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A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

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A P R E N D E RCaderno de Filosofia

e Psicologia da Educação

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Campus Universitário – Caixa Postal 95Estrada do Bem-Querer, Km 4 – 45083-900 – Vitória da Conquista – BA

Fone: 77 3424-8716 – E-mail: [email protected] ou [email protected]

REITORProf. Abel Rebouças São José

VICE-REITORProf. Rui Macêdo

PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOSProf. Paulo Sérgio Cavalcanti Costa

DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANASJoão Diógenes Ferreira dos Santos

DIRETOR – EDIÇÕES UESBJacinto Braz David Filho

COMITÊ EDITORIAL: Profª Ms. Andréa Braz da Costa, Prof. Ms. Braulino Pereira deSantana, Prof. Esp. Hugo Andrade Costa, Prof. Ms. Marcos Lopes de Souza, Profª Ms.Marilza Ferreira do Nascimento, Prof. Ms. Rosalve Lucas Marcelino, Prof. Ms. PauloSérgio Cavalcanti Costa, Profª Drª Tânia Cristina R. Silva Gusmão e Profª Drª ZenildaNogueira Sales.

100A661a

Aprender – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação. Ano 5, n. 9, jul./dez. 2007. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2007.Início da publicação: dezembro de 2003. Periodicidade: semestral.ISSN 1678-78461. Filosofia – Periódicos. 2. Psicologia. I. Universidade Estadual do Sudo-este da Bahia. II. Título.

Catalogação na publicação: Biblioteca Central da Uesb

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A revista Aprender é indexada nas seguintes bases de dados:1. Index Psi Periódicos (BVS-Psi) - http://www.bvs-psi.org.br2. Clase, Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades, Universidad NacionalAutónoma de México - http://www.dgb.unam.mx/3. Sumários de Revistas Brasileiras-Funpec/RP - http://sumarios.org/4. Latindex - http://www.latindex.unam.mx/5. EDUBASE/Faculdade de Educação/UNICAMP - http://www.bibli.fae.unicamp.br/catal.html

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

A P R E N D E RCaderno de Filosofia

e Psicologia da Educação

ISSN 1678-7846

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 1-280 2007

NÚMERO ESPECIAL:Dificuldades de Aprendizagem

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Copyright © 2007 by Edições Uesb

APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da EducaçãoDepartamento de Filosofia e Ciências Humanas

Universidade Estadual do Sudoeste da BahiaAno V - n. 9, jul./dez. 2007

EDITORES RESPONSÁVEIS

Prof. Ms. Leonardo Maia Bastos Machado - UESB

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Sumário

Apresentação – Por que falar em dificuldades de aprendizagem?Eliane Giachetto Saravali e Leonardo Maia Bastos Machado ..................... 7

ARTIGOS

Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldadesLia Leme Zaia .............................................................................................17

Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita emescolares com dislexia e distúrbio de aprendizagemSimone Aparecida Capellini, Percília Toyota, Lara Cristina Antunes dos Santos,Maria Dalva Lourencetti, Niura Aparecida de Moura Ribeiro Padula .... 37

Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a Teoriada Evolução das Espécies: uma perspectiva VygotskianaDouglas Verrangia Correa da Silva ........................................................... 71

Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão deliteratura em PsicologiaLetícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto ...........101

Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagenscognitivasTania Scuro Mendes ...................................................................................127

NÚMERO ESPECIAL:Dificuldades de Aprendizagem

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O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológicodo processo de aquisição da leituraDivaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira ............................. 143

Dificuldades de aprendizagem e educação inclusivaRosimar Bortolini Poker ........................................................................... 169

Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos em línguainglesaRenata Maria Moschen Nascente ............................................................. 181

Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-culturalMaria Aparecida Mello ............................................................................ 203

Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenhoescolarRoberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis ..................... 219

Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagemKarina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali ................................ 247

RESENHA

Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagempsicopedagógicaElaine Cristina Cabral Tassinari ............................................................. 269

Periódicos permutados ......................................................................... 275

Normas para publicação de trabalhos ............................................... 276

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ApresentaçãoPor que falar em dificuldades de aprendizagem?

Responder a essa pergunta parece-nos tarefa simples: éabsolutamente necessário falar de dificuldades de aprendizagem emrazão do que vem ocorrendo em nossas escolas atualmente. Necessáriopara quem? Para os alunos e os professores, sobretudo e em princípio.

Sobretudo porque quem mais sofre são os alunos, são nossascrianças que, por inúmeras razões, estão, paradoxalmente, passandopela escola sem viver plenamente o maior sentido de estar ali:APRENDER. Em princípio porque não deveríamos pensar emaprendizagem sem pensar em ensino e, portanto, na ação docente.

A pedagogia moderna nasce a partir de uma alteraçãofundamental na economia (da idéia e da ação) pedagógica que consiste,em especial, em um deslocamento de papéis educacionais.

Assim, rompendo-se com a imobilidade da configuraçãoanterior, modernamente, por princípio, aquele que aprende também temalgo a ensinar àquele que ensina. E como não seria aquele que maisprofundamente experimenta a dificuldade da aprendizagem quem maisteria a ensinar sobre o ato e a atividade do aprender?

Nesse sentido, cabem-nos outras perguntas: será que aofalarmos de dificuldades de aprendizagem devemos pensar somenteem alunos? Quem, efetivamente, aprende ou não? Docentes não

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aprendem? Esse é o cerne do que gostaríamos de trazer para a discussãoe que pretendemos ser a contribuição desse número especial.

Atualmente, vivemos um “apogeu diagnóstico” caracterizadopela multiplicação das terminologias e das inúmeras avaliações edefinições para múltiplas doenças e distúrbios relacionados às nossasações, reações e comportamentos. Quem não sofre no mundo de hojede algum tipo de problema facilmente nomeado, tratável ouremediável? Como ou quanto isso realmente interfere em nossascapacidades vitais e porque não dizer cognitivas, afetivas e sociais?Mas, em especial, no que nos concerne mais especificamente, comoessa aparente tendência a uma crescente medicalização de nossoquotidiano, ou de nosso discurso quotidiano, se transfere até nossasescolas? Pois também uma determinada medicalização da relaçãoprofessor-aluno parece hoje tomar as salas de aula, toda uma novasemântica paulatinamente tem se incorporado e se disseminado nodiscurso dos professores, generalizando situações, processos, casos,alunos e ... alunos que não aprendem, e suas implicações, nos diversosníveis em que ela interfere, está ainda longe de ser inteiramentecompreendida.

Em outras palavras, e pensando na realidade escolar,deveríamos atentar para uma questão ora recorrente, – “o que vemacontecendo com nossos alunos?” – e refletir sobre a resposta que elarealmente mereceria. Que justificativas e razões são essas queencontram explicações em distúrbios, atrasos, desordens,incapacidades? Em que medida somos (docentes, pesquisadores, pais)responsáveis por isso? Que estratégias temos utilizado paracompreender estas questões e em que elas se mostram bem sucedidas?O que de fato nós docentes temos aprendido com a não aprendizagemdos discentes?

E essa seria uma primeira questão a cingir o universo dasdificuldades de aprendizagem. Pois seria interessante, de início, consideraraté que ponto esse quadro “convém” ao ambiente da sala de aula, oumesmo em que ele convém ao próprio docente, seja em relação às

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9Apresentação

suas atribuições fundamentais, seja em relação à sua própriacapacitação.

Por outro lado, com isso, nossa concepção do que é,efetivamente, “dificuldade de aprendizagem”, reveste-se de umaimportância fundamental e nosso maior cuidado deveria ser,inicialmente, o de que essa concepção não se transforme ela mesmaem uma dificuldade a mais: pois seria preciso avaliar até que ponto éou não invasiva, é ou não benéfica essa contaminação da pedagogiapor um discurso médico e, mais ainda, até que ponto oacompanhamento das dificuldades de aprendizagem não interfere oualtera substancialmente a relação professor-aluno. Ou seja,inicialmente, tratar-se-ia, em especial, de evitar a simples assimilaçãode um discurso medicalizado dentro da pedagogia, discurso este que,de certa maneira, reinveste, a seu modo, a própria relação pedagógica.

Um primeiro desafio pedagógico ao lidar com as dificuldadesde aprendizagem estaria então em se compreender a natureza mesmado funcionamento ou do exercício pedagógico que estas requerem.Pois, uma vez que a condição de aprendizagem se encontra suspensa,se encontra, num certo sentido, “negada”, qual, efetivamente, seriaainda a natureza pedagógica da relação professor-aluno? Isto é, quala relação pedagógica, estritamente falando, entre um professor quenão pode ensinar e um aluno que não consegue aprender? Desse modo,a partir da especificidade da situação gerada, e para se vencer adificuldade constatada, seria preciso, que a própria relação de ensino-aprendizagem se transfigurasse ou em parte se obliterasse?

De toda sorte se trata, muitas vezes, de uma certa redefiniçãoda relação professor-aluno que nem sempre é acompanhada,confirmada, ou que não tem todos os seus desdobramentos avaliadosjunto aos profissionais da área da saúde. E, com isso, se a tarefa deacompanhamento de uma dificuldade de aprendizagem recai, então,em especial sobre os docentes, não deveríamos inicialmente considerarcomo e em que ela transformaria nossos mestres ou suas funções? Oprofessor, para além de sua responsabilidade ou prerrogativa de

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ensinar, deveria também poder diagnosticar ou pré-diagnosticar? Emque consiste ou em que deve consistir, afinal, sua capacidade deintervenção?

Como se vê, o estudo das dificuldades de aprendizagem nãopode se apoiar na unidade de um discurso único de fundo, pois elasemergem nessa zona mista, nesse lugar de interseção entre váriasáreas, e entre múltiplos discursos. Sua conceituação depende dessaconfiguração plural que liga, que corta e recorta, umas pelas outras,a Educação, a Psicologia e mesmo a Medicina. Em que momentoesses discursos são convergentes, e em que hora divergem? Em quelugar exatamente todos esses discursos, práticas e procedimentosde teorização e de intervenção fazem síntese? E essa síntese,possível mas talvez por demais fugaz, aponta ainda para dentro dapedagogia, ou acaba inevitavelmente por ultrapassá-la? Em suma,o que, e a partir de que campo se define uma dificuldade deaprendizagem, mas ainda, o que ela mesma define, que região umadificuldade de aprendizagem demarca? E seria uma região aindadentro da pedagogia, ou já “fora” dela?

Em primeiro lugar, vale a pena aqui considerar que oaprendizado na verdade jamais precedeu a dificuldade, e sim foi frutodela, impondo-se a ela. Pois aprender não foi jamais algo fácil, mas,ao contrário, foi a dificuldade que o tornou possível. Aprender ésempre difícil... Fato é que temos uma compreensão distorcida dosignificado da aprendizagem enquanto consideramos que asdificuldades são obstáculos que apenas lhe sobrevêm de fato, “naprática”. Nesse caso, é somente no contato ou no encontro inesperadocom uma barreira que aprender revela-se difícil ou que, de fato, setorna uma experiência impossível, quando então se verifica e se medea sua dificuldade. No entanto, a dificuldade é anterior a isso, ela seinscreve de direito no aprendizado, é intrínseca ao exercício de aprender,e não simplesmente eventual, ou “exterior” a ele, algo que pode ounão se verificar. Quem aprende deve sempre enfrentar sua dificuldade,dificuldade que, em realidade, permanece após o “aprendizado”: o

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11Apresentação

que afinal terei realmente “aprendido”?... E por quê, para quê? É naverdade, em relação a essa dificuldade, lutando contra ela, que seproduz, a cada vez, o verdadeiro aprendizado.

Com isso, considerando que todos aprendemos, é entãoimportante considerar também quais as ferramentas de que osdocentes se valem nessa luta, em relação à própria aprendizagem e àsdificuldades apresentadas por seus alunos. Podemos, por que não,passar a pensar então em dificuldades dos professores em relação àcompreensão sobre seus alunos, suas diferenças, suas peculiaridades,seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, suas questõespessoais e singulares. Há dificuldades em aprender e apreender taisquestões e há uma grande dificuldade e resistência institucional,curricular e pedagógica em se adaptar às diferenças individuais dosalunos, o que se busca é uma homogeneização inexistente,principalmente quando falamos de aprendizagem. Dessa forma,ressaltar a dificuldade do outro pode ser muitas vezes apenas umaforma de negar a própria dificuldade.

Qual seria então a aprendizagem necessária para aquelesque lidam com os que, teoricamente, (também) não aprendem?Antes de buscarmos uma resposta consideremos o quadro existenteem nossas escolas.

Buscar e criar encaminhamentos, laudos, nomes, rótulos temse constituído uma prática recorrente, mas para aqueles que já seaperceberam isso não tem contribuído de fato para a melhoria dasituação vivida por nossas crianças, nem para a reflexão e discussãodas ações docentes ou mesmo para mudanças nas condiçõesinstitucionais.

Não podemos permitir, portanto, que as dificuldades deaprendizagem se desvinculem ou se esvaziem dentro do campopedagógico.

Mas, nesse caso, retomando a pergunta colocada anteriormente,afinal qual a aprendizagem necessária aos professores? Ou melhordizendo, qual o horizonte pedagógico daquele que lida com as

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dificuldades de aprendizagem? Não a superação da dificuldade, masmais propriamente poder aprender em meio à dificuldade...Permanecer nela para dela fazer, de início, um primeiro aprendizado.Da dificuldade, criar uma aprendizagem. Esse deveria ser, talvez, ohorizonte pedagógico daquele que lida com as dificuldades deaprendizagem. Quando o pedagogo se depara com uma situação dedificuldade de aprendizagem, ou seja, uma circunstância em que apossibilidade de formação ou de aprendizado encontra-se interrompidaou barrada, é preciso que ele redefina sua própria função pedagógica.Neste momento, sem que seja preciso, evidentemente, abandonar apedagogia ou as atribuições pedagógicas, é esta que se apresenta edeve se reinventar segundo uma nova função, uma nova práxis. Issoimplicaria, necessariamente, poder rever nossas próprias concepçõesde ensino, de desenvolvimento, de aprendizagem, de didática, demetodologia e à luz dessa avaliação poder acompanhar e compreenderplenamente uma dificuldade de aprendizagem.

Pois as dificuldades de aprendizagem, em último caso, nãodizem respeito jamais apenas a um caso particular, mas à própriapedagogia. É a pedagogia mesma que se altera e se transforma no seuencontro com as dificuldades que, a rigor, são sempre dela mesma (docontrário, deveríamos considerar a estranha situação em que o alunoseria um corpo estranho ao universo educacional...). As dificuldadesde aprendizagem têm sempre muito a dizer, então, sobre o estadoatual da pedagogia, sobre as nossas próprias concepções pedagógicascorrentes. Pois a dificuldade de aprendizagem revela não apenas omomento, particular, em que um aluno se encontra impossibilitadode prosseguir, mas também o momento mais geral e mais significativoem que a pedagogia mesma se vê suspensa, em que o circuito e acirculação pedagógica se encontram interrompidos. E é isso o quenos deveria levar à reflexão quando nos vemos diante de cada casode dificuldade no aprendizado.

Mas com isso, deve-se entender que a dificuldade deaprendizagem não é um obstáculo que se coloca entre aquele que

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13Apresentação

ensina e o que aprende, ou mesmo entre aquele que quer aprender ea possibilidade do aprendizado. Ela não é uma distância que seinterpõe e que abre uma radical separação entre esses dois sujeitosque se reúnem em torno da experiência educacional, mas algo quepertence ao ato mesmo de ensino-aprendizagem. Essa condiçãopermitiria ao menos superar de imediato uma “culpabilização”, doprofessor que não ensina ou do aluno que não aprende. Mesmo porque,insistamos, em si mesmo, por sua própria dificuldade, o ato de ensinarconspira para sua própria frustração: ele teria como resultadoesperado, como seu resultado “natural”, precisamente por essadificuldade intrínseca, o não ensinar, o não aprender, e não se deveriajamais descartar que seja sempre esse, com efeito, o resultado denossas aulas (e, seja na condição de aluno ou de professor, quantasvezes não se sai de uma sala de aula com essa certeza, precisamente?)...

Uma dificuldade, então, não representa um retrocesso, nemmesmo uma “parada” no ato pedagógico, mas, ao contrário, esse atocomplexifica-se a partir da dificuldade experimentada. E, com isso,como se fora uma jurisprudência no seio da pedagogia, ele estendetambém a própria pedagogia nesse momento em que aprender se reveladifícil. Pois é a dificuldade que obriga um exercício padronizado aredefinir-se, que exige novos parâmetros, que estende a pedagogia,enfim, para novos territórios. A ausência de dificuldade cria todo umhabitus, um uso regular, e uma habituação a este uso, ou seja, umasimples continuidade de reprodução (quanto aos conteúdosescolhidos, aos objetivos pressupostos, aos métodos utilizados, etc...).A pedagogia, como aliás toda atividade, só se pode medir, então,pelas dificuldades que encontra, e vai adiante no enfrentamento destas.

Uma nova teoria se impõe, portanto, como uma teoria doacompanhamento e da intervenção, ampliando e desenvolvendo aprópria pedagogia. A cada aluno que não aprende corresponde umaspecto de ordem familiar, um aspecto social, a possibilidade de umaquestão orgânica, enfim, uma rede complexa a ser avaliada ecompreendida, e SEMPRE uma ação pedagógica. Essa última é de

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domínio do docente; significa estar apto para atuar, interferir, solicitare favorecer os processos de desenvolvimento e aprendizagem. Nãose pode esperar que ninguém faça isso melhor do que o próprioprofessor. Isso corresponderia ao fazer autônomo da pedagogia emrelação às dificuldades de aprendizagem.

Nesse sentido, diante de um aluno que não aprende, vale apena perguntar: quais as chances meu aluno já teve para superaçãoreal desse quadro? Quando a resposta é nenhuma ou poucas, é precisorever as próprias ações, o planejamento, os objetivos, as atividades.

Fica, portanto, a idéia de que do problema é preciso gerar ação,ação fundamentada consciente, deliberada e interventiva. A açãopedagógica deve ser subsidiada por pesquisas e estudos e nós, docentesuniversitários, necessitamos urgentemente fazer com que nossosestudos e pesquisas contribuam de fato para a prática pedagógica.Precisamos auxiliar nossos docentes que encontram-se, muitas vezes,tão despreparados e desamparados.

Sabemos que essa ação também requer formação econhecimento, o papel da universidade também é o de fazer chegaresse conhecimento até a sala de aula, auxiliar na instrumentalizaçãodo docente. Longe queremos estar do fogo cruzado das atribuiçõesde culpas pelos fracassos de nossos alunos.

Evidentemente, não pretendemos romantizar uma situação quepara muitos docentes e discentes é, sem dúvida, extremamentedesconfortável, mas sim evidenciar que a nossa percepção sobre essaquestão deve ser redimensionada, não só sobre o real alcance e averdadeira posição das dificuldades de aprendizagem na situação deensino, mas sobre a própria aprendizagem enquanto tal.

Em outras palavras, não será somente o aprendizado queatestará o bem sucedido de uma atuação pedagógica, mas, aocontrário, uma intervenção adequada deverá capacitar o aluno aexperimentar amplamente uma nova dificuldade: a dificuldade deseu próprio aprender...

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15Apresentação

É nesse sentido que a organização desse número especialpretende contribuir. Há uma grande diversidade institucional dosautores que nos auxiliaram na realização desse trabalho, demonstrandoque tratar das dificuldades de aprendizagem é algo que vem ocorrendoem todo território nacional. Não podemos fechar os olhos para oproblema e realmente não estamos fechando. Os artigos aquipublicados são compostos por trabalhos realizados em diferentesâmbitos: pesquisas, reflexões teóricas, atividades de extensão,diagnósticos e intervenções. Cada um a seu modo, enfocando umaou outra perspectiva, traz significativa contribuição para a temática.

Agradecemos a todos que contribuíram e desejamos uma boaleitura, pois dela certamente novas questões surgirão, novas ações,outras transformações e das dificuldades, novas aprendizagens...

Eliane Giachetto SaravaliConselho Editorial (UNESP-Marília, SP)

Leonardo Maia Bastos MachadoEditor Responsável (UESB)

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Aprendizagem e Desenvolvimento – superandodificuldades

Lia Leme Zaia *

Resumo: Compreendendo o papel da ação educativa como o de propiciar odesenvolvimento e a aprendizagem, o texto explora os fatores e as condiçõesnecessárias para que ambos os processos ocorram. Descreve as causas dasdificuldades para aprender, agrupando-as em fatores próprios do sujeito e fatorescircunstanciais, analisando a influência recíproca entre eles. Destaca o atrasona construção das estruturas cognitivas ou do real como um dos fatores dosujeito e que sofre influência do ambiente familiar, escolar ou da comunidade.Descreve os processos de intervenção para criar as condições necessárias àmanutenção e à recuperação das possibilidades de aprender.

Palavras-chave: Desenvolvimento. Equilibração. Aprendizagem. Dificuldades.Intervenção.

Learning and development – overcoming difficulties

Abstract: Understanding the role of educative action as to provide thedevelopment and learning, the text explores the factors and conditions necessaryfor both processes. Describes the causes of learning difficulties, and grouping

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 17-36 2007

* Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente ecoordenadora do curso de Psicopedagogia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras deSão José do Rio Pardo-SP. E-mail: [email protected]

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Lia Leme Zaia18

then in subject self factors and circumstantial factors, analyzing the reciprocalinfluence between then. Emphasizes the delay to build structures or reality asone of the subject’s factors that is influenced by family environment, school orcommunity, and describes the processes of intervention to create necessaryconditions of maintaining and recover the possibilities of learning.

Key words: Development. Equilibrium. Learning. Difficulties. Intervention.

A ação educativa desempenha o importante papel de solicitaro pensamento e a atividade da criança, organizando situaçõesestimulantes que propiciam o desenvolvimento e a aprendizagem.Nesse contexto, além das aquisições em função da experiência, oprocesso de aprender abrange a construção das estruturas cognitivase a reorganização dos conhecimentos, nas interações do sujeito como objeto. Referimo-nos, pois, à aprendizagem em sentido amplo.

Nesse processo, os desafios, as situações-problema a seremsolucionadas, os questionamentos e os trabalhos em pequenos grupos,as trocas de pontos de vista entre parceiros, podem propiciar oaparecimento de perturbações que provocam o desequilíbrio cognitivo,desencadeando o processo de equilibração.

Piaget denominou processo de equilibração às reações ativasdo sujeito diante das perturbações do meio; à busca de um novoequilíbrio quando é perturbado o equilíbrio entre os processos deassimilação e acomodação.

Assimilação e acomodação são os dois pólos do processo deadaptação. O primeiro constitui a aplicação do esquema ou estruturaao objeto, conferindo-lhe significado e o segundo refere-se àmodificação do esquema ou estrutura para poder assimilar.

Explicando melhor, se nenhum esquema ou estrutura jáexistente consegue assimilar um novo objeto e o processo deacomodação é insuficiente para atender às características daquele,ocorre um desequilíbrio entre esses dois processos, desencadeando aequilibração. A equilibração provoca a reestruturação cognitivaindividual, transformando os esquemas e estruturas até ser possívelassimilar o objeto novo e integrar os novos instrumentos à estrutura

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19Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades

total. A superação das perturbações pela equilibração tem, porconseqüência, a abertura de novas possibilidades, o aperfeiçoamentoe a construção de esquemas e estruturas mais complexos e commaiores possibilidades de adaptação.

A perturbação também pode surgir da constatação de que umadeterminada ação provoca, no objeto, reações diferentes daquela queo sujeito imaginava anteriormente. Assim, verificamos a importânciade provocar antecipações na criança, principalmente em relação aoconhecimento físico, tornado possível a situação em que a reação doobjeto venha a contrariá-las.

Outras fontes de perturbação podem ser a resistência àassimilação recíproca por parte de dois esquemas aplicados aos mesmosobjetos e a resistência à assimilação recíproca entre a estrutura total euma subestrutura a ser integrada a ela. Desta forma, tanto o incentivoà experimentação ativa, aplicando vários instrumentos de pensamentoa um objeto ou a um mesmo conjunto de objetos, como a aplicação deum esquema, estrutura, ou conhecimento recém adquirido, a umadiversidade de situações, além de facilitar a consolidação, extensão egeneralização daqueles, ainda pode provocar o desequilíbrio,desencadeando o processo de equilibração.

Consideramos ainda como fonte de perturbação as lacunas nosentido piagetiano (a ausência de conhecimentos ou objetos necessáriospara que uma ação já desencadeada se complete). Por este motivo, nãoé necessário levar o aluno, rapidamente, à resposta ou às noçõesconsideradas certas. É muito mais importante deixá-lo errar por nãopoder ainda considerar alguns aspectos importantes da situação, semcorrigi-lo diretamente. Em outro momento oportuno, a partir da análisede seus procedimentos e explicações, podem ser propostas outrassituações-problema que solicitem a aplicação dos mesmosconhecimentos. Se estes permanecem inalterados, a situação não seráresolvida, provocando a tomada de consciência da lacuna pelo aluno,desencadeando o processo de reestruturação dos conhecimentosanteriores ou a busca de novos conhecimentos para solucioná-la.

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Falta considerar a tomada de consciência de opiniões e pontosde vista diferentes do próprio, provocando o conflito cognitivo edesencadeando o processo de equilibração. Esta fonte deperturbação nos faz considerar a necessidade do trabalho empequenos grupos, especialmente com propostas de atividades queexijam discussão, argumentação e contra-argumentação na tentativade convencer o outro, para realizar um trabalho comum.Principalmente porque exige a consideração e a análise das idéiasdos parceiros, para poder aceitá-las ou refutá-las e para poderconstruir uma contra-argumentação pertinente.

É importante lembrar que o desequilíbrio provoca sempre abusca de um novo equilíbrio mais estável, complexo e duradouro,por um mecanismo auto-regulador de compensações ativas àsperturbações; que os estados de equilíbrio são sempre ultrapassadosporque novos problemas que vão sendo levantados à medida que sesoluciona os precedentes e que uma estrutura acabada dá lugar àexigência de nova diferenciação ou nova integração em estruturasmais amplas.

Esses melhoramentos podem alargar, em extensão, o campodo sistema, isto é, ampliar o número de situações ou objetos a que oesquema ou estrutura se aplicam; podem relativizar as noções pordiferenciação em sub-esquemas que passam a assimilar os elementosanteriormente não assimiláveis. Com o rompimento do ciclo, o própriosub-esquema torna-se um novo tipo de perturbação e a diferenciaçãoé, necessariamente, compensada pela integração do sub-esquema aonovo esquema total.

Em outras palavras, a equilibração cognitiva, enquanto marchapara um equilíbrio mais estável, implica na construção e reorganizaçãodas estruturas cognitivas e deve ser levada em conta para propiciar odesenvolvimento de crianças e adolescentes.

Entretanto, na maioria das escolas, aprender se limita àsaquisições externas em função da experiência e das transmissõeseducativas. Consideramos restrita essa concepção de aprendizagem

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que não satisfaz as necessidades da criança em desenvolvimento, razãopela qual muitas parecem não aprender os conteúdos escolares, apesarde aprenderem outras tantas coisas em suas casas, na rua, no trabalho.

Compreendemos como dificuldades para aprender tudo o quedificulta, emperra, desvia, deforma a reorganização dosconhecimentos. Esta reorganização relaciona-se com a construçãodas estruturas no interior do sujeito e com as características do objetoe suas relações. Assim, os fatores que prejudicam a reorganizaçãodos conhecimentos podem ser agrupados em dificuldades própriasdo sujeito que aprende e dificuldades provocadas pelas circunstânciasfamiliares, escolares, sociais, que o envolvem.

É preciso, entretanto, compreender que os fatores do sujeito eos fatores circunstanciais não atuam separadamente, poisencontraremos no meio em que a criança vive diversos motivos parase instalarem dificuldades que, a primeira vista, parecem próprias dosujeito e encontraremos no sujeito diversas características quepropiciam a influência desta ou daquela circunstância de seu meio.

Assim, se as condições físicas, neurológicas, cognitivas ouafetivas podem dificultar a aprendizagem, não podemos esquecer queelas também podem ser provocadas ou acentuadas pelo ambiente dacriança. E o meio não compreende apenas a família, mas também aescola, a comunidade, os costumes, as características culturais quelhe propiciam, ou não, pensar e agir por si mesma, experimentar,arriscar-se a errar, corrigir, voltar a errar, sem medos e sem culpas.

Entre os fatores próprios do sujeito, mas que sofrem grandeinfluência do meio em que se encontra, colocaríamos o atraso geralno desenvolvimento cognitivo, isto é, um atraso na construção desua estrutura de conjunto, o que provocaria atraso na construçãode todas as estruturas. A falta das estruturas necessárias àcompreensão e ao estabelecimento de relações dificulta aaprendizagem em sentido amplo.

Outro fator de dificuldades, ligado ao processo dedesenvolvimento cognitivo, pode ser encontrado em crianças com

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bom nível geral de desenvolvimento, mas com defasagem naconstrução de uma determinada estrutura, de uma operaçãoespecífica, ou na construção do real. Ora, o atraso na construção deuma estrutura ou de uma operação, enquanto as outras se desenvolvemnormalmente, pode dificultar a aprendizagem nas áreas deconhecimento mais relacionadas a ela; enquanto o atraso naconstrução do real, dificultando o estabelecimento de relações espaço-temporais e causais, nos casos mais graves prejudica a aquisição dafala, em outros, a organização do discurso, a localização no espaço eno tempo, o estabelecimento de relações de causa e efeito.

O processo de construção do real inicia-se precocemente,prolongando-se em fases distintas que passam pela organização doreal, sua representação e, finalmente, pela estruturação dessasrepresentações. Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984), quanto maiscedo se instala a falha, maiores serão os comprometimentos para aaprendizagem.

Para organizar o real é necessário que as crianças apliquemseus esquemas de ação aos objetos do ambiente físico. Assim, se foremimpedidas de agir, não chegarão a construir todos os seus esquemasmotores, prejudicando o estabelecimento de relações espaço-temporaise causais. Desconhecendo as regularidades da natureza e sempossuírem noção de tempo, espaço e causalidade, não conhecem oslimites de suas ações. Em conseqüência, constroem uma representaçãocaótica do mundo, o que retarda a aquisição da linguagem. A falha nacompreensão e produção da língua materna, por sua vez, impede acomunicação, agravando o problema.

Para superar este ciclo crescente de dificuldades e para a criançaconstruir e coordenar seus esquemas motores, algumas condições setornam necessárias, como a organização do ambiente, a diversidadede materiais disponíveis e a criação de situações interessantes paraprovocar a sua ação efetiva. É preciso provocar a interação da criançacom o meio, propiciando a compreensão dos limites de suas própriasações, diferenciando as propriedades dos objetos e percebendo as

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regularidades da natureza. Deste modo, ela poderia organizar aexperiência em termos de espaço, tempo e causalidade, preenchendouma importante condição para aprender a falar.

Algumas crianças organizam o real, tornando-se capazes defalar, representar e estabelecer relações. Mas, sendo muito estimuladaspara o conhecimento figurativo1, constroem uma representação domundo sem apoio em suas próprias ações, confundindo significado esignificante, realidade e fantasia.

Para superar este problema, seria importante criar situaçõesem que possam observar e agir sobre a natureza para entender asrelações repetitivas que nela ocorrem; agir sobre os objetos,experimentar, observar o resultado de suas ações, relatar o que fizerame o que aconteceu. Assim, poderiam organizar a experiência vivida,representá-la adequadamente e perceber as relações entre suas açõese o que acontece no mundo físico. Após a conquista do real, quandodistinguirem significado e significante, poderão dedicar-se ao jogosimbólico e à fantasia, sem confundi-los com a realidade.

Ainda, outras crianças, tendo organizado e representado o real,não estruturaram suas representações em relação ao espaço, ao tempoe a causalidade, utilizando apenas imagens para representar a situaçãoatual. Sem poder evocar o passado, seu discurso fica restrito aopresente, não tomando consciência de suas realizações. Por nãoorganizarem adequadamente suas representações, não chegam aconstruir a identidade e, assim, não estabelecem classes e séries quepropiciariam a construção dos conceitos. Por falta de conceitos, nãoestruturam o discurso e apenas emitem raciocínios transdutivos, istoé, vão do particular para o particular, sem possibilidade de generalizar,confundindo o indivíduo com a classe e vice-versa.

Para Dolle (1996), as crianças que não organizamadequadamente suas representações centram-se nos estados em

1 Os aspectos figurativos se baseiam nas constatações perceptivas, isto é, na simples leiturada experiência, percepção e a imagem mental; enquanto os aspectos operativos, serelacionam às transformações produzidas pelas ações físicas e mentais (DOLLE; BELLANO,1989, 1996, p. 74)

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detrimento das transformações, presas às particularidades e àsingularidade de cada configuração. Por não haverem construídoconvenientemente a representação, sem retroagir e antecipar, nãodominam o passado nem o futuro.

A superação destas dificuldades, segundo o pesquisador, exigeque seja solicitada a evocação de suas ações passadas para trazê-lasao presente, onde possam ser estruturadas pelo estabelecimento derelações. A reconstituição possibilita a tomada de consciência daquiloque foi realizado, condição para operar, adquirir um conceito eexpressar-se verbalmente.

Para a criança passar do nível da ação ao da compreensão,ainda é necessário que estruture o real no nível das representações,propiciando-se a organização de objetos para chegar às operações declassificação e seriação e à busca de explicações para o mundo físico,sendo necessário voltar ao real e dar-lhe significado. Neste processo,a criança supera a comunicação atual e concreta e chega à outra formade comunicação, que implica a distinção entre significante esignificado, passando do mundo real ao possível.

Durante o período operatório, encontramos outras causas para oestabelecimento de dificuldades para aprender, dentre as quais podemosdestacar a predominância da figuratividade. Para Dolle e Bellano (1989),tanto os aspectos figurativos como os operativos estão sempre presentesem todos os níveis do desenvolvimento, mas as suas predominânciasse alternam durante o processo. Assim, se no início do período operatórioa figuratividade predomina sobre a operatividade, aos poucos aoperatividade supera a figuratividade até tornar-se dominante.

Entretanto, esta inversão de predominâncias pode não ocorrere o processo de construção das estruturas pode ter continuidade soba dominância da modalidade funcional figurativa do pensamento, emdetrimento da modalidade operativa e, consequentemente, de suaspossibilidades de aprender. É possível reconhecer estas crianças porsua centração nos estados sem levarem em conta as transformações.Ficam presas às particularidades e à singularidade de cada configuraçãosem possibilidade de retroagir e antecipar, não dominando o passadonem o futuro e não construindo a reversibilidade do pensamento.

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Na mesma obra, Dolle e Bellano propõem uma adaptação dométodo clínico-crítico de Piaget às especificidades da elaboraçãode um diagnóstico, denominando-o “exame operatório”. Este examepermitiria buscar, no sujeito psicológico concretizado no paciente,tanto o nível de construção das estruturas operatórias e deelaboração de espaço, tempo, acaso e causalidade, como o própriofuncionamento dos processos de pensamento, como veremos aseguir em suas próprias palavras:

Se agora nos preocupamos em proceder ao diagnóstico dosujeito concreto, em relação àquilo que sabemos do sujeitoepistêmico, procedemos metodologicamente da mesma formaque em situação experimental. Mas as observações querecolhemos sobre as modalidades estruturais e funcionais dacriança, servem tanto para compreendê-la e para revelar setoresde sua atividade onde se manifestam alguns retardos, ausênciasestruturais ou déficits, etc., [...] quanto para recolher indicaçõesindispensáveis para proceder às terapias posteriores [...] (DOLLE;BELLANO, 1989, p. 115-116).

Para superar as dificuldades, Dolle e Bellano propuseramdiversos exercícios terapêuticos, cujo objetivo seria ajudar as criançasancoradas na figuratividade a buscarem a superação de suasdificuldades, pelo confronto com as insuficiências dos procedimentosque utilizam. Os primeiros exercícios terapêuticos seriam escolhidosem função das lacunas encontradas no funcionamento das estruturascognitivas da criança. Os seguintes, em função dos progressos, daestagnação ou das incertezas, observados ao longo da própria terapia.

Os autores propõem a criação de situações-problema quepropiciem o conhecimento físico dos objetos, mostrando a importânciade colocar questões que orientem indiretamente a atenção da criançapara aspectos mais delimitados dessa situação. Assim, as questõespodem levá-la a tomar consciência do próprio desafio, de suadificuldade para resolvê-lo, do que lhe falta, das características doobjeto que impedem a sua ação e do que pode fazer.

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Explicam que essas questões e a possibilidade de experimentarpermitem a descentração do pensamento, o estabelecimento doconflito cognitivo, a tomada de consciência da pertinência ou daincoerência das suas próprias idéias, provocando a busca de novasmaneiras de resolver a situação-problema.

Penetrando mais na análise das circunstâncias escolares, emborasem desconsiderar o sujeito, Vinh-Bang (1990) analisou asinsuficiências, indicadas pelos erros nas produções de muitas crianças.Propondo a utilização de um processo de intervenção psicopedagógicaadaptado às dificuldades e às suas possíveis causas, enfatizou anecessidade de analisar cuidadosamente os erros para conhecê-losmelhor, determinando as circunstâncias que possam tê-los produzido.Desta forma, seria possível não apenas compreender o insucesso comopropiciar a sua superação.

Para tanto, propôs um quadro de dupla entrada, a partir dasdiferentes possibilidades das insuficiências observadas em classe(individuais ou coletivas, relacionadas a um conteúdo específico oua vários conteúdos) e, cruzando-as, levantou as suas possíveis causas,como veremos a seguir:

Considerou que as insuficiências individuais nas produçõesescolares relacionadas a um conteúdo específico (A.A) poderiam serprovocadas tanto por lacunas2 nos conhecimentos anteriores, comopor dificuldades do professor no que diz respeito à disciplina emquestão; enquanto as dificuldades individuais relacionadas a váriosconteúdos (A.B) poderiam ser resultantes da acumulação de erros

2 Segundo Vinh-Bang (1990), lacuna “não deve ser interpretada como uma falha, umdefeito, um elo ausente: é ao contrário presença perturbadora, trata-se de uma falsaaquisição” (p. 133).

A. ESPECÍFICOS

A.AB.A

A. IndividualB. Coletivo

B. CONJUNTO DEVÁRIOS CONTEÚDOS

A.BB.B

CONTEÚDO

POPULAÇÃO

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que provocam lacunas na aquisição desses conhecimentos, ou de atrasono desenvolvimento cognitivo.

Quanto às insuficiências coletivas relacionadas a umconhecimento específico (B.A) poderiam estar relacionadas tanto aolugar em que o conteúdo é tratado no programa, como à didática dodocente, sendo necessário analisar a ordem das noções no programadesenvolvido. Explicando melhor, é preciso verificar se forampropiciadas as construções anteriores necessárias, além de consideraro objetivo das atividades propostas e a própria formulação do problema.

Finalmente, as insuficiências coletivas relacionadas a váriosconteúdos provavelmente seriam resultantes de uma conjunção defalhas relacionadas ao sistema escolar, ao método de ensino, aoprograma de estudos e à formação do professor. Entre estes casos, épreciso considerar a inadaptação escolar em geral, cujas causas, aserem pesquisadas, estariam tanto no aluno que se adapta mal àsexigências escolares, como na escola e no ensino que não se adaptamao estudante.

Vinh Bang (1990) propõe o preenchimento das lacunas nosconhecimentos anteriores ou a recuperação do atraso nodesenvolvimento cognitivo do aluno, quando as insuficiências foremindividuais. No caso de erro coletivo, de uma classe, por exemplo, serianecessário apreender o sentido e o alcance dos insucessos para oprofessor poder reajustar sua prática pedagógica e adaptar o conteúdoaos seus alunos. A intervenção deveria propiciar o desenvolvimentodos instrumentos de pensamento, para superar um atraso geral nodesenvolvimento do sujeito, ou um atraso restrito a um aspecto doconhecimento. Propõe, ainda, a construção dos conhecimentoslacunares3 que dificultam ou impedem outras aquisições.

Assim, a intervenção psicopedagógica na instituição e aorientação ao professor teriam como objetivo propiciar a reflexão, atomada de consciência das circunstâncias que dificultam a

3 Conhecimentos lacunares são aqueles “cuja estruturação é incompleta e parcial, e que nãopodem, por isso, servir para a construção de aquisições de nível superior”.

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aprendizagem, a transformação do ambiente escolar e da práticapedagógica, além da adaptação dos conteúdos às necessidades epossibilidades dos alunos.

Uma forma interessante de atendimento às necessidades doaluno e do professor é desenvolvida pelo Laboratório dePsicopedagogia (LAPp), do Instituto de Psicologia da Universidadede São Paulo (USP), que atende tanto aos alunos do ensinofundamental, como aos professores e psicopedagogos, desenvolvendoatividades e utilizando jogos de regras como material de trabalho einstrumento desencadeador de tematizações e análises em duas áreas:psicopedagogia e aprendizagem escolar.4

Nesse trabalho, o jogo e as intervenções adequadas convidama criança e o adolescente a refletir sobre o material, suas própriasestratégias, as possibilidades abertas por elas, os erros e suasconseqüências. No que diz respeito ao professor e ao psicopedagogo,propiciam a reflexão, a análise, a reavaliação da postura profissional,abrindo-lhe a possibilidade de utilizar jogos como instrumento detrabalho.

Para Petty (1995, p. 124) o jogo de regras assume seu lugar napedagogia e na psicopedagogia, com a vantagem de atuar “no âmbitodas atitudes (organização, atenção, auto-estima, disciplina, etc.,) edo desenvolvimento do raciocínio (interpretação de informações,busca de soluções, levantamento de hipóteses, análise e superaçãode erros etc.)”.

Macedo (1996, p. 180), referindo-se ao trabalho desenvolvidono LaPp, descreve as mudanças de atitude decorrentes dodesenvolvimento do trabalho com jogos. Inicialmente, as criançasapresentam condutas inadequadas em relação à atividade proposta“[...] um comportamento duvidoso, errático, desesperançado, semprojeto, o qual indica um presente que apenas conhece a atenção

4 Para elaboração desta síntese, utilizamos os dados fornecidos por Petty, em sua dissertaçãode mestrado (1995), que relata o trabalho desenvolvido no LaPp, sob orientação ecoordenação do Prof. Dr. Lino de Macedo.

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fugidia e o gozo imediato, sem muito trabalho ou empenho”. Quandojogam, tomam decisões precipitadas, sem articular as jogadas, semobedecer as regras, sem considerar as possibilidades do adversário.Aos poucos, vão apresentando maior concentração, diminuem asconversas sobre assuntos alheios ao jogo, as brigas, as saídas dasala etc., conseguindo maior concentração, possibilidade deantecipar situações e planejar estratégias.

Atribuindo aos jogos o papel de desencadear os mecanismosde regulações compensatórias, que propiciam a construção de novasestruturas e novos procedimentos, Brenelli (1993) desenvolveu umapesquisa para verificar a influência de atividades realizadas com osjogos Quilles e Cilada, sobre o desenvolvimento operatório e sobre acompreensão de noções aritméticas por crianças, de 8 a 10 anos, comdificuldades de aprendizagem.

Segundo a autora, as modificações das ações nos jogos de regrasdependem da compreensão. Assim, o papel da intervenção seriapropiciar a passagem do fazer para o compreender, possibilitandolidar operatoriamente com as transformações, retroações eantecipações, auxiliando a criança a superar suas limitações nosaspectos figurativos do julgamento. Introduzindo perturbações quedesencadeavam o processo de equilibração e a abstração reflexiva, otrabalho por ela realizado propiciou a tomada de consciência dasestratégias utilizadas pelos sujeitos, tanto no decorrer das partidas,como nas atividades lúdicas desenvolvidas a partir dos mesmos jogos.

Analisando os processos de ref lexão, generalização,contradição e tomada de consciência, subjacentes ao ato de aprender,bem como a construção das relações de possibilidade e necessidade,Brenelli (1993) demonstrou que a causa dos progressos não foi ojogo, mas a ação de jogar em interação com a própria pesquisadora.Além do jogo, foram propiciadas outras atividades relacionadas aocontexto lúdico do mesmo, solicitando a descrição, a antecipação, aexplicação e a representação das estratégias e do resultado dedeterminadas jogadas.

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Nesta mesma direção, Macedo, Petty e Passos (2000, p. 21)além de analisar as situações-problema colocadas pela própria situaçãode jogar, sugerem a proposta de outras situações-problemarelacionadas, explicando:

As situações-problema permeiam todo o trabalho na medidaem que o sujeito é constantemente desafiado a observar e analisaraspectos considerados importantes pelo profissional. Existemmuitas maneiras de elaborá-las; podem ser uma intervenção oral,questionamentos ou pedidos de justificativas de uma jogada queestá acontecendo; uma remontagem de um momento do jogo;ou ainda, uma situação gráfica.

