no qual se dirigido a um formulrio.

Um texto pede que o colaborador leia ao menos uma vez as diretrizes editoriais e oferece

alguns lembretes, como por exemplo no deixar de escolher um tpico, reler cuidadosamente

o texto ao menos uma vez, checar todos os endereos eletrnicos para os quais se apontou, e

checar os fatos. Tambm avisa que a equipe editorial colaboradores antigos com status de

administradores do sistema guarda o direito de corrigir erros gramaticais e de estilo, mas

sempre procurando manter o sentido original. As diretrizes editoriais se limitam a explicar os

aspectos tcnicos da publicao, com poucos conselhos a respeito de estilo, como escolher um

ttulo curto e atraente, ou tentar adequar o mximo possvel o assunto seo escolhida.

23 This is where YOU report the news, come up with your own conclusions, adding links as a way of providingsupplementing information (as opposed to MLP where the link IS the information). Traduo livre. Disponvelem: http://www.kuro5hin.org/special/faq. ltimo acesso em: 5/8/2006.


10/19


11/19

tambm tm sua disposio estas opes de visualizao dos comentrios, mas no podem

votar em sua qualidade.

Figura 5 Formulrio e opes de voto em matria enviadas por colaboradorFonte: http://www.kuro5hin.org. Acesso em: 16/8/2006

O objetivo de todos estes nveis de avaliao , por um lado, permitir o

autogerenciamento da comunidade de colaboradores e da publicao de textos e, por outro

lado, impedir que vndalos soterrem os comentrios relevantes com intervenes

desnecessrias ou ataques gratuitos. O sistema tem ainda a vantagem de facilitar a filtragem

da informao, pois o leitor pode contar com avaliaes de dezenas de outros leitores como

forma de aferio da qualidade.

Procedimentos metodolgicos

O mtodo usado nesta pesquisa foi a anlise de contedo. A escolha foi feita esperando

que as tcnicas deste mtodo permitissem evidenciar as tendncias predominantes nas

intervenes feitas pelos colaboradores dos webjornais participativos. A hiptese a testar era

que os colaboradores produzem uma quantidade predominante de intervenes que ampliam

os aspectos jornalsticos dos textos iniciais a que se referem, resultando em uma multiplicao

das perspectivas sobre os temas em questo. Este tipo de interveno foi denominado

pluralizante, e incluiu as seguintes subcategorias: edio, dados, fontes, valor-notcia,

multimdia, links e argumentao. As outras intervenes encontradas foram reunidas sob a

categoria formais/disruptivas e incluram as subcategorias ortografia/gramtica, formatao,

disrupo e spam. Alm disso, foi criada a categoria outros, para aquelas intervenes que

no se enquadrassem em nenhum outro tipo.

Os dados foram coletados no WN e no K5 durante sete dias em sete semanas

alternadas, totalizando dez textos iniciais e intervenes a eles relacionadas. Considerou-se

texto inicial a primeira verso de uma matria publicada no WN, sobre a qual os

colaboradores iro trabalhar diretamente, e a proposta de matria enviada para a fila de edio


12/19

noK5, qual sero atreladas sugestes de mudanas e opinies sobre o contedo. O perodo

de coleta comeou na tera-feira, dia 17 de outubro de 2006. A coleta seguinte ocorreu na

quarta-feira, 25 de outubro de 2006 e assim por diante at o ltimo dia, 3 de dezembro, uma

segunda-feira. Todas foram feitas na mesma faixa de horrio, entre 13:30 e 14:00. As pginas

foram abertas em diferentes janelas do navegador e depois arquivadas em formato HTML e

em texto. No K5, foram selecionados os textos que estivessem em ltimo lugar na fila de

edio. Quando no havia texto algum na fila de edio, no se coletou material. No caso do

WN, foram selecionados os textos que estivessem em ltimo lugar na lista de ltimas notcias

na pgina principal. Ao todo, foram coletados trs textos no K5 e sete textos no WN. Em

quatro ocasies, no havia nenhuma proposta de matria na fila de edio do K5 no momento

da coleta.