Os autores ainda propõem a diferenciação das possibilidadesde análise com a apresentação de novos obstáculos e questionamentose explicam que as situações-problema são criadas a partir das situaçõessignificativas vividas durante a atividade de jogar. Trata-se de retomarsituações de impasse ou que tenham exigido a tomada de decisões,favorecendo assim a análise dos procedimentos do sujeito e olevantamento de outras possibilidades.

Zaia (1996) trabalhou com oito crianças de 11 a 13 anos quefreqüentavam o Prodecad5 pela manhã e classes de 2ª a 4ª séries naescola regular, no outro período. Em seu cotidiano escolar e fora dele,estas crianças apresentavam procedimentos próprios dos níveis pré-operatórios ou do início da transição para o período operatórioconcreto e, a maioria, não havia estruturado convenientemente suasrepresentações em termos de espaço, tempo e causalidade,prejudicando a organização do discurso e a aprendizagem escolar.Tais crianças haviam também desenvolvido sentimentos negativosem relação à escola que não atendia suas necessidades, colocando

5 O Programa de Integração e Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (PRODECAD), daPró-Reitoria de Extensão da UNICAMP, atende aos filhos de funcionários da Instituição,especialmente os de baixa renda, com dois programas distintos: Pré-Escola e Apoio àEscolaridade. O Serviço de Apoio à Escolaridade, destinado aos alunos de 1ª a 4ª séries doEnsino Fundamental, oferece, em salas de aula, uma diversidade de atividades, além deTeatro, Educação Artística, Educação Física em outros locais. As crianças são distribuídaspor idade e gozam de relativa liberdade dentro do programa.

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exigências muito acima de suas possibilidades e sem lhes proporcionaras condições necessárias para satisfazê-las.

Essa situação era agravada por serem alvo constante decaçoadas e discriminação. Um forte sentimento de fracasso einadequação às exigências institucionais parecia influenciarnegativamente o conceito que possuíam de si mesmos e de suaspróprias possibilidades.

Para superar esta situação, foi preciso trabalhar a qualidadedas interações estabelecidas entre os parceiros e com o adulto,incentivando-se o respeito mútuo para que as crianças se sentissemseguras e pudessem expor suas idéias, realizar ações, fazer tentativas,errar – importantes condições para aprender.

Para propiciar o desenvolvimento cognitivo, a estruturação doreal e resgatar as possibilidades de aprender, desenvolveu-se umprocesso de intervenção em grupo, adaptando-se o Processo deSolicitação do Meio6 às possibilidades, necessidades e interesses dascrianças de onze a treze anos, bem como às dificuldades que podíamosobservar durante as sessões de intervenção.

Dentre as características que diferenciam este processo deintervenção psicopedagógica, podemos apontar a predominância dotrabalho em pequenos grupos, com atividades diversificadas;mantendo a possibilidade de a criança freqüentar ou não as sessões,escolher entre o trabalho individual e o trabalho em grupo e realizarescolhas entre as atividades e os jogos disponíveis em cada sessão.

Inicialmente predominavam as atividades, mas no decorrer dassessões o jogo foi ganhando terreno, começaram a ser mais escolhidose as próprias crianças transformavam em jogo algumas situaçõesapresentadas inicialmente como atividades. Entretanto, também

6 O Processo de Solicitação do Meio, desenvolvido por Assis (1976) para favorecer a construçãodas estruturas operatórias concretas em alunos pré-escolares, “foi orientado no sentido dedespertar a curiosidade e a atividade espontânea da criança, a partir da qual a inteligência sedesenvolve”. Colocando à disposição das crianças uma grande variedade de materiais, esteprocesso, introduzindo questionamentos, problemas e desafios, cria “oportunidades para acriança explorar e manipular objetos ou idéias [...] observar e, depois, tentar explicar o queestava fazendo” (ASSIS, 1977, p. 26).

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ocorreu a transformação inversa como, por exemplo, o jogo “torre depapel” assumiu as características desafiadoras de uma atividade deconhecimento físico, quando crianças deixaram de competir e sepreocupar com os pontos ganhos para coordenar suas ações e cooperar,procurando manter a torre equilibrada.

Ao longo do processo de intervenção, foi possível acompanharo desenvolvimento cognitivo e social das crianças e as transformaçõesna relação estabelecida com a instituição, com as professoras e oscolegas no Prodecad. Conforme relato das professoras, estas criançascomeçaram a estabelecer relações menos agressivas com as outras, aser respeitadas pelos colegas, integrando-se um pouco melhor aogrupo-classe. No final do ano letivo, além de serem promovidas naescola regular, as crianças ou se tornaram operatórias ou atingiramníveis mais avançados no processo de transição.

A partir desta pesquisa, foi possível aprimorar o processo desolicitação em intervenções clínicas posteriores, com outras criançase adolescentes que apresentavam dificuldades para aprender. Ocontato com escolas e professores das crianças atendidas possibilitoua compreensão de algumas das circunstâncias escolares quedificultavam a superação de suas dificuldades. Na medida em quenovas escolas solicitavam assessoria, ampliamos nossas constatações,além de transformá-las em orientações sobre como atender àsnecessidades cognitivas das crianças e sobre as formas de prevenirou superar as dificuldades para aprender.

Dentre as circunstâncias escolares que provocam a instalaçãodas dificuldades ou impedem sua superação, podemos lembrar a formade tratamento dada pela escola a todos os conhecimentos, atransmissão social desvinculada da experiência da criança; a ênfasenos exercícios repetitivos para a fixação de procedimentos, trocandoa compreensão e a construção de operações pela formação de hábitos,evitando o erro e, ainda, para evitar as conversas paralelas e osconflitos, o fato das carteiras serem mantidas enfileiradas impedindoa interação social entre as crianças, a troca de idéias, a argumentação.

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Saravali (2005, p. 140-141) relata suas observações nestemesmo sentido, afirmando que as dificuldades da criança podem estarrelacionadas “a uma série de fatores combinados, inclusive referentesao trabalho docente, que acabam por ampliar e agravar o quadro” edescreve as conseqüências decorrentes do sentimento de incapacidade:

As inúmeras experiências de fracasso podem levar o aluno aformar uma imagem negativa de si mesmo, a ter medo do desafio,a se desinteressar pelas atividades escolares, entre outros aspectosindesejáveis. Diante deste quadro, suas relações com os colegaspodem vir a ser prejudicadas, acentuando-se ainda mais oproblema (SARAVALI, 2005, p.141).

Tendo aplicado o teste sociométrico em uma classe de quartasérie da rede pública de uma cidade do interior de São Paulo, Saravalipode observar que as crianças com dificuldades para aprender eram,em geral, rejeitadas pelo grupo, o que mantinha ou aumentava asdificuldades, formando-se o ciclo vicioso descrito a seguir

Assim, as crianças têm dificuldades, o professor lança sobreelas um olhar diferente, tal olhar influencia os colegas queacabam por excluí-las, tal exclusão impede trocas e melhoresrelações sociais, que por sua vez acabam agravando odesempenho acadêmico reforçando o olhar do professor, oprofessor continua tendo um olhar negativo sobre a criança,este olhar continua influenciando a turma e assim por diante[...] (SARAVALI, 2005, p. 141).

Considerando que a influência do olhar do professor não serestringe apenas a sala de aula, mas pode prejudicar todas as relaçõessociais da criança e, em decorrência, a própria formação de suapersonalidade, torna-se urgente modificar o quadro. Nesse sentido, éimportante que os profissionais da educação sejam preparados paraaceitar as diferenças e para criar as condições para todos seremigualmente aceitos por seus pares.

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Concordamos com Saravali (2005) sobre a necessidade dessapreparação ter início nos anos de formação do professor, ou, paraaqueles que não tiveram essa sorte, nos cursos e encontros de formaçãocontinuada ou nas especializações. Entretanto, para criar e manterum ambiente de aceitação, respeito mútuo e cooperação, em que sejamvalorizados os sentimentos de cada um, é necessário mais que o acessoao conhecimento pedagógico, psicológico e psicopedagógico. Maisdo que modificar a própria fundamentação teórica, trata-se detransformar atitudes e valores muito arraigados na vida da escola ede cada um; assim, é importante serem acompanhados de perto,receberem orientações, apoio e feed back constante sobre sua formade atuar. Daí considerarmos premente a necessidade de se implantara assessoria psicopedagógica ou, melhor, das escolas poderem contarcom as contribuições da psicopedagogia e, especialmente, com asupervisão de um bom psicopedagogo institucional.

Referências bibliográficas

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Lia Leme Zaia36

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Caracterização do desempenho fonológico, daleitura e da escrita em escolares com dislexia e

distúrbio de aprendizagem

Simone Aparecida Capellini 1 Percília Toyota 2

Lara Cristina Antunes dos Santos 3

Maria Dalva Lourencetti 4

Niura Aparecida de Moura Ribeiro Padula 5

Resumo: Este estudo teve por objetivo caracterizar e comparar o desempenhofonológico, da leitura e da escrita em escolares com dislexia, distúrbio deaprendizagem e escolares que lêem conforme o esperado para idade eescolaridade. O diagnóstico da dislexia e distúrbio de aprendizagem foi realizado

1 Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP). Docente do Departamento de Fonoaudiologia da FFC/Unesp – Marília-SP. E-mail: [email protected] Bolsista de Treinamento Técnico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo (Fapesp). Departamento de Fonoaudiologia da FFC/UNESP – Marília-SP. E-mail:[email protected] Mestranda em Patologia – FM/UNESP – Botucatu – SP. Responsável pelo Ambulatório deDesvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas da FM/UNESP – Botucatu – SP. E-mail:[email protected] Neuropsicóloga do Ambulatório de Desvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas daFM/UNESP – Botucatu – SP. E-mail: [email protected] Doutora em Ciências Médicas – FCM/UNICAMP – Campinas – SP. Docente do Departamentode Neurologia e Psiquiatria da FM/UNESP – Botucatu – SP. E-mail: [email protected] realizada com auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq).APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 37-70 2007

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Simone Aparecida Capellini et al.38

por equipe interdisciplinar do Ambulatório de Desvios da Aprendizagem daUniversidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Botucatu - SP em escolarescom queixas de dificuldades de aprendizagem encaminhados pelos professores.Os resultados revelaram a necessidade de continuidade de estudo nesta temáticapara podermos compreender seu impacto na problemática da aprendizagemescolar desta população no contexto de sala de aula.

Palavras-chave: Dislexia. Distúrbio de aprendizagem. Aprendizagem.

Characterization of phonological, reading and writing performancein students with dyslexia and learning disabilities

Abstract: This study aimed to characterize and compare the phonological,reading and writing performance in students with dyslexia, learning disabilities,and good readers. The dyslexia and learning disability diagnoses were realizedby the interdisciplinary team of the Ambulatory of Learning Difficulties ofUnesp of Botucatu - SP in students with learning difficulties sent by teachers.The results revealed the necessity of other studies in this subject to allow theunderstanding of the impact of this problematic situation in school learning ofthis population in classroom context.

Key-words: Dyslexia. Learning disabilities. Learning.

Introdução

Em nossa realidade educacional, há grande número de criançasque apresentam dificuldades de aprendizagem e que não conseguemacompanhar as atividades de leitura e escrita em contexto escolar.

No âmbito das dificuldades de aprendizagem é comum aocorrência de confusão terminológica devido ao grande número denomenclaturas que as designam. Em relação a isto, Capellini e Ciasca(2000) e Capellini e Salgado (2003) afirmaram que a falta de consensoentre as terminologias e definições diagnósticas dos problemasescolares está relacionada à dificuldade de se diferenciar os indivíduosque apresentam dificuldades escolares de origem cognitiva, sócio-econômica-cultural e afetiva daqueles que apresentam alterações nashabilidades cognitivo-lingüísticas de origem genético-neurológica,como a dislexia do desenvolvimento e o distúrbio de aprendizagem.

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39Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

A World Federation of Neurology em 1968 definiu dislexia comosendo

[...] transtorno de aprendizagem da leitura que ocorre apesar deinteligência normal, de ausência de problemas sensoriais ouneurológicos, de instrução escolar adequada, de oportunidadessócio-culturais suficientes, além disso, depende da existência deperturbação de aptidões cognitivas fundamentais, freqüentementede origem constitucional (CRITCHLEY, 1975).

O distúrbio de aprendizagem é uma expressão genérica que serefere a um grupo heterogêneo de alterações manifestadas pordificuldades significativas na aquisição e no uso da audição, fala,leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Essas alteraçõessão intrínsecas ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunçãodo SNC. Apesar de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrerconcomitantemente com outras situações desfavoráveis (alteraçãosensorial, retardo mental, distúrbio emocional, distúrbio emocionalou social) ou influências ambientais (diferenças culturais, instruçãoinsuficiente ou inadequada, fatores psicogênicos), não é resultadodireto destas condições ou influências (HAMMILL et al., 1987).

A definição descrita acima aborda o distúrbio de aprendizagemde forma ampla, tornando necessária uma reflexão sobre o fato denão ser possível inserirmos todas as crianças com distúrbio deaprendizagem num mesmo grupo. Para melhor distinção entre osdistúrbios de aprendizagem, devemos tomar como base asmanifestações mais evidentes que produzem impacto no desempenhoda criança. Assim, crianças que apresentam deficiência mental,sensorial (visual, auditiva) ou motora revelam distúrbio deaprendizagem como um quadro resultante de retardo mental, afecçõesneurológicas e sensoriais. Entretanto, existe, ainda, um grupo decrianças que apresentam como manifestação os problemas escolaresdecorrentes de alterações de linguagem e cuja inteligência, audição,visão e capacidade motora estão adequadas, sendo, então, o quadro

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Simone Aparecida Capellini et al.40

de distúrbio de aprendizagem decorrente de disfunçõesneuropsicológicas que acometem o processamento da informação,resultando em problemas de percepção, processamento, recepção,organização e execução da linguagem oral e escrita (CAPELLINI, 2004).

Desta forma, a dislexia é um termo que se refere à defasagementre o desempenho esperado de uma criança nas habilidades de leiturae escrita e o desempenho efetivamente observado, ou seja, o processode desenvolvimento e aprendizagem da criança aparece comprometidosomente em fase escolar, enquanto que o distúrbio de aprendizagemé caracterizado quando o processo de desenvolvimento eaprendizagem da criança está comprometido desde os primeiros anosde vida (CAPELLINI; CIASCA, 2000).

Existe um consenso entre os pesquisadores de que a habilidadefonológica seja importante para a aquisição da leitura, sendo que amaioria dos indivíduos com atraso em leitura ou dislexia apresentamalterações nessa habilidade. A hipótese do déficit fonológico tem sidosustentada por inúmeros trabalhos que têm identificado atrasos quantoà sensibilidade à rima, aliteração e segmentação fonêmica durante odesenvolvimento da leitura (WOLF et al., 2002; BOWERS, NEWBY-CLARK,2002; VUCKOVIC, WILSON, NASH, 2004; SAVAGE et al., 2005; SWANSON,HOWARD, SAEZ, 2006). No Brasil, os estudos com dislexia e distúrbio deaprendizagem têm apontado atrasos quanto à rima, aliteração,manipulação e segmentação fonêmica (CAPELLINI; CIASCA, 2000; CAPELLINI,2001; BARROS; CAPELLINI, 2003; CAPELLINI; PADULA; CIASCA, 2004).

Capellini (2004) descreveu as manifestações do distúrbio deaprendizagem e da dislexia, com o objetivo de diferenciar os doisquadros diagnósticos. Desta forma, foi relatado que, no distúrbio deaprendizagem, o indivíduo apresenta inteligência normal ou alterada,distúrbio fonológico, falha nas habilidades sintáticas, semânticas epragmáticas, histórico/quadro de distúrbio de linguagem anterior,habilidade narrativa comprometida para contagem e recontagem deestórias, déficits nas funções receptivas, expressiva e de processamentoe alteração no processamento de informações auditivas e visuais. Por

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41Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

outro lado, na dislexia, o indivíduo apresenta inteligência normal,distúrbio fonológico, falha nas habilidades sintáticas, semânticas epragmáticas, dificuldade na linguagem em sua modalidade escrita noperíodo escolar, habilidade narrativa comprometida para recontagemde estórias, déficits na função expressiva e alteração noprocessamento de informações auditivas e visuais.

Com base no exposto acima este estudo tem por objetivocaracterizar e comparar o desempenho fonológico, da leitura e daescrita em escolares com dislexia, distúrbio de aprendizagem eescolares que lêem conforme o esperado para idade e escolaridade.

Material e método

Este estudo foi realizado após aprovação do Comitê de Éticaem Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da UniversidadeEstadual Paulista (FFC/Unesp) sob o protocolo número 0332/2004.

Participaram deste estudo 85 escolares de 2ª a 4ª série do ensinobásico do município de Marília-SP, distribuídos em 3 grupos, sendo:

- Grupo I (GI): composto por 45 escolares, sendo 74% dogênero feminino e 26% do gênero masculino, com média etária de 09anos de idade, sem queixa de dificuldades de aprendizagem.

- Grupo II (GII) – composto por 20 escolares, sendo 30% dogênero feminino e 70% do gênero masculino, com média etária de 09anos de idade, com diagnóstico de dislexia;

- Grupo III (GIII) – composto por 20 escolares, sendo 30%do gênero feminino e 70% do gênero masculino, com média etária de10 anos de idade, com diagnóstico de distúrbio de aprendizagem.

Os grupos de escolares com dislexia e distúrbio deaprendizagem foi composto por crianças com queixa de dificuldadesde aprendizagem previamente avaliadas no Centro de Estudos daEducação e da Saúde (CEES/Unesp-Marília - SP) para levantamentodos sinais dos transtornos de aprendizagem e encaminhadas aoAmbulatório de Desvios da Aprendizagem no Hospital das Clínicas

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Simone Aparecida Capellini et al.42

da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista – HC/FM/Unesp – Botucatu – SP. Após a realização das avaliaçõesneurológica, neuropsicológica, pedagógica e fonoaudiológica osdiagnósticos de dislexia e distúrbio de aprendizagem foramconfirmados.

Os escolares do grupo controle deste estudo foram indicadospelos professores de escola pública municipal. Os professoresselecionaram os escolares que apresentaram conceito suficiente empelo menos 2 bimestres consecutivos. Esses escolares nãoapresentaram histórico de queixa auditiva ou visual.

Os escolares, após assinatura do Termo de Consentimento pelospais ou responsáveis autorizando a realização da pesquisa, foramsubmetidos à aplicação dos seguintes procedimentos de avaliação:

a) Aplicação Lista de Verificação de Sintomas paraDeficiência no Processamento da Linguagem (SMITH; STRICK,2001): Este procedimento tem como objetivo realizar levantamentode informações sobre a compreensão da fala e da linguagem, leitura,escrita, matemática e problemas relacionados à linguagem que ocorremem situação de sala de aula.

b) Prova de Nível de Leitura: Realizada conforme protocoloelaborado por Capellini (2001). O protocolo é composto por 19 itensreferentes à decodificação de grafemas e palavras; erros ortográficos(substituição, omissão, transposição de grafemas, erros de pontuaçãoe acentuação), tipo de leitura, velocidade de leitura, tempo e nível deleitura e fluência.

c) Redação Temática: Realizada para coleta de amostra deescrita, a partir do tema “O passeio no Parque”. A análise da redaçãotemática foi baseada nos critérios de análise de produção da escritapropostos por Abaurre (1987), que inclui a análise e interpretaçãodos aspectos formais e convencionais da escrita e os aspectosreferentes à elaboração do texto.

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d) Avaliação Fonológica da Criança (ACF): O instrumentotem por objetivo elicitar a amostra representativa da fala da criançapor meio da nomeação espontânea (YAVAS, HERNANDORENA, LAMPRECHT,1992). É composto por 5 desenhos temáticos (veículos, sala, banheiro,cozinha e zoológico) para estimulação de 125 itens que formam alista de palavras.

e) Prova de Leitura e Escrita: O procedimento consistiu naleitura oral e escrita sob ditado de 2 sublistas de 48 palavras reais(PR) e 48 palavras inventadas (PIN), totalizando 96 palavras em cadacategoria (PINHEIRO, 1994). As listas foram as mesmas para a tarefa deleitura oral e escrita sob ditado.

f) Prova de Consciência Fonológica: O procedimentoutilizado foi a Prova de Consciência Fonológica desenvolvida por(CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C., 1998). A prova de ConsciênciaFonológica (PCF) é composta de 10 subtestes, cada um delescomposto de 4 itens.

g) Avaliação da Velocidade de Leitura Oral e Silenciosa: oprocedimento utilizado para avaliação da velocidade de leitura oral esilenciosa foi baseado em Capellini e Cavalheiro (2000). A avaliaçãoconsistiu na medição do número de palavras lidas por minuto e tempototal de leitura.

h) Avaliação de desempenho escolar quanto à aritmética:Realizada a partir da aplicação do subteste de aritmética do Teste deDesempenho Escolar (TDE) – (STEIN, 1994) com o objetivo deverificar o desempenho aritmético dos escolares conforme o esperadopara idade e escolaridade.

Os resultados foram analisados estatisticamente por meio deanálise de variância – ANOVA (com valor de p < 0,001) para

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comparação das médias entre os GI, GII, GIII quanto aos resultadosreferentes à prova de leitura e escrita, prova de consciência fonológica,subteste de aritmética do teste de desempenho escolar. Os resultadosestatisticamente significantes estão assinalados por asterisco (*).

Resultados

Por meio da lista de verificação preenchida pelos professoresquanto aos aspectos referentes ao comportamento e à identificaçãodas dificuldades relacionadas ao desempenho acadêmico dos grupos,verificamos que os professores referiram que de 10% a 20% dosescolares do GI apresentavam alguma alteração quanto aodesempenho em leitura e escrita, enquanto que de 20% a 60% dosescolares do GII e de 10% a 90% dos escolares do GIII apresentavamproblemas referentes à compreensão da fala e linguagem, leitura,escrita e problemas relacionados à aprendizagem, evidenciando queos professores observaram maior porcentagem de alterações referentesao processamento da linguagem nos escolares do GIII se comparadosao GII e ao GI (Quadro 1).

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Page 48: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

Simone Aparecida Capellini et al.48

Quanto à comparação do desempenho dos grupos nasavaliações realizadas verificamos que na prova de nível de leitura,100% dos escolares do GI apresentaram nível de leitura ortográfico,enquanto que os 100% dos escolares do GII apresentaram nível deleitura alfabético e 100% dos escolares do GIII apresentaram nívelde leitura logográfico.

Conforme descrito no quadro 2, os escolares do GIapresentaram tanto na leitura oral como silenciosa menor média deleitura de palavras por minuto se comparado ao GII e GIII, isto porqueos escolares do GIII apresentaram maior média de palavras lidas porminuto se comparado aos escolares do GII e GI, o mesmo sendoevidenciado quanto ao tempo de leitura. Entretanto, ressaltamos quepara todos os grupos a média de palavras lidas por minuto foi menorpara leitura silenciosa do que para leitura oral.

Quanto aos aspectos formais e convencionais do textoverificamos que tanto os escolares do GI e do GII apresentaram usodiferenciado de letra de forma e cursiva e maiúscula e minúscula,traçado de letra cursiva, o uso de sinais de pontuação, a ocorrênciade hiposegmentação/hipersegmentação e o uso da ortografia correta.Quanto aos aspectos referentes à elaboração do texto, observamospresença de transposição da oralidade para a escrita nos escolares doGII, a manutenção do tema para os escolares do GI e GII.

Entretanto, como os escolares do GIII apresentaram umaescrita baseada no uso de léxico de “input” visual, ou seja, apenas

Quadro 2 – Distribuição das médias das palavras lidas por minuto e do tempode leitura dos escolares do GI, GII e GIII em relação à prova de velocidade deleitura oral e silenciosa.

Grupos

GIGIIGIII

Oral44,5871,06

114,10

Silenciosa40,2070,10

100,10

Oral10,820,1030,8

Silenciosa10,820,1030,10

Nº de palavras por minuto Tempo (minutos)

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49Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

escrita de palavras pertencentes ao seu vocabulário visual, foievidenciado apenas alguns aspectos formais e convencionais e deelaboração de texto, naqueles escolares que construíram um texto(Quadro 3).

Na avaliação do subteste de aritmética do Teste deDesempenho Escolar, verificamos diferença estatisticamentesignificante entre os grupos, com melhor desempenho entre osescolares do GI em relação ao GII e GIII e melhor desempenho doGII em relação ao GIII (Tabela 1).

Quadro 3 – Distribuição das porcentagens do desempenho de escolares do GI,GII e GIII quanto aos aspectos formais e convencionais e aspectos referentes àelaboração do texto.

* Presença de coesão da oralidade.

100%75%25%100%100%10%

-80%

-

100%-

90%100%100%100%

100%20%65%100%30%40%

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100%10%90%100%10%70%20%

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05%---

Critérios de Análise

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Aspe

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Uso diferenciado de letra de forma/letra cursivaTraçado da cursiva sem alteraçãoDisgrafia funcionalUso de maiúsculas e minúsculasUso de sinais de pontuaçãoHiposegmentação (junção de palavras)Hipersegmentação (separação de partes da palavra)Ortografia corretaTransposição direta de estruturas da linguagem oralpara a linguagem escritaTemaTipo de texto descritivoTipo de texto narrativoCoerênciaCoesão textual*Estilo

GI GII GIII

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Simone Aparecida Capellini et al.50

Tabela 1 – Distribuição das médias (X) dos escolares do GI, GII e GIIIreferente ao desempenho no subteste de aritmética do Teste de Desempenho

Escolar (TDE)

Quanto ao desempenho dos escolares na prova de leitura oral,verificamos que os escolares do GI apresentaram menor média deerros para a leitura de palavras reais regras de alta freqüência (PRRgAF) e a maior média de erros na leitura de palavras inventadasirregulares (PIIr).

Entre os escolares do GII e GIII, a menor média de errosocorreu para a leitura de palavras reais regulares de alta freqüência(PRRAF) e a maior média de erros para leitura de palavrasinventadas irregulares (PIIr).

Os resultados analisados estatisticamente (p < 0,001)evidenciaram diferença significante para o desempenho dos escolaresdo GI, GII e GIII na leitura oral de todas as categorias de palavras(Tabela 2).

GRUPOSGIGIIGIII

ARITMÉTICA13,73*9,95*4,20*

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51Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

Lege

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*

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5*

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BF

1,97

*

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0*

15,8

0*

PRIr

BF

1,64

*

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5*

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0*

PIR

2,40

*

20,9

0*

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0*

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2,66

*

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5*

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3,42

*

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0*

GI GII

GII

I

Page 52: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

Simone Aparecida Capellini et al.52

Na prova de escrita sob ditado verificamos que os escolares doGI, GII e GIII apresentaram menor média de erros para escrita depalavras reais regras de alta freqüência (PRRg AF) e a maior médiade erros para a escrita de palavras inventadas irregulares (PIIr).

Os resultados analisados estatisticamente (p < 0,001)evidenciaram diferença significante para o desempenho dos escolaresdo GI, GII e GIII na escrita sob ditado de todas as categorias depalavras (Tabela 3).

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53Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

Lege

nda:

PRR

AF:

Pala

vras

reais

regu

lares

de a

lta fr

eqüê

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Pala

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1,73

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PRR

BF

2,02

*

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1,77

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0*

15,8

0*

PRIr

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2,02

*

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PIR

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2,55

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0*

GI GII

GII

I

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Simone Aparecida Capellini et al.54

Foi realizada a comparação intra-grupo das médias referente aodesempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto à leitura oral eescrita sob ditado para a mesma categoria de palavras, ou seja, quantoa categoria de palavras reais e inventadas em relação à freqüência deocorrência alta e baixa. Com a realização de análise de variânciaverificamos que o GI apresentou diferença estatisticamentesignificante para leitura oral e escrita sob ditado de palavras regra dealta freqüência e palavras inventadas irregulares, enquanto que parao GI e o GII foi evidenciado diferença estatisticamente significantepara palavras reais regulares de alta freqüência (Tabela 4).

Tabela 4 – Distribuição das médias (X) e desvio padrão (DP) dodesempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto a leitura e escrita depalavras reais e inventadas de alta e baixa freqüência na Prova de Leitura

Oral e Escrita sob ditado.

Variáveis

EPRR AFX

L PRR AF

EPRRg AFX

LPRRg AF

EPRIr AFX

L PRIr AF

EPRR BFX

LPRR BF

EPRRg BFX

L PRRg BF

XDPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

GI

1,82*1,130,93*1,091,35*1,220,82*1,111,731,331,711,172,021,352,081,041,771,551,97

GII

11,20*2,16

10,60*2,7510,802,3310,802,3312,352,8112,452,8712,701,7512,701,7512,002,1012,30

GIII

15,051,5014,151,8714,252,2614,252,2615,051,6615,051,6615,550,9915,550,9915,800,6915,80

(continua)

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55Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

Tabela 4 – Distribuição das médias (X) e desvio padrão (DP) do desempenhodos escolares do GI, GII e GIII quanto a leitura e escrita de palavras reais e

inventadas de alta e baixa freqüência na Prova de Leitura Oral e Escrita sob ditado.

Legenda: EPRR AF: Escrita palavras reais regulares de alta freqüência; EPRg AF:Escrita palavras reais regra de alta freqüência; EPRIr AF: Escrita palavras reais irregularesde alta freqüência; EPRR BF: Escrita palavras reais regulares de baixa freqüência; EPRgBF: Escrita palavras reais regra de baixa freqüência; EPRIr BF: Escrita palavras reaisirregulares de baixa freqüência; EPIR: Escrita palavras inventadas regulares; EPIRg:Escrita palavras inventadas regra; EPIIr: Escrita Palavras inventadas irregulares. LPRRAF: Leitura palavras reais regulares de alta freqüência; LPRg AF: Leitura palavras reaisregra de alta freqüência; LPRIr AF: Leitura palavras reais irregulares de alta freqüência;LPRR BF: Leitura palavras reais regulares de baixa freqüência; LPRg BF : Leiturapalavras reais regra de baixa freqüência; LPRIr BF: Leitura palavras reais irregulares debaixa freqüência; LPIR : Leitura palavras inventadas regulares; LPIRg: Leitura palavrasinventadas regra; LPIIr: Leitura Palavras inventadas irregulares.

Quanto à avaliação fonológica não verificamos, na populaçãodeste estudo, alterações no processo de estruturação silábica, porémquanto aos processos de substituição, evidenciamos que 80% dosescolares do GII e 40% dos escolares do GIII apresentaramdessonorização de obstruintes para sons plosivos, fricativos ouafricados (Quadro 4).

(conclusão)

EPRIr BFX

LPRIr BF

EPIRX

LPIR

EPIRgX

LPIRg

EPIIrX

LPIIr

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DPX

DP

1,152,021,711,641,382,531,822,401,732,331,562,661,522,55*1,803,42*

2,01

2,2213,603,9613,653,9720,803,7620,903,6221,954,8822,154,6525,854,8425,85

4,84

0,6916,00

016,00

031,201,2831,201,2830,852,3030,852,3031,900,4431,90

0,44

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Simone Aparecida Capellini et al.56

Qua

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nho

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GIIn

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- - - - - - - - - - - - - - - - -

< 25

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> 25

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40% - - - - - -

< 25

%- - - - - - - - - - 60 - - - - - -

Processos deestrutura silábica

Processos desubstituição

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57Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

Na tabela 5 descrevemos o desempenho dos escolares do GI,GII e GIII na prova de consciência fonológica – PCF, e verificamosque os escolares do GI apresentaram menor média (1.20) no subtestede transposição fonêmica (TrF) e maior média (4.00 ) no subtestesde síntese silábica (SiS) e segmentação silábica (SeS). Entre osescolares do GII, observamos que os escolares apresentaram menormédia (0) no subteste de transposição fonêmica (TrF) e maior média(3,80) no subteste de síntese silábica (SiS). Nos escolares do GIIIverificamos que os escolares apresentaram menor média (0) nosubteste de transposição fonêmica (TrF), Segmentação fonêmica (SeF),Manipulação fonêmica (ManF) e maior média (2,60 ) no subtestes desegmentação silábica (SeS).

Com a realização da análise de variância (p < 0,001) paracomparação das médias entre os grupos verificamos que não ocorreudiferença estatisticamente significante apenas no subteste de síntesesilábica (SiS).

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Simone Aparecida Capellini et al.58

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I

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59Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

Discussão

A dislexia e o distúrbio de aprendizagem são condiçõesgenético-neurológicas que freqüentemente acometem mais o sexomasculino do que feminino, conforme descrito por Berger, Yule eRutter (1975), Selikowitz (2001), Fisher et al. (2002) e Kovel et al.(2004) e evidenciado neste estudo. Estes autores afirmaram que osmeninos têm probabilidade de serem afetados por qualquer formade dificuldade específica de leitura aproximadamente três vezes maisdo que as meninas.

Os problemas de aprendizagem relacionados às alterações delinguagem acometem crianças com dificuldade de leitura e escrita egeralmente apresentam como manifestações déficits fonológicos, queestão relacionados com a dificuldade em acessar e reter informaçõesfonológicas necessárias para o ato de ler e escrever, como descritopor Catts e Kamhi (1986) e Gerber (1996). Entretanto, devemosconsiderar que esses déficits na habilidade fonológica podem ser deorigem genética conforme proposto por estudos realizados porSamples e Lane (1985) Gallager, Frith, Snowling (2000), Nopola-Hemmi et al. (2002), Lyytinen, P., Eklund, Lyytinen, H. (2005) eCapellini et al. (2006).

A alta porcentagem da presença do déficit fonológico napopulação de escolares com dificuldade na aprendizagem da leiturae escrita, evidenciada nos achados deste estudo, em parte pode serexplicada pelo fato do transtorno fonológico presente na oralidadeinfluenciar de forma direta a aquisição da leitura em um sistema deescrita com base alfabética, conforme descrito por Snowling (1995),Navas e Santos (2002), Salgado e Capellini (2004) e Ávila eCapellini (2007).

As alterações de fala juntamente com as alterações dalinguagem, leitura, escrita, matemática e problemas comportamentaisforam descritas pelos professores dos escolares do GII e GIII. Esteachado corrobora com estudo realizado por Capellini, Tonelotto,

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Ciasca (2004) que referiram que entre as dificuldades apresentadas porcrianças em fase de escolarização, encontram-se os problemas dedecodificação de letras, leitura e compreensão da leitura, entre aquelesmais identificados pelos professores da sala de aula. As crianças comproblemas de aprendizagem apresentam dificuldade em leitura quesão detectadas primeiramente pelos professores em situação de salade aula e se manifestam quanto à capacidade das mesmas em perceberos mecanismos gerativos implícitos na leitura, o que dificulta a leiturae a escrita de novas palavras e a compreensão textual (CAPELLINI;SALGADO, 2003).

Neste estudo observamos que, de acordo com as respostasdos professores, a maioria dos escolares do GII e GIII apresentoutroca ou omissão de letras na leitura e escrita, além da disgrafia,corroborando a afirmação de Ellis (1995) e Capellini (2004) queatribuem estas alterações ao fracasso no domínio da habilidadealfabética das crianças com alterações de leitura, resultando emdisfunção básica do sistema fonológico, que acarreta sériasimplicações para escrita e para qualquer tipo de leitura que requeiradecodificação e análise e síntese de letras.

Outro sinal presente nos escolares com dislexia e com distúrbiode aprendizagem deste estudo e evidenciado pelos professores foi àdificuldade quanto ao aprendizado do cálculo aritmético.

A resolução de cálculo matemático está diretamente relacionadacom a emissão e o entendimento da linguagem. Assim, indivíduoscom problemas de linguagem podem apresentar dificuldade paraassociar noções básicas de números com as situações vivenciadas nodia-a-dia ou no contexto de um problema com enunciado.

Conforme descrito por Espin et al. (2001) e Geary (2004),indivíduos com dificuldade de leitura apresentam alterações noprocessamento da informação e, como esse processamento é baseadoem aspectos cognitivos e lingüísticos, a compreensão de problemascom enunciados e cálculos matemáticos, os quais necessitam decorrespondência léxico-mental e representação numérica,comprometem a realização da atividade matemática.

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61Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

Além da descrição do comportamento dos escolares quanto àfala, linguagem e comportamento realizados pelos professores, nesteestudo, os dados referentes ao nível e à velocidade de leitura oralbaseados no desempenho dos escolares do GI, GII, GIII, auxiliarama caracterizar os quadros de dislexia e distúrbio de aprendizagem.

Desta forma, percebemos que, nos escolares com dislexia, oprincípio alfabético da leitura encontrou-se comprometido e avelocidade de leitura apresentou tendência a lentificação, enquantoque nos escolares com distúrbio de aprendizagem verificamos que oprincípio logográfico é o que predomina com velocidade de leituratambém lentificada. Além disto, os escolares do GII apresentarammanifestações como substituições de grafemas consonantais surdospor sonoros, falta de entonação e fluência durante a leitura e tiveramcompreensão parcial do texto lido, enquanto que os escolares do GIIIapresentaram além destas características ausência de compreensãotextual na leitura de texto.

Os dados deste estudo referente às manifestações de nível evelocidade de leitura oral reforçam os achados de Capellini e Ciasca(1999), Capellini e Cavalheiro (2000), Capellini (2001) queevidenciaram que o tipo, a velocidade e o nível de leitura em escolarescom dificuldade na leitura decorrentes de alterações de linguagem,como a dislexia e o distúrbio de aprendizagem, encontram-se abaixodo esperado para idade e escolarização.

No presente estudo, verificamos que os escolares do GII e GIIIapresentaram maior dificuldade na compreensão da leitura silenciosae oral do que os escolares sem dificuldade (GI), e de acordo com aspesquisas realizadas por Rubbo, Capp e Ramos (1998), oconhecimento do vocabulário, a taxa de velocidade articulatória e ouso diferenciado entre as séries das estratégias logográfica, alfabéticae ortográfica, influenciam quantitativamente a velocidade de leitura.

Quanto à avaliação fonológica dos escolares verificamos queos resultados foram ao encontro com os achados de Bergamo, Scrochioe Avila (1999), Joanisse et al. (2000), Capellini (2001) e Barros e

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Capellini (2003), que evidenciaram que crianças com dislexia e distúrbiode aprendizagem apresentam alterações na produção da fala, além dehabilidade de leitura e linguagem rebaixada se comparada aos bonsleitores, sugerindo alterações no processo fonológico.

Quanto ao desempenho dos escolares em consciênciafonológica, verificamos que os alunos, independentemente dos grupos,apresentaram melhor desempenho nas habilidades silábicas secomparadas às fonêmicas.

Os achados referentes ao desempenho silábico e fonêmico dosescolares deste estudo corroboraram os resultados descritos porCapellini e Ciasca (1999), Capellini et al. (2004). As crianças comtranstornos da aprendizagem, conforme descrito por Catts e Kamhi(1986) e Barros e Capellini (2003) freqüentemente apresentamdificuldades em consciência fonológica, tendo problemas pararepresentar estímulos verbais fonologicamente e dificuldades pararecordar informação fonológica armazenada na memória de trabalho.

No que concerne às habilidades de síntese fonêmica,segmentação e transposição fonêmica, verificamos neste estudo quetanto os escolares do GI como os escolares do GII e GIII apresentaramdificuldades quanto à percepção dos sons que compõem as palavrase sua ordem, demonstrando haver alteração na habilidade fonológica.

As dificuldades de rima e alteração presentes no GII e GIII emfase de aquisição da linguagem escrita corroborou conclusão de Morais(1997), que identificou que o grupo de leitores não proficientes tevepior desempenho em relação ao grupo de leitores proficientes, tantonas atividades de aliteração como na rima.

Bradley e Bryant (1983) referiram que a experiência das criançascom jogos seria responsável pelos resultados nos testes de rima e naleitura e, desta forma, a habilidade para categorizar sons seriadecorrente de experiências anteriores ao aprendizado da leitura.

Assim, atribuímos à metodologia de alfabetização da línguamaterna em nosso país, o fato dos escolares não vivenciarem jogosde categorização de palavras na oralidade, ocasionando problemas

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63Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

de percepção ou processamento fonológico, que dificulta a rapidezno acesso ao léxico mental, à análise fonológica das partesconstituintes da palavra ou da palavra inserida no texto, dificultandoa identificação das partes da palavra conhecida em outra palavra nãopresente no léxico de input visual ou vocabulário do escolar. Isto podeexplicar o alto índice de crianças com dificuldades de aprendizagemexistentes no contexto escolar que não apresentam nenhuma alteraçãoneuropsicológica significativa, como foi possível evidenciar nos 54,5%de escolares deste estudo.

Quanto às atividades que envolveram a leitura oral e escritasob ditado de palavras reais e inventadas, verificamos neste estudoque, independentemente dos grupos, os escolares apresentaram, emgrande maioria, melhor desempenho em leitura oral e escrita sob ditadode palavras reais e inventadas de alta freqüência do que de baixafreqüência e palavras inventadas, corroborando o citado por Frith(1985), de que os escolares lêem mais rápida e corretamente palavrasfamiliares do que palavras inventadas, lêem melhor palavras de altafreqüência do que de baixa freqüência.

Os resultados deste estudo quanto à leitura oral e sob ditadode palavras reais e inventadas foram ao encontro dos achados dePinheiro (1995), que relatou que tanto as crianças do grupo competentecomo as do grupo com dificuldade em leitura lêem as palavras de altafreqüência com maior rapidez e com índice de acertos maior do queas de baixa freqüência. Entretanto, essa diferença - efeito de freqüência- foi maior para os GII e GIII, o que mostra que essas crianças têmdificuldades com as palavras de baixa freqüência em comparação aogrupo competente.

O fato dos escolares do GII e GIII apresentarem maiordificuldade para realizar leitura de palavras inventadas sugere ahipótese de que esses escolares possuam maior clareza na percepçãoda estrutura fonológica das palavras quando as ouvem ou falam, oque favorece que os escolares possuem melhor reconhecimento depalavras reais familiares pertencentes ao seu léxico de “input” visual,

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favorecendo o reconhecimento global da palavra e apresentandodificuldade de analisar a palavra durante a leitura ou escrita (NUNES,1992; ELLIS, 1995).

Conforme descrito por Mann (1984) e Share (1995), como aleitura ocorre a partir de um processo indireto, envolvendo mediaçãofonológica (processos fonológicos) e um processo direto, envolvendomediação lexical (visual), alterações que envolvem a mediaçãofonológica da leitura geram dissociação no modelo de duplo processo,acarretando dificuldades no reconhecimento e leitura de palavrasinventadas, o que poderia justificar a dificuldade dos escolares comdistúrbio específico de leitura, que apresentam desvios fonológicos,referentes à leitura de palavras inventadas.

Neste estudo, evidenciamos que os escolares do GIIIapresentaram desempenho inferior quanto à leitura, escrita e raciocíniológico-matemático se comparado ao desempenho dos escolares doGII, isto devido ao fato dos escolares com distúrbio de aprendizagemapresentarem maior comprometimento no uso de habilidadescognitivo-linguísticas (atenção, percepção, memória, aspectosfonológicos, lexicais e semânticos de linguagem) que comprometemo desenvolvimento da leitura e escrita no contexto escolar. Estascaracterísticas foram evidenciadas anteriormente por Ciasca (2003)e Barros e Capellini (2003).

Os achados deste estudo evidenciaram que no contextoescolar há crianças que apresentam dificuldades intrínsecasdecorrentes de disfunções neuropsicológicas que prejudicam odesenvolvimento da linguagem oral e escrita, conforme descrito porCastaño (2002) e Ciasca (2000) e que são agravadas pelo contextoda sala de aula que não enfatizam o uso de funções gnósicas-interpretativas, conforme proposto por Rotta (1988). As evidênciasdeste estudo nos leva a refletir sobre como os déficits cognitivos-lingüísticos presentes nos escolares com distúrbio específico deleitura e distúrbio de aprendizagem prejudicam a compreensão euso das regras de conversão fonografêmicas e grafofonêmicas

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65Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...

necessárias para aprendizagem da leitura e escrita e conseqüenteacompanhamento das atividades escolares.

Conclusão

Os achados deste estudo nos permitiram concluir que odesempenho fonológico, de leitura e escrita de escolares com distúrbiode aprendizagem foi inferior ao desempenho de escolares com dislexiae este foi inferior ao desempenho de escolares que lêem conforme oesperado para idade e escolaridade, o que pode ser explicado devidoao fato dos escolares com distúrbio de aprendizagem apresentaremdificuldades relacionadas a um maior número de habilidades delinguagem comprometidas, ou seja, além da dificuldade na percepçãoe produção da habilidade fonológica, dificuldade quanto ao uso dashabilidades sintática e semântica da linguagem.

Os dados deste estudo nos fazem refletir sobre as característicasfonológicas de leitura e escrita nos transtornos de aprendizagem,evidenciando a necessidade de continuidade de estudo nesta temáticapara podermos compreender melhor o impacto desta problemáticana aprendizagem da leitura, escrita e cálculo-matemático destapopulação no contexto de sala de aula.

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Recebido em: 09 de setembro de 2007Aprovado em: 01 de outuro de 2007

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Análise do desenvolvimento de conceitos científicossobre a Teoria da Evolução das Espécies: uma

perspectiva Vygotskiana 1

Douglas Verrangia Correa da Silva *

Resumo: Este artigo descreve uma investigação finalizada, em nível demestrado, em que foi analisado o desenvolvimento de conceitos científicos dealunos participantes de uma intervenção de ensino sobre a temática “Evoluçãodas Espécies”, que, de forma articulada, visou estimular o raciocínio dos alunose interferir em suas idéias, além de ser apoiada por um instrumento de ensino.Baseando-nos na perspectiva de Vygotski sobre o desenvolvimento dosconceitos científicos e cotidianos pelo indivíduo, pudemos caracterizar odesenvolvimento conceitual dos participantes durante a intervenção. Foi possívelconcluir que a aprendizagem de conceitos científicos pode ser analisada doponto de vista do desenvolvimento conceitual, com contribuições importantespara a prática docente relacionada ao ensino de Ciências, no sentido de favorecerde forma significativa a aprendizagem dos estudantes. Essa análise tambémfornece subsídios para a compreensão das dificuldades de aprendizagem deconceitos científicos apresentadas por estudantes.

Palavras-chave: Ensino de Ciências. Vygotski. Conceitos científicos. Evoluçãodas espécies.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 71-100 2007

1 Esta pesquisa de mestrado foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educaçãoda Universidade Federal de São Carlos, sob orientação das professoras Dra. Itacy SalgadoBasso e Dra. Ana Luiza R. V. Perdigão, defendida em março de 2004 e disponível paradownload em: <http://www.bdtd.ufscar.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=297>.* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação, área de Metodologia de Ensino,Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected]

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Douglas Verrangia Correa da Silva72

Analysis of the development of scientific concepts related to theevolution of species theory: A vygotskian perspective

Abstract: In this article is described a finished investigation, a Master inEducation, in which it was analyzed the development of scientific concepts ofstudents engaged in a teaching intervention about the “Evolution of the species”.The activity had as main characteristics its structure, formulated in a way thataimed on stimulating students reasoning and interfering in one’s conceptionand it was also supported by a teaching instrument. In agree with the of Vygotski’stheory, we characterized the student’s conceptual development. We were ableto conclude that the consideration of Vygotski’s theory on the teaching practicerelated to science concepts can offer a huge advancement, offering teachingprocedures favorable to a significant learning. This analysis also supplies subsidiesto understand the difficulties on scientific concepts learning presented bystudents.

Key words: Science teaching. Vygotski. Scientific concepts. Evolution of thespecies.

Introdução

O estudo aqui descrito teve como objetivo analisar odesenvolvimento conceitual de alunos/as, relacionado à temática“evolução das espécies”, a partir da interação com condições de ensinoespecialmente planejadas para esta finalidade e com as variáveissurgidas na dinâmica do processo, relacionadas às compreensões doprofessor sobre o mesmo e às suas conseqüentes intervenções.

Desta forma, dedicamo-nos a pesquisar o ensino e aaprendizagem da teoria da evolução das espécies no contexto de umaintervenção, preocupados com um aspecto muito relevante daproblemática relacionada a este conjunto de conhecimentos: asdificuldades, apresentadas por estudantes, de aprendizagem dosconceitos centrais dessa temática e formas de superação destasdificuldades. Trabalhos de pesquisa, como os de Ault Jr. et al. (1984),Brumby (1984), Lawson e Thompson (1988), Bishop e Anderson(1985, 1990), Lawson e Weser (1990), Demastes et al. (1995, 1996),Bizzo (1996), Ferrari e Chi (1998), entre outros, têm demonstrado

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que estudantes, mesmo tendo se submetido por vários meses (e anos)ao ensino formal desse conteúdo, mantêm ou desenvolvem idéiasdivergentes do conhecimento científico.

Bishop e Anderson (1990) desenvolveram uma extensa pesquisaque se tornou referência (como afirmam Ferrari e Chi, 1998) para muitostrabalhos dedicados ao estudo da aprendizagem de estudantes sobrea teoria da evolução das espécies. Os autores tiveram como objetivos:a) descrever as concepções de estudantes de nível superior sobre omecanismo da seleção natural e os fatores responsáveis pela mudançaevolutiva; b) avaliar os efeitos da instrução nas concepções dosestudantes (instrução desenvolvida no curso secundário e em aulasde biologia cursadas na faculdade); e c) determinar se as concepçõessobre a seleção natural estão associadas com o fato de esses estudantesacreditarem na teoria da evolução como um fato histórico (BISHOP;ANDERSON, 1990, p. 416). Após uma análise que envolveu a relaçãoentre procedimentos qualitativos e quantitativos, os autores chegaramà conclusão de que a maioria dos estudantes que iniciava o cursoacreditava possuir um entendimento básico (p. 420) sobre o processoevolutivo por meio da seleção natural. Mas, este entendimentomostrou-se significativamente diferente do conhecimento aceito comocientífico. Após uma identificação inicial das idéias dos/as estudantes,foram desenvolvidos materiais específicos, palestras, atividades delaboratório e conjuntos de situações-problema que os estudantesresolviam em discussões em pequenos grupos. Após o curso, os autoreschegaram às seguintes conclusões:

a) os conceitos envolvidos no processo de evolução são muitomais difíceis de compreender do que a maioria dos biólogosimagina; b) é possível alterar as concepções dos estudantes,contanto que elas sejam levadas em consideração noplanejamento do trabalho pedagógico (p. 431).

Mesmo os métodos e materiais utilizados, revistos e aprimoradosespecificamente para o grupo de estudantes considerados, não foram

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suficientes para ajudar um número considerável de estudantes (50 a60%) a modificar suas idéias.

No Brasil, Bizzo (1996) desenvolveu uma pesquisa tambémextensa na qual analisa o ensino e a aprendizagem da teoria daevolução das espécies. Foram estudadas as propostas curriculares de18 estados brasileiros e do Distrito Federal, livros didáticos utilizadospelas escolas participantes da pesquisa e recomendados por professoresdestas, entrevistas e questionários que visaram levantar as concepçõesde estudantes sobre o processo evolutivo e sobre a figura de CharlesDarwin. Foram entrevistados e responderam um questionário alunosde “uma escola particular de elite e duas escolas públicas” (p. 195)que já haviam se submetido ao ensino formal da teoria da evoluçãodas espécies. Após as entrevistas, o pesquisador constata que “apesarde sua diversidade de formação, perfil socioeconômico, cultural,religioso, etc. [os alunos] apresentaram algumas concepções muitoparecidas” (p. 195) e “O que há de surpreendente é a eqüidistânciaque guardam das concepções consideradas válidas no contextocientífico da atualidade” (p. 195). Analisando as respostas aoquestionário, que foi respondido por 192 estudantes, foi constatadoem “um conjunto ampliado de estudantes” (p. 216), que as conclusõesa que tinham chegado a partir das entrevistas se mantinham válidas.Os resultados da pesquisa citada, apresentados aqui de forma muitosucinta, são convergentes com os encontrados por Bishop e Anderson(1990) no que concerne às idéias dos estudantes, majoritariamentedivergentes do conhecimento científico. Bizzo (1996) aponta para falhasnos materiais didáticos e nos parâmetros curriculares, que, segundo oautor, podem favorecer a manutenção das divergências entre oconhecimento dos alunos e o científico. Há outros trabalhos dedicadosà mesma temática dos citados anteriormente, dos quais gostaríamos dedestacar: Demastes et al. (1996) e Lawson e Thompson (1988).

É importante apontar, então, que este estudo encontra-seinserido na temática da aprendizagem de conceitos científicos e quea análise desenvolvida está baseada em concepções teóricas, ligadas

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basicamente à teoria do desenvolvimento dos conceitos de Vygotski,abordagem na qual poucos trabalhos sobre o ensino de ciências têmse amparado.

Referências teóricas

Apresentamos aqui parte das referencias teóricas em quenos pautamos, a fim de possibilitar uma melhor compreensão dareflexão exposta.

A partir dos resultados de uma série de pesquisas, Vygotski(1993) categoriza os conceitos como cotidianos e científicos. Segundoo autor, a formação de conceitos pelas crianças está relacionadadiretamente à natureza destes, sendo o processo de formação diferenteem função da natureza do conceito. Com relação aos conceitoscotidianos (“espontâneos”), o autor explica que:

A aparição inicial do conceito espontâneo está ligada aoenfrentamento da criança com uma ou outras coisas, em verdade,com coisas que explicam ao mesmo tempo os adultos, mas que,entretanto, são coisas vivas e reais. E somente através de umprolongado desenvolvimento a criança chega a tomar consciênciado objeto, a tomar consciência do conceito e das operaçõesabstratas que realiza com ele (p. 252-253).

Vemos, então, que Vygotski relaciona os conceitos cotidianosàs coisas “vivas” e “reais”, às quais a criança se relaciona e com asquais tem experiências empíricas, sensoriais. Essas experiênciasempíricas proporcionam uma visão sobre os fenômenos, que, segundoo autor, pode se desenvolver, pois:

O desenvolvimento dos conceitos espontâneos começa naesfera do concreto e do empírico e se move em direção àspropriedades superiores dos conceitos: o caráter consciente ea voluntariedade (p. 254).

Os conceitos cotidianos podem se desenvolver e passar a terum caráter mais voluntário e consciente, deixando de estar

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relacionados tão estreitamente “à coisa”, “ao objeto” e passando aum conhecimento mais abstrato, mais geral. Esses conceitosdesenvolvem-se por meio de um processo indutivo, pela generalizaçãoa partir do conhecimento sensorial de objetos particulares.

Com relação aos conceitos científicos, o autor afirma que “onascimento do conceito científico não se inicia com o enfrentamentodireto com as coisas, senão com a atitude mediatizada até o objeto”(p. 253). Desta maneira, os conceitos científicos têm desenvolvimentodiferente dos cotidianos. Eles nascem de um plano abstrato,mediatizado por outros conceitos, até o objeto do conhecimento. Osconceitos científicos apresentam um desenvolvimento no sentidoinverso dos espontâneos:

Podemos dizer que a força dos conceitos científicos se manifestaem uma esfera que está por completo determinada pelaspropriedades superiores dos conceitos: o carácter consciente e avoluntariedade (p. 254).

Segundo Vygotski (1993, p. 259), o desenvolvimento dosconceitos científicos está mediado por outros conceitos, formadoscom anterioridade e, diferentemente dos cotidianos, não vinculadosao seu objeto diretamente. Para o autor: “o problema do sistema é oponto central de toda a história do desenvolvimento dos conceitosgenuínos na infância” (p. 259). Um sistema de significados surge juntocom o desenvolvimento dos conceitos científicos e exerce uma açãotransformadora nos conceitos cotidianos. O sistema de significadosformado por conceitos científicos genuínos – de elevado grau deconsciência e voluntariedade – é a estrutura cognitiva que permiteaplicabilidade destes conceitos científicos e elevação a um nívelsuperior daqueles conceitos cotidianos já existentes.

Referindo-se à questão do “sistema”, o autor apresenta o quedenominou “tecido conceitual”. Este “tecido conceitual” seria umarede de conceitos que estão em conexão e que, graças a isto, em fasessuperiores do desenvolvimento “[...] qualquer conceito pode serdesignado com ajuda de outros conceitos mediante uma quantidade

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inumerável de procedimentos” (p. 262). A rede descrita pelo autorpoderia ser explicada por uma analogia com a esfera terrestre. Cadaintersecção entre meridianos e paralelos, cada ponto, representariaum conceito. Podemos compreender a longitude do conceito como“[...] o lugar que ocupa entre os pólos extremos do pensamento visuale abstrato” (p. 264). Já a latitude do conceito caracterizará “o lugarocupado por este entre outros conceitos de igual longitude, mas quese referem a outros pontos da realidade”.

Neste contexto teórico, entende-se que as relações estabelecidasentre conceitos – formados, por sua vez, por outros conceitossubordinados – estão intimamente vinculadas com o desenvolvimentodesses. Se admitirmos que o sujeito encontra-se, segundo acaracterização de Vygotski, na fase conceitual, parte das relações serárefletida no que o autor denominou “medida de comunalidade”. Amedida de comunalidade seria o “[...] lugar do conceito dentro dosistema de todos os conceitos, determinado pela sua longitude elatitude, [...] este núcleo contido na interpretação de suas relaçõescom outros conceitos”. Então, entendemos que a aprendizagem deconceitos, à qual aqui nos referimos somente como aprendizagem,como o estabelecimento de relações entre novas informações e aqueleconjunto de noções, idéias e conceitos já estabelecidos. Também oestabelecimento de novas relações entre informações já disponíveisno tecido conceitual, formando novas possibilidades de pensamento(PETROVSKI, 1980). Esse autor, cujas bases teórico-metodológicasdialogam com as de Vygotski, considera o pensamento como o produtosuperior do cérebro, conceituado como:

El pensamiento es el proceso psíquico socialmente condicionadode búsqueda y descubrimientos de lo esencialmente nuevo yestá indisolublemente ligado al lenguaje. El pensamiento surgedel conocimiento sensorial sobre la base de la actividad prácticay lo excede ampliamente (p. 292).

Petrovski (1980) afirma também que o pensamento é umprocesso ativo de reflexão do mundo objetivo em conceitos, juízos,

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teorias etc. Para o autor o processo de pensamento “es ante todoanálisis, síntesis y generalización” (p. 302), conceitos que nãoaprofundaremos neste referencial, mas que discutimos detidamenteem Silva (2004).

Em consonância com o referencial adotado, entendemos queas aprendizagens possibilitam o processo ativo de reflexão sobre omundo. Referindo-nos especificamente à aprendizagem de conceitosna teoria de Vygotski, cada nova aprendizagem: pode reforçar osentido de um conjunto de relações já estabelecidas; pode nãointerferir em um conjunto significativo de relações que formam umsentido; e, por fim, pode transformar totalmente o sentido de relaçõesjá estabelecidas. Desta forma, a aprendizagem refere-se, em muitoscasos, a transformações na “medida de comunalidade” de conceitosjá estabelecidos, assim como a criação de novas relações e, portanto,uma nova medida de comunalidade. Desta forma, a aprendizagem denovos conceitos requer reorganização do tecido conceitual.

Isto é, a aprendizagem concreta de determinado conceito égerada no estabelecimento de relações entre este e outros conceitos ouidéias pré-existentes, transformando-os. Sendo assim, o processo dedesenvolvimento conceitual supõe transformações nas relaçõesestabelecidas entre conceitos e idéias novos e pré-existentes. O estágiodeste processo pode ser identificado pela análise da interação entre aestrutura de generalização do conceito (consciência sobre sua definição)e a conexão com a realidade, o grau de aplicabilidade do conceito.

Procuramos, de forma mais sintética possível, apresentarelementos centrais das referências teórico-metodológicas adotadasno estudo, e, a seguir, apresentamos os procedimentos metodológicosda pesquisa e os resultados e discussões a que chegamos com ela.

Procedimentos metodológicos

De forma geral, a metodologia adotada nesta pesquisa foipautada no objetivo de analisar o desenvolvimento conceitual dealunos a partir da interação com condições de ensino especialmenteplanejadas para esta finalidade e com as variáveis surgidas na dinâmica

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do processo. Para tanto, optamos por desenvolver a pesquisa sobreuma intervenção de ensino, na qual foram obtidos os dados analisados.Descrevemos essa intervenção de forma sucinta a seguir.

A intervenção

Participaram da intervenção de ensino analisada neste estudo,além do pesquisador, que atuou como professor, 16 estudantes queou cursavam o 3º ano do ensino médio ou haviam completado omesmo, sendo todos/as alunos/as de um curso pré-vestibular popular,o projeto de extensão Curso Pré-Vestibular da UFSCar.2

O curso teve um total de 15 aulas, distribuídas em três etapas,nas quais tentamos garantir a realização de uma variedade deatividades, por meio da combinação entre diferentes conteúdosconceituais e tipos de atividades que procuraram propiciar operaçõesde pensamento (RATHS et al., 1977). Os conteúdos conceituaisabordados foram variação intra-específica; hereditariedade de certascaracterísticas; taxa diferencial de sobrevivência (adaptação local);taxa diferencial de reprodução; acumulação de variações através dasgerações. Já as atividades, relacionadas às operações de pensamento,envolveram: observação/descrição; comparação; classificação;codificação; realização de resumo; aplicação de fatos e princípios anovas situações; interpretação; formulação de suposições; criação dehipóteses; conceituação/definição e planejamento de pequenosprojetos ou pesquisas.

Na etapa Avaliação Diagnóstica, objetivamos conhecer as idéiasdos participantes sobre a temática abordada no curso. Portanto, foramrealizadas atividades nas quais os alunos tiveram de explicitar suasidéias e realizar operações de pensamento, de forma articulada. Já naetapa Desenvolvimento realizaram-se atividades nas quais, de formaintegrada, foram efetivamente abordados os conteúdos conceituais

2 O Curso Pré-Vestibular da UFSCar (CPV UFSCar) é um projeto de extensão daUniversidade Federal de São Carlos do qual participam um grande número de membrosda comunidade acadêmica e da comunidade da cidade de São Carlos - SP e região,incluindo o pesquisador que, a época da pesquisa, atuava como professor do mesmo.

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mencionados anteriormente por meio de atividades que visavampropiciar operações de pensamento. As atividades desenvolvidasforam diversificadas e envolveram aulas expositivo-participativas,assistir vídeo, visitar um museu de paleontologia, resolução de questõesem grupo e individualmente, e, principalmente, atividades com uminstrumento de ensino, detalhadamente descrito em Silva (2004) eSilva e Ribeiro (2001). A sistemática de elaboração das atividadespode ser descrita, de forma geral, da seguinte maneira: consideraçãoda análise prévia (realizada na Avaliação Diagnóstica) sobre as idéiasdos alunos a respeito de cada um dos conteúdos conceituaismencionados; articulação das atividades envolvendo operações depensamento pré-definidas e dos conteúdos sobre a temática abordadana proposição de procedimentos a serem realizados pelos alunos;utilização do instrumento como um dos elementos centrais dasatividades propostas. Na etapa final, Avaliação da Aprendizagem,procuramos conhecer a aprendizagem conceitual dos participantesao final da intervenção, o estágio de desenvolvimento dos conceitos.Para tanto, foram desenvolvidas, como na etapa inicial, atividadesdirigidas a explicitar tais conceitos, por meio de situações quesolicitavam estabelecimento de relações entre conceitos em uma sériede contextos, envolvendo o instrumento de ensino, respostas a umquestionário, discussões e outros trabalhos em grupo.

A Pesquisa

Foram considerados participantes da pesquisa dois estudantesque participaram da intervenção de ensino mencionada, Fábio eVanessa.3 A decisão de analisar os dados destes dois estudantes

3 Os nomes dos/as participantes são fictícios. Ambos os participantes da pesquisaapresentavam características socioeconômicas muito parecidas com a média dos alunosingressantes no CPV UFSCar no ano de 2002, classe média baixa (D). Os dois realizaramtoda sua escolarização em escolas públicas da cidade de São Carlos. Fábio, 22 anos, haviacompletado o ensino médio três anos antes e auto declarou-se branco em questionáriosocioeconômico e Vanessa, 16 anos, cursava o ensino médio juntamente às atividades doCPV UFSCar, e declarou-se parda.

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baseou-se no critério de freqüência ao curso, ambos foram os quetiveram maior freqüência, o que possibilitou uma análise processualmais completa, com poucas lacunas de registros. A pesquisa foirealizada na perspectiva de compreender os processos e produtos daaprendizagem desses participantes ao longo das três etapas daintervenção. Para tanto, foram definidas categorias de análise relativasao desenvolvimento conceitual dos participantes da pesquisa sobreum aspecto central da teoria evolutiva: a variabilidade intra-específica.A essas categorias de análise procuramos relacionar dados sobre ascondições oferecidas pelas intervenções do professor/pesquisador ea participação de um instrumento de ensino no processo deaprendizagem.4

A coleta de dados foi distribuída durante as três etapas daintervenção: início do curso, antes do desenvolvimento de atividadesde ensino (etapa de Avaliação Diagnóstica), durante o curso (etapade Desenvolvimento) e ao seu final (etapa de Avaliação deAprendizagem). Foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta:anotações de observações durante as aulas (e após o término dasmesmas); produtos escritos pelos/as alunos/as, gerados em atividadesrealizadas em aula; gravações em vídeo de aulas.

Os dados sofreram uma sistematização inicial após o final daintervenção, que consistiu em uma organização geral por etapa doprocesso de ensino a que estavam relacionados (Diagnóstico Inicial,Desenvolvimento e Diagnóstico Final) e reunião/agrupamento dosregistros escritos pelos alunos e gravações de aula, realizados em cadauma destas etapas.

Após esta primeira organização, realizamos a efetivasistematização dos dados, em categorias relacionadas aos conceitos

4 Trabalhos como Ferreira et al. (2000) e França e Martins (2000) apontam para a importânciada utilização de jogos no ensino de conceitos das Ciências Biológicas e, inclusive, na formaçãode professores, principalmente por sua relação com o estabelecimento e cumprimento deregras. Em nossa pesquisa essa importância se concretizou, mas, devido às limitações deespaço, decidimos sintetizar as relações entre desenvolvimento conceitual e o instrumentode ensino em outro texto, em produção

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analisados. Assim, para os dados obtidos em cada uma das etapas,foram destacados e agrupados todos os registros que continhamelementos considerados como indicadores da categoria principal deanálise: as idéias dos/as participantes sobre a variabilidade intra-específica e seu papel no processo evolutivo, cujas categoriasencontradas foram: presença de diferenças entre indivíduos de ummesmo grupo (espécie); conceito de espécie; geração da variação éaleatória; relação entre variação e mutação; princípio da herança doscaracteres; relação entre variação e adaptação; relação entre variaçãoe ambiente e relação entre variação e processo evolutivo. Tambémforam destacados dados sobre as condições criadas pelas intervençõesdo professor e sobre a participação do instrumento de ensino nodesenvolvimento da estratégia.

Finalmente, estabelecemos relações entre as análises realizadasem cada etapa para cada uma das categorias citadas para cadaparticipante, procurando apontar possíveis indicadores dedesenvolvimento conceitual ocorrido e relacioná-los às condições deensino propiciadas, em base ao referencial teórico adotado.

Para facilitar a compreensão dos resultados e discussões a quechegamos, apresentamos um quadro com exemplos de análisesempreendidas durante a pesquisa. São excertos relativos a algumasdas categorias estudadas, de dois dos participantes da intervenção epesquisa. Apresentamos exemplos de análises sobre três tipos distintosde desenvolvimento estudados: de idéias ou noções (ex.: diferençasentre indivíduos de um grupo); de conceitos (ex.: espécie) e de relaçõesentre conceitos (ex.: variação e adaptação), que foram analisadostambém de forma independente. A análise minuciosa de todos osaspectos considerados na pesquisa, aqui apenas mencionados, podeser encontrada em Silva (2004).

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. Em

que

as

cham

adas

espé

cies

são

subp

opul

ação

util

izada

sno

instr

u-m

ento

de

ensin

o. “

Mes

mo

que e

ssas

plan

tas m

udem

de a

mbi

ente

com

mui

tos

para

sita

s el

as n

ãoev

oluí

ram

, poi

s tod

as el

as sã

o id

êntic

as.

Não

há d

iver

sidad

e de e

spéc

ies [

...]”

CO

NC

EIT

O: E

spéc

ie

Aná

lise

Exe

mpl

ode

dad

os

(con

clus

ão)

A p

alav

ra “

espé

cie”

foi

util

izad

a em

apen

as u

ma s

ituaç

ão, e

stim

ulad

a, de

form

anã

o co

nver

gent

e ao

con

ceito

cie

ntífi

co, o

que

corr

obor

ou a

aná

lise

de q

ue e

sta

não

tinha

um

con

ceito

cie

ntífi

co d

e es

péci

ede

senv

olvi

do.

“Com

o o

fato

de

segu

irem

em

dire

ção

aci

dade

s ilu

min

adas

ao in

vés d

o m

ar é

algo

preju

dicia

l à es

pécie

, poi

s vár

ios i

ndiv

íduo

sac

abam

mor

rend

o, ta

lvez

daq

ui a

alg

uns

anos

elas

des

envo

lvam

um

a out

ra m

anei

rade

orie

ntaç

ão”.

Page 85: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

85Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...

Eta

pa 2

- D

esen

volv

imen

toE

tapa

1 -

Ava

liaçã

o D

iagn

óstic

a

RE

LAÇ

ÕE

S en

tre o

s co

ncei

tos

de V

aria

ção

e Ad

apta

ção

Aná

lise

Exe

mpl

ode

dad

os

Eta

pa F

inal

– A

valia

ção

daap

rend

izag

em

Rel

acio

nava

dife

renç

as e

ntre

ind

ivíd

uos

dede

term

inad

o gru

po e

sua a

dapt

ação

, relaç

ão pe

rmea

dape

la id

éia d

e qu

e as

dife

rent

es c

arac

terís

ticas

são

adqu

irida

s par

a pos

sibilit

ar so

brev

ivênc

ia e a

dapt

ação

.Ca

ráte

r de

inte

ncio

nalid

ade

no s

urgi

men

to d

asca

racte

rístic

as, c

onve

rgen

te co

m um

a visã

o lam

arck

ista

do pr

oces

so. E

nten

dim

ento

de ad

aptaç

ão co

mo u

ma

trans

form

ação

, de

cara

cter

ística

s já

exist

ente

s em

outra

s “m

elhor

es” p

ara o

ambi

ente

.

“[..

.] os

esp

inho

s to

rnar

am-s

e pê

los

e pa

raco

nseg

uir m

ais a

limen

to as

pat

as d

esen

volv

eram

nada

deira

s”. “

[...]

elas

ent

ão s

erão

‘obr

igad

as’ a

torn

arem

-se a

dapt

adas

ao m

eio

para

gar

antir

sua

sobr

eviv

ênci

a”.

Esta

belec

imen

to d

e re

lação

dire

ta e

ntre

adiv

ersid

ade d

e car

acter

ística

s e ad

aptaç

ão, e

mqu

e a

dive

rsid

ade

indi

ca p

ossib

ilidad

e de

adap

tação

. For

te co

nver

gênc

ia en

tre as

idéia

sda

parti

cipan

te e

o con

hecim

ento

cien

tífico

.

“Qua

nto m

ais di

fere

nças

[ent

re os

indiv

íduos

de

uma

popu

laçã

o]

mel

hor

para

sobr

eviv

erem

, par

a alg

uns

pode

rem

se

adap

tar”

. “[

...]

Ale

ator

iam

ente

for

amsu

rgin

do m

utaç

ões

que

favo

rece

ram

sua

adap

tação

e s

obre

vivên

cia a

o am

bi-e

nte”

.“C

om a

div

ersi

dade

da

espé

cie,

as

cara

cterís

ticas

são

dive

rsas,

o qu

e pos

sibilit

aa a

dapt

ação

de al

guns

indiv

íduos

que p

ossa

mso

brev

iver à

s mud

ança

s am

bien

tais”

.

Dim

inui

ção

no

uso

da

pala

vra

adap

taçã

o e e

stab

elecim

ento

de r

elaçã

oen

tre

adap

taçã

o e

tam

anho

pop

ula-

cion

al, al

ém d

e ide

ntifi

caçã

o de

que

emgr

ande

s po

pula

ções

m

aior

poss

ibili

dade

de

surg

imen

to d

eca

ract

eríst

icas

, ist

o é,

de v

aria

ção,

que

poss

ibili

taria

m a

dapt

ação

.

“Qua

ndo

a po

pulaç

ão e

ra +

++

++

as

chan

ces d

e sob

revi

vent

es fo

ram

maio

res,

já qu

e a

popu

lação

tam

bém

é g

rand

eho

uve

uma

mai

or a

dapt

ação

no

ambi

ente

”. “

Ant

es d

os m

amífe

ros,

odo

mín

io t

erre

stre

per

tenc

ia a

osdi

noss

auro

s. A

pós s

ua e

xtin

ção

houv

eum

au

men

to

popu

laci

onal

do

sm

amíf

eros

qu

e se

ad

apta

ram

e

cons

egui

ram

seu

dom

ínio

”.

Qua

dro

2 - E

xem

plo

de d

ados

e an

álise

s sob

re o

des

envo

lvim

ento

das

relaç

ões e

stab

elec

idas

pel

a par

ticip

ante

Van

essa

entre

os

conc

eito

s de

varia

ção

e ad

apta

ção.

Page 86: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

Douglas Verrangia Correa da Silva86

Eta

pa 1

- A

valia

ção

Dia

gnós

tica

IDÉ

IA: D

ifere

nças

ent

re in

diví

duos

de

um g

rupo

Aná

lise

Exe

mpl

ode

dad

os

Eta

pa 2

- D

esen

volv

imen

toE

tapa

Fin

al –

Ava

liaçã

o da

apre

ndiz

agem

Iden

tifi

cava

di

fere

nças

en

tre

indi

vídu

os d

e um

mes

mo

grup

o e

relac

iona

va ca

ract

eríst

icas

com

uns à

ance

stra

lidad

e e

dife

rent

es

àaq

uisiç

ão a

o lo

ngo

do te

mpo

.

“Pro

vave

lmen

te

porq

ue

eles

desc

ende

ram

de

um

m

esm

oin

diví

duo

e co

m o

pas

sar d

o te

mpo

fora

m a

dqui

rindo

car

acte

rístic

asdi

fere

ntes

. Elas

pod

em s

urgi

r pa

raum

a melh

or ad

apta

ção

em d

ifere

ntes

ambi

ente

s ou

por a

caso

”.

Iden

tific

ava

a pr

esen

ça d

e di

fere

nças

entre

indi

vídu

os d

e um

a es

péci

e, c

omo

tam

anho

, cor

dos

olh

os, d

a pel

agem

etc.,

pass

ando

a re

laci

onar

esta

s dife

renç

as ao

conc

eito

de e

spéc

ie, e

ntre

out

ros.

“Atr

avés

da

repr

oduç

ão,

surg

iam

indi

vídu

os co

m ca

ract

eríst

icas

dife

rent

es,

sele

cion

ados

pel

o am

bien

te r

esul

tand

oem

vár

ias e

dife

rent

es es

péci

es”.

Iden

tific

ava

a ex

istên

cia

de d

ifere

nças

entr

e in

diví

duos

de

uma

espé

cie

e fo

ipo

ssív

el co

nfirm

ar s

uas

idéia

s a

resp

eito

da im

portâ

ncia

das d

ifere

nças

na f

orm

ação

de n

ovas

esp

écie

s e

na s

obre

vivê

ncia

ead

apta

ção

em d

eter

min

ado

ambi

ente

.

(con

tinua

)

Qua

dro

3 - E

xem

plo

de d

ados

e a

nális

es s

obre

o d

esen

volv

imen

to d

as id

éias

do

parti

cipa

nte

Fábi

o so

bre

as d

ifere

nças

ent

rein

diví

duos

de u

m g

rupo

e do

conc

eito

de e

spéc

ie.

Page 87: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

87Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...

CO

NC

EIT

O: E

spéc

ie

Aná

lise

Exe

mpl

ode

dad

os

Util

izou

a pa

lavra

“esp

écie

” em

dua

ssit

uaçõ

es, c

om s

entid

o de

gru

pos

ere

laci

onad

a à

prod

ução

de

desc

ende

ntes

férte

is.

“As

chita

s ev

oluí

ram

cad

a ve

z m

ais

com

o p

assa

r do

tem

po p

ara

sead

apta

r ao

am

bien

te,

para

se

alim

enta

r e

perp

etua

r a

espé

cie”

.“S

im, p

ois

ao lo

ngo

de m

ilhar

es d

ean

os a

s ta

rtar

ugas

pod

erão

nas

cer

sem

o

gene

de

sta

doen

ça,

cons

titu

indo

um

a ev

oluç

ão n

aes

péci

e”.

Util

izou

a p

alav

ra “

espé

cie”

em

trê

ssi

tuaç

ões

requ

erid

as p

elas

ativ

idad

es,

send

o qu

e to

das

as u

tiliz

açõe

s fo

ram

conv

erge

ntes

com

o c

once

ito c

ient

ífico

.M

as, c

om ê

nfas

e às

gra

ndes

dife

renç

as,

que

poss

ibili

taria

m f

orm

ação

de

nova

ses

pécie

s.

“Esp

écie

: é u

m g

rupo

de i

ndiv

íduo

s com

cara

cter

ístic

as e

háb

itos

sem

elha

ntes

capa

zes

de p

rodu

zire

m d

esce

nden

tes

fért

eis

e qu

e in

tera

gem

em

um

dete

rmin

ado

ambi

ente

”. “

Esp

ecia

ção

éa

divi

são

de u

ma

popu

laçã

o em

dua

s ou

mai

s qu

e, v

iven

do e

m a

mbi

ente

sdi

fere

ntes

, dar

ão o

rigem

a in

diví

duos

com

cara

cter

ística

s nov

as at

é um

mom

ento

emqu

e se

tor

narã

o es

péci

es t

otal

men

tedi

fere

ntes

que

não

cru

zarã

o ou

cru

zarã

oda

ndo

orig

em a

des

cend

ente

s est

érei

s”.

Esp

écie

é u

m g

rupo

de

indi

vídu

os c

omca

ract

erís

tica

s se

mel

hant

es e

que

,ad

quiri

ndo

cara

cter

ística

s dife

rent

es, p

ode

dar

orig

em a

out

ro g

rupo

, um

a no

vaes

péci

e. N

esse

gru

po p

odem

sur

gir

dife

rent

es ca

ract

eríst

icas

e ist

o m

odifi

ca a

poss

ibili

dade

de

sobr

eviv

ênci

a do

sin

diví

duos

.

“Se

leçã

o na

tura

l são

as

cara

cter

ístic

asno

vas

que

surg

em e

m u

ma

dete

rmin

ada

espé

cie f

azen

do co

m q

ue el

a se a

dapt

e ou

não

ao a

mbi

ente

e,

send

o as

sim

,se

leci

onad

o.”

“sur

gire

m c

arac

terís

ticas

nova

s na

esp

écie

e d

epoi

s de

um

long

ope

ríod

o po

derã

o su

rgir

es

péci

esdi

fere

ntes

”.

(con

clus

ão)

Qua

dro

3 - E

xem

plo

de d

ados

e a

nális

es s

obre

o d

esen

volv

imen

to d

as id

éias

do

parti

cipa

nte

Fábi

o so

bre

as d

ifere

nças

ent

rein

diví

duos

de u

m g

rupo

e do

conc

eito

de e

spéc

ie.

Page 88: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

Douglas Verrangia Correa da Silva88

Eta

pa 1

- A

valia

ção

Dia

gnós

tica

RE

LAÇ

ÕE

S en

tre o

s co

ncei

tos

de V

aria

ção

e Ad

apta

ção

Aná

lise

Exe

mpl

ode

dad

os

Eta

pa 2

- D

esen

volv

imen

toE

tapa

Fin

al –

Ava

liaçã

o da

apre

ndiz

agem

Exp

ress

ou m

uita

s ve

zes,

de

form

aes

pont

ânea

, a

pala

vra

“ada

ptaç

ão”,

rela

cion

ando

-a

a di

vers

idad

e de

cara

cter

ística

s. Su

rgim

ento

das

car

acte

-rís

ticas

que

favo

rece

riam

a ad

apta

ção

está

ligad

o a

um c

erto

dire

ciona

men

to p

eloam

bien

te, p

ara

poss

ibili

tar

adap

taçã

o.C

onvi

vênc

ia d

e id

éias

lam

arck

ista

s e

outra

s mais

conv

erge

ntes

com

conc

eitos

cient

ífico

s, em

des

envo

lvim

ento

inici

ado

ante

riorm

ente

à in

terv

ençã

o.

“A

dqui

rindo

car

acte

rístic

as e

m s

uaev

oluç

ão c

ujo

seus

ant

epas

sado

s nã

opo

ssuí

am, q

ue o

s aj

udam

a s

e ad

apta

rao

ambi

ente

, viv

er p

or u

m te

mpo

mai

ore

prod

uzir

desc

ende

ntes

fér

teis.

Ex.

:Ch

ita, o

Bag

re-c

ego”

. “E

ssa c

apac

idad

ede

man

ter-

se s

em s

ubir

para

peg

ar a

rau

men

tará

até

che

gar u

m m

omen

to e

mqu

e a t

arta

ruga

não

pre

cise

de

oxig

ênio

,po

r ada

ptaç

ão a

o am

bien

te m

arin

ho”.

Pres

ença

de

certa

s ca

ract

eríst

icas

pos

sibili

tach

ance

de

adap

taçã

o do

s ind

ivíd

uos e

m d

ado

ambi

ente

. A d

iver

sidad

e de c

arac

terís

ticas

é vi

staco

mo

poss

ibili

dade

de

adap

taçã

o e

não

com

om

udan

ças p

ara a

adap

taçã

o, vi

são

expr

essa

pelo

part

icipa

nte

no in

ício

da in

terv

ençã

o.

“Suc

esso

: O

s in

diví

duos

nas

cera

m c

omca

ract

eríst

icas q

ue p

erm

itira

m su

a ada

ptaç

ão ao

ambi

ente

aquá

tico.

Frac

asso

: Dev

ido

a mud

ança

do a

mbi

ente

ter

rest

re p

ara

o aq

uátic

o, o

sin

divíd

uos q

ue po

ssuí

am ca

ract

eríst

icas t

erre

stres

acab

aram

se ex

tingu

indo

por

não

cons

egui

rem

se ad

apta

r”.S

obre

a im

portâ

ncia

da va

rieda

de d

ees

pécie

s de d

inos

saur

os ex

pres

sou:

“Um

a maio

rch

ance

de

adap

taçã

o e

repr

oduç

ão n

oam

bien

te”..

E so

bre

a rela

ção

entre

a va

rieda

dede

mam

ífero

s e o

dom

ínio

, atu

al, p

or e

stes d

equ

ase t

odos

os a

mbi

ente

s esc

reve

u: “A

pro

pícia

adap

taçã

o do

s m

amífe

ros

nos

resp

ectiv

osam

bien

tes”

.

A d

iver

sidad

e (v

aria

ção)

pos

sibili

taad

apta

ção

e tam

bém

pod

e dar

orig

ema n

ovas

espé

cies

. Rel

acio

na o

pap

el d

ava

riaçã

o in

tra-e

spec

ífica

no

proc

esso

evol

utiv

o, s

endo

que

dif

eren

tes

cara

cter

ístic

as p

ossib

ilita

m ad

apta

ção

em d

ado

ambi

ente

.

Sobr

e a

impo

rtânc

ia d

a va

riabi

lidad

ein

tra-e

spec

ífica

, afir

mou

: “U

ma m

aior

chan

ce d

e ada

ptaç

ão em

um

ambi

ente

,se

rep

rodu

zir

e a

cada

rep

rodu

ção

apr

obab

ilida

de d

e su

rgire

m c

arac

terís

-tic

as n

ovas

na e

spéc

ie e

depo

is de

um

long

o pe

ríodo

pod

erão

surg

ir es

péci

esdi

fere

ntes

”. “

Qua

nto

mai

s car

acte

rís-

ticas

nov

as m

ais c

hanc

e de s

e ada

ptar

ao a

mbi

ente

”.

Qua

dro

4 - E

xem

plos

de

dado

s e a

nális

es so

bre

o de

senv

olvi

men

to d

as re

laçõe

s est

abel

ecid

as p

elo

parti

cipa

nte

Fábi

o en

tre o

sco

ncei

tos d

e va

riaçã

o e

adap

taçã

o.

Page 89: A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação n. 9.pdf · Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

89Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...

Resultados e discussão

A partir das análises empreendidas, foi possível identificar que,durante a intervenção de ensino, houve desenvolvimento conceitualtanto de Vanessa quanto de Fábio. É necessário destacar, entretanto,que em algumas situações apenas pudemos formular hipóteses sobreas relações estabelecidas pelos estudantes, devido ao fato de que osdados coletados eram insuficientes para um esclarecimento pleno dasidéias dos participantes. Mesmo assim, foi possível estabelecer muitasrelações entre os dados coletados e as referências teórico-metodológicas adotadas, relações que apresentamos a seguir.

Vygotski (1993) escreveu que os conceitos científicos, emoposição aos cotidianos, manifestam sua força em uma esferadeterminada pelas propriedades superiores dos conceitos:voluntariedade e consciência. Segundo o autor, conceitos científicosse desenvolvem, então, a partir dessas propriedades superiores até asoutras, como a aplicabilidade e conexão com a realidade. Aaplicabilidade de um conceito científico decorre, então, dodesenvolvimento de um sistema de significados5, no qual encontramosa medida de comunalidade do conceito científico desenvolvido. Nessesistema, as relações que formam o tecido conceitual (rede de relaçõesestabelecidas) estão conectadas e, de forma coerente, permitemdiferentes possibilidades de relações entre conceitos conectados e deformulação de idéias e explicações.

Foi possível, no caso dos dois participantes, encontrar dadosque indicam, em momentos distintos do processo de ensino,desenvolvimento conceitual. Identificamos mudanças na5 Estamos utilizando os termos sistema de significados e comunalidade, baseados em Vygotski(1993, p. 259) segundo o qual “el problema del sistema es el punto central de toda historiadel desarrollo de los conceitos genuínos en la infância [...]”. Um sistema de significados surgejunto com o desenvolvimento dos conceitos científicos e exerce uma ação transformadoranos conceitos cotidianos. Este sistema, formado por conceitos, científicos genuínos – deelevado grau de consciência e voluntariedade – é a estrutura cognitiva que permiteaplicabilidade dos conceitos científicos e elevação do nível de consciência sobre aquelesconceitos cotidianos existentes. Assim, quando utilizamos o termo “sistema completo”,estamos nos referindo a um sistema de relações entre conceitos científicos genuínos,convergentes com o conhecimento científico.

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voluntariedade e na consciência com que os participantes utilizaramconceitos científicos abordados na intervenção. Também foi possívelperceber alterações relativas à aplicabilidade e conexão destesconceitos com a realidade. Neste sentido, procuramos identificar eanalisar as relações estabelecidas pelos participantes ao longo de todaa intervenção, a fim de lograr conhecer os sistemas de significadosdesenvolvidos pelos mesmos.

O participante Fábio parecia demonstrar, ao fim da intervenção,desenvolvimento conceitual convergente ao conhecimento científico(como pode ser observado nos Quadros 3 e 4) em relação a algunsconceitos abordados na intervenção, como adaptação. Mas, em relaçãoa outros, como mutação, em várias situações ele, consciente evoluntariamente, refere-se ao conceito, mas não consegue aplicá-loao contexto requisitado, conectá-lo à realidade, indicandodesenvolvimento a ser trilhado. É muito interessante que Fábio –como outros participantes – desde o início da intervençãodesaprovava a idéia de simular a geração de variações em indivíduosde um grupo hipotético, em um instrumento de ensino, por meio deuma roleta (que simulava a aleatoriedade do processo). Em umaocasião, no início do curso, o participante disse que aceitava aquelasimulação, mas que “[...] no jogo é assim, mas na vida é diferente”,revelando que, naquele momento, não relacionava aleatoriedade esurgimento da variação intra-específica.

Ao final do curso, em uma discussão elaborada para explicitaras idéias dos participantes sobre a origem da variação intra-específica,Fábio deu-se conta de que fez uma afirmação em que relacionava“necessidade ambiental” e surgimento de novas características. Apósrefletir e fazer perguntas sobre o processo de mutação, ele afirmou“Hoje foram apagados os resquícios de que o ambiente causa amutação”. Mas, analisando todas as suas respostas a questionários ediscussões em grupo, percebemos que ele era capaz de identificar,entre alternativas fornecidas, a mais convergente ao conceitocientífico de mutação. Mas, suas justificativas e falas demonstravam

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que ele mantinha idéias divergentes convivendo (o caráter aleatórioda mutação, sua determinação genética e a possibilidade de necessidadesambientais favorecerem a geração de variação). Como ele utilizou váriasvezes o conceito, o que demonstra voluntariedade, foi possívelidentificar que um sistema de significados completo, convergente aoconhecimento científico, ainda não havia sido desenvolvido.