Cada um dos textos coletados recebeu um cdigo. No caso do WN, tratou-se da letra

W acompanhada de nmeros em ordem cronolgica crescente de coleta (W1, W2 etc.). As

intervenes aos textos receberam um cdigo alfanumrico tendo como critrio a ordem

crescente desde a primeira interveno ao primeiro texto at a ltima interveno ao ltimo

texto (IW1, IW2... IW45). O mesmo sistema foi usado noK5, com as letras K (K1, K2...) e IK

(IK1, IK2... IK63). Posteriormente, essas unidades foram tabuladas conforme um roteiro de

anlise. Os dados resultantes so interpretados a seguir.

Resultados da anlise

O material jornalstico coletado nos dois webjornais participativos resultou em um

corpus composto por 107 intervenes, sendo 46 delas referentes ao WNe 61 aoK5. Trata-se

de uma distribuio interessante, j que foram coletados sete textos no WNe apenas trs no

K5. Ainda que menos representado na amostra, o K5 apresentou mais ocorrncias de

interveno sobre os textos iniciais, o que sugere um nvel maior de participao em termosquantitativos. Esse dado pode ser explicado pela prpria poltica editorial do K5, que favorece

o debate a respeito dos fatos apresentados no texto inicial. Assim, os colaboradores continuam

intervindo, mesmo quando j foram realizados todos os reparos necessrios para enquadrar o

texto nos padres esperados (ortografia e estilo corretos, poltica editorial, atribuio de

fontes, links para material em outros sites etc.). No WN, por outro lado, o comentrio a

respeito dos fatos narrados nos textos desencorajado, de modo que, quando todas as

correes e acrscimos que visam colocar o texto dentro dos padres editoriais so feitos, no


13/19

h mais motivo para a interveno. O fato de nenhuma interveno de carter argumentativo

ou disruptivo ter sido identificada no na anlise do WNcorrobora essa concluso.

As 46 intervenes feitas aos textos do WN resultaram em 35 unidades de anlise

categorizadas como pluralizantes e 18 unidades categorizadas como unidades

formais/disruptivas. A discrepncia entre o nmero de intervenes e o nmero de unidades

de anlise codificadas se deve ao fato de que algumas intervenes forneceram mais de uma

unidade. Em uma interveno feita s 21:51 do dia 15 de outubro de 2006 matria Friday

the 13 Buffalo, New York snow storm in pictures24, por exemplo, o colaborador

DragonFire1024 acrescentou uma nova fonte, o jornal Lockport Union-Sun & Journal, e

corrigiu dados no lead, como o nmero de pessoas sem luz (passou de 340 mil para 300 mil) e

a incluso do Estado de Pensylvannia entre os atingidos, gerando as unidades fonte e

dados. O mesmo critrio de codificao e contagem das unidades foi usado no K5. Em um

comentrio que discute um texto de MotorMachineMercenary sobre seriados de televiso 25,

por exemplo, o colaborador OnDemand fornece dados sobre o servio de TV a cabo Comcast

atravs de seu prprio depoimento e depois segue argumentando sobre as diferenas entre o

modelo de negcios da TV por assinatura e da radiodifuso, para concluir que alguns tipos de

sries s so economicamente inviveis na TV aberta. Considerou-se que nesta interveno

esto presentes duas unidades de anlise, dados e argumentao. As 61 intervenes

feitas ao K5 resultaram em 54 unidades de anlise categorizadas como pluralizanetes e 13

como unidades formais/disruptivas, conforme a tabela abaixo.

Tabela 1 Distribuio de unidades por categoria em nmeros absolutos e proporcionais

24 Disponvel em:

http://en.wikinews.org/wiki/%22Friday_the_13%22_Buffalo%2C_New_York_snow_storm_in_pictures. ltimoacesso em: 14 de julho de 2007.25 MotorMachineMercenary. The rise of the TV serial. Kuro5hin, 27 de out/2006. Disponvel em:http://www.kuro5hin.org/story/2006/10/24/211246/67. ltimo acesso em: 14 de julho de 2007.