Os dados de Vanessa também corroboram a análiseanteriormente realizada. Percebemos que ela, com relação ao mesmoconceito – mutação – passa a identificar, em questionários comalternativas, elementos estudados (determinação e herança genéticadas características e aleatoriedade) durante a etapa deDesenvolvimento do curso. Mas, quando era solicitado que aplicasseo conceito em situações de contexto, não explícitas, ela não era capazde fazê-lo. No início do curso, Vanessa compreendia o surgimento denovas características relacionando-as à aquisição de “melhorias” emudanças em características “prejudiciais” em grupos biológicos(como pode ser analisado no Quadro 1). Ao longo da intervenção,identificamos que ela era capaz não só de identificar as idéias dedeterminação e herança genética das características e aleatoriedade,mas aplicar o conceito de mutação em situações concretas em queeste era requisitado. Em nosso entendimento, essa capacidade deaplicação está relacionada, principalmente, ao grau dedesenvolvimento conceitual atingido, que possibilitava aplicabilidadeem determinadas situações.

Ao fim da intervenção, Vanessa relacionava variação intra-específica e o ambiente de forma convergente ao conhecimentocientífico. Expressava a idéia de que a diversidade indica apossibilidade de que alguns indivíduos possam sobreviver àstransformações ambientais (como pode ser visto no Quadro 2). Estasidéias parecem estar conectadas de forma estruturada, formando umavisão mais aplicável, de forma convergente ao conhecimentocientífico, em determinados contextos. Mas, quando analisamos outrosconceitos centrais da teoria evolutiva, como o de espécie, verificamos

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(ver Quadro 1) que a participante não diferenciava de forma claraespécie de subpopulações, ou de alguns indivíduos de umadeterminada população que compartilham característica diferenciada.Desta forma, a participante também mantinha idéias divergentes aoconhecimento científico, no que se refere ao gradualismo do processoevolutivo e na geração da variação intra-específica. Nesse contexto,é possível inferir que o desenvolvimento conceitual desenvolvido porambos participantes permitiu a ampliação e estruturação do chamado“tecido conceitual”, referente à teoria da evolução. Essa estruturaçãonão pode ser considerada completa, no sentido de uma convergênciatotal ao conhecimento científico, mas demonstra um caminho trilhadoneste sentido.

O desenvolvimento apresentado pelos participantes não foiigual, nem pode ser considerado totalmente convergente aoconhecimento científico, pois percebemos diferenças em relação aoconteúdo de conceitos desenvolvidos e ao grau dessedesenvolvimento. O desenvolvimento parcial apresentado pelosparticipantes, indicado, por exemplo, pela presença de idéiasdivergentes e convergentes ao conhecimento científico – às vezes,contrárias a este – relaciona-se, ao nosso entender, ao caráterprocessual do desenvolvimento conceitual. Esse processo,implementado mas não terminado no curso, está relacionado àformação de um sistema de significados incompleto do ponto de vistada interação entre conceitos científicos. Esta incompletude pode estarrelacionada à formação de estruturas parciais de organizaçãoconceitual, formando idéias convergentes ao conhecimento científicoque, por não estarem de fato conectadas a outras relações do tecidoconceitual, convivem com idéias antagônicas mantidas oudesenvolvidas ao longo do processo de ensino.

As dificuldades de aprendizagem – e, consequentemente, doensino proporcionado – não parecem estar relacionadas a diferençassignificativas na visão dos participantes sobre o processo evolutivoantes da intervenção. Ambos apresentavam idéias fortemente

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divergentes do conhecimento científico sobre o processo evolutivo eque encontram caracterização na literatura, por exemplo no trabalhode Bizzo (1996). Ao início da intervenção, as respostas indicavamclaramente que Fábio tinha idéias convergentes às que Bizzo (1996)caracteriza como lamarckismo, principalmente pelas de uso e desuso.Vanessa também apresenta dados que corroboram essa análise. Elacompreendia o surgimento de novas características como aquisiçãode “melhorias” e transformação de características “prejudiciais”.Assim, os estudantes demonstraram idéias semelhantes às que opesquisador encontrou em seu estudo com alunos já submetidos aoensino formal desse conhecimento. Essas idéias estavamcaracterizadas: pela possibilidade de herança dos caracteres adquiridos– “Os principais mecanismos hereditários admitidos nas entrevistasrestringiram-se quase que somente à herança das característicasadquiridas” (p. 205); pelo surgimento de mudanças (variação) atravésdo uso e desuso:

Existe a crença geral de que certas modificações provocadaspelos próprios indivíduos sejam, de alguma forma, hereditárias.O exemplo principal é, sem dúvida, a questão do uso e desusodos órgãos (p. 207);

e, pelo aparente desconhecimento de conceitos de genéticarelacionados ao processo evolutivo:

A transmissão das características hereditárias – independente decomo elas tenham surgido – é outro aspecto absolutamentenebuloso nas concepções dos alunos. Apesar de terem estudadoGenética regularmente e, em alguns casos isso ficou claro,possuírem vocabulário bastante razoável, não existem evidênciasseguras de que o aprendizado tenha contribuído para acompreensão dos processos evolutivos (p. 214, grifo nosso).

Em relação, principalmente, à afirmação final de Bizzo (1996),acreditamos que o aprendizado não tenha ocorrido de fato ou tenha

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sido apenas parcial – como parece mostrar os dados que analisamosnesta pesquisa. Desta forma, esse desenvolvimento conceitualincompleto pode explicar parte significativa da não compreensão dosprocessos evolutivos pelos estudantes. A formação de estruturasparciais, em que não há conexão efetiva e coerente entre todos oselementos (científicos e não) que formam a visão do sujeito sobre oprocesso evolutivo, pode ser uma das explicações para a convivênciade noções aparentemente contrárias. Algumas destas noções seriamaplicadas em determinados contextos e outras em outros, em funçãodas relações requisitadas nestes. Isto é, alguns contextos favorecem autilização de estruturas conceituais menos sólidas (parciais ou emdesenvolvimento), pois requerem menor grau de conectividade(como, em alguns casos, responder a questões com alternativas). Poroutro lado, alguns contextos – por exemplo, a aplicação de conceitosem situações concretas e totalmente novas – requerem a utilizaçãode relações mais consistentes, mais coerentes, o que pode ter papelimportante na recorrência de idéias prévias, divergentes doconhecimento científico que está sendo aprendido.

Quanto à formação de vocabulários desprovidos de significado,Vygotski teoriza que se o desenvolvimento de conceitos científicospercorresse o mesmo caminho dos conceitos cotidianos, isso resultariaapenas em aumento do vocabulário dos sujeitos, pela falta dedesenvolvimento de um sistema, no sentido já apresentado.Acreditamos que a não aprendizagem significativa pelos estudantes,referente a desenvolvimento conceitual e formação de um sistemade significados mais estruturado e formado por conceitos genuínos,pode estar na base de produção de vocabulários desprovidos designificados. Esse vocabulário, cujas palavras carecem do significadocientífico, é identificado em outros trabalhos, como em Bishop eAnderson (1990), por exemplo.

Finalmente, nossos dados parecem indicar que houve, durantea intervenção, o início da estruturação – ou reestruturação – de umsistema de significados convergente ao conhecimento científico sobre

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a teoria da evolução das espécies, mas que não foi totalmentedesenvolvido. Neste sentido, procuramos relacionar as dificuldadesde aprendizagem dos estudantes às condições de ensinoproporcionadas na intervenção. Nas considerações finais procuramosdiscutir os principais aspectos dessa interação entre aprendizagem eensino.

Considerações finais

Com a realização desta investigação e seus resultados, juntamo-nos a outros trabalhos que afirmam ser a teoria de Vygotski umaferramenta importante para a compreensão da aprendizagem deconceitos científicos e problemas de aprendizagem. Da mesma forma,pode contribuir para a análise de procedimentos de ensino a fim desuperar essas dificuldades (por exemplo, TUDGE, 1996).

Por meio da análise em base a aspectos da teoria vygotskiana,foi possível compreender dificuldades de aprendizagem sobreconceitos relativos à teoria evolutiva, dentro do contexto daintervenção realizada. Os principais entendimentos utilizados comoreferências teóricas foram: desenvolvimento conceitual e sistemasde significados. Eles foram o foco da análise sobre a aprendizagem esobre as dificuldades apresentadas pelos participantes na intervençãorealizada, assim como o papel desta no desenvolvimento conceitual.Por meio das análises empreendidas, percebemos que houvedesenvolvimento conceitual dos estudantes dentro da referidaintervenção de ensino, assim como a formação de sistemas designificados convergentes ao conhecimento científico.

Mas, como mencionamos anteriormente, não foi possível,dentro das condições de ensino proporcionadas na intervenção, queos participantes formassem sistemas de significados completos,totalmente convergentes ao conhecimento científico abordado. Istoé, houve aspectos dos procedimentos de ensino que, em nossa análise,foram centrais na não superação de algumas das dificuldades de

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aprendizagem, amplamente apontadas pela bibliografia, sobre a teoriada evolução das espécies. Nesse sentido, os aspectos que consideramosmais relevantes são:

- Necessidade de realizar muitas atividades de diagnóstico dasidéias dos estudantes sobre os conceitos científicos abordados. Essaidentificação é central para a elaboração de atividades a fim de abordarconceitos ou idéias, de novas maneiras e dando ênfase a aspectosdidáticos que pareceram falhos. Nesse sentido, houve momentos emque a identificação do desenvolvimento parcial de determinadosconceitos foi realizada muito ao fim do processo de ensino. Umdiagnóstico mais precoce poderia ter colaborado para odirecionamento da atuação docente a fim de elaborar novaspossibilidades de sistematização e aplicação desses conceitos e maisinformações, desconhecidas pelos participantes, o que poderia gerarnovas relações e favorecer o desenvolvimento conceitual e,concomitantemente, um sistema de significados mais convergentecom o conhecimento científico.

- Necessidade de sistematizar de forma clara e ampla osconceitos abordados no curso. Durante a intervenção, priorizamosatividades nas quais os participantes realizaram trabalhos deaplicação de suas idéias, e de conceitos abordados, com oinstrumento de ensino. Ao fim da análise percebemos que um fatorpotencializador da aprendizagem dos participantes poderia ser omaior equilíbrio entre atividades de aplicação e de sistematização(generalização, conceituação). Nestas atividades seria importanteenfatizar tanto a conexão dos conceitos e idéias à realidade quantoà consciência dos estudantes sobre esses conceitos, procurandoestimular sua generalização e abstração.

- Necessidade de avaliar de forma muito cuidadosa o papel deinstrumentos de ensino na aprendizagem de conceitos científicos.Como analisamos em Silva (2004), algumas características doinstrumento de ensino foram muito importantes para odesenvolvimento conceitual dos estudantes. Mas, também foi possível

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perceber que outras podem ter favorecido a formação de visõesreducionistas e simplificadas do processo evolutivo, principalmentea respeito do surgimento da variação intra-específica. No instrumentoutilizado não era possível simular o caráter gradual e cumulativo dasmutações, noções que não foram aprendidas pelos participantes,mesmo com a realização de explicações sobre esse aspecto da teoriada evolução. Assim, ressaltamos a importância de identificarpreviamente, ou mesmo durante o processo de ensino, aspotencialidades e limitações dos instrumentos de ensino queutilizamos, a fim de compensar estas limitações com outrasatividades.

- Avaliação constante sobre a duração da intervenção de ensino.Analisamos que as nove aulas de duas horas que caracterizaram oprocesso de ensino não foram suficientes para abordar osconhecimentos objetivados da forma necessária para sua aprendizagempelos estudantes. Em certas ocasiões a aplicação de atividadesdirigidas a novas informações foram priorizadas em relação àrealização de outras atividades sobre conceitos já abordados e queidentificamos não apropriadamente compreendidos. Esse dilema nãoé exclusivo da intervenção realizada nesta pesquisa e está intimamenteligado ao fato de que a aprendizagem significativa de uma temáticacomplexa como a teoria da evolução das espécies demanda grandequantidade de tempo. Essa é uma questão central para o planejamentode ensino e para a seleção de conteúdos, problemáticasimportantíssimas para pensarmos sobre as dificuldades deaprendizagem e sua superação.

Por fim, destacamos que análises do desenvolvimentoconceitual – e da formação de sistema de significados – em pesquisasque visem compreender as idéias de estudantes de Ciências podemcontribuir muito para a ampliação do conhecimento sobreaprendizagem de conceitos científicos. No caso daqueles relacionadosà teoria da evolução das espécies, central dentro das Ciências Naturais,essa análise parece ser particularmente relevante. Principalmente, pela

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constatação em tantos trabalhos, inclusive neste, da complexidadeda elaboração de procedimentos de ensino capazes de superardificuldades de aprendizagem apresentadas por estudantes sobreessa teoria.

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Recebido em: 04 de junho de 2007 (1ª versão)Aprovado em: 13 de setembro de 2007 (2ª versão)

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Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Umabreve revisão de literatura em psicologia

Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro * Débora Cristina Piotto **

Resumo: Partindo de pesquisas que mostram como muitas das dificuldadesatribuídas às crianças pobres são produtos do sistema de ensino, buscou-severificar quais as concepções de dificuldades de aprendizagem presentes empesquisas sobre o tema, discutindo suas implicações para a área educacional.Selecionamos e analisamos dezesseis artigos, publicados entre os anos 2000 e2004 por um programa de pós-graduação em Psicologia, organizando-os emcinco categorias. Doze artigos mostraram conceber as dificuldades deaprendizagem como um problema individual, propondo para seu enfrentamentoprogramas de assistência psicológica. Apenas uma categoria apresentou umavisão de dificuldades de aprendizagem focalizada no contexto de aprendizagem.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Aluno. Escola.

* Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de RibeirãoPreto/Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected]** Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto dePsicologia da USP. Educadora do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 101-126 2007

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Learning or teaching difficulties? A brief review of psychology studies

Abstract: Starting of researches that showed how many of difficulties lays forthe poor children are products of education system, this research looked tocheck what the conceptions of difficulties of learning present in researchesthat deal with the subject, discussing their implications for the area of theeducation. We selected sixteen articles about the subject publicized between2000 and 2004 in one program of pos-graduation in Psychology and organizedthem in five categories. Twelve articles think the difficulties of learning as oneindividual problem, suggesting programs of psychology assistance for thediagnosis and the facing of theses difficulties. Only one category has one viewabout difficulties of learning focused in context of learning.

Key-words: Difficulties of learning. Student. School.

Introdução

Várias pesquisas em Psicologia e em Educação vêm estudandoas chamadas dificuldades de aprendizagem, como, na verdade,problemas de escolarização. Esses estudos discutem os chamadosproblemas de aprendizagem e as questões relacionadas ao tema,contextualizando o papel do sistema escolar na produção de taisproblemas, questionando concepções e teorias que atribuem à criançapobre e à sua família a responsabilidade por dificuldades enfrentadasno processo de ensino-aprendizagem.

No início do século XX, nas décadas de vinte e trinta, opensamento predominante em relação aos chamados problemas deaprendizagem era baseado em um discurso preconceituoso, sobretudoem relação aos negros e aos pobres, ao afirmar que esses nãoaprendiam devido a fatores como raça e classe social (PATTO, 1990).Essas idéias, presentes ainda hoje em discursos de alguns profissionaistanto dentro da escola quanto em consultórios psicológicos, tiveramorigem em meio a teorias de grande prestígio na Europa no séculoXIX, como o darwinismo social, o evolucionismo e o positivismo.

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As idéias de ordem social e neutralidade científica provenientesdessas teorias foram transpostas para a Psicologia, surgindo, assim, aPsicologia Científica, e mais especificamente a Psicometria, quebuscava analisar as “aptidões naturais” dos indivíduos e seus padrõesde normalidade. Pretendia-se conhecer a natureza humana, medindo,diagnosticando e rotulando para identificar e controlar os indivíduosque fugiriam à “normalidade” psíquica.

Em outro momento, no Brasil, após os anos cinqüenta do séculoXX, as explicações para as dificuldades de aprendizagem, baseadasnas teorias de raça e de hereditariedade, perderam espaço, surgindoteorias que passaram a focalizar a origem de tais dificuldades nosfatores ambientais, de acordo com o meio em que a criança vivia.Nesse sentido, a criança com dificuldades de aprendizagem deixoude ser vista, através das teorias raciais, como possuidora dedeficiências em sua condição natural, passando a ser compreendida apartir de influências ambientais que repercutiriam não só em seudesenvolvimento, mas também em sua personalidade.

Surge, assim, uma tendência à psicologização das dificuldadesde aprendizagem e os testes psicométricos foram apresentando-secom mais peso, à medida que diagnosticavam as crianças comdificuldades a partir de características pessoais, psicológicas e doambiente familiar (PATTO, 2000). Essas idéias, que explicavam aschamadas dificuldades de aprendizagem em virtude de deficiênciasculturais, atingiram seu ápice na Psicologia a partir da elaboração,nos anos sessenta do século XX, da “Teoria da Carência Cultural”,que chegou ao Brasil um pouco depois, em meados dos anos setenta.Essa teoria, baseada em princípios ambientalistas de desenvolvimentohumano, explica as dificuldades das crianças pobres em função deuma carência ou uma deficiência de cultura. Sendo assim, as criançasteriam mais dificuldades em seu desenvolvimento físico, psicológicoe cognitivo, devido a uma “falta” de cultura.

A partir dos anos de 1980, começam a surgir várias pesquisasque propõem mudar o eixo da discussão, e que, partindo de uma visão

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crítica de sociedade, passam a questionar essas explicações e a apontare discutir a participação da escola na produção das chamadasdificuldades de aprendizagem, nomeadas, mais genericamente, defracasso escolar.

Pesquisas como as de Patto (1990, 1997, 2005), Souza (1997,2002), Collares e Moysés (1992, 1996) são alguns exemplos de estudosque discutem a influência das instituições escolares na produção dofracasso escolar, e ao discutirem tal influência, mostram, partindodas reais condições das escolas públicas brasileiras, como muitas dasdificuldades atribuídas às crianças são, na verdade, produto do sistemade ensino.

Objetivos

Partindo desses estudos, das questões anteriormente expostase do entendimento de que muitas das dificuldades atribuídas àscrianças são produzidas no interior do sistema de ensino, o presenteartigo tem como objetivo discutir as concepções de dificuldades deaprendizagem presentes em pesquisas realizadas por profissionais daárea de Psicologia. Mais especificamente, o objetivo da pesquisa éanalisar tais concepções e discutir suas implicações para a áreaeducacional.

Metodologia

A realização do presente trabalho baseou-se em uma análisedocumental. Foi feito levantamento bibliográfico de artigos quetratassem do tema das dificuldades de aprendizagem publicados emanais de um programa de pós-graduação em Psicologia de umauniversidade pública, entre os anos de 2000 e 2004. Escolhemosanalisar pesquisas publicadas por mestrandos e doutorandos na áreada Psicologia para termos exemplos de como os psicólogos têmproduzido conhecimento na sua interface com a Educação.

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A escolha dos artigos ocorreu através da seleção de palavras-chaves relacionadas ao assunto em questão. A partir disso, foram lidosos resumos dos artigos disponíveis e selecionados os que tratavam,de alguma forma, do tema dificuldades de aprendizagem. Foramencontrados dezesseis artigos. Posteriormente, realizamos leituras ere-leituras dos artigos, bem como a análise de cada um deles. Feitoisso, organizamos os dezesseis artigos em cinco categorias, agrupando-os de acordo com assuntos específicos abordados em cada um deles.As categorias organizadas foram: Avaliação Assistida, Auto-conceitoe Aspectos Motivacionais, Aspectos Emocionais e Comportamentais,Comportamento e Ambiente Familiar e Família. A divisão dos artigosanalisados nessas categorias pretendeu facilitar ao leitor oacompanhamento da discussão empreendida.

A seguir, apresentaremos resumidamente cada pesquisa bemcomo algumas reflexões para cada categoria.

RESULTADOS

A avaliação das dificuldades de aprendizagem

Na primeira categoria – Avaliação Assistida – temos trêsartigos que trataram desse tipo de avaliação. O primeiro artigo tevecomo objetivo a verificação da relação dos aspectos do funcionamentocognitivo (que foi avaliado com a combinação da avaliaçãopsicométrica tradicional e da avaliação cognitiva assistida) com odesempenho escolar em leitura e escrita de crianças na 1ª série.

Os sujeitos da pesquisa foram 56 crianças (29 meninas e 27meninos) ingressantes na 1ª série do ensino fundamental, com idademédia de sete anos, de uma escola pública estadual de uma cidade dointerior de São Paulo. O artigo não mencionou se as crianças possuíamou não dificuldades de aprendizagem. A pesquisa buscou acompreensão do desempenho acadêmico dos alunos através daaplicação das avaliações assistida e psicométrica.

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A pesquisa concluiu que a avaliação assistida pareceu não terpoder de predição na amostra de escolares com bom desempenhoacadêmico, mas se mostrou sensível em detectar as crianças queapresentam desempenho acadêmico insatisfatório. Tentou-seestabelecer no artigo uma causalidade para o fato das crianças iremmal na escola em função de possuírem problemas cognitivos,detectados através da avaliação assistida.

O segundo artigo da mesma categoria apresentou uma pesquisaque objetivou, através de procedimentos de avaliações combinados,identificar indicadores de potencial cognitivo em um grupo de criançasque foram encaminhadas para atendimento psicológico, devido aqueixas de dificuldades de aprendizagem escolar. As criançasparticipantes da pesquisa foram 20 alunos de 1ª a 4ª série de uma escolapública de uma cidade no interior de São Paulo, com idade entre oito eonze anos, sendo a maioria meninos (doze meninos e oito meninas).

A pesquisa concluiu que a avaliação assistida melhora odesempenho das crianças devido à assistência presente nesse tipo deprocedimento. Além disso, a pesquisa afirmou também que, mesmodepois da suspensão da assistência, muitas crianças continuaram como mesmo bom desempenho de antes da suspensão da ajuda.

O terceiro e último artigo da categoria Avaliação Assistidateve como objetivo avaliar os aspectos do funcionamento cognitivode crianças que foram encaminhadas para atendimento psicológico aunidades de saúde, apresentando queixas de dificuldades deaprendizagem.

Da amostra participaram 34 crianças entre oito e onze anos,encaminhadas para atendimento psicológico a um ambulatório desaúde mental, com queixa de dificuldades de aprendizagem, e semproblemas neurológico, psiquiátrico ou genético. Essas criançascursavam de 1ª a 4ª série e 82% eram alunos de escolas públicas.

A avaliação assistida se mostrou, segundo os autores, umprocedimento de avaliação cognitiva bastante eficiente, dinâmico einterativo, pois ao “otimizar” a situação de avaliação, acredita-se que

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as crianças possam evoluir em suas estratégias de resolução deproblemas. Nesse sentido, concluiu-se que a presença de assistênciapode auxiliar a revelar recursos potenciais de aprendizagem da criança.Os resultados apontaram que o grupo de crianças pesquisado erabastante heterogêneo do ponto de vista cognitivo.

Na categoria Avaliação Assistida, os artigos, ao discutiremsobre as dificuldades de aprendizagem, a definiram como um problemaindividual, quando afirmaram, por exemplo, que a partir da avaliaçãoassistida pode-se detectar o nível intelectual das crianças. Emcontrapartida à localização das dificuldades no âmbito individual, aspesquisas analisadas, ao proporem um meio de avaliar as criançascom tais queixas, ressaltam a importância da avaliação assistida –que conta com a assistência do examinador. Analisando os artigosdessa categoria, percebemos que a concepção de dificuldades deaprendizagem tem como foco a criança. De um modo geral, aspesquisas apresentadas procuraram estabelecer uma relação entredesempenho escolar ruim e problemas cognitivos.

Consideramos importante refletir sobre o significado dacentralidade que a assistência assumiu nas pesquisas apresentadas,sobretudo quando se trata de pensar a relação da psicologia com aárea educacional. A necessidade de ajuda para realizar os testes e amelhora no desempenho, por parte das crianças quando auxiliadas,problematizam o entendimento das dificuldades de aprendizagemcomo algo individual, sem levar em conta o contexto do processoensino-aprendizagem, no caso, sem considerar o que se passa na escolae que poderia, pelo menos, estar contribuindo para essas dificuldades.

Auto-Conceituação e Dificuldades de Aprendizagem

A segunda categoria definida para análise dos artigos foi Auto-Conceito e Aspectos Motivacionais, com quatro artigos.

O primeiro artigo dessa categoria objetivou avaliar o auto-conceito de crianças que possuíam e que não possuíam dificuldades

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escolares no momento em que estavam cursando as séries iniciais daescolarização formal. Os participantes da pesquisa foram 60 crianças(30 meninas e 30 meninos), dos sete aos dez anos, alunos de 1ª a 4ªsérie de uma escola pública do interior de Minas Gerais. As criançasforam divididas em três grupos: G1 – 20 crianças com dificuldadesescolares que freqüentavam, além do ensino regular, o programa deEnsino Alternativo1; G2 – 20 crianças com dificuldades escolaresque freqüentavam apenas o ensino regular e G3 – 20 crianças semdificuldades escolares que freqüentavam o ensino regular com bomrendimento.

Como resultados observou-se que as crianças com dificuldadesescolares que freqüentavam, além do ensino regular, o programa deEnsino Alternativo, não apresentaram escore de auto-conceitodiferente das crianças com dificuldades de aprendizagem que nãofreqüentavam esse programa.

O segundo artigo que integra essa mesma categoria teve comoobjetivo investigar as atribuições de causalidade de alunos do ensinofundamental para situações de fracasso escolar. Os participantes dessapesquisa foram 40 crianças entre oito e treze anos, alunos da 3ª sériede escolas públicas de uma cidade no interior de São Paulo, de ambosos sexos. Metade desses alunos foi classificada, segundo avaliaçãodos professores, como apresentando alto desempenho acadêmico e aoutra metade com baixo desempenho acadêmico.

Foi realizada uma Entrevista de Atribuição de Causalidade comcada criança. Nessa entrevista foram apresentadas três históriascotidianas da escola sobre fracasso em atividades acadêmicas e osalunos deveriam imaginar que essas histórias eram referentes a simesmos, analisando as possíveis causas responsáveis pelo maudesempenho.

1 Programa implantado na cidade de Uberaba-MG para alunos com problemas deaprendizagem já constatados e selecionados através de um diagnóstico psicopedagógico,cujos resultados determinam a prioridade com que as vagas disponíveis serão preenchidas.

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Foi apontada nos resultados a predominância da explicação “faltade esforço” para o fracasso escolar; as atribuições “não sei” e “não prestaratenção” ficaram em segundo lugar. Os resultados apontaram umatendência à internalização do sucesso e do fracasso, visto que as criançasatribuíram a si mesmas a responsabilidade pelo desempenho acadêmico.

O terceiro artigo da categoria Auto-conceito e AspectosMotivacionais teve como objetivo caracterizar a maneira como ascrianças com dificuldades de aprendizagem se comportam em relaçãoà produtividade, recursos, manifestações afetivas e comportamento,diante de uma situação de observação orientada para aprendizagem.Para tanto, comparou-se dois grupos de crianças – com e semdificuldades de aprendizagem – analisando se com o auxílio de umprograma de suporte psicopedagógico as crianças com dificuldadesescolares alteravam seu perfil de produção e comportamento.

Os participantes foram 50 crianças, de ambos os sexos, de oitoa doze anos, alunos de 1ª a 4ª série de 20 escolas da rede pública deuma cidade no interior de São Paulo, com nível intelectual médioinferior, distribuídas em dois grupos: G1 – 24 crianças encaminhadasa um ambulatório de saúde mental com queixa de dificuldades deaprendizagem e atendidas em programa de suporte psicopedagógicode curta duração; G2 – 26 crianças com bom desempenho acadêmicoque freqüentavam um Centro de Atendimento Integral a crianças eadolescentes. Foram realizadas avaliações de diversas categorias etestes de desempenho escolar.

Como resultados, o artigo apontou que as crianças com queixade dificuldades de aprendizagem apresentaram desempenho menosfavorável do que as crianças com bom rendimento escolar, em todasas categorias, com exceção da categoria Produtividade, na qual ascrianças do G1 (com queixas de dificuldades de aprendizagem)apresentaram rendimento equivalente às crianças com bomrendimento. Esse dado, apesar de contrário às expectativas dospesquisadores, demonstrou que mesmo com menos disponibilidadede recursos, e estando mais suscetíveis a influências emocionais

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negativas, as crianças com queixa de dificuldades de aprendizagemproduziram e se comportaram de forma equivalente às outras crianças,demonstrando esforço para realizar as atividades.

Com relação ao suporte psicopedagógico, os resultadosapontaram que ele não produziu mudanças no padrão de produção ecomportamento das crianças que compunham o G1; no entanto,auxiliou como um “catalisador” da possibilidade de aprendizagem,mantendo a motivação e favorecendo a produtividade escolar futurapara as crianças com dificuldades de aprendizagem.

O quarto e último artigo da categoria Auto-Conceito e AspectosMotivacionais buscou investigar em crianças atendidas em uma clínicapsicológica, em razão de dificuldades escolares, associações entre osrecursos de sociabilidade, averiguados a partir de relatos das mães naépoca do atendimento, e características de comportamento, desempenhoescolar e auto-percepções, avaliadas pelo menos um ano após a altaclínica, dados esses obtidos a partir de um estudo de seguimento.

Os participantes da pesquisa foram 48 crianças, todasencaminhadas a um ambulatório de saúde mental por queixa dedificuldades de aprendizagem, com idade entre dez e quinze anos (oestudo foi realizado um a dois anos após a alta). Foram realizadastambém entrevistas com a mãe ou responsável, avaliações de auto-conceito e testes de desempenho escolar.

Analisou-se os resultados de acordo com os indicadores derecursos (obediência a regras e normas, fácil relacionamento comadultos, fácil relacionamento com crianças) e dificuldades(desobediência a regras e normas, dificuldade para relacionamento,tendência a agressividade) relativos à sociabilidade. Foram formadostrês grupos, a partir de relatos das mães das crianças: G1 – 17 criançascom recursos de sociabilidade (apresentaram todos os indicadores derecursos e nenhum de dificuldade); G2 – 15 crianças com dificuldadesnas relações interpessoais (apresentaram todos os indicadores dedificuldade e nenhum de recurso) e G3 – 16 crianças que nãoalcançaram os critérios de inclusão nos grupos 1 e 2.

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O trabalho mostrou que as crianças do G1 demonstrarammelhor adaptação psicossocial nos aspectos comportamentais e nasauto-percepções em comparação com as crianças com dificuldadesnas relações interpessoais. Concluiu-se, a partir disso, que a percepçãodas mães em relação aos filhos (sobre ter dificuldades ou recursospara sociabilidade) interferia em como a criança se percebiaposteriormente. Desse modo, quanto mais positivos eram ossentimentos ou as crenças dos pais em relação aos filhos, melhores asauto-percepções desses.

A concepção de dificuldades de aprendizagem presente nacategoria Auto-Conceito e Aspectos Motivacionais esteve ligadaao auto-conceito, ou seja, as crianças com auto-conceito positivoforam apontadas como tendo melhor motivação, o que, por sua vez,favoreceu o desempenho acadêmico, enquanto as crianças com auto-estima baixa foram descritas como podendo desenvolver dificuldadesna aprendizagem, principalmente no início do ensino fundamental.

O primeiro artigo dessa categoria afirmou que a família e aescola contribuem para a formação das auto-percepções, no entantonão há referências a quais seriam tais influências nem como elas sedariam. A pesquisa também ressaltou a importância de programasespeciais de ensino, como “classes especiais” (Programa de EnsinoAlternativo), que algumas crianças com dificuldades de aprendizagemfreqüentavam paralelamente ao ensino regular. No entanto, essaafirmação não encontra respaldo nos resultados do artigo, visto queas crianças que não freqüentavam essas classes, obtiveram escoresde auto-percepções parecidos com as crianças que estavam inseridasnaquele programa.

Partindo dessas considerações, parece-nos possível afirmarque nos artigos que compõem a categoria Auto-Conceito eAspectos Motivacionais as dificuldades de aprendizagem sãoconcebidas como um problema individual da criança, já que taisdificuldades são entendidas como relacionadas com o auto-conceitoque as crianças possuem.

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Aspectos emocionais e comportamentais das dificuldades deaprendizagem

Na categoria 3 – Aspectos Emocionais e Comportamentais– foram analisados três artigos que relacionaram problemascomportamentais e emocionais ao rendimento escolar.

O primeiro artigo teve como objetivo o estabelecimento decomparações quanto à existência de problemas de comportamento eemocionais, entre dois grupos de crianças: um com alto rendimentoacadêmico e outro com baixo rendimento. Os alunos foram avaliadospelos seus professores quanto ao rendimento acadêmico, em umaescala de 1 (baixo rendimento) a 10 (alto rendimento). A partir dessaescala foram sorteadas 20 crianças classificadas entre um e dois, paracomporem o grupo com baixo rendimento, e 20 crianças classificadasentre nove e dez para o grupo de alto rendimento. Além dessaavaliação realizada pelo professor, foram aplicados testes e avaliaçõescom os alunos referentes a rendimento escolar e comportamento.

A pesquisa concluiu que as crianças com baixo rendimentoescolar têm grande tendência a problemas emocionais/comportamentais (como problemas de externalização, de atenção,concentração e dificuldades de fala) em comparação com as criançascom alto rendimento escolar. A partir disso, afirmou-se que asdificuldades de aprendizagem estão relacionadas a problemasemocionais/comportamentais.

Os autores apontaram, ainda, que o professor é uma importantefonte de informação sobre o comportamento e o desempenho escolardas crianças, mas enfatizaram também que existe uma grandenecessidade de implementações de programas de assistência externas/extra-escolares às crianças com dificuldades de aprendizagem.

O segundo artigo da mesma categoria teve como objetivocaracterizar crianças com baixo rendimento escolar quanto ao nívelintelectual, desempenho em leitura e escrita e problemas sócio-emocionais.

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Para isso, foi realizado um estudo do qual participaram 91crianças (73 meninos e 18 meninas) de 1ª a 4ª série, entre sete e onzeanos, de escolas públicas, que foram encaminhadas para o serviço depsicopedagogia de um ambulatório de saúde mental. Foram realizadasduas sessões individuais de testes com as crianças para avaliar o nívelintelectual e os problemas comportamentais.

Os resultados indicaram que: 72% das crianças avaliadasapresentaram capacidade intelectual média ou acima da média, 84%apresentaram desempenho no teste de desempenho escolarclassificado como inferior em relação à série, 75% apresentaramdificuldades relacionadas a não tomar iniciativa e a não conseguirrealizar tarefa sem ajuda e 68% apresentaram problemas decomportamento que foram julgados como problemascomportamentais clínicos.

Esses resultados levaram os autores a concluírem que acapacidade cognitiva pareceu não predispor a um desempenho escolaradequado e que o desempenho acadêmico não satisfatório esteve maisassociado a dificuldades comportamentais.

O terceiro e último artigo da categoria Aspectos Emocionaise Comportamentais objetivou comparar o desempenho escolar e ocomportamento de crianças com diferentes níveis intelectuais, queestavam cursando as três primeiras séries do ensino fundamental. Apesquisa contou com 40 crianças entre seis e sete anos, de uma escolada rede estadual de uma cidade no interior de São Paulo. Foramformados dois grupos, um com baixo e outro com alto percentil nosTestes de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. Foram utilizadoscomo procedimentos de coleta de dados, avaliações individuais comas crianças e questionários com professores e pais.

Os resultados apontaram que, em todas as modalidades detestes aplicados, as crianças que faziam parte do grupo com baixopercentil no Raven, ou seja, com menor nível intelectual,demonstraram menor rendimento e também mais problemascomportamentais. Para os autores, o desempenho escolar ruim é umfator de risco para o desenvolvimento da criança.

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Tanto os pais quanto os professores relataram poucos problemasde comportamento em relação a ambos os grupos; todavia o grupode crianças com baixo rendimento escolar apresentou mais problemasdesse tipo.

Um ponto a ser destacado na categoria Aspectos Emocionaise Comportamentais é a afirmação de que crianças com baixorendimento escolar possuem tendência a desenvolverem problemascomportamentais, associando dificuldades de aprendizagem a essesproblemas. Assim, novamente, as dificuldades de aprendizagem sãoconsideradas como dificuldades individuais, na medida em que seconsideram essas dificuldades associadas a problemascomportamentais e emocionais apresentados pelo aluno.

Os problemas comportamentais são concebidos, nas pesquisasque integram essa categoria, como possíveis conseqüências do baixorendimento escolar, já que a maior parte delas compartilha oentendimento de que as dificuldades de aprendizagem são produtorasde comportamentos não adequados.

A relação entre comportamento e dificuldades de aprendizagem

A categoria 4 – Comportamento e Ambiente Familiar – écomposta por três artigos. O primeiro teve como objetivo ainvestigação da associação entre problemas comportamentais eambiente familiar, em crianças com queixas de baixo desempenhoescolar. Participaram da pesquisa 67 crianças entre oito e doze anosque freqüentavam a 1ª, a 2ª e a 3ª séries do ensino fundamental e queforam encaminhadas por escolas públicas a um ambulatório de saúdemental, em virtude de dificuldades de aprendizagem.

Foram utilizados procedimentos de avaliações e entrevistassobre o ambiente familiar e o comportamento das crianças e, a partirdos resultados, foram formados dois grupos, um composto por 30crianças (19 meninos e 11 meninas) com dificuldades de aprendizageme sem problemas comportamentais e outro grupo com 37 crianças

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(29 meninos e 8 meninas) com dificuldades de aprendizagem e comproblemas de comportamento.

Os problemas comportamentais foram apontados no artigocomo fatores de risco pessoal e as características do ambientefamiliar, como possíveis recursos, fatores de proteção ou de riscopara o desenvolvimento da criança. As dificuldades de aprendizagemforam apresentadas como condição de vulnerabilidade psicossocialda criança ao longo de seu desenvolvimento, ocorrendo emdecorrência de características individuais da criança, fatoresfamiliares, escolares ou sociais.

De acordo com os resultados da pesquisa, as crianças doprimeiro grupo (com dificuldades de aprendizagem e sem problemascomportamentais) dispunham em seus ambientes familiares de maiorvariedade de materiais educacionais e de pais mais presentes nosmomentos das brincadeiras e estudos, do que o outro grupo. Os autoresconcluíram, assim, que as crianças do primeiro grupo viviam em umlar mais “coeso e harmonioso”, o que constituiu, segundo eles, umfator de proteção que favoreceu a adaptação das crianças.

O segundo artigo da mesma categoria objetivou comparar ashabilidades sociais e educativas de diferentes grupos de pais. Foramcomparados dois grupos: um com pais e mães de crianças comproblemas de comportamento e outro com pais e mães de criançascom indicativos escolares de comportamento socialmente habilidosos.Com isso, pretendeu-se melhor compreender as relações entre aspráticas educativas dos pais e o comportamento dos filhos.

Participaram da pesquisa 96 pais de crianças com idade entrecinco e sete anos, que freqüentavam 13 escolas de educação infantilda rede municipal de uma cidade no interior de São Paulo. Osprofessores das crianças também participaram da pesquisa aoindicarem as crianças com problemas de comportamento e as comcomportamento socialmente adequado. Os dados foram coletadosnas residências das famílias, e as variáveis consideradas foramhabilidades sociais educativas parentais, variáveis de contexto erepertório comportamental de crianças.

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O artigo apontou que os pais de crianças sem problemascomportamentais possuíam habilidades sociais, educativas, parentaise conjugais em maior proporção que o grupo de pais de filhos comproblemas de comportamento. Nesse sentido, a pesquisa afirmou queas crianças com indicativos de problemas comportamentais(apontados pelas avaliações realizadas) corresponderam às indicaçõesescolares no que diz respeito à existência de maiores indicativos deproblemas de comportamento, problemas esses relacionados com ashabilidades parentais.

O terceiro e último artigo da categoria Comportamento eAmbiente Familiar teve como objetivo investigar influências decaracterísticas pessoais das crianças e do ambiente familiar nomomento de transição (início da 1ª série) da criança para o ensinofundamental. A pesquisa foi realizada em duas escolas municipais deensino fundamental de uma cidade no interior de São Paulo eparticiparam 70 crianças com idade entre seis e oito anos. Essascrianças estavam freqüentando pela primeira vez a 1ª série do ensinofundamental.

As crianças avaliadas pelas professoras como competentessocialmente obtiveram melhores resultados na prova de desempenhoescolar e menos índices de stress. De acordo com o artigo, essesresultados apontaram para o fato de que crianças vistas comocompetentes possuem melhores condições de enfrentamento dosdesafios durante o período de transição para o ensino fundamental.

Os resultados indicaram que as características devulnerabilidade pessoal e as adversidades do ambiente familiarinfluenciaram no desenvolvimento da criança, assim como nomomento de enfrentamento de desafios, como a entrada no ensinofundamental. Assim, tais características e adversidades estão, deacordo com a pesquisa, diretamente relacionadas com problemascomportamentais e acadêmicos e com a competência social da criança.Nesse sentido, as crianças que tinham, em seu ambiente familiar eem suas características pessoais, recursos para o ajustamento escolar,

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competência social e consciência fonológica ao ingressarem na 1ª série,apresentaram melhores resultados no período da transição.

Os artigos da categoria Comportamento e Ambiente Familiardestacaram o desempenho escolar e os problemas comportamentais/emocionais como dependentes das características do ambiente familiar,argumentando que as dificuldades de aprendizagem podem ser evitadasou amenizadas a partir de recursos do ambiente familiar, escolar e social.

Foi consenso nos artigos a afirmação de que o ambiente familiar,além das características individuais, influencia o desenvolvimentoinfantil, assim como seu desempenho acadêmico e comportamento.Dessa forma, pode-se afirmar, de forma geral, que os artigosintegrantes dessa categoria associaram as dificuldades deaprendizagem às influências que o ambiente familiar exerce na criança.

As dificuldades de aprendizagem e a família

Na última categoria, de número 5 – Família – foram analisadostrês artigos que trataram da influência da família no desenvolvimentoda criança, relacionando-o com o contexto escolar.

O primeiro artigo teve como objetivo a compreensão dadinâmica das práticas educativas desenvolvidas nas famílias decamadas populares e na escola, buscando perceber a influênciadessas práticas no desempenho escolar de crianças do ensinofundamental. Os participantes foram alunos de três quarta séries.A pesquisa ressaltou que essas classes foram formadas pela escola,de acordo com o desempenho dos alunos. Na 4ª série S estavamos melhores alunos (27), na 4ª série I estavam os alunos comdificuldades de aprendizagem e problemas de disciplina (20) e na4ª série F os alunos “fracassados”, que tinham histórico dereprovação escolar (18).

O artigo destacou o grande número de pesquisas que culpabilizaas famílias e os alunos pelos resultados escolares negativos, comargumentos deterministas que atribuem o fracasso escolar às famílias

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e às crianças de camadas populares. Em contrapartida, os autoresargumentaram que existem vários fatores que interferem no processode ensino aprendizagem, não sendo a família um fator central, comomuitas vezes é indicada.

A pesquisa realizada conclui que as práticas educativasdesenvolvidas na família e na escola influenciam o desempenho doeducando. Portanto, acreditam os autores que a família, a escola e oeducando devem investir no processo de escolarização para queexistam maiores chances de sucesso escolar.

O segundo artigo da categoria Família teve como objetivoconhecer como pais percebem a escola e o desempenho escolar dosfilhos, investigando as diferenças nas representações de dois gruposde pais de alunos, sendo um grupo de filhos com bom rendimento eoutro com rendimento ruim. A partir disso, pretendeu-se tambéminvestigar até que ponto o sucesso e o insucesso escolares são fatoresque influenciam as representações dos pais sobre a escola, buscandoentender como a condição de fracasso contribui para a percepçãogeral da escola e do filho.

Os participantes da pesquisa foram pais de “classe média baixa”residentes em um bairro de periferia de um município no interior deSão Paulo com nível escolar diversificado (a maioria possuía o ensinofundamental incompleto). Os critérios utilizados para a escolha dospais foram análises do histórico escolar dos alunos de cada série doano anterior ao do início da pesquisa, do 1º bimestre do referido anoe classificação dos alunos pelo professor de cada série. Foramselecionados 32 pais, sendo 16 pais de alunos com desempenho escolarclassificado como sucesso e 16 pais de alunos com insucesso escolar.

Os pais de alunos com sucesso escolar relataram que os filhostiveram uma trajetória de escolarização bem sucedida e se disserampresentes com relação ao auxílio nas tarefas. No caso dos alunos cominsucesso escolar, seus pais relataram situações insatisfatórias nahistória escolar dos filhos, como, por exemplo, um início de experiênciaescolar marcado por dificuldades acadêmicas. As queixas desses pais

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foram desde problemas com a adaptação dos filhos até o fato de elesnão conseguirem aprender. Apesar do interesse dos pais pela vidaescolar dos filhos, foi apontado pelos autores que isso não garanteque os filhos apresentem bom rendimento acadêmico. Dessa forma,os pais de alunos com insucesso sabiam que o filho não possuía bomrendimento escolar e gostariam de mudar algo na instituição; todavia,esses mesmos pais afirmaram que a causa dos problemas enfrentadosestá na criança e não na escola. Foi observado pelos autores queesses pais pareciam se sentir discriminados pela escola pelo fato deseus filhos apresentarem insucesso acadêmico. A partir dessesresultados, os autores concluíram que a percepção da escola para ospais de alunos com sucesso e insucesso difere em função dodesempenho escolar dos filhos.

O terceiro e último artigo da categoria Família buscouinvestigar a relação família-escola a partir das representações evivências de pais de alunos, tentando conhecer o contexto escolar,os agentes escolares, além de compreender o contexto social ehistórico das famílias participantes, para assim compreender como sedava a relação família-escola para esses pais. Os participantes foramagentes escolares de uma escola pública estadual de uma cidade nointerior de São Paulo e pais de alunos de 3ª e 4ª séries, selecionados apartir de um questionário respondido pelos professores (que indicavaquais pais cumprem ou não o que deles é esperado pela escola).

O artigo relatou que existe por parte da escola uma granderesponsabilização das famílias pelas dificuldades do aluno, e que osdiscursos escolares sobre a família são embutidos de pensamentosestereotipados e preconceituosos, o que gera certa exclusão dessapela escola, contribuindo para uma comunicação ineficaz entre ambas.

A partir da análise dos documentos da escola, os autoresperceberam que a relação com a família está baseada nos deveres dospais e nos discursos de famílias deficitárias, com ênfase nos pais quenão cumprem o que lhes é designado. Já em relação aos pais, a pesquisaapontou que a maioria deles acredita que os professores e a escola sãoos responsáveis pelas dificuldades escolares apresentadas pelos filhos.

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De forma geral, os autores concluíram que uma parcelasignificativa de pais teve uma postura crítica perante a escola, enquantooutros se mostraram acríticos ou defensivos.

Na última categoria – Família – estão reunidos artigos que,embora tenham focalizado suas análises na família, contextualizaramalém do papel delas também o da escola no processo educativo, apartir de uma visão mais crítica sobre as dificuldades de aprendizagem.

O primeiro artigo ressaltou que na instituição escolar ondeocorreu a pesquisa são utilizados meios de classificação e divisão desalas de acordo com o desempenho dos alunos, ou seja, formação declasses “fortes” e “fracas”, o que para os autores não é positivo, vistoque provoca uma determinação das representações dos alunos, dasposturas das professoras, do conteúdo das aulas e também dasexpectativas em relação à aprendizagem das crianças, possibilitandoque a escola deixe de assumir eventuais falhas em suas práticaspedagógicas, culpabilizando o aluno pelo fracasso escolar.

Essa pesquisa, assim como a apresentada no segundo artigodessa mesma categoria, destacou que as práticas educativasdesenvolvidas na família e na escola influenciam no desempenho doeducando, devendo a escola e a família colaborar para um equilíbriono desempenho escolar da criança. Foi consenso entre os três artigosintegrantes da categoria Família a idéia de que a participação e ointeresse da família pela vida escolar dos filhos favorece o aprendizado,mas não garante bom rendimento escolar.

Essa categoria, diferentemente das categorias anteriores, estácomposta por artigos que possuem uma visão de dificuldade deaprendizagem focalizada no contexto da aprendizagem, retirando doâmbito individual e contextualizando a família e a escola comopossuindo influências no desempenho escolar.

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Considerações finais

Os artigos das quatro primeiras categorias analisadas concebemas dificuldades de aprendizagem como um problema individual,propondo para seu diagnóstico e enfrentamento, programas deassistência psicológica ou outra forma de apoio extra-escolar, nãoconsiderando as condições de produção das referidas dificuldades.Souza et al., (1993, p. 27) colocam uma pergunta bastante pertinenteem relação a essa questão: “[...] que problemas a criança apresenta naescola que o simples fato de estar num espaço de uma hora uma vezpor semana com um psicólogo, duas ou três vezes, traga tamanhamudança em sua atuação escolar ou em seu comportamento?”

Relacionado a essa concepção, está o fato de as pesquisasapresentadas apoiarem-se, grandemente, em metodologias que têmcomo principais instrumentos os testes psicológicos, que avaliamcaracterísticas individuais da criança. Os testes de inteligência(conhecidos como testes de QI), através de um suposto conceito denormalidade psíquica, definem parâmetros aos quais os avaliados,que nos casos das pesquisas aqui analisadas são crianças, devem seadequar, avaliando a partir disso o desempenho intelectual delas edefinindo o nível de sua inteligência, de forma a classificá-las combase nos resultados obtidos. Como salienta Patto (2000, p. 71): “Esteé o ponto da crítica às técnicas de exame psicológico: elas não erramquando buscam tipos psíquicos; erram quando consideram alguns deles[...] como paradigmáticos da saúde mental”. Tais testes, baseados emuma concepção inatista que afirma ser a inteligência um potencialherdado e imutável perante o ambiente, são utilizados para investigarse a criança está dentro dos parâmetros que são definidos de acordocom a idade que ela possui. Assim, como se sabe, esses instrumentosmedem se uma criança possui “inteligência” compatível com o que éesperado em sua faixa etária, e caso o resultado seja negativo, issopoderá afetar grandemente sua vida escolar, na medida em que ao sedetectar um “déficit de inteligência”, aquela criança estará sujeita a

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receber um rótulo de “incapaz” ou “incompetente”. Nesse sentido,Davis e Oliveira (1994, p. 65) afirmam que:

Na escola equiparar a inteligência a uma propriedade inatasignifica rotular algumas crianças de “incompetentes” semnenhuma base para tal. As conseqüências [...] são desastrosas,na medida em que se supõe que pouco resta para a escola fazer,pois, quando se supõe que o desempenho insatisfatório é culpadas próprias crianças, não se avalia – por não se considerar sero foco do problema – a atuação dos professores.

A partir dessas reflexões, pode-se dizer que os testespsicológicos, muitas vezes, “selam” o destino educacional de criançase, ao invés de promoverem melhoras, “rotulam”, de formapreconceituosa e imprecisa, alunos que não estão obtendo êxito naaprendizagem (PATTO, 1990). Esse tipo de avaliação deixa de ladoum ponto imprescindível para a compreensão das dificuldades deaprendizagem, que é a escola, pois ao acreditar que a inteligência éuma capacidade inata que acompanha os indivíduos desde onascimento, exclui-se a contribuição da escola para o desenvolvimento(ou não) dessa capacidade.

Além da concepção de inteligência em que os testes estãobaseados, é importante refletir também acerca dos procedimentos edas situações de testagem a que as crianças são submetidas quandoavaliadas, assim como os conteúdos desses instrumentos. Diversossão os fatores que podem favorecer resultados negativos nas avaliaçõesque foram utilizadas em grande parte dos artigos aqui analisados,pois o próprio procedimento de avaliação pode inibir ou atrapalhar odesempenho da criança avaliada.

A “avaliação científica da atividade intelectual”, como Patto(2000) chama os testes de inteligência, tem suas bases na concepçãopositivista de ciência. Tal concepção, apoiada nos princípios deneutralidade, objetividade, generalização, racionalidade, fidedignidadee replicabilidade, defende um modelo único de metodologia depesquisa para todos os campos da ciência, incluindo as ciências

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humanas. No entanto, em áreas de pesquisas humanas, como aSociologia, a História e a Psicologia, o objeto de análise é o homem,o que traz certa especificidade para área. Pesquisas na área das ciênciashumanas, ao se adequarem aos moldes positivistas, acabam, segundo(SILVA, 2000) por negar o sujeito da pesquisa enquanto sujeito que é,fazendo dele um objeto.

As pesquisas realizadas e relatadas nos artigos analisados aqui,ao estudarem as dificuldades de aprendizagem, cumprem exatamenteaos objetivos aos quais se propuseram. A discussão empreendida nopresente trabalho buscou refletir acerca das repercussões de pesquisascomo essas para a área da Educação em sua interface com aPsicologia. Assim, por exemplo, ao focalizarem as dificuldadesescolares em questões individuais e familiares da criança, aspesquisas contribuem para a crença de que a escola pouco podefazer para lidar com as dificuldades apresentadas pelas criançasdentro do ambiente escolar.

É certo que a escola ao encaminhar alunos para avaliaçõespsicológicas compartilha, muitas vezes, de tais concepções, visto queao encaminhar alunos para exames de ordem psicológica a escolaestá legitimando tais atitudes e contribuindo para que osencaminhamentos continuem a ocorrer. Esses encaminhamentos aconsultórios psicológicos e/ou unidades de saúde, por parte da escola,estão relacionados às fragilidades institucionais do sistema educacionalcomo um todo, pois muitas vezes buscando saídas para as diversasdificuldades encontradas no dia-dia da instituição, professores edemais profissionais escolares buscam nos encaminhamentos “bodesexpiatórios” para a má qualidade do ensino e para as condições detrabalho que possuem.

A última categoria, diferentemente das quatro demais, estácomposta por artigos que possuem uma visão de dificuldade deaprendizagem focalizada no contexto da aprendizagem, retirando doâmbito individual e contextualizando a família e a escola comopossuindo influências no desempenho escolar. Diferentemente do quefoi analisado nas anteriores, as pesquisas analisadas nessa categoria

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expõem uma concepção crítica de escola e de sociedade. A metodologiautilizada nelas constitui-se de procedimentos que propiciaram umaanálise mais ampla de todo o contexto escolar e familiar nos quais acriança está inserida. Notou-se que os artigos que compuseram acategoria Família trataram as dificuldades de aprendizagem a partirdo processo de escolarização, ou seja, a partir das relações que seestabelecem dentro do contexto escolar, considerando que a famíliapossui grande influência, no entanto não determina, sozinha, odesempenho escolar de um aluno.

Nesse sentido, concordamos com Souza (2002, p. 192) quandoessa autora afirma que:

A concepção teórica que nos permite analisar o processo deescolarização e não os problemas de aprendizagem desloca oeixo das análises do indivíduo para a escola e o conjunto derelações institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas quese fazem presentes e constituem o dia-dia escolar. Ou seja, osaspectos psicológicos são parte do complexo universo da escola,encontrando-se imbricados nas múltiplas relações que seestabelecem no processo pedagógico e institucional nele presentes.Tal concepção rompe com as explicações tradicionais sobre ofracasso escolar, mudando o foco do olhar de aspectos apenaspsicológicos para a análise do indivíduo e suas relaçõesinstitucionais.

No entanto, diferentemente dessa visão e do que os artigos dacategoria Família trouxeram, a maioria das pesquisas analisadas aquilocalizam a causa das chamadas dificuldades de aprendizagem emcaracterísticas individuais, deixando de lado diversas questões quesão de fundamental importância para a análise dessas dificuldades.Entres essas questões encontra-se o fato de que existe, e praticamentesempre existiu, uma política educacional marcada por descasos queproporciona grandes dificuldades em se garantir qualidade para asescolas da rede pública, assim como a política salarial que desestimulaos professores. Partindo disso, não se pode deixar de dizer, ao se tratarde dificuldades de aprendizagem, que na vida diária escolar as

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dificuldades encontradas estão relacionadas a práticas e processospedagógicos e administrativos que acabam por produzir maioresdificuldades e que terão reflexos diretos na aprendizagem e no ensinodos bens culturais que cabe à escola transmitir.

Não obstante, o presente estudo, ao analisar pesquisas recentesrealizadas por psicólogos, indica que tais questões parecem aindadistantes de serem consideradas por esse profissional na sua práticainvestigativa junto à área educacional.

Referências bibliográficas

DAVIS, C; OLIVEIRA, Z. M. R. Psicologia na educação. São Paulo:Cortez, 1994.

MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. A história ao contada dosdistúrbios de aprendizagem. Cadernos CEDES, Campinas, n. 28;São Paulo: Cortez, 1992.

______. Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e medicalização.São Paulo: Cortez; Campinas: Unicamp, 1996.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: estórias desubmissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.

______. Da psicologia do “desprivilegiado” à psicologia do oprimido.In: ______. Introdução à psicologia escolar. 3. ed. São Paulo: Casado Psicólogo, 1997.

______. Para uma crítica da razão psicométrica. In: ______.Mutações do cativeiro: escritos de Psicologia e política. São Paulo:Hacker; Edusp, 2000.

______. Sobre a formação das explicações hegemônicas do fracassoescolar: o lugar das teorias raciais. In: ______. Exercícios deindignação: escritos de educação e psicologia. São Paulo: Casa doPsicólogo, 2005.

SILVA, F. L. Conhecimento e razão instrumental. Psicologia USP,São Paulo, v. 8, n. 1, 1997.

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SOUZA, M. P. R. Problemas de aprendizagem ou problemas deescolarização? Repensando o cotidiano escolar à luz da perspectivahistórico-crítica em Psicologia. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D.T. R.; REGO, T. C. (Org.). Psicologia, educação e as temáticasda vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.

______. A queixa escolar e o predomínio de uma visão de mundo. In:MACHADO, A. M.; SOUZA, M. P. R. (Org.). Psicologia Escolarem busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.SOUZA, M. P. R. et al. Psicólogos na saúde e na educação: A buscade novos caminhos na compreensão da queixa escolar. InsightPsicoterapia, São Paulo, v. 3, n. 33, p. 25-29, 1993.

Recebido em: 01 de agosto de 2007Aprovado em: 01 de setembro de 2007

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Dificuldades de aprendizagem em adultos:a teoria das defasagens cognitivas

Tania Scuro Mendes *

Resumo: O adulto, como sujeito cognitivo, exercendo determinadas estruturascognitivas em campos específicos, relacionadas às áreas de estudo e de atuaçãoprofissional, pode não generalizar algumas dessas estruturas de modo a aplicá-las formalmente a todas as situações-problema com as quais se depara, nãoconseguindo ultrapassar limites de condutas operatórias concretas, segundo ateoria psicogenética de Piaget. Desse modo, o adulto pode evidenciar defasagenscognitivas que se refletem nas formas de inserção social, nos interesses,significados sociais das atividades, especializações profissionais. São analisadasas implicações dessas defasagens em contextos de EJA e como as interaçõeseducativas podem auxiliá-lo na superação das mesmas.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Teoria piagetiana. Defasagenscognitivas.

Learning difficulty in adult: The cognitive discrepancy theory

Abstract: The adult, as cognitive individual, exercising determinate cognitivestructures in specific areas, related to his study area and professional activity,he may not generalize some of these structures to adapt them formally to all

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 127-142 2007

* Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Docente da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Canoas) e Faculdade Anglo-Americanode Caxias do Sul. E-mail: [email protected]

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problematic situations he encounters, not being able to surpass limits of concreteoperative proceedings, according to the psychogenetic theory of Piaget. So, theadult may evidence discrepancies which reflect in the shape of social insertion, inthe interests, social significance of the activities, professional specializations. Areanalyzed implications of the cognitive discrepancies in the context of Adult andYouth Education and how educational interactions can help to surmount them.

Key-words: Adult and Youth Education. Piagetian theory. Cognitivediscrepancy.

Natália, professora de uma turma de Educação de Jovense Adultos, solicita, em uma de suas intervenções educativas quese constituiu na elaboração de uma linha de tempo históricopessoal, que um de seus alunos calcule a diferença entre a suaidade e a idade que sua mãe tinha quando ela lhe gerou.

F., um aluno com 37 anos, olha e analisa a linha de tempopor ele construída; retira do bolso uma caixa de fósforos e começa acalcular: escreve sua idade atual e “desconta” isso da idade atualde sua mãe, utilizando, para cada um dos momentos da operaçãomatemática, as unidades de palitos de fósforo. Depois de fazeresse cálculo, dá a tarefa por encerrada e a entrega à professora.

Contextos educativos similares ao descrito, envolvendodiferentes áreas de conhecimento e distintos modos e necessidadesde interação do adulto com materiais concretos ou semiconcretos(exemplos, metáforas...), são comuns de serem encontrados em turmasde educação de jovens e adultos. Embora adultos, “parecem” funcionarcognitivamente como crianças.

A revisão de literatura, acerca do desempenho operatório deadultos, permite-nos dizer que, a partir da década de 70, vêm sedesenvolvendo pesquisas inter-culturais, com sujeitos de diferentesnacionalidades e ambientes sociais, enfocando-se especialmente apassagem da adolescência à adultez. Estudos etnográficos e pesquisasna perspectiva piagetiana, inclusive brasileiras1, têm evidenciadoque, em numerosas culturas, há adultos que não ultrapassam asoperações concretas.2

1 Ver Piaget (1972) e Mendes (1993), conforme referências bibliográficas.2 A propósito dos períodos e estágios cognitivos, ver Piaget (1982).

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129Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas

Amparados no pressuposto de que as trocas interativas dosujeito com o meio – o que implica interações sujeito-objeto e sujeito-sujeito – coadunam-se ao tipo de tarefa, interesses, motivações,significados práticos e sociais das atividades, hábitos, especializaçõesprofissionais, é plausível dizermos que o meio cultural, no qual osujeito interage, influi, do ponto de vista do desenvolvimentocognitivo, nas manifestações das estruturas cognitivas, podendorelacionar-se ao maior ou menor desenvolvimento cognitivo do sujeitoe, como diz Piaget (1983), adiantá-lo, retardá-lo ou impedi-lo.

De modo a fundamentar e a alargar a abordagem apontada,este texto visa enriquecer a análise acerca de uma problemática quetange nossa realidade social e que diz respeito, portanto, à necessidadede aprofundamento neste campo teórico.

Na tentativa de elucidarmos essa questão, nortearemos nossaanálise por uma opção epistemológica: a Epistemologia Genética deJean Piaget, revisitando algumas definições e procedendo a um recortedessa teoria quanto ao tema em pauta, à luz dos significados aludidosnesse aporte. Para tanto, ajustaremos o foco para os períodos dedesenvolvimento cognitivo no adulto e para suas relações compossíveis defasagens intra e inter períodos.

A dialética da estruturação: os períodos de desenvolvimentocognitivo no adulto

Os períodos de desenvolvimento cognitivo designam, segundoPiaget (1982), grandes unidades que são subdivididas em estágios. Odesenvolvimento cognitivo implica um processo que segue uma ordemde sucessão, que não se orienta pela determinação de datascronológicas constantes.

Relembrando a posição desse epistemólogo, podemos conferirque cada período de desenvolvimento envolve um estágio de instalação(gênese) e outro de consolidação, sendo que o que efetivamentecaracteriza um estágio é a mudança qualitativa das estruturas

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cognitivas. A inauguração de cada período cognitivo não é relativa àidade cronológica, devido à impossibilidade de se estabelecer umahomogeneidade nos desempenhos cognitivos dentro de faixas etárias.Por isso, os estágios e períodos precisam ser tomados no sentido amplo.Assim, cada período comporta caráter integrativo, ou seja, absorveo(s) anterior(es), reorganizando-o(s). Além disso, possui um nível depreparação e outro de acabamento (equilíbrio), bem como um processode formação ou gênese que se refere à diferenciação da estruturaanterior e, ainda, um processo de equilíbrio final. Piaget (1983, p.292) sublinha: “toda gênese atinge uma estrutura e toda estrutura éuma forma de equilíbrio terminal, comportando uma gênese.

Um enfoque teórico dessa natureza requer a explicitação de,pelo menos, algumas características dos períodos de desenvolvimentocognitivo comumente demonstrados por adultos: período das operaçõesconcretas e período das operações formais, que correspondem aoterceiro e quarto períodos do desenvolvimento cognitivo.3

Por não pretendermos abarcar a extensão de cada uma dascaracterizações que se constituem em objeto de análise, e pelo fatodesses períodos não poderem ser considerados isoladamente, importadialetizá-los, integrando-os em um conjunto coerente de significações.

Ao questionamento sobre as reais fronteiras que demarcam osdois períodos mencionados, especialmente quanto às lógicas cognitivasque os engendram, cabe-nos expressar, como síntese, o que segue.

No período das operações concretas, o sujeito lida, diretamente,com o real, estando colado à experiência e, através dela, desenvolveabstrações e reflexões. Coordena e aprimora estruturas de classes erelações, concebendo a classe somente se pertence diretamente aoutras e compondo e recompondo as classes e relações envolvidas naproposição. Liga uma proposição à outra pelo seu conteúdo lógico,

3 Para uma análise pormenorizada de cada um dos períodos de desenvolvimento cognitivo,sugerimos a consulta aos seguintes livros, os quais abarcam uma trilogia fundamental àcompreensão da vastíssima obra piagetiana: O Nascimento da Inteligência na Criança; AConstrução do Real na Criança; A Formação do Símbolo na Criança, conforme referênciasbibliográficas.

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constituído de classes e relações que se relacionam a objetos. Classificapor inclusão simples (ex. gato, mamífero, vertebrados) e por vicariânciade classes complementares (ex: margarida + flores). Opera a negaçãode uma combinação por aproximações sucessivas e por classes quecomplementam classes mais amplas e mais próximas. Concebe asinversões e reciprocidades como constituídas por agrupamentosdistintos. Encara a reunião como adição de casos reais. Pensa sobre oreal, sendo o possível um prolongamento deste, pois carece deinstrumentos cognitivos para coordenar os agrupamentos operatórios.Apesar de expressar pensamentos sedimentados em base conceitual,não abdica do processo que transita no sentido da ação à representação.

Já no período das operações formais, o sujeito desprende-sedo real e desapega-se das ações, lidando com reuniões complexas etransformações. O pensamento torna-se enunciativo e independentedos conteúdos. Subordina o real ao possível, devido aos agrupamentosoperatórios coordenados num sistema. Assume a conjunção comooperação fundamental. Desenvolve a estrutura do reticulado,baseando-se no conjunto das partes. Constrói a classe com duasproposições que se associam. Compõe e recompõe as proposições,segundo os valores de verdade e falsidade das combinações. Deduz aproposição, que não é diretamente ligada à realidade, segundo asconseqüências necessárias. Classifica por generalização de vicariânciaque constitui uma combinatória (elemento por elemento), e porcombinações de proposições de todos os modos possíveis. Opera anegação de uma combinatória pelo conjunto de todas as outras.Concebe as inversões e reciprocidades como constituintes do novosistema que envolve o grupo das quatro transformações (I.N.R.C. –Identidade; Negação. Reciprocidade; Correlatividade). Esse conjuntode características propicia que o sujeito desenvolva a aptidão paradeduzir hipotética-dedutivamente.

Podemos constatar que ambos os períodos tem o ponto centralde seus processos dialéticos, com caráter evolutivo, na reversibilidade.Não obstante, entre os dois períodos podem ocorrer defasagens e,

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mesmo no transcorrer de cada período, elas também podem evidenciar-se. Por isso, é possível que o sujeito, antes de atingir as operaçõesformais, experimente caminhos repletos de mesclas entre noções eestruturas de ambos os períodos, conjugadas as reconstruções depatamares antecessores. É comum encontrarmos sujeitos que nãopossuem formas de compreensão que se generalizam segundo ascaracterísticas de apenas um dos períodos descritos. Importa, apropósito disto, dizermos que as estruturas cognitivas nunca estãointegralmente formadas; orientam-se às possibilidades que se abremem processo espiral de desenvolvimento, o qual se alargacontinuamente, tendo indefinidos seu começo e seu fim.

Por esse motivo, “no adulto, cada um dos estágios passadoscorresponde a um nível mais ou menos elementar ou elevado dahierarquia das condutas. Mas a cada estágio correspondem tambémcaracterísticas momentâneas e secundárias, que são modificadas pelodesenvolvimento ulterior em função da necessidade de melhororganização. Cada estágio constitui, então, uma forma particular deequilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de umaequilibração sempre mais completa” (PIAGET, 1985, p. 13-14)

Desse modo, o desenvolvimento pode acarretar a repetição oureprodução de um processo em idades diferentes, o que, por sua vez,pode provocar defasagens cognitivas.que podem levar a dificuldadesde aprendizagens.

Na acepção genérica, defasagem é entendida como a diferençade fase entre dois fenômenos ou estados. Trata-se de precisarmosquais são esses fenômenos e estados e qual a denotação de defasagemno processo cognitivo. Para enveredarmos a essas explicações,faremos referências a outras interpretações tecidas no estatuto teóricode Piaget. Umas poucas citações são suficientes para configurá-las.

Segundo Piaget (1976), o processo de construção doconhecimento transita da ação à operação, orientando-se em umaespiral dialética engendrada por (des)equilibrações. Explicando queo processo de estruturação cognitiva não é linear, Piaget (1978) diz

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que o plano de representação, por exemplo, requer um trabalho dereconstrução do que o sujeito dominava no nível de ação para umequilíbrio qualitativamente melhorado em termos de estruturação ede campos de aplicação. Desse modo, novas coordenações sãoelaboradas a cada dificuldade surgida, ocasionando a necessidade derefazer o trabalho cognitivo já efetuado no nível anterior através deinterrelações e adaptações.

Inhelder (1977), colaboradora direta de Piaget, explica que osaperfeiçoamentos cognitivos levam a sucessivos estados de equilíbrioparcial. A autora sublinha que toda construção cognitiva resulta decompensações relativas a perturbações que lhe originaram. Dessaforma, é nos desequilíbrios que se situa a fonte de progressoscognitivos, pois esses incitam o sujeito a ultrapassar as perturbaçõesde um estado atual para que construa novas soluções.

Ainda Piaget (1976) distingue dois tipos principais deperturbações. Um primeiro tipo refere-se àquelas que se opõem àacomodação e a uma realização, pois sua intensidade faz com que osujeito não construa a necessidade de superá-las e, conseqüentemente,não apresente reação ao obstáculo que resiste. Afluindo a causas deerros e de fracassos, quando ocorre tomada de consciência dasperturbações, evocam aspectos negativos para a conquista de novasconstruções. O segundo tipo, por sua vez, resulta da insuficientealimentação de um esquema de assimilação já ativado. Ainda queocasione lacunas surgidas pela insatisfação de necessidades, assumeum caráter de positividade.

Através dessa abordagem, chegamos ao conceito de defasagemcognitiva. Esta pode resultar de perturbações no processo deestruturação cognitiva e, se relacionada a cada um dos tipos deperturbações descritas por Piaget, pode verter para enfoques distintos.

Em um primeiro caso, converge a deficiências em elementosou momentos do processo endógeno da construção do conhecimento.É endógeno porque as possibilidades de recombinação e dereorganização têm caráter interno, orgânico e implicam uma atividade

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alicerçada em um funcionamento lógico-matemático nascido dacoordenação de ações do sujeito. Entendemos que, nesse prisma, asdefasagens cognitivas podem repercutir em diferentes velocidadesno desenvolvimento, compatíveis a uma lentidão ou até mesmo a umbloqueio na estruturação porque se traduzem, a nossos olhos, emobstáculos epistemológicos. Por razões sociais, econômicas,nutricionais, afetivas, etc., muitos sujeitos não percorrem todo ocaminho cognitivo que poderiam percorrer.

Sob o outro prisma, em cada passagem de estágio e de nível dedesenvolvimento cognitivo ocorre uma mudança de estruturação.Porém, quando as passagens desses patamares não assumem caráterde necessidade e não se generalizam, isto é, não se difundemcompletamente, podem manifestar-se lacunas cognitivas ou compor-se mesclas de noções de dois ou mais estágios de desenvolvimento.A reelaboração de estruturas que se equilibram sucessivamente fazcom que a cada patamar de uma construção cognitiva progressivamanifeste-se lacunas, uma vez que não há generalização automáticade conhecimentos adquiridos anteriormente, mas sim reconstruçõessobre novos planos. Por isso, essas lacunas ou defasagens sãomomentos naturais ao longo do desenvolvimento cognitivo, cujo motoré a equilibração progressiva. Daí o cunho positivo da perturbação eda lacuna causada.. Exemplo disso é a incapacidade de representarsimbolicamente a realidade construída adequadamente ao nível daação; nesse caso, ocorre uma defasagem ação-representação,acarretando uma deficiência na capacidade de operar e,consequentemente, um atraso cognitivo.

As defasagens cognitivas, conforme Piaget (1983), denunciamum deslocamento temporal no decurso do desenvolvimento,possuindo um aspecto intensivo, relativo à compreensão, e outroextensivo, relacionado à abrangência. A passagem vertical dopensamento de um patamar inferior a um superior, quando umconteúdo é aplicado a estruturas mentais diferentes, suscita defasagensem compreensão. Um exemplo pertinente a esse tipo de defasagem éa noção de espaço, a qual diferencia-se de um nível a outro.

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De modo distinto, quando problemas seguem uma ordem desucessão e apresentam complexidade progressiva em um planohorizontal de construção, por aparecerem em um mesmo períodode desenvolvimento, manifestam-se defasagens em extensão. Nestecaso, a mesma operação desdobra-se em domínios qualitativamentediferentes, sendo uma estrutura aplicada a diferentes conteúdos,tal como ocorre com a noção de conservação (de massa, de peso,de volume). As defasagens horizontais, nesse âmbito de análise,revelam uma real limitação na possibilidade de aplicação de umaestrutura operatória.

Apontando essa relação, a revisão teórica autoriza-nos a dizerque as defasagens horizontais são produzidas em todos os níveis dedesenvolvimento, enquanto que as defasagens verticais ocorrem porreprodução de formas ou momentos distintos de evolução e incorremna necessidade de mudança de estrutura mediante uma diferenciaçãodas categorias mentais.

Em síntese, e sem esgotarmos as possibilidades de apreciação,podemos deduzir que as defasagens, com seus aspectos positivos,explicam o desenvolvimento e, com seus aspectos negativos, podemdelimitá-lo sob forma de perturbação da gênese ou de atraso.

Essa definição de defasagem cognitiva contrapõe-se aoconceito de “déficit”, considerado, geralmente, como sinônimo dedeficiência, carência, insuficiência, falta intelectual, saldo-devedor...Esta conceituação tem sido, historicamente, eivada de conotaçãoideológica porque a construção social do seu significado evoca umatendência à estabilidade e, portanto, à sua não superação.

Se, contudo, buscarmos as origens das dificuldades cognitivas,podemos nos defrontar com um sujeito que apresenta defasagenscognitivas em certas compreensões e isso não significa,necessariamente, que seja um defasado cognitivo. Ramozzi-Chiarottino (1987) expõe que o sujeito pode estar funcionando anível deficiente sem ser cognitivamente deficiente, ou seja, pode“estar” e não “ser” um defasado cognitivo.

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Diante dessas considerações, importa a análise dos mecanismosdo desenvolvimento cognitivo não só quanto à estruturação, mastambém na perspectiva do funcionamento, uma vez que esse é o meiopara a compreensão mais exata das competências operatórias de umsujeito.

Daí a necessidade da recorrência à Epistemologia Genéticaque prescreve a matriz interacionista sujeito-objeto, sujeito-sujeitono processo de construção do conhecimento. Com base nesseenfoque, podemos considerar que as deficiências não residem nosujeito e nem se situam no meio, mas nas trocas interativas entreambos. Se efetuado o enriquecimento dessas trocas - ainda queadmitamos a importância das diferenças culturais, econômicas,políticas, bem como das diferenças individuais (sexo, idade,escolaridade, nível sócio-econômico...) – a superação e aultrapassagem de defasagens cognitivas, encaradas como umdescompasso que pode ser reparado, torna-se possível. Isso é viávelporque tais diferenças, especialmente o contexto sócio-econômico,não são fortes o suficiente para bloquear ou impedir, contínua epermanentemente, o processo psicogenético.

Cabe esclarecermos, porém, que o enriquecimento dasinterações, quando alimentam os esquemas cognitivos do sujeito,podem até mesmo apressar a construção operatória, via reorganizaçõesinternas, desde que respeite a seqüência de ordem de aquisiçõespsicogenéticas, pois a sucessão de etapas (creodos), comodemonstraram numerosas pesquisas desenvolvidas por Piaget e pelaEscola de Genebra, mantém-se constante.

Outro aspecto relativo a como as estruturas se põem emfuncionamento refere-se à abordagem das operações, as quais não seconstituem isoladamente, mas na agregação em sínteses de processosde abstração e de generalização. Sobre tal interpretação, Piaget (1976)fundamenta que uma estrutura “acabada” pode sempre dar lugar aexigências de diferenciações em novas subestruturas ou a integraçõesem estruturas mais amplas.

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137Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas

Composto, concisamente, o estatuto epistemológico concebidopor Piaget, façamos referências ao adulto.

O adulto como sujeito cognitivo

Configurando as formas de inserção social do adulto, podemostraduzir algumas de suas ações para suas práticas cotidianas eprofissionais, as quais propiciam construções cognitivas à medidaem que ele se apropria dos mecanismos de suas ações significadas notranscorrer de um processo de experiências. Diante dessa realidade,consideremos o seguinte comentário de Piaget (1983, p. 275): “[...]operando sobre os objetos, o sujeito elabora, por sua ação mesma,estruturas e não é somente o teatro de uma reestruturação ou de umareequilibração [...] Na realidade, o sujeito [...] testemunha de umaatividade que é solidária de sua própria história”.

Tendo em vista os períodos de desenvolvimento cognitivo emque o adulto geralmente se encontra: operacional concreto eoperacional formal, esse não se serve somente de ações, mas derepresentações de ações. Porém, exercendo determinadas estruturascognitivas em campos específicos, não raro relacionadas às suas áreasde estudo e de atuação profissional, o adulto pode não conseguirultrapassar os limites de condutas cognitivas operatórias concretas,quando solicitado a resolver certos problemas. Para ele, o “fazer” noplano representativo e o “saber” como fez requer a parada da açãopara refleti-la. Não significa esse processo apenas uma forma deadaptação dialética – com uma suspensão para conseqüente superação– senão uma real dificuldade do sujeito para se desvencilhar da açãoassimiladora colada à experiência ao testar suas hipóteses e convicções.

Entretanto, a utilização de condutas operatórias concretas nãoatesta que um adulto apresente déficits cognitivos, pois, comoenfatizamos, as ações sobre o real não são abandonadas nos patamaressuperiores. O que alegamos é que, mesmo que o meio social cobrecertos tipos de estruturação mental, muitos adultos não pensamoperatória ou formalmente em determinados campos do conhecimento.

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Embora não possamos, ainda, produzir mapeamentoscognitivos – a neurologia não avançou a esse nível – Piaget vislumbra,na sua concepção teórica, paisagens epigenéticas constituídas por“picos” para determinadas noções e “depressões” para outras. Vistasob esse ângulo, a interpretação acerca da existência de adultos quenão generalizam algumas estruturas cognitivas, de modo a aplicá-lasformalmente a todas as situações-problema com as quais se deparam(mesmo na vida cotidiana), ganha respaldo.

Pelo motivo das estruturas cognitivas permanecerem muitotempo inconscientes, tais sujeitos, por vezes, além de desconheceremas razões de certos saberes, não compreendem a amplitude deaplicação de seus conhecimentos. Circunstanciados à realidade social,há adultos que não rompem com a rigidez de pensamentos no sentidode sua mobilidade (reversibilidade operatória) para a saída dedeterminada perspectiva. Piaget (1983), apesar de não ter se detidonesta questão, expressa, exemplificando, que muitos adultos assimilama justiça à regra, pois não colocam a autonomia da consciênciasobreposta a preceitos sociais, a preconceitos e a leis escritas. Comisso, articula o desenvolvimento moral à evolução intelectual. Piaget(1977, p. 344-345) adverte:

Todos notaram o parentesco que existe entre as normas moraise as normas lógicas: a lógica é uma moral do pensamento, comoa moral, uma lógica da ação. Do apriorismo, para o qual é arazão pura que comanda, ao mesmo tempo, a reflexão teórica ea vida prática, à teoria sociológica dos valores morais e doconhecimento, quase todas as doutrinas contemporâneasconcordam em reconhecer a existência desse paralelismo.

Em função dos aspectos delineados, ainda que muitos outrospossam ser sinalizados, é essencial a abordagem de como as defasagenscognitivas do adulto situam-se em relação ao contexto de interaçõeseducativas, e como essas interações podem auxiliá-lo na superaçãodas mesmas. Emerge, então, a necessidade de especificarmos quemsão os interagentes nessas condições, focos de nosso interesse.

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Os sujeitos que tais interações nos revelam são: o aluno adultoe o professor, também adulto. Ambos possuem suas histórias deconstruções cognitivas. O que os diferencia em relação a esse fato éque o aluno, geralmente, está em processo de construção cognitivaem certas áreas e o professor, tendo experimentado muitas situaçõesa que aquele é encorajado a experimentar, usufrui de um referencialcognitivo que o permite assumir uma postura de educador.

Contudo, resta questionarmos: o professor tem consciência doseu próprio processo de desenvolvimento cognitivo? Quais asimplicações educativas dessa possível inconsciência? Ele realmenteconsidera, conhece e compreende os períodos e os estágios dedesenvolvimento cognitivo do aluno adulto? O docente que atua emEducação de Jovens e Adultos enfoca suas ações educativas comopossibilidades para seus alunos desencadearem construçõescognitivas?

Longe de esgotarmos possíveis respostas, teceremos, noscontornos deste artigo, apenas um breve comentário que objetivacontribuir na busca por explicações plausíveis a esses questionamentos.

Presos ao pretenso compromisso de construir conhecimentose obstaculizados pelo “como” operacionalizá-lo, não raro, osprofessores despedem atenção à periferia das interações, ou seja, aosprocedimentos de ensino. Desse modo, propiciam enriquecimentosnos processos educativos mediante o incremento no uso de técnicase de materiais e negligenciam o processo de construção doconhecimento do aluno. A análise desse processo terminarestringindo-se, comumente, à observação do “erro construtivo”,entendido como um estágio pré-lógico na construção cognitiva. Estetem justificado, como conseqüência de interpretações equivocadas,atitudes de tolerância relativas a certa passividade de algunsprofessores frente ao respeito pelas defasagens cognitivas dos alunos.

Dito isto, de modo tão incisivo, compete-nos admitir que asrelações entre as práticas pedagógicas e os referenciais teóricos sãodemasiadamente intrincadas para se reduzirem a simples etiquetas.

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Embora reconheçamos esse limite, destacamos que é fundamentalum posicionamento epistemológico para a orientação da ação docente.Compreender a produção e as formas de superação de defasagenscognitivas em adultos, com uma postura epistemológica consciente,pode ser um meio eficaz para um trabalho educativo mais promissornesse contexto educativo. A educação de jovens e “adultos” implicaa necessidade de se atentar à especificidade desses alunos e, conformedestaca o Parecer 009/2001 do Conselho Nacional de Educação, desuperar a prática de trabalhar com os adultos da mesma forma que setrabalha com alunos de ensino fundamental e médio regular. Prosseguea argumentação no parecer, expressando que, apesar de poderem estarnas mesmas etapas de escolaridade, mas por estarem em outrosestágios da vida, os adultos têm experiências, condições sociais epsicológicas, expectativas que os distinguem do mundo infantil eadolescente. Essa condição solicita que os professores dedicados aessa modalidade educativa desenvolvam condições didáticassignificativas aos adultos, o que requer compreensão desse universo,das causas e dos contextos sociais e institucionais que configuram assituações de aprendizagem desses alunos, o que, como reiteramosneste excerto, podem evidenciar a necessidade de superação dedefasagens cognitivas.

Mapeamos alguns caminhos em vias de se confirmarem emvisões precisas no que respeita as defasagens cognitivas. Por isso, asconclusões apontadas neste texto são possíveis e parciais. Constituem-se como pretexto a diferentes contextos de discussão e seu escopo é,como alertamos inicialmente, atualizar o debate sobre defasagenscognitivas em adultos. Por isso, está aberto o debate!

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141Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas

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Recebido em: 13 de julho de 2007.Aprovado em: 30 de agosto de 2007.

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O sentido do saber à expansão da vida: um estudofenomenológico do processo de aquisição da leitura

Divaneide Lira Lima Paixão *Ondina Pena Pereira **

Resumo: O estudo apresenta a discussão dos resultados de uma pesquisarealizada com 06 crianças e 02 professoras responsáveis pela alfabetizaçãodessas crianças, com o objetivo de investigar os deslocamentos que a aquisiçãoda leitura possibilita ao sujeito aprendente no que concerne às posições queocupa em relação a seus pares e professores. A fenomenologia, aliada aopensamento trágico, foi o método escolhido para orientar a coleta e o tratamentodos dados, assim como o poder disciplinar, em Foucault. Os resultados sugeremuma reflexão sobre as relações de poder que acontecem em sala de aula comoefeito dos sentidos atribuídos ao saber/não-saber.

Palavras-chave: Alfabetização. Leitura. Perspectiva trágica. Relações de poder.Fenomenologia.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 143-167 2007

* Mestre e doutoranda em Psicologia. Professora dos Cursos de Graduação em Pedagogia edos Cursos de Pós-Graduação em Educação Infantil e Psicopedagogia da UniversidadeCatólica de Brasília. E-mail: [email protected]** Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (UNB). Professora do Mestradoem Psicologia da Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected]

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The meaning of the knowledge to the expansion of the life: A studyphenomenological of the process of acquisition of reading

Abstract: The study it presents the quarrel of the results of a research carriedthrough with 06 children and 02 responsible teachers for the literacy of thesechildren, whose objective was to investigate the displacements that the acquisitionof the reading makes possible to the citizen aprendente in that it concerns tothe positions that it occupies in relation its pairs and teachers. Thephenomenology, allied to the tragic thought, was the chosen method to guidethe collection and the treatment of the data. The results suggest a reflectionon the relations of being able that they happen in classroom as effect of thedirections attributed when knowing and not-knowing.

Key-words: Literacy. Reading. Tragic perspective. Relations of power.Phenomenology.

Introdução

O ato de ler é considerado um facilitador para o acesso a bensculturais escritos e estes, por sua vez, essenciais ao engajamentofavorável do sujeito no mundo moderno, o que acaba intensificandoo interesse de muitos pesquisadores e pensadores pelo campo dalinguagem tanto oral quanto escrita.

Conforme observam Gnerre (1994), Kleiman (1995), Scribnerapud (TOBACH et al., 1997), Melo (1997), Kramer (2001), Bosco (2002)e Belintane (2006) existe uma extrema valorização da leitura em nossasociedade, porque esta favorece o pensamento descontextualizado eindependente da experiência do sujeito. Além do mais, a leitura, bemcomo a escrita, favorece a consciência meta-cognitiva, isto é, asoperações deliberadas do sujeito sobre suas próprias ações intelectuais.

A reflexão sobre o impacto da escrita nas sociedades humanas,no que respeita seu desenvolvimento econômico e social e aos efeitosprovocados no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, constitui-se, atualmente, em um objeto de interesse de muitos estudiosos.Dominar a leitura e a escrita significa, para um grande número depessoas, estar preparado para engajar-se no processo de expansão da

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modernidade social, na medida em que essa aquisição pode seconstituir em via de acesso aos bens culturais acumulados pelahumanidade, possibilitando também o exercício da participação social.

Um estudo desenvolvido por Melo (1997) com um grupo detrabalhadores adultos em processo de alfabetização colheu váriosdepoimentos através dos quais esses trabalhadores relataram aimportância que essa aprendizagem representa para suas vidas. “Tudohoje em dia depende do saber”, disse um dos entrevistados. Outrotrabalhador relatou que “a pessoa analfabeta é sempre marginalizada,não sabe das coisas, não faz o trabalho dentro dos conformes”.Segundo a mesma autora, para esse grupo de trabalhadores, tornar-sealfabetizado é se livrar dos estigmas de burro, cego, incapacitado eoutros tantos, e mais, é ter a possibilidade de “conseguir um bomemprego”. Eles reconhecem de tal forma o valor que a alfabetizaçãotem para a sociedade e que se esforçam para garantir estudo aos seusfilhos para que suas vidas sejam menos árduas. Esses trabalhadoresquerem ver seus filhos compartilharem os direitos sociais que a vidalhes negou.

Melo (1997) observou que o sentimento de inferioridade, demarginalização, de culpa e de incapacidade é visivelmente presentena postura desses trabalhadores quando estão nas classes dealfabetização. É como se eles estivessem perdidos no mundo da escritae todos esses sentimentos se tornam cada vez mais fortes. Essaspessoas, que antes falavam, pensavam, produziam o seu trabalho e asua língua, passam a ter, após ingressarem nessas turmas, a obrigaçãode se tornarem conscientes de sua inferioridade lingüística e cultural.

De fato, o modo de inserção de indivíduos “pouco letrados”na sociedade tem um caráter de exclusão, em um sistema em que opleno domínio da leitura e da escrita e de outras práticas letradas éum pressuposto da constituição das competências individuaisvalorizadas nessa sociedade. Desse modo, a visão hegemônica denossa sociedade acredita que a escrita fornece ao seu usuárioinstrumentos simbólicos que facilitam a utilização de alguns materiais

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de controle cognitivo como: listas, tabelas, calendários, manuaisinformativos, livros, revistas, computador e o próprio recurso doregistro gráfico que pode dar suporte a esses procedimentos.