Pluralizantes % Formais/Disruptivas % Outros % Total

Wikinews 35 63,6 18 32,7 2 3,7 55

Kuro5hin 54 76,8 13 18,8 2 2,9 69

Total 89 73,2 31 22,7 4 4,1 124


14/19

A tabela 1 mostra em nmeros absolutos e em porcentagem a distribuio das

unidades segundo as categorias de anlise. Entre as 107 intervenes coletadas foram

identificadas 124 unidades de anlise, das quais a maioria, 89, foram consideradas

pluralizantes, e 31 formais/disruptivas. Em termos proporcionais, houve predominncia

significativa das unidades pluralizantes (73,2%). O webjornal participativo K5 apresentou

mais unidades pluralizantes em relao ao WN, tanto em termos absolutos quanto

proporcionais. Houve 54 unidades pluralizantes nas intervenes do K5, representando 76,8%

do total de unidades. No caso do WN, as unidades pluralizantes representam 63,6% do total.

Apesar da leve vantagem do K5, trata-se de um resultado bastante semelhante, que sugere

forte orientao dos colaboradores dos dois webjornais participativos para interferir nas

questes jornalsticas do texto.

Os dados referentes ao nmero de colaboradores que intervieram em cada matria

indicam que os indivduos costumam acompanhar o desenvolvimento dos textos em que

tomam parte. As figuras 6 e 7 mostram que tanto no K5 quanto no WN a quantidade de

colaboradores em determinada matria costuma ser menor do que a quantidade de

intervenes. A correlao entre os dois indicadores de 1 para 2, ou seja, cada colaborador

tende a retornar em mdia duas vezes aos textos dos quais toma parte.

23

5

13

7

1

6

35

16

107

31

3 41

4

1311

8

0

5

10

15

20

25

30

35

40

W1 W2 W3 W4 W5 W6 W7 K1 K2 K3

Intervenes Colaboradores


15/19

Figura 6 Grfico comparativo do nmero de intervenes e nmero de colaboradores

Isto significa que em geral os indivduos que intervm no material jornalstico

publicado por estes dois webjornais participativos no so colaboradores acidentais, mas sim

colaboradores que acompanham constantemente o processo de trabalho. Este tambm um

indicativo que sugere a formao de redes sociais de colaboradores em torno dos webjornais

participativos. A figura 7 mostra a diferena entre o nmero de intervenes total em cada

webjornal participativo e o nmero global de colaboradores identificados na amostra.

46

61

21

27

0

10

20

30

40

50

60

70

Wikinews Kuro5hin

Intervenes

Colaboradores

Figura 7 Grfico comparativo do nmero total de intervenes e nmero global de colaboradores

As 46 intervenes no WNforam feitas por 21 colaboradores no total possivelmente

menos, visto que 7 intervenes foram feitas por annimos que podem ou no ter se

repetido26. No caso doK5 as intervenes annimas so impossveis, de modo que se pode ter

certeza de que 27 contas intervieram 61 vezes, embora um colaborador possa em tese operar

mais de uma conta. A mdia de um colaborador para cada duas intervenes se mantm aqui,

confirmando que a taxa de retorno semelhante nos dois webjornais participativos. Esses

dados tambm indicam que uma noo corrente a respeito de projetos que permitem a edio

colaborativa de contedo editorial no se confirma. A saber, a idia de que todo verbete ou

notcia nesses servios escrita por dezenas de pessoas que acrescentam uma frase ou palavra

26 Embora os IPs tenham sido registrados pelo sistema do WNe sejam todos diferentes, no possvel afirmarcom certeza que se tratam de colaboradores diferentes. Quando se acessa a Internet atravs de um provedor, esteatribui um novo IP a um determinado computador a cada novo acesso. Assim, uma mesma mquina pode ter umIP diferente a cada nova sesso de trabalho em que conectada rede.