É papel da instituição escolar tornar “letrados” os membros dasociedade, fornecendo-lhes instrumental para interagir ativamentecom o sistema de leitura e de escrita. Essa instituição vem a ser umlugar social onde o contato com esses códigos e com a ciênciaenquanto modalidade de construção de conhecimento se dá de formasistemática e intensa, potencializando os efeitos desses outros aspectosculturais sobre os modos de pensamento. Além disso, na escola oconhecimento em si mesmo é o objetivo mais importante da açãodos sujeitos envolvidos, independentemente das ligações desseconhecimento com a vida imediata e com a experiência concreta dossujeitos Oliveira (apud KLEIMAN, 1995).

É por tudo isso que a escola se constitui em um espaçoprivilegiado para investigar as transformações que a aquisição daleitura traz ao sujeito aprendente, transformações essas que podemser percebidas a partir dos seus relacionamentos em sala de aula. Nesseambiente se revelam, mais claramente, as relações de poder nas quaisos sujeitos se encontram inseridos, mostrando as diferençaspsicossociais apresentadas por alunos leitores e não leitores.

A concepção de poder à qual nos referimos é aquela definidapor Foucault (1989), isto é, algo que se exerce, um dispositivo queatravessa o sujeito, nas suas inúmeras relações. É o poder entendidocomo conjunto de estratégias, que forma, cria, individualiza, disciplinae, também, proíbe e delimita o campo de ação do sujeito. Além doconceito de poder, outros conceitos usados nesse trabalho assumiramum significado muito particular e acabaram influenciando, de modogeral, não apenas a forma como nosso olhar foi conduzido para odesvelamento do fenômeno que nos propomos investigar, mastambém a própria maneira de interpretar o fenômeno descrito.

O termo leitura, por exemplo, foi adotado a partir do sentidoatribuído pelo educador Paulo Freire (1985, p. 11), que envolve mais

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do que a decifração de códigos escritos. Para ele, “a leitura do mundoprecede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta nãopossa prescindir da continuidade da leitura daquele”. Ou seja, lernão é apenas estabelecer relações entre o gráfico e o sonoro. Lerenvolve um duplo desafio: decifrar e descobrir o significadosimultaneamente.

A leitura é, portanto, aqui entendida como parte de um amploprocesso de letramento. O termo letramento indica, por sua vez,segundo Soares (1998) e Scribner apud (TOBACH et al., 1997), acondição que um grupo social ou indivíduo adquire em decorrênciada apropriação da escrita. É o estado ou condição de quem se cercadas várias práticas sociais de leitura e de escrita. Como em nossasociedade há uma crescente necessidade em se definir melhor o que éser alfabetizado, o termo letramento tem sido usado para significarum processo cujas dimensões vão além do que é compreendido hojecomo alfabetização, já que o conteúdo significado por esta palavraextrapola a simples aquisição de códigos e envolve tambémcapacidade de reflexões acerca do mundo.

O presente estudo foi ancorado na importância da atribuiçãode sentidos ao ato de ler e mostrou-se capaz de contribuir para aconstrução de um saber sobre as relações entre a dimensão psíquicada criança e a cultura na qual se inscreve, especialmente aquela desala de aula, e as conseqüências da aquisição da leitura nessas relaçõesno que concerne à sua condição e posição de sujeito. Algunsdeslocamentos foram percebidos nas relações dos alunos com seuscolegas e professores à medida que os alunos foram se mostrandomais capazes de ler. Porém, mais do que os deslocamentos queprocurávamos, encontramos especificidades na relação de poder entreprofessores e alunos e na forma como estes últimos lidam com asexigências do processo educativo. Por fim, fomos levados a discutiras formas pelas quais os saberes proporcionados pela competênciana leitura e na escrita podem servir de molas propulsoras para aexpansão da vida, isto é, para a alegria e ocupação de espaçosprivilegiados nas relações que os sujeitos estabelecem no dia a dia.

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O método fenomenológico

Adotou-se neste estudo o método fenomenológico e a opçãopor esse método teve como origem a busca de um caminho deinvestigação que conduzisse a um olhar mais aberto e abrangentesobre o tema a ser investigado. Criado por Edmund Husserl, o métodofenomenológico foi muito utilizado pelas várias abordagens dasciências humanas, mas também revisitado por vários filósofos, entreeles, Merleau-Ponty. Na releitura do método, a idéia husserliana deum “sujeito transcendental”, capaz de ver o mundo e os sujeitospsicológicos, empíricos, a partir de uma posição privilegiada – o quetornou a fenomenologia de Husserl passível de ser consideradaidealista – foi recusada por Merleau-Ponty, que rompeu com a posiçãoidealista, apontando a existência de uma posição transcendentalocupada não por um sujeito idealizado, mas pelo que ele chama de“corpo-próprio”. O sentido atribuído a esta idéia indica que “o sujeitoé seu corpo, seu mundo e sua situação, e de certa forma estabelececom estes uma permuta” (ZUBEN, 1982, p. 59).

Essa articulação consciência-mundo, tal como a noção decorpo-próprio, está na base da perspectiva fenomenológica deMerleau-Ponty e se faz necessária quando se deseja compreender aexistência concreta. É a experiência da percepção que ensina apassagem de um momento a outro (da percepção a idéia) e busca aunidade do tempo que, no ato de perceber, expõe um horizonte depossibilidades e vivências sobre o objeto percebido. Além disso, essarelação encerra uma possibilidade de compreensão do espaço, dotempo e do “mundo vivido”. Esse mundo vivido diz respeito àsexperiências do sujeito. Só é possível compreender um determinadofenômeno através de um retorno a esse mundo, às experiências vividasque se constituem como base de todo conhecimento.

A descrição das experiências vividas pelos alunos em processode aquisição da leitura permite ver a configuração do sentido queessa aquisição tem para a vida dos jovens estudantes no que diz

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respeito aos deslocamentos ocorridos nos relacionamentos com seuspares e professoras. Nas descrições, as crianças se revelam, atravésde seu corpo, sua linguagem e atos, seres atuantes e protagonistas desua relação com o mundo.

Uma atitude é descrita de maneira fenomenológica quandoapresenta o fenômeno precisamente como ele se dá, sem adicionarou subtrair nada. Levando adiante a interrogação desse trabalho, foidelimitado um campo de observação que privilegiava as experiênciasvividas pelos alunos em sala de aula, cujo foco de observação eramos relacionamentos e o processo de aquisição da leitura. O resultadode uma descrição é a definição de um sentido, de uma intencionalidade.

A maneira como cada um dos alunos observados articulou esignificou sua vivência em sala de aula foi captada através desse olharfenomenológico que permite o conhecimento do significado inerentea cada ato do sujeito. Esse olhar remete a própria experiência à relaçãoda consciência com o mundo. Mesmo a significação não sendoimediatamente articulada pelos próprios alunos e expressada atravésde um diálogo, ela existe e se revela por intermédio dos atos do corpo,através de um retorno às experiências vividas pelos sujeitos.

Segundo Merleau-Ponty (1994), o retorno às coisas mesmas sóé possível quando se opera a “redução fenomenológica”, conceitoconsiderado como o ponto crítico da fenomenologia de Husserl eque sofreu várias mudanças ao longo da vida. Para Husserl (2000), asreduções visavam basicamente uma mudança de atitude. A atitudenatural, onde vivemos espontaneamente e consideramos os objetoscomo exteriores à consciência, existentes em si, deve se transformar,através das reduções, em uma atitude transcendental.

A abordagem fenomenológica permite estudar o que nasciências naturais é negligenciado em função de um entendimento darealidade como composta por fatos objetivos que podem ser definidose quantificados. Ou seja, na perspectiva das ciências naturais, osfenômenos da consciência, vistos como expressões daintencionalidade da vida psíquica, não podem ser conhecidos. Mas a

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fenomenologia se propõe a compreender esse fenômeno, definidocomo tudo aquilo que se mostra. As questões referentes à vida psíquicado sujeito se tornam, portanto, objeto de seu conhecimento.

O processo de aquisição da leitura é focalizado, geralmente,sob o ponto de vista pedagógico, em termos de técnicas para se fazerler, mas o sentido desse ato para os sujeitos é algo que, apesar de serimportante para se compreender a motivação dos alunos para adquirireste ato, ganhou pouca atenção no meio acadêmico. O métodofenomenológico oferece essa possibilidade de elucidação do sentidodo fenômeno leitura e indica uma nova forma de olhar para ele, ondeo foco passa a ser o sujeito que percebe e o que ele percebe.

Isto significa que, ao fazer uma descrição fenomenológica doprocesso de aquisição da capacidade de leitura pelos alunos, épossível intuir o sentido da leitura, como potência adquirida, para avida dos jovens estudantes, o que pode indicar como os sujeitosrecolocam suas posições em relação aos colegas e professor e decomo se abrem os horizontes simbólicos, já que a leitura é, no nossomundo, uma habilidade cujo valor é imprescindível a umposicionamento de prestígio.

Participantes

O estudo foi realizado em uma escola pública da Ceilândia,cidade satélite do Distrito Federal. A princípio, uma turma de 1ª sériedo Ensino Fundamental1, a turma da sala 01, regida pela professoraEva, havia sido selecionada e nela 04 alunos se constituíramparticipantes deste estudo: Camila e Jaqueline, com oito anos de idadecada uma, que apresentavam um bom desempenho nas atividades deleitura e escrita e Diego e Íris, ele com nove e ela com oito anos deidade, que eram avaliados como os alunos cujo desempenho nas tarefasde ler e escrever era inferior ao esperado.

1 Tendo a duração do Ensino Fundamental passado de 08 para 09 anos, a turma, hoje,corresponderia a uma 2ª série.

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Duas semanas após o início das observações, houve umremanejamento entre os alunos da turma da sala 01 e os alunos daturma da sala 03, ambas turmas de 1ª série do Ensino Fundamental.Anne e Biel, ambos também com oito anos de idade, eram alunos daturma da sala 03 e foram remanejados, juntamente com outros doiscolegas para a turma da sala 01, onde um número maior de alunosestava em um nível de desenvolvimento aquém daquele esperado pelasprofessoras. Enquanto Camila e Jaqueline, cujo desempenho escolarera satisfatório, passaram a freqüentar a turma da sala 03, cujos alunoseram avaliados como mais competentes que aqueles matriculados nasala 01. Ou seja, as duas alunas, cujo nível de aprendizagem eraconsiderado adequado para a idade e a série, foram transferidas parauma turma “mais adiantada”.

O remanejamento dos alunos ocorreu, portanto, como estratégiapara homogeneizar ao máximo as turmas e, segundo o próprio relatode uma das professoras da pesquisa, ao mudarem de turma essesalunos teriam melhores condições de desenvolvimento. Por forçadesse remanejamento, a turma da sala 03 passou a ser observada, jáque Camila e Jaqueline agora freqüentavam essa turma. A professoraFlora, de 25 anos de idade, regente da turma 03, também passou aser participante da pesquisa, assim como os alunos Anne e Biel,considerados por ela como alunos com muitas dificuldades deaprendizagem nas tarefas de leitura e escrita. Por fim, então, a pesquisacontou com participação de 06 alunos e duas professoras.2

Assim, a escolha dos alunos e das turmas foi determinada porfatores que surgiram ao longo das observações e que estiveramrelacionados ao nível de aprendizagem de leitura e escrita das crianças:quatro crianças estavam aquém do esperado pela escola e duasestavam, segundo as professoras, em um nível mais avançado que oda turma em que estavam inseridas. A escola localiza-se em umacomunidade desfavorecida em termos sócio-econômicos. Os alunosselecionados advêm, portanto, de famílias com baixos salários.

2 Por questões éticas os verdadeiros nomes dos alunos e das professoras foram preservados,bem como a denominação das turmas selecionadas para este estudo.

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Instrumentos

Para as descrições fenomenológicas foi utilizado um diário decampo, no qual o pesquisador anotava tudo aquilo que acontecia etinha alguma relação com o fenômeno investigado. Já para asconversas/entrevistas semi-estruturadas foi utilizado um gravadorde áudio.

Procedimentos

Os procedimentos metodológicos para coleta e análise dosdados foram definidos com base no método fenomenológico deMerleau-Ponty e estão descritos a seguir:

Redução fenomenológica: Foram feitas descrições dasdezoito observações realizadas e por meio das quais seprocurou ter fidelidade para com a experiência ocorrida.Durante toda a coleta de dados, a atenção esteve voltadapara aspectos pertinentes, significativos e relevantes sobreo fenômeno leitura e sua relação com a posição de poder,ou potência, na relação dos aprendizes com o mundo.

Entrevistas ou conversas semi-estruturadas: Estas conversasforam gravadas em fitas de áudio e transcritasposteriormente. O objetivo das conversas foi ouvir daspróprias crianças o que elas pensam em relação àaprendizagem de leitura e, na medida do possível, colherinformações adicionais que pudessem ajudar nodesvelamento do fenômeno investigado.

Elaboração de um relatório etnográfico: Nesse relatóriofoi descrito de forma geral tudo que se observou emrelação às crianças e que diziam respeito, de algumaforma, a aprendizagem de leitura e a seusrelacionamentos em sala de aula. Ou seja, foi descritocomo as crianças agiram em relação aos exercíciospropostos em sala e como agiram nas interações com

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colegas e professores. Também foram incluídas norelatório as informações dadas pelos pais e professoresdas crianças. Para a elaboração desse relatório foram usadosos dados colhidos nas duas etapas anteriores.

Identificação/descrição de temas: Após a elaboração dorelatório exposto no item anterior, ao se fazer um paraleloentre as descrições das crianças, foi possível identificar temastanto comuns como divergentes em seus relacionamentos.Considerou-se importante descrever os temas invariáveis quepuderam ser indicativos do sentido que a aprendizagem daleitura encerrou na consciência dos aprendentes, durante operíodo observado. Ao descrevermos os temas, procedemostambém com a discussão sobre o material exposto, tendocomo suporte as teorias adotadas na pesquisa.

O Fenômeno e seu sentido

As descrições elaboradas a partir de observações, que tiveramcomo foco os modos de relacionamentos em sala de aula e o processode aquisição da leitura, possibilitaram a identificação de categoriasque se mostraram invariáveis e de alguns aspectos muito particulares,que divergiram daqueles percebidos na maioria dos alunos. Portanto,um olhar global sobre as descrições permitiu a identificação de temasconvergentes e divergentes.

As categorias chamadas aqui de invariáveis tiveram comoobjetivo mostrar aquilo que se repetiu nas duas turmas observadas,levando-se em consideração especificidades dos dois grupos de alunos:a dupla que demonstrou boa capacidade de leitura e os quatro alunosque apresentaram dificuldades em desenvolver tal capacidade. No quese refere às relações sociais, estivemos em alerta quanto aos dispositivosde poder presentes nelas e aos seus determinantes histórico-culturais.Já as atividades relacionadas com a aquisição da leitura foramobservadas como movimento de expansão da vida, da potência, etambém como seu contrário, ou seja, como submissão ao adestramento.

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Das descrições sobre os alunos em um nível mais avançado:

Camila e Jaqueline apresentavam claramente um elevado nívelde auto-estima evidenciado nos seus comentários em relação ao graude dificuldade presente nas atividades. Exemplificando, podemos citarfrases do tipo: “Ah! Essa atividade eu faço rapidinho” ou “Ah não tia,esse dever é fácil demais!”.

Toda auto-estima, demonstrada não só por Camila e Jaqueline,mas também pelos outros dois alunos que foram remanejados da sala01 para a sala 03, despertava nos alunos um grande sentimento deconfiança. Elas não tinham medo de errar. Costumavam ir ao quadroquase todos os dias responder a questões propostas pela professorano momento da correção de atividades. Estavam habituadas a acertar,mas, quando acontecia algum erro, elas não se frustravam e agiamcom naturalidade, mesmo porque não eram repreendidas por isso.

As experiências que essas alunas tiveram nas duas turmas foramavaliadas como positivas. Elas diziam gostar tanto da professora Evaquanto da professora Flora. Camila e Jaqueline tinham muitos amigosem sala de aula, tendo relatado, portanto, raros casos de problemasisolados com um ou outro colega. As professoras tambémdemonstravam carinho quando falavam dessas alunas, nãocostumavam chamar a atenção delas e elogiavam seus desempenhossempre que podiam.

A relação afetiva entre os atores que participam da dinâmicaescolar é um dos fatores positivos para promover o desenvolvimentocognitivo, que não se dissocia jamais do afetivo. O aprendizado vaise estabelecendo através das relações afetivas que ocorrem pelavivência individual e coletiva. É, pois, função da escola realizar amediação entre os sistemas afetivos e cognitivos (VYGOTSKY, 1993).

É importante pontuar aqui que, segundo Merleau-Ponty (1994),o sujeito engajado no mundo, ao estabelecer relações, acaba sentindoe se fazendo sentir, vendo e sendo visto, tocando e sendo tocado,porque ele não é apenas sujeito nem apenas objeto, ele está entre os

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dois e é assim que deve ser compreendido. Isto significa que há entreos sujeitos que se relacionam uma troca intersubjetiva, onde todosconstituem sentidos e sofrem esse mesmo processo de constituição.Observa ainda que os sujeitos se expressam através de seu corpo.Assim, o corpo está associado à percepção, à linguagem, ao mito,enfim, a toda experiência vivida pelos sujeitos. Portanto, ao descreveressas experiências do corpo em movimento, é possível captar ossentidos construídos através da cultura em que o sujeito está inserido.

Durante as observações, podia-se ver com freqüência queCamila e Jaqueline viviam rodeadas de colegas mesmo durante asaulas, porque a professora permitia que tais alunos fizessem o papelde monitores em atividades de matemática e língua portuguesa, jáque não demonstravam dificuldades em realizar suas tarefas eterminavam muito antes do tempo previsto.

O fato de os alunos mais competentes terem um número muitogrande de amizades em sala, em relação aos alunos com maisdificuldades, pode ser indicativo de uma vantagem dos primeiros sobreos segundos. Camila e Jaqueline foram colocadas em um lugarimportante dentro da sala de aula. Fazer amizade com essas alunaspode ter se configurado em algo muito oportuno para os demais,porque essa amizade poderia garantir até mesmo a realização de suaspróprias atividades.

Além de se colocarem na posição de colaboradoras dos demaisalunos, Camila e Jaqueline tinham direito a voz e a participação nascorreções de atividades que a professora realizava diariamente. Osconvites freqüentes que a professora fazia a essas alunas acabavamdando um destaque muito grande às suas habilidades e competênciasem desenvolver as tarefas. Tal destaque era responsável pelo “lugarsuperior” que a professora lhes havia concedido naquela turma e queparecia ter sido ocupado também na turma anterior.

Elas eram sempre tomadas como exemplo quando o assuntoera inteligência, organização e esperteza. Todos esses atributostornavam essas alunas seres superiores aos demais, pelo menos no

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processo de alfabetização que ocorria naquele cenário, o que poderealmente ter facilitado a aproximação dos outros alunos. Por estaremtão bem posicionadas dentro das normas da escola – sempre faziamos deveres de casa, eram asseadas, prestavam atenção às explicaçõesdadas pela professora, realizavam com rapidez e competência suasatividades em sala, mantinham o material sempre organizado – elasaté tinham direito a certas regalias: podiam conversar após realizaremsuas tarefas, podiam caminhar um pouco dentro de sala e sempreeram autorizadas a ir ao banheiro, o que não acontecia com os demais,que só podiam fazê-lo no momento determinado para isso ou quandohouvessem terminado suas atividades.

Com base em Foucault (1989), é possível entender taisconcessões como estratégias do poder disciplinar para consolidar anormatização escolar desses alunos. Nessa perspectiva, uma dascaracterísticas do poder é agir justamente sobre a ação dos outros,com a intenção de reforçar o pressuposto de que as pessoas são livres.Essa aparente liberdade dentro da qual Camila e Jaqueline se moviamnão teria lugar, como não havia no caso dos outros alunos, se elasdeixassem de agir dentro das normas estabelecidas pela instituiçãoescolar. É, portanto, uma falsa liberdade.

É esse poder que atravessa as relações que determina os limitesdentro dos quais uma ação é possível por ser normativa. O poderdisciplinar, sem nem mesmo usar o mecanismo da repressão, incidenas relações concedendo aos alunos mais obedientes, dóceis, aquelesque não rompem com as normas escolares, que aprendem comfacilidade, lugar de prestígio e aptidão para exercer certas ações.

Conforme verificamos, essas capacidades podem surgir desdecedo no ambiente escolar, ambiente este que é concebido como olugar onde ocorre, ou pelo menos deveria ocorrer, a apropriação e asistematização do conhecimento e onde a aprendizagem da leitura eda escrita deveria estar sempre presente. Porém, um olhar mais atentorevela surpresas muito sutis. Aos “bons alunos”, aqueles quedemonstram uma capacidade de assimilação maior, a escola reserva

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um lugar especial, mas o lugar que confere sucesso tem o seu reversosimultâneo, o da submissão à disciplina, à norma.

Das descrições sobre os alunos em um nível menos avançado:

Dos quatro alunos que apresentavam dificuldades para ler eescrever, e que foram observados mais atentamente, todosapresentaram um número restrito de amizades em comparação comas amizades firmadas pelos alunos “mais adiantados”. Anne e Biel,por exemplo, quando estudavam na sala 03, mantiveramrelacionamentos de amizade quase que unicamente com outros doiscolegas. Quando passaram a fazer parte da sala 01, os relacionamentosdesses alunos não se expandiram. Íris e Diego se relacionavamamigavelmente com uma quantidade maior de colegas. Mesmo assim,em número de amigos eles não conseguiam superar os alunos emnível mais avançado.

Diversos estudiosos chamam a atenção para a importância dasrelações estabelecidas pelas crianças, apoiados na idéia de que taisrelações favorecem a aprendizagem. O fato de alunos não serelacionarem amigavelmente com muitos colegas em sala de aula nãosignifica que eles não estejam constantemente inseridos em relaçõessociais e, conseqüentemente, aprendendo. Mesmo não havendo entreos alunos um relacionamento de amizade, as interações acontecem.

No entanto, devemos lembrar que, de acordo com a perspectivaque adotamos para esse estudo, a separação sujeito-objeto doconhecimento não deve ser considerada. Conforme a fenomenologiade Merleau-Ponty (1994), o sujeito é seu mundo e é no mundo queele se constrói. Isto significa que o aluno não pode ser distanciadodaquilo que ele intenciona conhecer. No próprio momento em que ofenômeno é visado pelo aluno, o fenômeno torna-se constituinte dopróprio aluno, ao mesmo tempo em que é constituído por ele.

Relacionamentos positivos têm um caráter de confiabilidademuito presente e esse sentimento é também importante para as formas

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de relacionamento em sala de aula porque acaba influenciandodiretamente a aprendizagem dos alunos, já que é determinante donível de participação deles nas tarefas de sala de aula, como observouMcDermott (1977).

A falta de confiança que existia nas relações estabelecidas entreos alunos que apresentavam mais dificuldades na aprendizagem pareciamesmo ser responsável pela não-participação dos alunos nas atividadespropostas pelas professoras. Muito raramente esses alunos eramconvidados a participar ativamente das correções de atividadesrealizadas pelas professoras, e quando eles tinham oportunidade departicipação, ou seja, quando as professoras faziam uma pergunta paratodo o grupo, esses alunos não se sentiam à vontade para participar.

A participação dos alunos que apresentavam dificuldades deaprendizagem era muito mais restrita que a dos alunos quedemonstravam mais facilidades para aprender. Eles até tentavamresponder alguma coisa, sentados em seus próprios lugares, mas iraté a frente da sala para realizar alguma tarefa era um ato que essesalunos não se arriscavam a pôr em prática, possivelmente emdecorrência da pouca confiança que tinham em si mesmos e nos outrostambém. Esse ato poderia se tornar em algo constrangedor para eles,já que tinham que expor perante todo o grupo suas limitações.

Esses alunos procuravam negar suas dificuldades de todas asmaneiras possíveis. Muitas vezes eles preferiam deixar suas tarefasem branco, alegando que não estavam com vontade de realizá-las ater que expor perante professoras e colegas suas incapacidades emrelação à leitura e à escrita.

As ações realizadas pelos alunos para tentar esconder dos outrose, às vezes, de si mesmos, suas incapacidades, levam a crer que édoloroso para os alunos vivenciarem essa situação de insucesso nasatividades escolares. Eles acabam sofrendo para aprender porque hátoda uma expectativa em torno dessa aprendizagem, construída porfamiliares, professores e pelos próprios colegas, e eles não conseguemresponder a ela de forma positiva.

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É interessante notar que as características presentes nocomportamento dos alunos em relação à aprendizagem das formastradicionais de alfabetização parecem estar todas interligadas.Confiança determina participação, que por sua vez possibilita asuperação das dificuldades, que acaba concedendo aos alunos umlugar de prestígio nas relações entre pares e professores.

Quando as características de auto-estima/confiança não estãopresentes, as outras ficam também prejudicadas e o resultado finaldo processo que acaba sendo desencadeado, em função dessasausências, caminha em direção ao fracasso desses alunos na escola eprovavelmente na vida.

Essa dificuldade em assumir posições de não-subalternidadeestá relacionada com a não participação dos alunos nas atividades ecom as relações de poder que se estabelecem no cenário educativo.Normalmente o que acontece é que os alunos não estão nem umpouco seguros em relação a seus conhecimentos a ponto de arriscaruma participação, já que o próprio grupo não oferece confiançasuficiente a eles.

Em face de tantas dificuldades, muitos alunos conseguemsurpreender os outros e a si próprios. Esses alunos são capazes derecriar sua força e potência. Diante do sofrimento provocado pelasdificuldades que têm de enfrentar, eles conseguem descobrir meiosde expandir sua existência, de se alegrar. Assim, vários alunosconsiderados “fracos” pelas professoras roubavam a cena de variadasformas durante a realização de alguma tarefa, obtendo algum tipode reconhecimento.

Dos alunos observados, Biel, Anne e Íris foram capazes de,ainda que momentaneamente, assumir posições prestigiadas nosgrupos sociais dos quais fizeram parte. Anne, por exemplo, encontravaessa possibilidade nas tarefas de produção de texto e leitura, ao criartextos oralmente, no espaço do imaginário; Biel fazia os colegas rirem,ou dava um jeito de parecer tão capaz quanto os outros na tarefa deformação de palavras. Além disso, se ele não tinha nada mais

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interessante para fazer, escolhia algo na sala que considerava “bonito”e lançava a este algo toda sua atenção, tentando, talvez, reinventar arealidade; já Íris, tal como Diego, buscava estratégias para realizarsuas atividades e, aos olhos de muitos colegas e das professoras, parecermais capaz.

Existia entre os alunos outra prática capaz de amenizar osofrimento e as angústias, eram as expressões artísticas. Diego, porexemplo, encontrava alegria nos desenhos e na pintura que elerealizava com freqüência. Por inúmeras vezes, esse aluno foi vistodesenhando e colorindo. Às vezes, seus desenhos mereciam elogiosdos colegas e das professoras e ele se alegrava ainda mais com isso.Era através do desenho que esse aluno dava sentido à sua existência.

As observações em relação a Biel, Anne, Íris e Diego levam acrer que eles necessitam criar formas diferenciadas para reagir àsituação de exclusão e serem reconhecidos dentro do cenário de salade aula. Os alunos que apresentam facilidades para aprender oscódigos da escrita já conseguem esse destaque sem que precisemmover esforços para isso. São, portanto, normatizados, submissos.Os outros alunos, justamente por suas dificuldades, resistem anormatização. São capazes eles mesmos de criar oportunidades e,sem submissão, sentem-se vitoriosos ao experimentar o lugar dedestaque obtido por seu esforço criativo, o que os faz sentir umaalegria intensa, capaz de gerar risos inexplicáveis, e outros tipos demanifestações exercidas através do corpo.

Aos alunos que apresentam dificuldades no processo dealfabetização, ou que se mostram mais resistentes a eles, a escola reservaum lugar comum ou lugar nenhum. As surpresas destinadas a essesalunos não amenizam o aspecto doloroso do processo de alfabetização,ao contrário, o ressaltam. E é justamente aí, diante desses obstáculos,que os alunos se superam, criam seus espaços e inscrevem sua formaprópria de ver o mundo, expandindo sua linguagem e, portanto, a vida.

É essa capacidade de expansão da vida, de potencialização desuas qualidades, que os alunos excluídos, marginalizados, consideradosincapazes ou mesmo deficientes mentais, deixam transparecer através

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de suas ações, suas palavras, seu corpo. São essas capacidades quefazem alunos como Anne e Biel encontrarem, em meio aos seusinsucessos, possibilidades outras de vitória e de alegria.

Temas divergentes:

Foram identificadas algumas atitudes diferenciadas entre osalunos com dificuldades de aprendizagem, mas isso não quer dizerque todos os alunos que mostram competências em relação àshabilidades de leitura e escrita não apresentem algunscomportamentos peculiares, próprios de sua constituição subjetiva.

A primeira característica que se fez notar, justamente por nãocondizer com a maioria das características percebidas, foi o isolamentodos alunos Anne e Biel. Quando estudavam na sala 03, estes alunosfaziam questão de sentar sempre nas últimas carteiras. Ao seremtransferidos para a sala 01, Biel aceitou o lugar destinado para elenaquela turma, mas Anne continuou demonstrando essa necessidadede isolamento. Em nenhum momento ela aceitou sentar no lugar emque a professora lhe havia reservado: a primeira carteira da fila. Mesmoapresentando problemas visuais, a menina preferia não sentar próximaao quadro.

Esses mesmos alunos citados no parágrafo anterior tinhamdificuldades de expressar seus sentimentos em relação às professorasde ambas as turmas que freqüentaram. Mesmo reconhecendo quegostavam das professoras, esses alunos não costumavam demonstrardiretamente às professoras seus sentimentos conforme faziam osoutros alunos.

Além disso, Anne demonstrava claramente, em seucomportamento, formas de resistência ao poder disciplinar. Na sala03, ela costumava se opor, por exemplo, à correção das atividades deautoditado. Mesmo quando a professora considerava que havia muitoserros e afirmava categoricamente que ela deveria apagar as palavrase refazê-las, a menina simplesmente não respondia à exigência. Ficavacalada em seu lugar.

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Biel e Diego usavam algumas estratégias que demonstravamalguma resistência ao poder, como, por exemplo, fazer caretas, deixarde cumprir a atividade para desenhar e até mesmo se recusar adesenvolver alguma atividade, mas era Anne que se opunha sempreàs exigências. Além de se afastar do grupo, de não realizar as atividadessugeridas pelas professoras e de não participar da correção dasatividades, ela ainda costumava bater nos colegas que lhe agrediam.Por ser estrábica, as agressões não eram muito raras e ela respondia atodas da mesma forma. Nas duas turmas, as professoras pediam queos alunos falassem diretamente com elas quando algum colega osagredisse, mas Anne não respeitava esse pedido e respondiadiretamente às agressões a ela dirigidas.

Mais do que oposição, Diego manifestou um comportamentode indiferença. Mostrava-se muitas vezes apático, sem ânimo pararealizar as tarefas. Embora estivesse sempre com um sorriso no rosto,o menino deixava passar um ar de tristeza e, às vezes, de puradistração. As demonstrações de indiferença de Diego em relação aodesempenho nas atividades – às vezes, ele realizava as atividades,outras vezes, não – são reveladoras de uma série de sentimentos. Orapode indicar oposição ao poder, ora pode indicar submissão a ele. Ofato é que a escola não parecia se configurar para ele como algoagradável a não ser no que se refere aos relacionamentos de amizade,que não eram muitos, mas que pareciam ser muito importantes paraele naquele cenário.

De todas as divergências que surgiram ao longo dasobservações, talvez a que tenha nos chamado mais a atenção estejarelacionada ao comportamento de aceitação e submissão assumido porÍris. Essa aluna demonstrou o tempo todo um comportamentodiferenciado daquele apresentado pelos colegas pertencentes ao grupodos “fracos”. Ela se comportava como se pertencesse ao outro grupo.Realizava suas atividades, sentava exatamente onde a professora acolocava. Não costumava levantar do seu lugar e nem conversar comos colegas. Estava sempre sorrindo, como se tudo estivesse muito bem.

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Não reclamava das atividades, mesmo se fosse algo que ela não fossecapaz de realizar.

Todos os temas que surgiram ao longo da investigação e que semostraram divergentes, por não serem identificados em todos osalunos do grupo observado, acabam por indicar diferençaspropriamente humanas que se constituem ao longo da vida dossujeitos, a partir da interpretação pessoal e dos significados que elesatribuem a todos os conhecimentos que lhes chegam à consciência,isto é, a partir de sua subjetividade.

A subjetividade é entendida aqui como “a qualidade subjetivo-mental ou privada de algo, ou seja, refere-se a eventos, estados,processos e disposições mentais ou privadas que, por causa dessasqualidades, só podem ser de, ou pertencer a, ou estar em um sujeito”(ABID, 1999, p. 55). Nesse sentido, no ato de esclarecer as exigênciasdo papel, está impressa a subjetividade do sujeito, que se constitui,simultaneamente, em um ato de modificação de papel (RATNER, 1996).

Por uma conclusão fenomenológico-trágica

Ao buscar o sentido do ato de ler, esse estudo elevou ofenômeno leitura a um patamar onde o domínio dessa habilidadeextrapola o simples processo de apropriação de conhecimentos esignificados, tornando-se algo de maior valor para a existênciahumana. Entendemos a leitura a partir da visão de Paulo Freire,que a concebe em um sentido mais amplo, onde a principal funçãodessa habilidade não é de ordem pragmática, mas de ordem social.Ou seja, para esse educador, a prática da leitura é importantetambém e, sobretudo, por servir de poderoso instrumento para oexercício da participação social.

Estar preparado para ingressar no projeto de expansão damodernidade social não é simplesmente saber ler e escrever. É preciso,antes de tudo, saber o que pode ser feito com essas habilidades e terconhecimento das funções que a alfabetização assume em uma

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sociedade complexa como a nossa. É saber usar essas habilidades emfunção do crescimento pessoal e social. Nossa sociedade semodernizou rapidamente e para acompanhar tal progresso é precisoque as pessoas se tornem, de fato, letradas. Conforme já havia sidoconstatado por Scribner apud (TOBACH et al., 1997), quanto maiscomplexa é uma sociedade, e mais desenvolvidas são as tecnologiaspara reproduzir as formas de escrita, mais diversas são as práticas dealfabetização dentro dela, ou mais variados são os usos que se fazdessa aprendizagem.

Ao que parece, as pessoas que são capazes de fazer uso dessaspráticas de alfabetização e que compreendem bem as funções da leiturae da escrita acabam por ocupar os lugares de maior prestígio nos seusgrupos sociais mais próximos e, conseqüentemente, na sociedade ondevivem. Por estarmos cientes da importância que as habilidades deleitura e escrita têm em sociedades como a nossa, chegando a despertarem vários pesquisadores a necessidade de compreender maisprofundamente essa importância, procuramos investigar se era possívelperceber desde cedo algumas mudanças nas formas de relacionamentoentre os alunos e entre eles e o professor a partir do momento em queesses alunos passassem a fazer parte do mundo de leitores.

Essas mudanças de posição só puderam ser percebidas nosrelacionamentos desses alunos, quando eles conseguiam expandir epotencializar suas vidas através de situações positivas vividas emsala de aula. Quando olhamos para o fenômeno da leitura como algomaior do que decifrar códigos escritos ou quando percebemos a leituracomo leitura de mundo, e quando os alunos mostram as capacidadesque têm em relação a esse tipo de leitura, aí conseguimos observarque acontecem alguns deslocamentos nos relacionamentos que elesestabelecem em sala de aula.

Pudemos também indicar possíveis mudanças de posição aocompararmos os relacionamentos de alunos que já estavam em umafase mais avançada desse aprendizado com o relacionamento de alunosque ainda estavam iniciando tal aprendizado. Com base nessacomparação, foi possível apreender que a habilidade de leitura, tanto

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quanto a habilidade de escrita, é capaz de fornecer elementos para queos sujeitos ocupem posições privilegiadas no ambiente de sala de aula.

A possibilidade de melhoria de vida, ligada diretamente aodesejo e necessidade de aprender a ler, acaba suscitando nos educandosuma enorme responsabilidade que não lhes cabe assumir sozinhos. Ocaráter doloroso desse aprendizado que, na maioria das vezes, éproporcional às dificuldades encontradas no caminho, pode estarvinculado também a essa responsabilidade que lhes é atribuída.

O aprendizado da alfabetização exige esforço, provocasofrimento. Mas, é esse aprendizado, cujos determinantes histórico-culturais tornam algo tão valorizado na sociedade moderna, que seconfigura para os alunos como aquilo que pode trazer alegria não apenaspara eles, mas também para as pessoas significativas que os cercam.

De todo o sofrimento provocado pelo processo dealfabetização, podem surgir aptidões que ajudam o aluno a extrapolaresse processo, alcançando algo muito maior, a capacidade deletramento. É essa capacidade que se torna importante na tarefa deexpansão e potencialização da vida. Talvez seja correto afirmar quemesmo os alunos que já estão em processo avançado de alfabetizaçãonão vão conseguir expandir sua existência sem lançarem mão dascapacidades de letramento.

Aos alunos alfabetizados que não conseguem por si só umapotencialização de suas capacidades, resta, ao que parece, submissão,obediência. A esses a sociedade provavelmente já reservou um lugare eles não precisam de muitos esforços para ocupá-los, bastacontinuarem agindo com a mesma obediência, dentro dos mesmosprincípios que lhes foram determinados.

A grande maioria das pessoas, no entanto, precisa mover muitosesforços para poder alcançar posições de prestígio na sociedade emque vivem. Essas posições quando alcançadas tornam-se muitoespeciais, representando alegria e vitória. As pessoas que alcançamtais situações de prestígio, com a superação de suas própriasdificuldades, são aquelas que aprenderam a fazer a “leitura de mundo”,tal como desejada por Paulo Freire, são aquelas que aprenderam a

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colocar em prática as habilidades de letramento, cujo sentido,significado e alcance são mais amplos do que se pode imaginar.

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167O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...

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Recebido em: 06 de junho de 2007Aprovado em: 15 de outubro de 2007

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Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva

Rosimar Bortolini Poker *

Resumo: A cada ano mais e mais crianças não atingem os objetivos curricularesda série em que se encontram e, por isso, passam a compor a categoria dosalunos com Dificuldades de Aprendizagem. Esse é um dos maiores desafios daescola denominada inclusiva que se instaurou no Brasil a partir de 1990.Entretanto, o estudo demonstra que essa mudança de paradigma deu-se emtermos conceituais, com o uso da terminologia necessidades educacionais especiais,mas não repercutiu na prática pedagógica. A escola inclusiva passou a serobrigada a aceitar esse alunado mas não assumiu efetivamente a sua educação.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Inclusão educacional. Fracassoescolar.

Learning disabilities and inclusive education.

Abstract: Each year many more children don’t reach the school goals of thegrades they are taking, then they take part f the group of the students withlearning disabilities. This is one of the greatest challenges of the “inclusiveschool” which was stablished in Brazil in the 90’s. However, this essay showsthat this paradigm change was due to some conceituals therms, with the use ofthe therminology of special educational needs, but it didn’t reverberate in thepedagogycal practice. The inclusive school became obliged to accept thesestudents but it didn’t assume effectively their formal education.

Key-words: Learning disabilities. Educational inclusion. School failuse.

* Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho(UNESP) – Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Campus de Marília. Professora daUNESP/FFC/Marília. E-mail:[email protected] - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 169-180 2007

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A exclusão de crianças e jovens com Dificuldades deAprendizagem do sistema educacional é uma realidade. A cada anomais e mais crianças não conseguem atingir nem minimamente osobjetivos curriculares esperados para a série em que se encontram e,por isso, passam a compor a categoria dos alunos com Dificuldadesde Aprendizagem.

Esse problema constitui, em termos pedagógicos, um dosmaiores desafios da escola. Tais alunos são uma ameaça para o sistemapúblico financeiro pois multiplicam os gastos planejados para a suaeducação. A maioria deles passa por uma ou mais retenções e precisade apoio pedagógico adicional.

O número de alunos que apresenta fracasso escolar estáaumentando sensivelmente, atingindo muitos países e regiões domundo. Tal fato incomoda os gestores responsáveis pela organizaçãodas políticas públicas e preocupa diretores, coordenadorespedagógicos, professores, familiares, ou seja, constitui-se em umproblema a ser enfrentado por toda a sociedade.

Mas, apesar da gravidade da situação, no Brasil, as causas e olevantamento do número preciso de alunos com Dificuldades deAprendizagem, ainda são desconhecidos. Isso porque não há consensoquanto à elegibilidade ou mesmo a identificação dessa clientela. Nãohá preocupação pelos sistemas de ensino em realizar um diagnósticomais detalhado sobre as condições psicológicas, orgânicas, sociais,intelectuais desse alunado, e nem sobre as condições de ensino quelhe são proporcionadas pela escola.

O que é sabido é que uma grande porcentagem de alunos dasescolas brasileiras apresenta insucesso escolar, e que a característicacomum desse grupo é o fato de não aprenderem os conteúdos mínimosprevistos para a série compatível com a sua faixa etária.

Diante desse quadro incerto, os alunos com Dificuldades deAprendizagem ficam vagando entre a educação especial e a educaçãoregular. Alguns chegam a freqüentar salas de recursos para deficientesmentais, programas compensatórios no período oposto ao da aula eaté mesmo salas especiais com professores especializados.

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171Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva

Os professores ao se depararem com esses alunos muitas vezesnão se sentem preparados para atuarem. Normalmente, encaminhamtais alunos para avaliação e para atendimentos de especialistas daárea da saúde. De certa forma, por desconfiarem da presença de algumdistúrbio neurológico ou cognitivo, os professores não se sentemresponsáveis pela sua aprendizagem. Acreditam que o problemadecorre de distúrbios do aluno e, por isso mesmo, não questionam aeficácia de suas práticas ou métodos de ensino.

De acordo com Senf (1981) as Dificuldades de Aprendizagemtêm sido uma área obscura que fica entre a normalidade e adefectologia. O autor afirma que os professores que ensinam taisalunos não raramente sugerem o encaminhamento para a educaçãoespecial sem, contudo, pensarem em modelos dinâmicos ediferenciados de avaliação e de intervenção.

Mas, afinal, o que é uma criança com Dificuldade deAprendizagem?

Segundo a definição do National Joint Committee of LearningDisabilities (NJCLD) de 1988, que reúne internacionalmente o maiorconsenso, Dificuldades de Aprendizagem

[...] é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo dedesordens manifestadas por dificuldades significativas naaquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura,da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens,consideradas intrínsecas ao indivíduo, presumindo-se que sejamdevidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podemocorrer durante toda a vida. Problemas na auto-regulação docomportamento, na percepção social, na interação social podemexistir com as Dificuldades de Aprendizagem. Apesar das DAocorrerem com outras deficiências (por exemplo, deficiênciasensorial, deficiência mental, distúrbios sócio-emocionais) ou comproblemas extrínsecos (por exemplo, diferenças culturais,insuficiente ou inapropriada instrução, etc.), elas não são oresultado dessas condições.

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De acordo com a definição é possível verificar que a Dificuldadede Aprendizagem é um fenômeno extremamente complexo que abarcauma diversidade de conceitos, critérios e teorias.

Para Senf (1990), a Dificuldade de Aprendizagem tornou-seuma “esponja sociológica” que cresceu muito rápido exatamenteporque foi utilizada para absorver uma diversidade de problemaseducacionais acrescidos de uma gama de fenômenos a eles inerentes.

A ausência de uma teoria sólida e coesa baseada em estudoscientíficos explica a ambigüidade e a falta de legitimidade efidedignidade da definição das Dificuldades de Aprendizagem.Conseqüentemente, os serviços utilizados para atender asnecessidades educacionais de tais alunos são ineficientes. Muitas vezesrepetem as estratégias e atividades já desenvolvidas pelos professoresnas salas de aula.

É importante ressaltar também que a identificação dasDificuldades de Aprendizagem ocorre com base em critériosarbitrários sustentados em laudos ou avaliações de diferentes áreasnão tratadas de forma interdisciplinar. Ora a identificação é feita combase em critérios pedagógicos, ora em critérios médicos, ora emcritérios neurológicos, psicológicos, emocionais, motores, sociais oumesmo culturais. Em muitas ocasiões o diagnóstico clínico é supervalorizado e tratado isoladamente e, seus resultados apontam paraalterações que não se convertem em uma proposta de ensino ou dere-educação a ser elaborada para o aluno com Dificuldades deAprendizagem.