16/19

cada uma. No todo mundo que participa no webjornalismo participativo, quando se

examina o processo produtivo ao longo do tempo, mas um nmero relativamente fixo de

colaboradores, que com isso adquirem experincia na operao das ferramentas e em

reportagem.

Essa uma constatao importante, visto que uma das principais crticas feitas a esse

tipo de veculo o fato de que os colaboradores escrevem muitas vezes sem compromisso

com o resultado final. A simples adio ocasional de uma frase em uma matria do WNou a

publicao de um comentrio no K5 por transeuntes ciberespaciais resultaria em uma

cooperao fragmentada, em que nenhum dos colaboradores se veria como responsvel pelo

texto. Porm, se os colaboradores costumam retornar e acompanhar o desenvolvimento das

matrias, certamente tm algum aprendizado atravs da experincia. Ver comentrios

apontando as falhas e equvocos de interpretao em seus textos nos comentrios noK5 ou as

correes feitas diretamente pelos outros interagentes no WN permite ao colaborador

introjetar a poltica editorial destes veculos, de maneira muito semelhante ao que ocorre nas

redaes profissionais.

Concluso

O objetivo principal desta anlise de contedo era evidenciar o carter predominante

nas intervenes feitas pelos colaboradores no Kuro5hin e no Wikinews. A partir dos

resultados, pode-se afirmar com segurana que predomina o carter pluralizante, isto , os

colaboradores buscam em sua maioria acrescentar informaes importantes aos textos iniciais

sobre os quais atuam mesmo quando o fazem de forma equivocada. Por outro lado, ao

contrrio do que se poderia esperar de webjornais participativos em que a publicao

totalmente aberta e autogerida, beirando a anarquia (em sentido estrito), no se verificou a

presena expressiva despam ou vandalismo.

A diferena nos nmeros de intervenes entre os dois webjornais mostra que no

existe apenas um modelo para esse tipo de iniciativa. Nesta pesquisa, dois deles foram

abordados: um sistema em que a publicao totalmente aberta, mas em que se busca o relato

equilibrado dos fatos, sem interferncia direta da subjetividade do colaborador, e outro em

que h um controle da publicao, ainda que coletivo, e a valorizao da opinio e da

subjetividade. A anlise da interveno em outros webjornais participativos talvez resultasse

em distribuies diferentes de unidades, conforme as polticas editoriais e as ferramentasdisponveis. Salta vista, entretanto, o fato de que a proporo de intervenes pluralizantes


17/19

foi semelhante noK5 e no WN, variando de 60% a 75% aproximadamente. Esse dado sugere

que a tendncia cooperao constante nos diferentes tipos de webjornal participativo e

permite concluir que as pessoas esto dispostas a tomar parte na dinmica noticiosa de

maneira construtiva. As previses apocalpticas sobre a instaurao do caos comunicativo

quando todo indivduo pode publicar suas opinies e relatos sem controle algum devem ento,

ao menos no que tange ao webjornalismo participativo, ser deixadas de lado.

Outro aspecto importante desse resultado o fato de os colaboradores tenderem a

acompanhar o desenvolvimento das matrias nas quais intervm. Por um lado, isso sugere a

existncia de um sentimento de responsabilidade pelo que publicado. Por outro, sabe-se que

as presses e jogos de poder a que um reprter submetido na redao incentivam a

introjeo do iderio profissional do jornalismo, sobretudo os valores de imparcialidade e

objetividade (BREED, 1993; SOLOSKI, 1993). Atravs das sanes impostas pela rede de

colaboradores em cada webjornal participativo, acredita-se que os ideais e valores especficos

a cada veculo so introjetados e ao mesmo tempo criados em conjunto, pela prpria dinmica

da interao, de forma semelhante ao que ocorre nas redaes profissionais.