Isso acontece porque ainda não há uma identificação científicacomum sobre Dificuldades de Aprendizagem que seja concordanteentre diferentes áreas de conhecimento, e nem critérios legítimos paraa sua definição e caracterização (que podem ser intrínsecos ouextrínsecos aos sujeitos).

A classificação imprecisa e às vezes inconseqüente, leva alunosque, de fato, apresentam tais dificuldades, a não serem atendidos pelosserviços de apoio escolar e, em outras ocasiões, alunos que têmproblemas de comportamento, problemas emocionais ou mesmocarência sócio-econômica passam a usufruir desses serviços.

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Diante desse contexto confuso, pensou-se em modificar amaneira de se classificar os alunos indicados para o atendimento daeducação especial. Pesquisas constataram que muitos alunos comDificuldades de Aprendizagem que poderiam se beneficiar do apoioespecializado da educação especial eram excluídos desse serviçoporque, só eram elegíveis para tal serviço, os que apresentavam algumadeficiência sensorial, motora, física ou cognitiva. E, nem sempre essesalunos precisavam, de fato, desse suporte.

Foi no Relatório Warnock, documento publicado em 1978,resultado do trabalho coordenado por Mary Warnock, doDepartamento de Educação e Ciência da Inglaterra, que modificou-se as concepções e terminologias referentes aos alunos cominsucesso escolar. Tal relatório foi resultado de uma investigaçãoque durou quatro anos sobre as condições da educação especial daInglaterra, na década de 70.

De uma visão de deficiência, dificuldade ou desajuste maisdeterminista, centrada no sujeito, começam a ser considerados tambémfatores ambientais como sendo causadores dos problemas deaprendizagem. Substitui-se a nomenclatura referente às categorias dedeficiência ou desajustamento social e educacional pela expressãonecessidades educacionais especiais.

Pretendeu-se com essa mudança desvincular a questão dadificuldade de aprendizagem à presença da deficiência, uma vez quemuitos alunos que apresentam distúrbios de aprendizagem não têmnecessariamente uma deficiência física, mental, sensorial ou múltipla.Entretanto, ambos os grupos têm necessidades educacionais especiaisque exigem recursos educacionais não utilizados na educação escolarregular, para alunos com a mesma faixa etária.

Essa mudança de enfoque tenta deslocar a ênfase do “alunocom deficiência” para situar-se na resposta educativa da escola, semnegar a condição vivida pelo aluno. Demonstra que apontar adeficiência, como atributo isolado do sujeito, pouco contribui para oseu desenvolvimento. Mesmo porque, a condição do sujeito dependeda ação do meio que pode ou não suprir as suas necessidades.

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O Relatório sugere que a expressão necessidades educacionais especiaisseja aplicada não para rotular o aluno, mas sim, para traduzir todas asexigências para seu progresso escolar. Inclui-se aí a eliminação debarreiras arquitetônicas; formação e competência dos educadores;adaptação de material didático; utilização de recursos especiais(material para alunos com cegueira, surdez, paralisia cerebral, etc.);sistema de suporte; orientação à família; etc. Nesse sentido, sãoconsiderados meios e recursos especiais de acesso ao currículo,adequações curriculares e intervenções no âmbito familiar e escolarno qual a criança está inserida.

Vê-se então que o foco de atenção se deslocou da deficiênciapara o meio, no caso, as respostas educativas da escola que devemser organizadas para suprir as necessidades de cada aluno para queele venha a aprender.

Para Marchesi e Martín (1995, p. 11) o termo necessidadeseducacionais especiais refere-se ao sujeito que:

[...] apresenta algum problema de aprendizagem ao longo desua escolarização, que exige uma atenção mais específica emaiores recursos educacionais do que os necessários para oscolegas de sua idade. Aparecem, portanto, nesta definição, duasnoções extremamente relacionadas: os problemas deaprendizagem e os recursos educacionais. Ao falar deproblemas de aprendizagem e evitar a terminologia dadeficiência, a ênfase situa-se na escola, na resposta educacional.Sem dúvida, esta nova concepção não nega que os alunostenham problemas especificamente vinculados a seu própriodesenvolvimento. Uma criança cega ou com paralisia cerebralapresenta inicialmente algumas dificuldades que seus colegasnão têm. No entanto, a ênfase consiste agora na capacidadedo centro educacional oferecer uma resposta a suas demandas.

Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial naEducação Básica de 2001, são considerados alunos com necessidadeseducacionais especiais:

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Educandos que durante o seu processo educacionalapresentarem:I- dificuldades acentuadas de aprendizagem, compreendidas emdois grupos:a) Aquelas vinculadas a uma causa orgânica específica;b) Aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações oudeficiências.

A alteração da definição do aluno com Dificuldades deAprendizagem para aluno com necessidades educacionais especiais, apontaassim, para uma expectativa positiva. Entretanto, não suficiente. Istoporque não atingiu uma uniformidade em termos de discussão deestratégias de diagnóstico, de procedimentos de intervençãopedagógica e muito menos em termos da formação do professor paraatuar com esses alunos.

No Brasil, a terminologia necessidades educacionais especiais apareceuna década de 90, quando o modelo da educação inclusiva se disseminou.A partir daí o fenômeno da deficiência e/ou desajuste passou a serconcebido não mais em função da limitação que o sujeito porta, massim, em função da resposta educacional e das possibilidades deaprendizagem do educando, configurando-se uma perspectiva interativa.

Mas, apesar da perspectiva inclusiva basear-se na visãointerativa da deficiência ou mesmo da dificuldade de aprendizagem,observa-se que têm ocorrido muitos equívocos na implementaçãodesse modelo de escola.

Escola, inclusão e o aluno com necessidades educacionais especiais

De acordo com os princípios da educação inclusiva o alunocom Dificuldades de Aprendizagem deve ser considerado um desafio,visto que, a escola, precisa se adaptar às suas necessidades,organizando-se para atendê-lo da melhor forma possívelproporcionando-lhe seu pleno desenvolvimento.

Estes alunos passaram a fazer parte da categoria de alunoscom necessidades educacionais especiais e, por isso mesmo, receberam o

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rótulo de alunos “da inclusão”. Precisam ser “aceitos” pela escola, oque subentende, como acontece de forma equivocada com os alunoscom deficiência, que passam a ser considerados alunos - problemasou mesmo alunos incapazes.

Dissemina-se a idéia deturpada de que a escola, ao seracolhedora, deve respeitar o ritmo de cada aluno e sua condição social,cultural e econômica, sem se mobilizar para oferecer, de fato, apossibilidade de uma aprendizagem significativa para esses alunos,de forma a provocar a sua transformação. Os aspectos didáticos -pedagógicos propriamente ditos, ou seja, que se referem a intervençãoproporcionada pela escola e pelo professor são, de certa forma,negligenciados. Além disso, não são consideradas as especificidadesda aprendizagem de alunos que têm comprometimentos orgânicos e/ou neurológicos.

Outro aspecto a ser ressaltado é que, a partir do paradigma daeducação inclusiva, a educação especial assume também o alunadoque apresenta Dificuldades de Aprendizagem, além de atuar com osalunos com deficiência.

Carvalho (2004, p. 76) afirma que encaminhar alunos comDificuldades de Aprendizagem para classes especiais:

É criticável na medida em que, historicamente, a educaçãoespecial se originou e se organizou para o atendimentoeducacional escolar de alunos com deficiência como sistemaparalelo à educação comum, ou ensino regular. Alunos comdistúrbios de aprendizagem não são, conceitualmente, portadoresde deficiência, não devendo ser segregados.

Isso é extremamente perigoso porque como não existe um testeou método de avaliação que seja capaz de diagnosticar ou identificarde forma objetiva um aluno com Dificuldades de Aprendizagem ouos problemas de leitura ou escrita que ele apresenta, uma grandeporcentagem de alunos está sendo encaminhada de forma errôneapara os serviços especializados. Na verdade, muitos desses alunosapresentam dificuldades decorrentes de problemas relacionados a uma

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concepção de ensino e de aprendizagem tradicionais que não consideraa ação transformadora do professor no sentido de proporcionar asmelhores condições para o aluno se desenvolver.

Diferentemente das deficiências sensoriais, físicas ou motoras,as Dificuldades de Aprendizagem não podem ser tratadas comodecorrentes de apenas uma causa. É um conjunto de condiçõesextrínsecas e intrínsecas ao sujeito que podem provocar tal problemaque exige procedimentos psicopedagógicos diferenciados eindividualizados.

Segundo Carvalho (2004, p. 71)

Parece impossível, pois, compreender ou explicar as dificuldadesde aprendizagem sem levar em conta os aspectos orgânicos,psicológicos ou sociais, banalizando a importância de cada um,isoladamente ou desconsiderando suas intrincadas inter-relações.Na verdade, há que examinar o dinamismo existente entre todosos fatores, sem atribuir unicamente a um deles a responsabilidadepelo sucesso ou fracasso escolar do aluno.

Por conta disso, torna-se fundamental rever o processo deavaliação desses alunos. Só a partir de uma avaliação detalhada einterdisciplinar do potencial de aprendizagem, capaz de coletar dadossobre as dificuldades do aluno no que tange aos processos cognitivossubjacentes aos diferentes conteúdos, bem como aos aspectos sociais,familiares, emocionais e escolares é que será possível, de fato, planejarestratégias pedagógicas individualizadas que promovam o seudesenvolvimento. Avaliação e intervenção passam a se relacionardiretamente.

Interessante notar o que vem acontecendo atualmente. Emnome da escola denominada “inclusiva”, o aluno com Dificuldadesde Aprendizagem segue sua trajetória escolar sem ter a possibilidadede se desenvolver em sua plenitude. As limitações do nosso sistemaeducacional tradicional não são reconhecidas e muito menos reveladasou enfrentadas. Dessa forma tais alunos são aceitos de maneira passivapelo sistema educacional e pelo professor em sala de aula que não se

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Rosimar Bortolini Poker178

preocupa em identificar os fatores que levaram a essas dificuldades emuito menos em organizar um currículo diferenciado de tal forma aatender às necessidades educacionais específicas dos educandos.

A escola, como não se sente responsável pelo problema, nãorevê seus princípios, e nem suas práticas. Conseqüentemente, nãorealiza avaliação diferenciada e, conseqüentemente, não planejaestratégias pedagógicas que viabilizem e respeitem o estilo e ascondições de aprendizagem do educando.

Ao fazer uma análise da definição a respeito do conceito denecessidades educacionais especiais, percebe-se que, a expressão conformefoi definida, não conseguiu, de fato, deslocar o foco do problema doaluno, direcionando para as respostas educacionais específicas eadequadas exigidas para sua aprendizagem. Observa-se claramenteque houve um desvirtuamento desse objetivo.

A expressão ao evitar enfatizar os atributos ou condiçõespessoais (orgânicas ou não) que podem interferir na escolarização doaluno, permitiu aos sistemas educacionais transferirem o foco para ascausas externas que provocam a condição da não aprendizagem. E,como essas condições (sociais, familiares, econômicas), não podemser modificadas pela escola, foram tratadas como simples diferençasdo alunado que a escola, denominada inclusiva, precisa lidar. Ou seja,ao enfatizar e culpabilizar as condições limitadoras do meio de ondea criança provém, como causadoras dos problemas de aprendizagem,isenta-se de certa maneira, o sistema educacional, da responsabilidadepelo fracasso escolar desse alunado que compõe a maioria das criançasda escola pública brasileira.

Essa maneira de compreender e enfrentar a questão do fracassoescolar é muito diferente do que propõe, de fato, uma educaçãoinclusiva, uma educação de qualidade para todos.

Uma educação verdadeiramente inclusiva reconhece a diversidadedo seu alunado e, por isso mesmo, adapta-se às suas características deaprendizagem. Oferece respostas específicas adequadas e diversificadas,que proporcionam para o aluno condições de superar ou compensar assuas dificuldades de aprendizagem, independentemente das causas queprovocaram tal problema em seu processo de escolarização.

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Por conta disso, quando surge a discussão sobre a inclusão, aprimeira questão que deveria ser tratada é a exclusão social e econômica.Até 1990, só os alunos com deficiência eram explicitamente excluídosdo sistema regular de ensino. Depois, constatou-se que a escola utilizavatambém de forma implícita o mecanismo de exclusão com todosaqueles que não se enquadravam no modelo de aluno idealizado porela, ou seja, excluía o alunado das classes sociais menos favorecidas.

Daí emergem indagações como: a quem a escola pública prestaserviço? À classe média?

Nesse sentido, duas reflexões precisam ser feitas:– O aluno que não aprende porque vive em condição de

pobreza extrema que provoca limitações de ordem emocional,lingüística e até mesmo intelectual, não deve ser considerado,simplesmente, como um aluno com necessidades educacionais especiaisque aprende com instrumentos e recursos pedagógicos diferentes.Essa é uma questão social muito mais ampla e complexa! A escola,por isso mesmo, não pode se responsabilizar sozinha por esseproblema. Afinal, não podemos naturalizar a miséria e muito menoscamuflar o problema. Não adianta criar uma escola de pobres parapobres. É preciso oferecer condições de vida adequadas para quetodos, de fato, tenham as mesmas possibilidades de aprender. Nãoé desqualificando o ensino que se garante a igualdade deoportunidades. Isso constitui um grande engodo.

– Se as dificuldades de aprendizagem decorrerem dainabilidade da escola em lidar com a sua clientela, ou seja, se aescola continua a trabalhar dentro de um modelo tradicional ehomogeneizador de ensino, que impede o desenvolvimento do alunodas classes populares, a dificuldade não é de aprendizagem e sim de“ensinagem”, devendo, o sistema educacional, rever suas concepçõesde ensino e de aprendizagem.

Quando se instaura uma nova lógica para tratar da questão dopapel da escola no processo de construção de uma sociedade inclusiva,fala-se justamente que todos devem ter igualdade de direitos e que a

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escola constitui-se na instância privilegiada ao favorecer a convivênciacom a diversidade, principalmente num país como o Brasil, com altoíndice de pobreza e miséria social, desemprego e trabalho infantil.

Nesse sentido, cabe à escola organizar-se para proporcionar asmelhores condições possíveis de aprendizagem ao aluno, uma escolabaseada na teoria construtivista. Para tanto, é necessário mudar ospressupostos epistemológicos que a sustentam. Isso quer dizer revera atuação da escola, sua metodologia de ensino, os recursos utilizados,sua estrutura e sua organização, seu currículo, o número de alunos daclasse, a formação dos professores, o salário dos profissionais daeducação, etc.

Conclui-se então que é preciso não só resignificar o conceitode Dificuldades de Aprendizagem como também rever o papel daescola em uma sociedade que assume o paradigma da inclusão.

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Recebido em: 04 de maio de 2007.Aprovado em: 03 de agosto de 2007.

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Estilos de aprendizagem e rendimento deestudantes adultos em língua inglesa

Renata Maria Moschen Nascente *

Resumo: Este artigo objetiva apresentar parte de uma pesquisa na qual foiinvestigado o relacionamento entre os estilos de aprendizagem global/analíticoe extrovertido/ introvertido de um grupo de estudantes brasileiros adultos deLíngua Inglesa e seus níveis de rendimento. Partimos do pressuposto de que oconhecimento dos estilos de aprendizagem e de como eles influem naaprendizagem de Língua Estrangeira (LE) pode subsidiar tanto novas pesquisasquanto o trabalho docente voltado ao ensino e à formação de professores, poispermite compreender algumas das possíveis razões do surgimento dedificuldades de aprendizagem nesse campo.

Palavras-chave: Estilos de aprendizagem. Dificuldades. Língua Estrangeira.

Adult english language students’ learning styles and achievement rates

Abstract: This article is aimed at presenting part of an investigation whichstudied how the relationship between the learning styles global/analytical andintrovert/extrovert of a group of adult Brazilian students of English influencedtheir achievement rates. We departed from the presumption that the knowledge

* Doutora em Educação Escolar. Docente do Centro Universitário Central Paulista (UNICEP),São Carlos – São Paulo – Brasil. E-mail: [email protected]

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 181-202 2007

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Renata Maria Moschen Nascente182

about learning styles and how they influence foreign language learning mightsubsidize new investigations as well as teaching methodologies aimed at both:regular classrooms and teachers’ education processes, because it enhances thecomprehension of the possible reasons of the arising of learning difficulties inthis field.

Key-words: Learning styles. Difficulties. Foreign language.

Introdução

Este estudo objetiva introduzir uma discussão sobre a influênciade alguns estilos de aprendizagem nos níveis de rendimento e nosurgimento de dificuldades de estudantes adultos de Língua Inglesa.Partimos do pressuposto de que a compreensão desse relacionamentotem o potencial de subsidiar adequações pedagógicas direcionadas àamenização dessas dificuldades. Decidimos assim, na primeira partedo trabalho, fazer uma revisão sobre as origens e desdobramentosdas pesquisas sobre os estilos de aprendizagem. Em seguida,estabelecemos uma ligação entre essas investigações e a área de ensinode Língua Estrangeira (LE). Finalmente, apresentamos um trabalhode pesquisa (NASCENTE, 2004) que investigou esse relacionamentoem um grupo de estudantes brasileiros adultos de Língua Inglesa.Percorremos esse caminho baseados na premissa de que oconhecimento dos estilos e de como eles influem na aprendizagemde LE pode subsidiar tanto novas pesquisas como o trabalho docentee a formação de professores nesse campo.

Origens e desdobramentos dos estudos sobre os estilos deaprendizagem

Reportamos-nos aos trabalhos de Claxton e Ralston (1978) eLemes (1998) nos quais foram inventariados os primórdios dosestudos sobre estilos de aprendizagem.

Lemes (1998) demarcou que a necessidade de estabelecer asmaneiras pelas quais os seres humanos constituem a suaindividualidade remonta ao final do século XVII. Entretanto, o

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183Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

surgimento dos estudos específicos sobre os estilos de aprendizagemcomo os conhecemos hoje ocorreu na década de quarenta do últimoséculo. O autor explica ainda que, durante a década de cinqüenta,essa área da psicologia se expandiu, com a proliferação de estudosbastante diversificados sobre os estilos de aprendizagem. Houve assimo desenvolvimento de uma grande variedade de conceitos nessecampo, que se deveu às diferentes escolas de pensamento psicológicoque influenciaram os estudos sobre os estilos de aprendizagem. Essasinfluências foram: a psicanálise e as psicologias da gestalt, cognitiva ecomportamental.

Esclarecedora da diversidade das investigações desenvolvidassobre os estilos a partir desses trabalhos iniciais é a obra de Claxton eRalston (1978), na qual os autores elaboraram um estado da arte sobreas pesquisas concluídas até então sobre estilos cognitivos, depersonalidade e de aprendizagem. Eles fizeram também ummapeamento integrando os diversos estilos. O quadro a seguirapresenta uma síntese do trabalho dos autores.

(continua)

MODELO

1.Dependênciaou independên-cia de campo

2. Conceituaçãoanalítica ou nãoanalítica

3. Impulsividadee reflexão

4. Capacidade decorrer riscos oumedo de correrriscos

DESCRIÇÃO

A dependência de campo se caracteriza pelosmodos globais de percepção. Os independentesde campo, pelos modos analíticos de percepção.

O estilo analítico inclui a diferenciação entreatributos e qualidades. O estilo não analíticopode responder de maneira mais relacionalou temática.

A impulsividade é caracterizada por respostasrápidas, a reflexão por respostas mais lentase deliberadas. A pessoa impulsiva é maisrápida, mas erra mais.

O indivíduo capaz de correr riscos o fazmesmo quando as chances de sucesso sãomuito pequenas. O outro tipo, que temmedo de correr riscos, é caracterizado pelarelutância de correr riscos a menos que apossibilidade de sucesso seja muito grande.

REFERÊNCIAS

Witkin et al (1954);Witkin (1976)

Kagan et al(1960);Mesick eKogan (1963)

Kagan (1965)

Kogan; Wallach(1964)

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5. Sistemático ouintuitivo

6. Nivelador ouagudo

7 . C o g n i t i v ocomplexo ousimples

8. Detalhista efocado

9. Controle fle-xível e restrito

10. Tolerância ouintolerância àincongruência

O sistemático demonstra inclinação paratransformar dados em conceitosrelacionados a outros retidos previamente.Ele inclina-se a desenvolver seqüências. Jáo intuitivo tende a absorver dados demaneira bruta, desenvolvendo livrementeas suas idéias dos dados propostos e aindasepara as partes do todo.

Esses tipos demonstram variações no quese refere à assimilação e à memória. Onivelador tende a assimilar novos estímulosdentro de categorias previamenteestabelecidas, enquanto o agudo tende adiferenciar novas informações das quetinham sido previamente estabelecidas.

Apresentam diferenças na tendência de vero mundo de maneira multidimensional. Oscomplexos se caracterizam pelo uso deintegração hierárquica, enquanto os simplesmostram-se no uso de dimensões ediferenças.

Envolvem a identificação de informaçãorelevante e irrelevante nas tentativas deresolver um problema.

O tipo controle restrito demonstra maiorsuscetibilidade a distrações, o tipo controleflexível demonstra resistência ainterferências.

Indivíduos tolerantes à incongruênciademonstram facilidade para perceber dadose situações não convencionais. A tolerânciaé caracterizada por uma grande capacidadede adaptação a percepções não usuais. Osintolerantes revelam-se pela demanda demais dados e explicações antes que algo nãousual seja aceito.

McKenney; Keen(1965)

Gardner (1959)

Harvey et al(1961);Kelly

(1955)

Schlesinger(1954)

Klein (1954)

Klein; Gardner;Schelsinger

(1962)

Como se pode observar, em um período de mais ou menosvinte anos de pesquisas sobre os estilos cognitivos e de aprendizageminstitui-se uma diversidade muito grande de conceitos e paradigmas.Deve-se levar em conta ainda o fato de que existe um certo nível de

(conclusão)

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185Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

sobreposição entre esses conceitos, o que interferiu também nosinstrumentos de investigação. Essa é uma situação que perdura atéos nossos dias. Assim, uma das maiores dificuldades de umpesquisador que queira trabalhar com os estilos de aprendizagem édecidir quais deles são mais adequados aos seus objetos de estudo.

Uma compreensão sobre como os estilos de aprendizageminfluenciam os processos de ensino e aprendizagem de LE só podeser adquirida se entendermos como esses estilos têm sido agregadospelo campo da educação. Por isso, decidimos rever alguns dos principaistrabalhos e paradigmas sobre eles, para só posteriormente integrá-losà área de Língua Estrangeira, em estudos que propuseramrelacionamentos entre as duas áreas.

Estilos e estratégias de aprendizagem

Tanto Claxton e Ralston (1978) quanto Lemes (1998)definiram os estilos como uma maneira consistente pela qual umaluno responde a um determinado estímulo e como ele o utilizano contexto de aprendizagem. Esse pressuposto nos leva a crerque se fosse possível combinar determinados estilos de aprendercom certas formas de ensinar seriam facilitadas as interações emsala de aula, o que, a princípio, consideramos uma vantagem paraa eficiência dos processos de ensino e aprendizagem.

Sternberg e Grigorenko (2001), por sua vez, preocuparam-se com o maior problema teórico no que concerne aos estilos, e umdos que mais interessam aos professores de LE, que seria adiferenciação entre estilos e estratégias de aprendizagem. Para osautores, os estilos entram em ação de maneira inconsciente, enquantoas estratégias se constituem em escolhas conscientes de alternativas.Eles ordenam esses processos da seguinte forma: primeiramente vêmos estilos, como preferências, e, posteriormente, as estratégias, queseriam uma concretização dos estilos.

Complementa essa perspectiva o trabalho de Renzulli e Dai(2001). Nele os autores explicam que os estilos de aprendizagem

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seriam influenciados tanto por características inatas dos indivíduosquanto pelo meio social e educacional no qual se inserem. De acordocom o retorno recebido pelo indivíduo no que tange os seus estilos,ele pode modificá-los, se perceber alguma necessidade de adaptação,ou reforçá-los, transformando-os em atitudes intencionais, o queestenderia o estilo à categoria de estratégia de aprendizagem. Elesexplicam que do ponto de vista do desenvolvimento, o indivíduointerage com o meio como uma pessoa total, com competênciasadquiridas ou a adquirir, que são tanto os pressupostos como osresultados dessa interação.

Concordamos também com Watkins (2001) em sua premissade que não deve existir uma divisão rígida entre os estilos e asestratégias de aprendizagem. Talvez a estratégia possa serconsiderada uma concretização do estilo, que, por sua vez, sereestrutura a partir do retorno fornecido pela própria prática de umaestratégia. Essa visão dinâmica do processo de aprendizagem devenos ajudar a descobrir quais os tipos de conflitos que devem aparecernas interações ocorridas em contextos de ensino e aprendizagem deLE, guiando-nos na compreensão das dificuldades de aprendizagemsurgidas nesse processo.

Também nos alinhamos com Riding (2001) e Biggs (2001) eNascente (2004) quando eles levantam a importância dos professoresconhecerem seus próprios estilos de aprendizagem, que influenciamdiretamente suas práticas pedagógicas. A identificação dos estilos deseus alunos pelos professores deve propiciar a elaboração deestratégias de ensino que levem em consideração as maneiras pelasquais os alunos abordam as atividades de aprendizagem propostas, oque deve diminuir conflitos e dificuldades e fomentar a aprendizagem.

Implicações pedagógicas dos estilos de ensinar e aprender

Entwistle, McCune e Walker (2001) situam três instâncias quecompõem o trabalho do professor em sala de aula: suas concepções

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187Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

sobre o ensino, que ele forma ao longo da vida; os estilos de ensino,diretamente derivados dos estilos de aprendizagem e de suapersonalidade, e as abordagens de ensino, baseadas em sua formaçãoprofissional, das quais derivam os métodos e técnicas de ensino quepromovem determinadas atividades em sala de aula em detrimentode outras. Para os autores existe uma interação dinâmica entre essasinstâncias que são influenciadas e influenciam o contexto sócio-educacional no qual se inserem e apresentam tanto característicasmutáveis quanto estáveis. Portanto, podemos dizer que os estilos pelosquais os professores aprendem e, consequentemente, ensinam,constitui-se em uma influência básica nas formas pelas quais elesadministram as situações de aprendizagem sob sua responsabilidade.

Sternberg e Zhang (2001) e Nascente (2004) concordam emduas implicações pedagógicas do conhecimento sobre os estilos parao trabalho pedagógico dos professores. A primeira é que os professoresdevem perceber as razões pelas quais alguns alunos têm baixorendimento, que não deve ser a falta de habilidades acadêmicas, masum desencontro entre seus estilos e a maneira em que a aprendizagemlhes é proposta. A segunda é que os professores devem ficar atentosaos estilos de seus alunos, aos estilos que promovem e aos estilosque punem em sala de aula.

Sternberg e Zhang (2001) e Nascente (2004) propõemexemplos de trabalhos com os estilos a serem realizados com osalunos em sala de aula. Dessa forma, os professores podem encorajarestilos de aprendizagem que sejam efetivos permitindo que os alunosdêem a sua própria opinião sobre os assuntos que estão aprendendoe que possam escolher seus materiais de estudo e projetos. Osprofessores podem ainda incentivar uma abordagem aprofundadada aprendizagem, promovendo um entendimento dos materiais deensino. Nesse contexto, os alunos devem se tornar maisindependentes e mais autônomos no que concerne às suas escolhasde estilos de aprendizagem. Portanto, os autores assumem uma visãodinâmica dos estilos, acreditando que além de influenciados por

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características individuais, eles têm muito a ver com as vivências decada um. Assim, consideram que os estilos são moldados pelasexperiências do indivíduo na sociedade.

As conseqüências dessas concepções para a educação são muitoprofundas. Se os estilos também são concebidos na sociedade, elessão, conseqüentemente, mutáveis. Portanto, os professores podemfomentar estilos que sejam apropriados a determinados conteúdos,ou adaptar esses conteúdos aos estilos dos alunos. Nesse caminho, osprofessores podem variar bastante suas metodologias de ensino,utilizando diversos instrumentos de avaliação e trabalhar com osalunos para que eles conheçam seus próprios estilos para que possammaximizar suas chances de aprender.

Estilos de aprendizagem em Língua Estrangeira (LE)

Talvez uma das maiores estudiosas do relacionamento entreestilos de aprendizagem e processos de ensino de aprendizagem deLE, Ehrman (1996) coloca que os estilos de aprendizagem sãopreferências demonstradas por indivíduos quando eles se propõem aaprender algo. Essas preferências são algumas características gerais,mais do que comportamentos específicos. Tais preferências seconcretizam por intermédio de estilos peculiares de aprendizagem.Para a autora, poucos alunos conhecem a maneira pela qual aprendem.Esporadicamente, eles podem classificar-se como aprendizes “visuais”ou dizerem-se propícios a aprender gramática, por exemplo, porintermédio de regras claramente estabelecidas. Por outro lado, oprofessor geralmente acessa superficialmente o estilo de aprendizagemdos alunos fazendo inferências e observando-os em sala de aula. ParaEhrman, esse tipo de conhecimento não é suficiente para que oprofessor compreenda as dificuldades de aprendizagem dos alunos eos auxilie a superá-las.

A autora explica que existe uma polaridade entre os estilos deaprendizagem dentro de um determinado contínuo. Dessa forma o

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189Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

grau de preferência por um estilo, por exemplo, analítico, não implicanecessariamente que uma pessoa aprenda cem por cento de maneiraanalítica e zero por cento de maneira global. A proporção pode seroitenta por vinte por cento ou setenta por trinta. Para uma minoria,entretanto, os estilos de aprendizagem se estabelecem de maneirarígida e ultrapassam a barreira da preferência. Nesses casos, o efeitodo desajuste entre o estilo do aluno e o currículo e metodologia deensino a ele oferecido é mais do que apenas um problema dedesconforto ou perda de eficácia. Pode haver uma grande perda deeficiência de aprendizagem ou ainda uma total inabilidade de aprenderdentro daquele determinado contexto.

Se o programa for metodologicamente muito rígido e o alunotambém, em relação aos seus estilos de aprendizagem, ele pode serrotulado como incapaz de aprender línguas, passando acreditar nissocomo se fosse realmente verdade. Baseados em Nascente (2004)podemos afirmar que o aprendiz mais flexível no que se refere aosseus estilos de aprendizagem é aquele que terá mais facilidade deaprender, independente do contexto ou da área do conhecimento.Entretanto, acreditamos que poucas pessoas sejam completamenteflexíveis. Para a maioria dos indivíduos, principalmente para osadultos, que costumam ter estilos relativamente consolidados, aaprendizagem eficaz depende de um determinado nível de coerênciaentre seus estilos, os programas nos quais estão inseridos e o trabalhoque seus professores realizam em sala de aula.

Talvez do trabalho com os estilos de aprendizagem surja umapossibilidade de se estruturar uma discussão sobre o conceito deaptidão para a aprendizagem de línguas. Como sabemos que naaprendizagem de LE o aluno tem que lidar com diversos sistemas nahora de utilizá-la como meio de comunicação, os estilos deaprendizagem que favoreçam essa capacidade de lidar com diferentessistemas ao mesmo tempo devem propiciar uma produção lingüísticamais apurada e, portanto, mais efetiva do ponto de vista comunicativo.

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Ehrman (1996) também alerta para o fato de que a categorizaçãodos estilos de aprendizagem não deixa de ser uma simplificação, paraque se dê conta de sua complexidade. Geralmente, as dimensões deum determinado estilo podem ser analisadas de maneira simples oucomposta, ou seja, associadas a outros estilos ou isoladamente. Essasdimensões são ainda bipolares, atuando em um determinado pontode um contínuo, como já foi explicado.

Finalmente, Ehrman (1996) explica que existem publicadasdiversas categorias de estilos de aprendizagem e também numerososinstrumentos de aferição deles no campo do ensino e da aprendizagemde LE, assim como caminhos para analisá-los. Baseados em Nascente(2004), pensamos que cabe ao pesquisador e/ou professor se debruçarsobre a questão do levantamento dos estilos de aprendizagem, decidirquais as categorias de análise utilizar e, conseqüentemente, adequaros instrumentos de pesquisa aos seus objetivos.

Reid (1998) explica em seu trabalho como os professores deLE podem acessar os estilos para lidar com eles em sala de aula. Oautor toma por base o pressuposto de que alunos e professores sãocompanheiros na tarefa de ensinar e aprender e que o conhecimentodos estilos de ensino e aprendizagem é essencial para que os alunostenham oportunidades de avantajar-se de seus pontos fortes nessatarefa. Já as estratégias de aprendizagem em contextos de ensino deLE se agrupam em três categorias: meta-cognitivas: auto-observaçãoe auto-avaliação; estratégias cognitivas: tomar notas e fazerinferências; estratégias sociais e afetivas: fazer perguntas para obteresclarecimentos e trabalho cooperativo.

Para Nascente (2004) o conhecimento dos estilos dos alunospor parte de seus professores de LE pode ser acessado de diversasmaneiras, tais como questionários, escalas, diários, entrevistas edinâmicas. Os dados levantados devem elevar o nível de consciênciatanto do professor quanto dos alunos sobre seus respectivos estilos,fazendo com que compreendam como ocorre a aprendizagem, quaisas escolhas que eles têm nesses processos e como podem identificarseus pontos fortes e fracos.

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191Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

No que diz respeito a trabalhos de pesquisa nessa área,consideramos que seja necessário ao investigador adaptar ou criarum instrumento que realmente “meça” o que ele se propõe a medir eque seja adequado do ponto de vista social, cultural e lingüístico àpopulação com a qual deseja trabalhar. As possibilidades dereaplicação do instrumento, tanto previamente quanto posteriormenteà pesquisa proposta, também devem ser levadas em consideração. Seessas condições não são atendidas, a validade do trabalho acabatornando-se um tanto quanto duvidosa, não sendo, portanto, possívela generalização dos resultados. Resultados duvidosos podem depreciartanto esse campo de investigação como fornecer contribuiçõesimprecisas, que podem prejudicar o trabalho pedagógico deprofessores que neles se baseiem.

Trabalhos sérios que focalizem a relação entre estilos de ensinare aprender, por outro lado, devem ter o potencial de proporcionar aosprofessores uma ampliação de seus conhecimentos sobre o assunto,o que deve propiciar ações intencionais por parte deles e também dosalunos, notadamente se forem adultos, com a intenção de maximizarpotencialidades individuais de aprendizagem. Um professor querealmente entende os estilos de aprendizagem de seus alunos e queacredita incondicionalmente que eles possam aprender daráoportunidades de sucesso a todos eles.

Tyacke (1998) descreve um projeto que identificou algunsgrupos de estilos em estudantes adultos de inglês como segundalíngua. Seu propósito foi o de demonstrar que as diferenças de estilosdevem ser levadas em consideração na elaboração de currículos,programas e avaliações. A autora sugere algumas estratégias detrabalho em sala de aula. A primeira delas é que o contexto deaprendizagem deve ser flexível, permitindo diferentes disposições delugares na sala e o exercício de diferentes papéis por parte de alunose professores, como por exemplo, terapeuta e paciente, especialista ealuno, consultor e cliente e facilitador e companheiro. Deve-se aindapromover a autonomia dos alunos com opções e oportunidades devariação, elaborando atividades que atendam aos diferentes estilos

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de aprendizagem. A segunda é que as avaliações também devem serflexíveis. Por exemplo, pode-se incluir no programa uma variedade deprocedimentos de avaliação que devem permitir aos alunos escolherdiferentes maneiras de demonstrar que eles alcançaram os objetivospropostos. Os alunos devem receber retorno sobre sua aprendizagemde forma regular e sistemática para que o curso do processo possa sermudado de acordo com suas dificuldades. As tarefas contidas nasavaliações devem atender a diferentes estilos.

A autora finaliza seu trabalho afirmando que os professoressão os indivíduos que têm a maior oportunidade possível deobservação e experimentação em sala de aula e que, por causa disso,eles são as pessoas mais indicadas para investigar os efeitos de umdeterminado programa sobre um aluno. Esse tipo de pesquisa nãoprecisa ser intrusivo, e deve permitir aos alunos participar de maneiraativa na investigação de forma que eles desenvolvam sua própriapercepção no projeto, que pode, em última instância, melhorar otrabalho docente como um todo.

Portanto, de acordo com Reid (1998), Tyacke (1998) e Nascente(2004), os problemas relacionados aos estilos e estratégias deaprendizagem são elementos que influenciam a geração de baixorendimento de aprendizagem de LE de alunos adultos. Entretanto,os autores alertam para a existência de outros fatores, que escapam àárea educacional, na geração das dificuldades e que o trabalho comestilos e estratégias não é uma panacéia capaz de solucionar todos osproblemas vivenciados pelos alunos.

Para Brown (1994), aprendizes de línguas bem sucedidos sãoaqueles que sabem como manejar seus próprios estilos e adequar assuas estratégias com o objetivo de aprender a língua-alvo. Isso inclui,ainda, ser capaz de superar possíveis deficiências inerentes a umdeterminado estilo. Por exemplo, uma pessoa que se entende comosendo excessivamente global, pode, desde que consciente de que issodeve dificultar sua aprendizagem, tentar superar esse estado,esforçando-se para adquirir algumas estratégias ligadas ao estiloanalítico. Esse processo só ocorrerá se alunos e professores estiveremconscientes da importância dos estilos no processo de aprendizagem.

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193Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

O papel dos estilos na aprendizagem de estudantes brasileirosde Língua Inglesa

No que diz respeito a trabalhos realizados no Brasil relacionandoo corpo teórico apresentado sobre estilos e processos de ensino eaprendizagem de LE, nos reportamos ao trabalho de Nascente (2004)que buscou compreender as dificuldades de aprendizagem de um grupode estudantes adultos de Língua Inglesa dentro de uma perspectivamultifatorial, na qual se destacaram os estilos de aprendizagem: global/analítico e introvertido/extrovertido, considerados pela autora comoos mais relevantes na realidade educacional estudada.

Metodologia da investigação

A metodologia utilizada nessa investigação foi descritiva(SELIGER; SHOHAMY, 1990), pela necessidade de compreender fenômenosque ocorrem naturalmente e que estão conectados com oprocessamento e o desenvolvimento dos estudantes de LE. A pesquisadescritiva não utiliza procedimentos que possam de alguma formamanipular a situação de aprendizagem, sendo geralmente motivadapor questões específicas ou hipóteses derivadas de teorias oriundasda área de aquisição de segunda língua ou de campos correlatos. Apesquisa descritiva é útil, dessa forma, para caracterizações dos fatoresligados à aprendizagem de LE.

Podemos dizer que a pesquisa de Nascente (2004) se adequouao paradigma descritivo por ter surgido a partir de um problemaheurístico, que foi o baixo rendimento de aprendizagem em um grupode estudantes de Língua Inglesa. Visando o estudo desse problema,foi elaborada uma hipótese principal, norteadora do trabalho, que foia de que um dos elementos causadores do baixo rendimento seriamos conflitos entre estilos de ensino e aprendizagem. Finalmente, foramlevantados dados que tiveram como objetivo captar informações sobreos estilos de aprendizagem dos alunos e de seus professores comoeles se apresentam na realidade de aprendizagem estudada, semnenhum tipo de manipulação.

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Dentro do paradigma descritivo, a abordagem analítica foiescolhida devido à proposta de estudar os estilos de aprendizagemcomo uma chave para a compreensão de um problema bastante geral,que seria o baixo nível de aprendizagem apresentado por algunsestudantes brasileiros adultos de Língua Inglesa. Nesse processo foramutilizados procedimentos analíticos, cada estilo foi estudado da formamais aprofundada possível. Deve-se ressaltar, entretanto, que essedetalhamento não teve como objetivo o conhecimento de cada fatorisoladamente, ao contrário, buscou-se no trabalho entender como osestilos interagem favorecendo ou dificultando a aprendizagem de LE.

Dessa maneira, Nascente (2004) realizou uma investigaçãodescritiva, analítica e dedutiva. A preferência pela dedução ocorreupelo fato dos alunos pesquisados pertencerem a um grupo social eetário relativamente uniforme, adultos de nível sócio-econômicomédio/alto e educacional médio e/ou superior. Ao estudar um grupoque não apresentava variações etárias, socioculturais e econômicasque poderiam justificar o surgimento de baixos rendimentos deaprendizagem, a autora considerou relativamente seguro partir dahipótese de que as diferenças nas maneiras de ensinar dos professorese de aprender dos alunos poderiam ser consideradas como elementosna geração de suas dificuldades.

Ao traçar seus objetivos de pesquisa mais para o pólo dedutivo,Nascente (2004) utilizou alguns conceitos oriundos da psicologiacognitivista, já trabalhados na área de lingüística aplicada, maisprecisamente na área de aprendizagem de LE, e, a partir deles, gerouhipóteses de trabalho a serem testadas por intermédio de instrumentosespecialmente elaborados para essa pesquisa, que foram: livros didáticosutilizados pelos alunos-sujeitos, suas provas orais e escritas e suas auto-avaliações.

Foram ainda elaborados e aplicados dois questionários. Oprimeiro deles baseado em um instrumento de Oxford (1998) – SAS–Style Analysis Survey, tratou-se de uma escala de afirmações, dez paracada estilo estudado, com diferentes níveis de concordância a serem

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assinalados pelos alunos: nunca, algumas vezes, freqüentemente, sempre.Esse instrumento também possuía duas questões qualitativas, que tinhamcomo objetivo aferir as razões pelas quais os alunos estavam estudandoinglês e dar a eles a chance de fazer quaisquer observações sobre oinstrumento no seu final.

Os próprios professores pesquisados aplicaram o questionárioem seus grupos. Ao receberem de volta os questionários, eles foraminstruídos a marcar com um asterisco, no canto superior direito daprimeira folha do questionário, se o aluno que o respondeu apresentavaalgum tipo de dificuldade de aprendizagem. Foi explicado a eles quedificuldade de aprendizagem poderia ser considerada como qualquerárea na qual o aluno tinha um desempenho abaixo da média do esperadopara o seu nível. Foi solicitado ainda que eles escrevessem abaixo doasterisco as áreas nas quais os alunos apresentavam dificuldades, porexemplo, escrita, produção oral ou gramática. Responderam a essequestionário 183 alunos adultos de nível intermediário e doze de seusprofessores. Aferir os estilos dos professores foi essencial na medidaem que um dos nossos pressupostos é que os estilos de ensinar estãodiretamente relacionados aos estilos de aprendizagem.

O segundo questionário foi montado para complementar asinformações levantadas pelo primeiro. Sua natureza era qualitativa,contendo questões relacionadas às experiências de aprendizagem deinglês anteriores dos pesquisados, além de aferir quais as maneiras deensinar dos professores que mais favoreciam ou desfavoreciam suasaprendizagens. Esse questionário foi respondido por cerca de 30%dos alunos.

Discussão dos resultados

Para que compreendamos os resultados da pesquisa de Nascente(2004), é necessária uma descrição das dimensões global e analítica,que têm sua origem nos estilos dependente e independente de campo,como dimensões que influenciam estruturalmente as maneiras pelas

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quais os indivíduos pensam, vêem e respondem a informações. Issoafeta a forma pela qual eles organizam os insumos recebidos, percebemsuas situações de trabalho e se relacionam com outras pessoas. Osglobais vêem as situações como um todo e são capazes de obter umaperspectiva geral e apreciá-la dentro de um contexto mais amplo. Emcontraste, os analíticos vêem uma situação como uma coleção departes e, freqüentemente, focalizam um ou dois aspectos da situaçãode cada vez, excluindo os outros. Existem os tipos intermediáriosentre os dois que conseguem permanecer no meio dos dois extremos,o que deve dar a esses indivíduos as vantagens dos dois estilos.

De acordo com os resultados de Nascente (2004) podemosafirmar que ambas as dimensões podem facilitar ou dificultarprocessos de aprendizagem de LE. A desvantagem dos globais é queeles têm dificuldades em enxergar as partes, tais como diferençasortográficas, que podem causar dificuldades de comunicação tantooriginadas em aspectos semânticos como sintáticos. Mesmo quandoeles conseguem fazer essas diferenciações, elas podem não ser nítidaso suficiente. Para a autora, por outro lado, os analíticos focalizamapenas um aspecto de cada vez, podendo distorcer e /ou exageraruma parte do todo. Assim, um aprendiz que tende para o pólo analíticopode se ater a detalhes, por exemplo, de pronúncia, que diminuamsua fluência, o que deve dificultar suas tentativas de comunicaçãocomo um todo.

Nascente (2004) afirma, baseada em seus resultados, que avantagem dos globais é exatamente a sua visão de todo, que develevá-los a conseguir se comunicar na língua alvo, apesar de cometeremerros nesse processo. Já a vantagem dos analíticos seria justamente asua capacidade de análise, que faz com que consigam fazer distinçõese estabelecer analogias bastante finas, o que de acordo com suainvestigação contribuiu para que o nível de precisão de suas produçõesorais e escritas fosse bastante alto.