Defende-se aqui, ento, que os colaboradores de webjornais participativos tm pela

experincia prtica a possibilidade de aprender algumas tcnicas e introjetar alguns valores

que lhes permitam produzir material com alguns traos jornalsticos, que adquirem

credibilidade ao longo do tempo ou so desacreditados por seus erros. Isso coloca o pblico

em uma posio de produtor e mediador de informao, papel que era restrito a jornalistas e

outros profissionais de comunicao nos mdia tradicionais. Essa ampliao do papel do

pblico importante, porque permite a pluralizao das perspectivas sobre os fatos na Web,

na forma de webjornais participativos, blogs, ou sees de portais e webjornais em que a

diviso entre profissional e amador se torna cada vez mais indistinguvel. Isso no significa,

porm, que se defenda aqui o fim do jornalismo. Muito pelo contrrio: h a certeza de que o

jornalismo profissional tem e ter um papel importante nas sociedades democrticas, na

medida em que, atravs da manuteno da objetividade, pode reclamar imparcialidade e assim

oferecer uma verso oficial dos fatos.

O webjornalismo participativo portanto complementar, e no um substituto do

jornalismo. Por outro lado, em sendo um complemento ao jornalismo tradicional, no se pode

exigir do webjornalismo participativo a observao das mesmas regras nem o mesmo

gnero de credibilidade do jornalismo profissional, evidentemente. Se esperado do

consumidor de jornais, webjornais, programas de televiso e rdio um esprito crtico frente s


18/19

notcias, o leitor de materiais publicados em webjornais participativos deve ter o dobro de

cautela, j que os controles sobre a publicao so menos rgidos. Porm, desprezar o

contedo criado cooperativamente por leigos para poupar a sociedade dos perigos

oferecidos pela publicao sem controle profissional uma atitude paternalista, que d muito

pouco crdito inteligncia do pblico.

Referncias Bibliogrficas

BLOOD, Rebecca. Introduction. In: Weve got blog!: how weblogs are changing our culture.Cambridge: Perseus, 2002.

BRAMBILLA, Ana Maria. Jornalismo open source: discusso e experimentao doOhmyNews International. Porto Alegre, 2006. Dissertao (Mestrado emComunicao e Informao). Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao,Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

BREED, Warren. Controle social na redao: uma anlise funcional. In: TRAQUINA,Nelson. Jornalismo: questes, teorias e estrias. Lisboa: Vega, 1993.

GILLMOR, Dan. We, the media: grassroots journalism by the people, for the people.Sebastopol: O'Reilly, 2004.

LAGE, Nilson. A estrutura da notcia. So Paulo: tica, 1993.

MELO, Jos Marques de. Jornalismo opinativo: gneros opinativos no jornalismo brasileiro.Campos do Jordo: Mantiqueira, 2003.

PEW Internet & American Life Project. Bloggers: a portrait of the Internets new storytellers.19/7/2006. Disponvel em:http://www.pewinternet.org/pdfs/PIP%20Bloggers%20Report%20July%2019%202006.pdf. ltimo acesso em: 09/1/2007.

PRIMO, Alex; TRSEL, Marcelo. Webjornalismo participativo e a escrita coletiva denotcias. Contracampo, Niteri, v.14, 1 semestre/2006. Disponvel em:http://www6.ufrgs.br/limc/PDFs/webjornal.pdf. ltimo acesso em: 10/01/2007.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespao: o perfil cognitivo do leitor imersivo. SoPaulo: Paulus, 2004.

SOLOSKI, John. O jornalismo e o profissionalismo: alguns constrangimentos no trabalhojornalstico. In: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questes, teorias e estrias.Lisboa: Vega, 1993.

TRSEL, Marcelo. A pluralizao no webjornalismo participativo: uma anlise dasintervenes no Wikinews e noKuro5hin. Porto Alegre, 2007. Dissertao (Mestradoem Comunicao e Informao). Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao,Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.


19/19

a participação do público nos webjornais wikinews e kuro5hin

Documents