Já introversão e extroversão, de acordo com Nascente (2004),são estilos de grande relevância em contextos nos quais os aprendizessão adultos porque, como já dissemos antes, esses estilos já devem

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estar relativamente consolidados na vida adulta. Os extrovertidosprecisam se sentir ativos, pelo menos verbalmente, eles sentem-seainda melhor se puderem estar ativos também fisicamente. Portanto,os resultados aferidos pela autora apontam para a variedade e ainteração como elementos-chave para que os extrovertidos aprendamde maneira eficiente.

Algumas outras características dos extrovertidos são que,quando contrastados com os introvertidos, eles preferem estratégiasvisuais de aprendizagem. Para Nascente (2004) essa preferência podeestar relacionada à própria definição do que é ser extrovertido, queseria a de alguém orientado para o mundo exterior. A visualizaçãoseria uma maneira de fazer conexões entre elementos do mundoexterior e os símbolos que compõem a língua alvo. Outra característicamarcante dos extrovertidos é que eles utilizam-se mais de estratégiasafetivas, tais como diminuição da própria ansiedade, auto-encorajamento e aferição dos próprios estados emocionais, comomaneiras de facilitar sua própria aprendizagem.

Por outro lado, para os introvertidos (NASCENTE, 2004), a salade aula é fundamental mais pela possibilidade de sistematização doinsumo recebido do que pela interação que ela oferece. Eles preferemestudar sozinhos, em casa, processando o material de forma cuidadosa,sem a interferência dos outros. Portanto, para eles, nada melhor doque tarefas bem planejadas, que aprofundem o conteúdo dado duranteas aulas. Isso ocorre porque os introvertidos precisam processar oinsumo recebido mentalmente antes de utilizá-lo em atividadespresenciais, notadamente nas de fala. Portanto, eles se benefi-ciamde ambientes de ensino nos quais o clima seja de segurança no queconcerne à prática da LE, ao engajamento em novos comportamentose ao surgimento e correção de erros. Apesar desse tipo de climabeneficiar todos os tipos de aprendizes, ele deve ser particularmentebenéficos aos introvertidos. Atividades em pequenos grupos eindividuais, as quais levem, por exemplo, a elaboração e ensaio de umdiálogo para ser apresentado no final da atividade, também devem serde muita valia para os introvertidos, que, como já foi dito anteriormente,precisam processar primeiro o insumo para depois colocá-lo em prática.

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O estudo de Nascente (2004) demonstrou que quando umprofessor que tende, por exemplo, aos pólos da globalidade eextroversão interage com um aluno que tende aos pólos daanaliticidade e introversão, pode ocorrer um conflito cognitivo, pois,como já foi dito antes, os professores tendem a ensinar de acordocom seus estilos de aprendizagem. Nesse caso, o rendimento do alunopode cair, pois esse conflito faz com que ele tenha mais dificuldadeem apreender, processar, reestruturar e produzir os insumos oferecidospelo professor.

Assim, a autora confirmou a hipótese de que algumas dasdificuldades de aprendizagem do grupo de estudantes adultos deLíngua Inglesa que estudou relacionavam-se a discrepâncias entre osestilos de aprendizagem dos alunos e os estilos de ensino dosprofessores, que se relacionam tanto aos seus próprios estilos deaprendizagem quanto às metodologias e abordagem de ensino queutilizavam, que nem sempre são por eles livremente escolhidas.

Seus resultados sugeriram também que a analiticidade e aextroversão podem ser características facilitadoras da aprendizagemde Língua Inglesa. Uma tendência moderada em direção a esses pólospode ser vista como um elemento de previsão de um desempenhocapaz de conduzir a resultados satisfatórios de aprendizagem. Essasinclinações devem ser moderadas na medida em que, se elas foremmuito radicais, podem entrar em conflito com os estilos dosprofessores, geralmente mais equilibrados justamente por suaexperiência como aprendizes avançados da língua-alvo.

Nascente (2004) aferiu ainda que os conflitos estilísticos entreprofessores e alunos são particularmente prejudiciais quandoconjugados com outras dificuldades de aprendizagem. Em outraspalavras, para um aluno que, por diversas razões, inclusive asrelacionadas a alguns estilos, tem facilidade para aprender uma LEnão importa muito o estilo do professor, ele vai conseguir se sair bemde qualquer maneira. Entretanto, para o aluno que já traz consigoalgum tipo de problema de aprendizagem, o conflito de estilos podeser um forte elemento no fomento de suas dificuldades. Explicando

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199Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa

melhor, o professor deve procurar descobrir os estilos dos alunos queapresentam dificuldades, tanto para ensiná-los dentro dessesparâmetros como para ampliar as possibilidades desses alunos, porintermédio de estilos diferentes dos que eles possuem.

Nascente (2004) alinha-se com Ehrman (1998), Tyacke (1998)em relação à premissa de que o professor deve tentar amenizar osextremismos estilísticos de seus alunos, mas também trabalhá-loscomo eles se apresentam, para fomentar o conforto emocional ecognitivo do qual eles tanto precisam para aprender. Para os autoresessa variação pode ser extremamente benéfica, uma vez quetrabalhando harmonicamente com os estilos dos alunos, o professorpropicia uma situação de conforto cognitivo e, conseqüentemente,emocional muito favorável à aprendizagem. Por outro lado,trabalhando com atividades que forcem os alunos em direção opostadas suas, deve fazer com que eles se tornem mais flexíveis em relaçãoaos seus estilos, situação propiciadora de aprendizagem de LE.

Considerações finais

Concluímos assim, que as pesquisas que relacionam estilos eaprendizagem de LE comprovam a importância da compreensãopor parte dos professores das principais tendências de seus alunosnesse campo para uma possível reflexão sobre seus procedimentosde ensino. Também acreditamos na necessidade de variação nautilização dos estilos para o melhor aproveitamento dos alunos,notadamente daqueles que apresentam dificuldades deaprendizagem. Recomendamos ainda que se continue estudando ahipótese de que as diferenças entre estilos de professores e alunosdevem afetar seus níveis de aprendizagem. Essa recomendaçãodeve ser encarada como particularmente válida para o Brasil namedida em que poucos têm sido os trabalhos dedicados à questãodo relacionamento entre estilos de aprendizagem e o aproveitamentode nossos aprendizes adultos de LE.

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Recebido em: 30 de julho de 2007Aprovado em: 15 de outubro de 2007

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Aprendizagens sem dificuldades:a perspectiva histórico-cultural

Maria Aparecida Mello *

Resumo: O objetivo desse artigo é discutir a aprendizagem escolar com basenos pressupostos do enfoque histórico-cultural, desvinculando-a do termo“dificuldades” e da perspectiva de “produto”, analisando o desenvolvimentodos processos de aprendizagens por intermédio da criação de zonas dedesenvolvimento proximal. A intenção é fomentar e incrementar as reflexões epesquisas cujos objetivos desviem o foco do problema como sendonecessariamente da criança, para a discussão sobre as concepções e metodologiasde ensino adotadas pelos profissionais que atuam na Escola, as quaisestigmatizam e definem as trajetórias de vida das crianças rotuladas com“dificuldades de aprendizagem”.

Palavras-chave: Aprendizagem sem dificuldades. Zona de desenvolvimentoproximal. Teoria Histórico-Cultural. Concepções sobre aprendizagem.Metodologias de ensino.

Learning without difficulties: The cultural-historical perspective.

Abstract: This article discuss the scholar learning with support in the Historical-Cultural Theory, disconnecting its of the term “difficulties” and of the “product”

* Professora Doutora do Departamento de Metodologia de Ensino e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos. Coordenadora do Núcleode Estudos, Pesquisas e Extensão sobre a Escola de Vigotsky (NEEVY). E-mail:[email protected]

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 203-218 2007

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perspective, analyising the development of the learning process interposed bythe creation of the proximal development zone. The intention is to fomentand to develop the reflections and researchs whose goals put out of the waythe focus of the problem as being own of the child to the discussion about theconceptions and the teaching methodologies adopted by the diferents personswho act in the school, which lable and defining the trajectories of the children´slife rotulared with “learning dificulties”.

Key words: Learning without difficulties. Proximal development zone.Historical-Cultural Theory. Conceptions about learn. Teaching methodologies.

A questão sobre as dificuldades de aprendizagens de crianças,adolescentes e jovens é um assunto que perpassa gerações de estudosna área da Educação em todos os níveis de ensino, com diferentestipos de argumentações e possíveis alternativas de soluções.

Na Educação Básica, as crianças que não apresentam odesempenho esperado são rotuladas como portadoras de dificuldadesde aprendizagem, cujas denominações nas discussões entreprofessores, coordenadores, supervisores e gestores no cotidianoescolar variam: hiperativo, disléxico, disgráfico, etc., cujas explicaçõese causas são atribuídas à própria criança, às suas condições de vida ede família, culminando em encaminhamentos médicos e terapêuticos.

Esses procedimentos adotados pelos profissionais que atuamna Escola geram, por um lado, a exclusão dessas crianças de relaçõessociais imprescindíveis para o desenvolvimento de aprendizagens e,por outro, definem trajetórias de fracasso para as suas vidas.

A questão da aprendizagem na Escola

As dificuldades de aprendizagem na escola têm se configuradoem um problema para os seus profissionais, tanto no ensino públicocomo privado. A insatisfação dos docentes, gestores e familiares emrelação ao desempenho escolar de crianças e adolescentes vemaumentando e transformando a vida de todos os envolvidos,principalmente os estudantes.

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Apesar de a Escola buscar acompanhar e inserir algumastecnologias como recursos didáticos para possibilitar as aprendizagensdos conteúdos escolares, o pressuposto metodológico e a concepçãoeducacional que ainda persiste é a de que a criança ou adolescentetraz ou não consigo uma carga genética para a aprendizagem. Nessaconcepção, aqueles que não são privilegiados geneticamente são osque apresentam dificuldades de aprendizagem e são encaminhadospara terapias e consultas médicas que possam resolver o problemapara a Escola.

A partir dessa concepção biologicista de desenvolvimentohumano, na qual estão subjacentes as concepções dos professores egestores sobre criança, adolescente, ensino, aprendizagem, etc.,alicerçam-se as metodologias de ensino que irão contribuir para queas aprendizagens dos educandos se tornem “dificuldades deaprendizagem” e um problema intransponível para a Escola,justificando os encaminhamentos médicos e terapêuticos junto àsfamílias.

Se mudarmos a direção de nossa análise, da criança para asmetodologias de ensino utilizadas por professores, corroboradas porsupervisores, coordenadores e gestores na Educação Básica,observaremos que elas, ainda, estão muito pautadas no produto quea criança ou adolescente apresenta, ao invés do seu processo deaprendizagem. Tais metodologias de ensino ainda são muitodirecionadas para o individual, uma vez que as atividades sãorealizadas com a classe toda, da mesma forma e ao mesmo tempo.

Os conteúdos, por sua vez, são fixos e com prazosdeterminados para serem “ensinados”, retirando do educando amotivação em aprender, pois não há tempo de se apropriar do sentidodeles para a sua vida e, limitando ao professor a flexibilidade deescolha de conteúdos mais interessantes para a vida dos educandos.

Portanto, mudando nosso foco, mudamos o problema. Ele deixade ser “dificuldades de aprendizagem” para ser “dificuldades deensino”, decorrentes de vários problemas que envolvem a organização

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escolar e curricular, formação do professor, condições de trabalho,entre outras, já amplamente discutidas na literatura da área deEducação.

A aprendizagem e o ensino na perspectiva Histórico-Cultural

Vigotsky (1993, Tomo II) discute a aprendizagem e o ensinoescolares por intermédio de dois conceitos: zona de desenvolvimentoproximal – relacionada ao processo da aprendizagem; o que a criançapode fazer hoje em colaboração, com a ajuda de outra pessoa, poderáfazê-lo autonomamente amanhã – e desenvolvimento atual –relacionado ao produto da aprendizagem, ou seja, o que ela já aprendeue domina.

Nessa perspectiva teórica, a aprendizagem e o ensino sempreestão à frente do desenvolvimento, pois a criança assimila aspectos damatéria estudada antes de aprender a utilizá-los conscientemente evoluntariamente, nesse processo são desencadeadas diferentes funçõespsíquicas que estão em processo de maturação e encontram-se na zonade desenvolvimento proximal, as quais devidamente exploradas epotencializadas pelo ensino poderão se tornar parte do desenvolvimentoatual.

As investigações de Vigotsky (1993, p. 235, Tomo II)demonstraram que sempre há “divergencias y que nunca se manifiestaparalelismo entre el curso de la instrucción escolar y el desarrollo delas correspondientes funciones”. Os processos didáticos seguem linhasde continuidade de complexa organização e se desenvolvem noformato de aulas ou lições, as quais hoje são umas, amanhã poderãoser outras, ou ainda, no primeiro semestre seguem determinadosconteúdos ou disciplinas, diferentes do segundo semestre,dependendo do tipo de currículo, nível de ensino, proposta pedagógicada escola, etc., mas todos regulados por horários, dias, ou programas.

Vigotsky (1993, Tomo II, p. 235) argumenta que:

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[…] sería un gran error suponer que estas leyes externas de laestructuración del proceso didáctico coinciden por completo conlas leyes internas de estructuración de los procesos de desarrolloque provoca la instrucción. Sería errôneo pensar que si estesemestre el alumno há estudiado en aritmética algo, porconseguiente, también en el semestre (interno) de su desarrolloha conseguido los mismos éxitos. Si intentamos reflejarsimbólicamente en forma de una curva la línea de continuidaddel proceso didáctico y hacemos lo mismo respecto a la curvade desarrollo de las funciones psíquicas que intervienendirectamente en la instrucción, como lo hemos tratado de llevara cabo en nuestros experimentos, observaremos que estas doscurvas no van a coincidir nunca, aunque descubriráncorrelaciones muy complejas.

Nos processos de ensino e de desenvolvimento humano existemmomentos cruciais próprios de cada um que estão relacionados auma série de outros momentos anteriores e posteriores. Apesar deapresentarem complexas relações internas, eles não coincidemnecessariamente, da maneira que a Escola é estruturada. Tomemospor exemplo, os problemas relacionados à não alfabetização decrianças. O prazo do domínio da aprendizagem desses conteúdos,estipulados pelos currículos escolares, não é o mesmo que, geralmente,as crianças necessitam para a tomada de consciência interna dalinguagem e o domínio da leitura escrita. Os objetivos usualmentecolocados por professores, gestores, coordenadores, supervisores efamílias para a alfabetização das crianças é o final da primeira sériedo Ensino Fundamental e com a implantação do Ensino de 9 anos,corremos o risco de diminuir esse prazo para as crianças de 6 anos.

Como disse Vigotsky (1993, Tomo II, p. 236): “el desarrollono se subordina al programa escolar, tiene su lógica interna”. Se alógica na qual a Escola estrutura seus currículos, conteúdos emetodologias de ensino não alcança a lógica de aprendizagem edesenvolvimento das crianças, certamente haverá um descompassoentre as aprendizagens e o ensino, gerando para a Escola as“dificuldades de aprendizagem” e para a criança uma trajetória de fracassoque contribuirá para o não desenvolvimento de novas aprendizagens.

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Em contrapartida, se a concepção na Escola sobre ensino eaprendizagem considerar os momentos de assimilação daaprendizagem de um determinado conteúdo como apenas o iníciopara o domínio dele, os progressos das crianças serão mais evidentes.O foco do ensino e da avaliação passará a ser a criança, no seuprocesso de aprender os conteúdos e não apenas no conteúdo e noproduto já estabelecido a priori.

Quando nos atemos apenas ao produto final, deixamos decompreender o processo pelo qual a criança está desenvolvendo aaprendizagem daquele conhecimento. Portanto, o problema dedificuldades de aprendizagem desloca-se da criança para o ensino eas metodologias utilizadas pelo professor para alcançar os processosdesenvolvidos pelas crianças para conseguirem aprender umdeterminado conteúdo.

Vigotsky (1993) investigou a relação entre as matérias escolarese as funções psíquicas superiores, utilizando a matemática e a leiturae escrita. Os resultados demonstraram que o desenvolvimento mentalda criança não se realiza de acordo com o sistema das matériasescolares, ou seja, a matemática não desenvolve funções de formaisolada e independente, assim como a linguagem escrita e outras tantasfunções. As diferentes matérias têm um certo grau de base psíquicacomum. Tanto na matemática como na leitura e escrita, a tomada deconsciência e o domínio de cada um dos conteúdos estão igualmenteno primeiro plano de desenvolvimento da aprendizagem de ambos.O pensamento da criança se processa em todas as matérias e seudesenvolvimento não se decompõe em trajetórias separadas em funçãodas diferentes disciplinas escolares.

Se a concepção de aprendizagem que está subjacente ao ensinofor aquela de que todo indivíduo é capaz de aprender e que cada umtem trajetórias e tempos diferentes, então o problema de dificuldadesde aprendizagem deixa de ser um problema. Os desafios do professore da Escola modificam-se para a investigação dos sentidos dedeterminados conteúdos para a aprendizagem das crianças, os quais

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exigirão metodologias de ensino apoiadas nas habilidades que as criançasprecisam desenvolver ou que caracterizam o processo dedesenvolvimento para a aprendizagem desses conteúdos.

Essa concepção educativa torna os processos de aprendizagemmais prazerosos e adequados ao desenvolvimento psíquico dascrianças, uma vez que instiga a curiosidade e a necessidade deconhecer, próprias dos seres humanos; e ainda, modifica os processosde ensino, já que não parte do pressuposto de que existe um problema,mas sim, possibilidades, deixando os professores mais seguros emotivados para irem em busca constante de outros conteúdos emetodologias de ensino mais interessantes.

Da mesma forma que no processo de ensino existe umaestrutura interna com sucessão dos níveis de dificuldades do conteúdoe com uma lógica de desenvolvimento; na cabeça dos estudantes existeuma rede interna de processos ativos durante o ensino escolar, quepossui sua própria lógica de desenvolvimento.

Vigotsky (1993) preconizava que uma das tarefas fundamentaisda psicologia escolar consiste precisamente em descobrir essa lógicainterna, esse desenvolvimento interno do pensamento das criançasque tem uma trajetória diferente do ensino. Seus experimentosestabeleceram três fatos na relação entre o ensino das matériasescolares e a aprendizagem das crianças:

1) no ensino de diferentes matérias escolares há enormepossibilidade de que a aprendizagem de algumas matérias influencieem outras;

2) existe também uma influência recíproca do ensino nodesenvolvimento das funções psíquicas superiores, que supera oslimites do conteúdo específico de cada disciplina escolar, como sehouvesse uma disciplina que agregasse e fosse inerente a todas asdisciplinas escolares. Quando a criança toma consciência dosconteúdos de uma disciplina, passa a dominar uma estrutura que setransfere a outros campos de seu pensamento não relacionadosdiretamente com aqueles conteúdos;

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3) ocorrem igualmente a interdependência e a inter-relação entreas diferentes funções mentais que compõem a aprendizagem de umadeterminada disciplina. Assim, por exemplo, os desenvolvimentosda atenção voluntária e da memória lógica, do pensamento abstrato eda imaginação científica produzem-se como um processo complexoúnico, graças à base comum de todas as funções psíquicas superiores;tal base comum, cujo desenvolvimento constitui o principal foco daeducação escolar, compõe a tomada de consciência e o domínio doconhecimento.

Nas pesquisas que temos realizado no âmbito do Núcleo deEstudos, Pesquisas e Extensão sobre a Escola de Vigotsky (NEEVY)com formação continuada de professores e professoras na área deEducação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, osresultados têm demonstrado que as amarras de tempo, conteúdos,metodologias e outras dinâmicas que envolvem a comunidade escolargeram angústias nos professores sobre as aprendizagens das crianças,tornando-os mais desmotivados na busca de melhoria de suas práticaspedagógicas.

Os prazos de aprendizagem das crianças estipulados noscurrículos escolares, normalmente, referem-se ao período letivo de10 meses, com um número limitado de conteúdos pré-determinadosa serem ensinados, que não oferecem aos professores mais experienteso tempo necessário para que possam aprofundar suas reflexões acercados processos de ensino e de aprendizagem e assimilar os avançosacadêmicos oriundos de pesquisas e concepções alternativas quepossam auxiliá-los na reformulação de suas próprias concepçõeseducativas e, ainda, limitam também o tempo necessário aosprofessores iniciantes para que possam compreender a complexidadeque envolve os processos de ensino e de aprendizagem.

O problema, portanto, não está na existência de dificuldadesde aprendizagem das crianças, mas no descompasso entre asconcepções de aprendizagem que estão presentes na comunidadeescolar, no tempo necessário à investigação, produção e

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implementação de conteúdos e metodologias de ensino adequadas àsrealidades das escolas e o tempo exigido das crianças para o domíniodessas aprendizagens.

Em um projeto desenvolvido no ano de 2006, com 300docentes que atuam na Educação Infantil municipal de São Carlos/SP, denominado: “As atividades de Brincadeiras: significado e sentidopara professores de Educação Infantil”, pudemos discutir com osparticipantes sobre as concepções que estão subjacentes às suaspráticas educativas e aprofundarmos as reflexões sobre as alternativasmetodológicas possíveis no cotidiano, para potencializar asaprendizagens das crianças. Uma das estratégias que utilizamos parapotencializar o diálogo sobre essas práticas educativas foi a solicitaçãoao professores e professoras que observassem algumas brincadeiraslivres das crianças e registrassem suas impressões. O exemplo a seguir,ilustra o descompasso entre o que a professora espera de desempenhodas crianças e a sua dificuldade de interpretação sobre essedesempenho.

Era uma turma de crianças de 3 anos de idade, estavam brincandode casinha duas meninas. Uma delas representava o papel demãe e a outra de filha. A filha chamava a mãe que respondia:“Não posso, estou lavando roupa”.

A professora que realizou essa observação verbalizou, emprimeiro lugar, que a tarefa de observar as crianças brincando lhe deuuma outra visão sobre as crianças para as quais ela ensinava, e emsegundo lugar, que ficou muito surpresa com o tema da brincadeiradessas crianças, pois esperava que ao deixá-las brincar livremente,fossem dramatizar a história de príncipes e princesas que ela havialhes contado minutos antes. Não imaginava que as crianças pudessembrincar com temas reais e, não compreendia o fato de nãodramatizarem a história de conto de fadas, já que as crianças haviamgostado muito da história contada.

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A partir desse relato pudemos dialogar e analisar com os docentesas concepções romantizadas de criança que estão direcionando aspráticas educativas e as conseqüências dessas práticas para odesenvolvimento das aprendizagens das crianças, aprofundando juntosa reflexão sobre as imitações das crianças a respeito das ações cotidianasdos adultos que as auxiliam a compreender as relações entre elas e adesenvolverem aprendizagens importantes para a convivência com osoutros.

Quando nos colocamos a observar essas representações dascrianças sobre o mundo em que vivem, temos a oportunidade de revernossas concepções, identificar em que bases estão se fundamentandoos processos de aprendizagens das crianças, selecionar conteúdos comsentido para elas, os quais possam potencializar e instigar essas enovas aprendizagens.

O confronto de nossas concepções com o resultado dasobservações que realizamos enquanto as crianças desenvolvematividades nem sempre é fácil de ser aceito e leva tempo para podermosnos convencer de que a criança que temos em mãos para ensinar ébem diferente daquela que imaginávamos. Esse processo não étranqüilo e nem pode ser realizado solitariamente. É preciso umaparceria entre a universidade e a escola que se possa compartilhar ossaberes produzidos em ambas instituições, produzir e implementarjuntos metodologias de ensino que auxiliem os docentes acompreender os processos de aprendizagem das crianças e adequaras atividades a elas, desenvolvendo os motivos para a criança aprendere os motivos para o professor ensinar.

Leontiev (1978) argumenta que a relação entre os motivos e aevolução das necessidades humanas não é constituída apenas pelaconsciência dos motivos relacionados às necessidades naturais, masconsiste no deslocamento dos motivos de uma ação para fins maisamplos, que não correspondam diretamente à satisfação dessasnecessidades, mas para a criação de novas necessidades. Esse processoé extremamente complexo, pois é produzido no deslocamento dos

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motivos para os fins e pela sua conscientização. O homem passa adirecionar os motivos de suas ações a um fim, intencional,transformando suas ações em atividades. Essas atividades sãoespeciais, pois exigem atos que reflitam a relação entre o motivo deuma atividade concreta e o de uma atividade muito mais ampla, aqual gera uma relação vital, maior e mais geral do que aquela atividadeconcreta em questão.

A “brincadeira” é um tipo de atividade em que o motivo estáno próprio processo e é característica do período pré-escolar. Ela é otipo principal de atividade na infância. É caracterizada por seuobjetivo residir no próprio processo e não no produto da ação. Porexemplo: para uma criança pequena que brinca com areia ou blocosde madeira, o alvo da brincadeira não está na construção de castelosou estruturas, nem em contar ou anotar a quantidade de blocosvermelhos utilizados na sua construção, mas em fazer, ou seja, naprópria ação, no processo de montar e desmontar, de deixar cair, etc.

Quando a professora de Educação Infantil imprime a sua visãode jogo, com suas regras e tempos determinados, à brincadeira dacriança, tornando o produto mais importante do que o processo departicipação, a atividade deixa de ser uma brincadeira para a criançae torna-se apenas uma tarefa escolar a ser cumprida, sem compreenderde fato o sentido dela. Com esse procedimento, a professora perde aoportunidade de aprender sobre os processos de aprendizagem que acriança está desenvolvendo enquanto brinca, pois sua atenção estáfocada no desempenho final, naquilo que ela aprendeu ou deveriaaprender. Se adotasse o procedimento de observação da brincadeira,sem limites fixos de regras e tempos, poderia talvez chegar à conclusãode que mesmo a criança não apresentando o produto esperado, nãosignifica que ela esteja com dificuldades. Talvez, apenas tenha utilizadoprocessos de pensamento diferentes daqueles que a professorautilizaria, gerando um outro produto, que não é melhor ou pior, masdiferente e que produziu outras aprendizagens.

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A Zona de Desenvolvimento Proximal

O estágio do desenvolvimento da criança não pode serdeterminado apenas por meio daquilo que a criança já aprendeu. [...]“el horticultor, que deseando determinar el estado de su huerto, notendrá razón si se limita a valorar los manzanos que ya han maduradoy han dado fruto, sino que debe tener también en cuenta los árbolesen maduración” (VIGOTSKI, 1993, p. 238, Tomo II). Assim, não apenaso nível atual é importante para o professor diagnosticar odesenvolvimento das aprendizagens da criança, mas principalmente,a zona de desenvolvimento próximo, ou seja, investigar aquelasaprendizagens que estão em processo.

O conhecimento que a criança já adquiriu deve se configurar nonível inferior do ensino, uma vez que o processo de aprendizagem nãoestá terminado. É fundamental o estabelecimento do nível superior deensino – o que a criança precisa adquirir para a aprendizagem desseconhecimento se efetivar, ou seja, dominar o conhecimento. “Solodentro de los limites existentes entre estos dos umbrales puede resultarfructífera la instrucción. [...] La enseñanza deve orientarse no al ayer,sino al mañana del desarrollo infantil” (VIGOTSKI, 1993, p. 242).

Se as atividades individuais são importantes para uma avaliaçãodiagnóstica das aprendizagens das crianças, em contrapartida, asatividades que envolvem colaboração entre as crianças sãofundamentais para desencadear novas aprendizagens. Todavia, ametodologia de ensino para ambas atividades não pode permanecersob a concepção de constatação, mas sim, de investigação.

As atividades individuais oferecem aos professores apossibilidade de poder decidir os pontos de partida do ensino. Asatividades colaborativas vão direcionando o professor sobre aspossibilidades de ensino e as adequações metodológicas necessáriasde ser implementadas durante o processo de ensino e de aprendizagem.

Cada criança tem seu tempo e uma forma de aprender, mas,isso não significa, necessariamente, dificuldades em aprender. Todo

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215Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural

ser humano é capaz de aprender. Na perspectiva histórico-cultural aatividade que possibilita aprendizagens e o desenvolvimento dasfunções psíquicas superiores é uma atividade mediatizada por signos,objetos, outras pessoas, outros conteúdos, que têm história, tempose estão inseridos na cultura.

As funções psíquicas superiores são o produto da complexainteração do homem com o mundo, interação mediatizada pelosobjetos criados pela sociedade. A diferença entre a psique “natural”dos animais e dos processos psíquicos superiores do homem éjustamente os “instrumentos” especiais, denominados por Vigotsky(1995, Tomo III) de signos – os quais se colocam entre a função naturale seu objeto, mudando a raiz das propriedades dessa função. O conceitode signo refere-se a todo estímulo criado artificialmente pelo homem eque constitui um meio para dominar o comportamento alheio ou próprio.

Os instrumentos e os signos não esgotam todo o conteúdo dacategoria da atividade mediatizadora. A diferença entre eles seconfigura no fato de que o instrumento provoca modificações noobjeto da atividade, configurando-se como meio da atividade externado homem na transformação da natureza. O signo, não modifica nadano objeto da operação psicológica, ele é o meio da ação psicológicasobre o comportamento humano, portanto, dirigido para dentro dohomem. Ambos estão unidos na filo e ontogênese, uma vez que odomínio da natureza está entrelaçado ao domínio de si mesmo. Daí atransformação da natureza realizada pelo homem produzir amodificação de sua própria natureza, pois o homem, ao empregar osinstrumentos, marcou o início do gênero humano. Na ontogênese, ouso do primeiro signo assinalou que o ser humano saiu dos limites dosistema orgânico da atividade.

No desenvolvimento das funções psíquicas superiores,Vigotsky (1995) afirma que a função, no desenvolvimento culturalda criança, aparece duas vezes: a primeira no plano social, comofunção interpsicológica, compartilhada entre duas pessoas (a criançae o outro) e a segunda, no plano psicológico, como funçãointrapsicológica, no próprio indivíduo.

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Nas palavras do próprio Vigotsky (1993, Tomo III, p. 146):

Toda la historia del desarollo psíquico del niño nos enseña quedesde los primeros días de vida, su adaptación se logra por mediossociales, a través de las personas circundantes. El camino que vade la cosa al niño y del niño a la cosa pasa a través de otrapersona. El tránsito de la via biológica de desarollo a la social esel eslabón central en el proceso de desarollo, el punto de virajeradical de la historia del comportamiento del nino [...]. El lenguajejuega aqui un papel de primer orden.

O desenvolvimento cultural da criança não é conseqüência enem continuação direta do desenvolvimento orgânico, nem ocorrede maneira uniforme, como se concebia antigamente, por exemplo: apassagem das percepções de figuras numéricas ao sistema decimal, obalbucio às primeiras palavras, etc. As investigações de Vigotsky(1993) demonstraram que antes o que se pensava que era um caminhoreto, contínuo, apresenta de fato uma ruptura e avanços por saltos eque os processos culturais concebidos apenas como assimilação dehábitos sociais, são considerados hoje como processos dedesenvolvimento humano. Na perspectiva histórico-cultural, odesenvolvimento cultural da criança só pode ser concebido como umprocesso vivo de desenvolvimento, de formação, de luta, emcontraposição aos modelos estereotipados e padronizados dedesenvolvimento. O processo de desenvolvimento vivo ocorre emconstantes contradições entre as formas primitivas e culturais,comparados à evolução dos organismos na história da humanidade(Vigostky, 1995, Tomo III).

Ao superar a concepção biologicista de desenvolvimento e deaprendizagem humanas, o docente passa a compreender que à medidaque a criança adentra na cultura, não apenas assimila e se enriquececom diferentes aprendizagens e conhecimentos, mas a própria culturamodifica profundamente a composição natural da conduta da criançae fornece uma orientação completamente nova ao seudesenvolvimento.

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Portanto, a compreensão das necessidades de aprendizagens dascrianças, tendo como foco a cultura e, não as “dificuldades”, envolveconceber a si próprio como um agente mediador de aprendizagens e denovas trajetórias de desenvolvimento das crianças, assim como as outrascrianças, os signos, objetos, ferramentas que também compõem essacultura agem como mediadores de aprendizagem.

A mudança radical na concepção transforma, também,radicalmente, o ensino e as questões relacionadas às aprendizagens.

As implicações educativas decorrentes da mudança deconcepção de ensino e aprendizagem apontam na direção da superaçãoda ênfase de ensino no nível de desenvolvimento efetivo, ou seja,daquilo em que a criança já aprendeu, cabendo, geralmente, à Escolaapenas aprofundá-lo em seus diferentes níveis de Educação Básica;da superação da demarcação de limites de desenvolvimentos paradeterminadas crianças, faixas etárias, nível social, etc.

Essas e outras concepções oriundas da perspectiva tradicionalde educação escolar eram admissíveis em uma época em que o ensinodeveria ir a reboque do desenvolvimento e servir para reforçá-lo, poisparecia impossível que ele pudesse preceder o desenvolvimentobiológico da criança, uma vez que não se podia ensinar aquilo para oqual não havia bases maturativas na própria criança.

Vigotski (1993, p. 245) critica o ensino que se limita ao nívelde desenvolvimento efetivo ou atual da criança, afirmando que obom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento efetivo, ouseja, aquele que atua na zona de desenvolvimento próximo.

“Ensinar a uma criança aquilo que é incapaz de aprender étão inútil como ensinar-lhe a fazer o que é capaz de realizar por simesma.” Assim, na escola as atividades devem ser desafiantes, deforma a levá-la a ultrapassar o nível de desenvolvimento efetivo,problematizando o que ela já sabe, de maneira a gerar novasaprendizagens.

Petrovski (1980) explica que não há nada melhor que a práticacotidiana de superação de problemas para desenvolver uma

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qualidade volitiva tão valiosa para o homem, como o domínio sobresi mesmo. O papel do coletivo nesse processo de formação éimportantíssimo, pois é nele que o homem contrapõe sua visão etem a opinião do outro.

Nesse processo, à medida que o professor percebe asnecessidades de aprendizagem das crianças, também visualiza as suaspróprias necessidades e, no esforço de criar nas crianças novasnecessidades, gera nele também outras tantas, e assim, juntos vão sedistanciando de visões que admitem a dificuldade na aprendizagem.

A prática educativa é por natureza intencional, vinculada àformulação de fins e subjacente a valores produzidos pela sociedade.Não basta aos homens terem acesso e se apropriarem das tecnologiasproduzidas na sociedade atual. É preciso ir além, interiorizá-las,desenvolver as habilidades necessárias para dominá-las e ao mesmotempo, captar a sociedade em seu conjunto, percebendo a alienaçãoproduzida nela e pela própria tecnologia. O homem precisa conhecera sociedade em que vive, a ponto de poder movê-la e mover-se nela.

Referências bibliográficas

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: LivrosHorizonte, 1978.

PETROVSKI, A. Psicologia general. Manual didáctico para losinstitutos de pedagogía. Moscú: Editorial Progreso, 1980.

VIGOTSKY, Liev S. Obras Escogidas. Tomo II. Pensamiento yLenguaje. Madrid: Visor Distribuciones, 1993.

______. Obras Escogidas. Tomo III. Problemas Del desarrollo dela psique. Madrid: Visor Distribuciones, 1995.

Recebido em: 01 de agosto de 2007.Aprovado em: 10 de setembro de 2007.

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Avaliação cognitiva: contribuiçõespara um melhor desempenho escolar

Roberta Rocha Borges *Orly Zucatto Mantovani de Assis **

Resumo: Este artigo apresenta as experiências de avaliação cognitiva realizadaspelo Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP), serviço deextensão comunitária realizado pelo Laboratório de Psicologia Genética daUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As crianças atendidas, na faixaetária de 7 a 10 anos, e com dificuldades na escola, cursam o ensino fundamentalpúblico ou particular de Campinas-SP e região, sendo avaliadas quanto aoaspecto cognitivo, enfocando-se suas estruturas intelectuais. Os resultadosencontrados revelam que 94% das crianças avaliadas não possuem as estruturascognitivas esperadas. Assim, o objetivo do SAIP é sugerir maneiras mais eficazesde intervenção pedagógica para auxiliar essas crianças na escola.

Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem. Piaget. Cognição. Desempenhoescolar. Diagnóstico operatório.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 219-245 2007

* Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pedagogae pesquisadora do Laboratório de Psicologia Genética (LPG). E-mail:[email protected]** Doutora em Educação. Fundadora e responsável pelo Laboratório de Psicologia Genética(LPG) da Unicamp. Docente da Universidade Estadual de Campinas. E-mail:[email protected]

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Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis220

Cognitive avaliation: Contributions for a better school performance

Abstract: This paper presents the experiences with cognitive evaluation madeby Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP), communitaryextension service provided by Laboratório de Psicologia Genética daUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP). The children assisted, from7 to 10 years old, with school problems, attend Campinas’ public or privateelementary schools, being evaluated in their cognitive aspect, focusing theirintellectual structures. The obtained results show that 94% of the evaluatedchildren don’t have the intellectual structures expected. Considering that,SAIP’s objective is to suggest more efficient ways of pedagogical approach tohelp those children at school.

Key words: Learning problems. Piaget. Cognition. School performance.Diagnosis school problems.

O Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP)

O Laboratório de Psicologia Genética (LPG) da Faculdade deEducação da UNICAMP oferece à comunidade um serviço de extensãouniversitária que presta atendimento às crianças que apresentamdificuldades de aprendizagem escolar. Esse serviço é denominadoServiço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP) e tem porobjetivo atender crianças e adolescentes provenientes de escolaspúblicas e particulares que apresentam dificuldades de aprendizagem.Tais dificuldades são apontadas, inicialmente, em virtude de os alunosapresentarem baixo desempenho acadêmico, ou seja, problemas emacompanhar os conteúdos escolares. Tais situações levam pais eprofessores a encaminharem essas crianças ao SAIP para que sejamavaliadas e, se necessário, a participarem do programa de intervençãopsicopedagógica, oferecido pelo serviço.

O SAIP atende em média 30 crianças por ano na faixa etária de7 a 10 anos de escolas públicas e particulares de Campinas-SP e região.Essas crianças, inicialmente, passam por uma série de avaliaçõescognitivas. Os resultados obtidos com tais avaliações permitem quea equipe de profissionais do LPG intervenha adequadamente a partir

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221Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar

de um trabalho pedagógico e psicopedaógico, ou seja, tal equipe traçaum plano de trabalho específico para cada criança.

O SAIP se propõe a realizar uma avaliação através da qual éfeita uma análise estrutural do desempenho intelectual da criança,ou seja, quando tal criança apresenta qualquer queixa de dificuldadesescolares, aplica-se, a princípio, as provas diagnósticas do pensamentooperatório que permitem diagnosticar o tipo de raciocínio que essacriança utiliza para resolver os problemas escolares com lógica, ouseja, se possuem as estruturas de classificação, seriação e conservação.Tais estruturas são extremamente importantes para a interpretaçãodo mundo físico ou social, que permitem a todo indivíduo assimilaras próprias ações e as dos seus semelhantes. Portanto, estas estruturascognitivas constituem uma forma de compreender e transformar arealidade (MACEDO, 1994).

Dessa forma, o que se busca na avaliação realizada pelo SAIP

é conhecer quais são os instrumentos intelectuais de que o indivíduoutiliza-se para interagir com a realidade ou, em outras palavras,conhecer bem o momento de construção em que sua inteligênciaencontra-se.

Diferentemente da abordagem psicométrica, que procura aferiro grau de desenvolvimento dos esquemas mentais, ou seja, medir oquanto se é inteligente, a avaliação utilizada pelo SAIP propõe-se arealizar uma análise qualitativa da inteligência. O que importa nessetipo de avaliação não são as respostas certas da criança, mas,principalmente, os argumentos utilizados em suas respostas. O queinteressa é conhecer por que a criança faz isto ou aquilo, ou seja,porque ela pensa dessa ou daquela forma.

Para a equipe do SAIP, adotar essa forma de avaliação justifica-se por permitir a apreensão de como a criança estrutura o seuconhecimento. Trata-se de um processo diagnóstico ainda poucoconhecido e valorizado nos meios escolares, por envolver o trabalhocom os aspectos endógenos que fazem parte dos processos dedesenvolvimento e aprendizagem. Sabe-se que, apesar de complexa,

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a avaliação estrutural pode trazer uma grande contribuição para oentendimento de muitas das dificuldades de aprendizagemapresentadas pelas crianças.

Segundo a Epistemologia Genética de Jean Piaget (1896-1980),muitas dessas dificuldades podem estar relacionadas ao fato de ascrianças em idade escolar não possuírem as estruturas lógicaselementares. E para resolver os problemas que os conteúdos escolaresoferecem, é importante a construção dessas estruturas. Isso porquetais estruturas favorecerão o pensamento lógico da criança na idadeem que freqüenta o ensino fundamental.

É necessário também mencionar o fato de que alguns conteúdosda escola necessitam de técnicas de aprendizagem e memorização e,dessa forma, devem ser ensinados para as crianças. O exercício dememorização dos conteúdos demanda um certo tempo para serassimilado e acomodado às estruturas de pensamento da criança; porisso, necessita da sua ação repetida. E ainda não se pode, nesseprocesso, esquecer o aspecto afetivo; a escola deve levar em conta osinteresses, a necessidade e a motivação de cada criança. Caso issonão seja levado em conta, tal processo torna-se extremamentecansativo e desinteressante para a criança. E, ao avaliá-las quanto aesses conteúdos que demandam memorização, pode-se cair no errode mencionar que elas apresentam dificuldades na escola. E isso nãoé verdade, já que é necessário saber distinguir se a criança precisasomente assimilar e acomodar aquele conteúdo novo às suasestruturas ou se a criança não tem as estruturas para entendê-los.

Vale destacar que, comprometido com uma concepçãoconstrutivista de desenvolvimento, o trabalho proposto pelo SAIP partedo pressuposto que a evolução cognitiva não está desvinculada dosprocessos relacionados aos aspectos afetivo, social e físico, vistocompreendê-los como dimensões fundamentais e indissociáveis doprocesso de constituição do indivíduo. Muito pelo contrário, valoriza-se bastante a importância do aspecto afetivo para a construção dasestruturas lógicas.

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O aspecto afetivo, muitas vezes, é esquecido nos processos deensino e aprendizagem, pois acredita-se que aprender representasomente absorver os conteúdos escolares contidos nos livrosdidáticos, ou seja, os conhecimentos que a criança traz para a escolaacabam sendo descartados.

No entanto, neste artigo, serão apresentados os aspectosrealizados quanto à natureza cognitiva da avaliação, visto que estesajudam os educadores a melhorarem a compreensão da forma deraciocínio da criança e, com isso, obter situações de ensino e deaprendizagem mais coerentes com as necessidades e possibilidadesde cada aluno.

Os fundamentos teóricos

O SAIP tem por fundamento a teoria piagetiana; caberia,portanto, explicar como ocorre o processo de construção doconhecimento para que se possa entender o porquê das dificuldadesescolares em crianças que não apresentam o desempenho escolarexigido pela escola.

Jean Piaget, biólogo, nasceu na cidade suíça de Neuchâtel, a 9de agosto de 1896, tendo formulado a teoria da psicologia e daepistemologia genética, cuja preocupação era estudar como oconhecimento é possível. Para ele, o conhecimento que se constrói éfruto de uma interação entre o indivíduo e o meio que o cerca, cujaspropriedades vão se estruturando à medida que a criança estruturaseus próprios conhecimentos.

Tendo em vista que a escola tem como objetivo principal fazercom que as crianças aprendam os conteúdos ensinados por ela, caberiainiciar essa fundamentação teórica respondendo a esta pergunta: comoa criança aprende?

Em primeira instância, a criança aprende como indivíduoativo do processo de construção do conhecimento. O foco doaprendizado deve estar nela; o conteúdo existe, mas é preciso uma

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interação entre este e a criança, uma vez que ela é quem deveria pensarsobre o conteúdo.

Nesse sentido, Piaget (1973, p. 39-40) ressalta que:

Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito(conhecimento somático ou introspecção) nem do objeto (porquea própria percepção contém uma parte considerável deorganização), mas das interações entre sujeito e objeto, e deinterações inicialmente provocadas pelas atividades espontâneasdo organismo tanto quanto pelos estímulos externos. A partirdestas interações primitivas, onde os fatores internos e externoscolaboram de maneira indissociável (e são subjetivamenteconfundidos), os conhecimentos orientam-se em duas direçõescomplementares, apoiando-se constantemente nas ações e nosesquemas de ação, fora dos quais não têm nenhum poder nemsobre o real nem sobre a análise interior.

Em muitas escolas, acredita-se ainda que o conhecimentodá-se dessa forma, que a mente da criança, ao nascer, é uma tábularasa; destituída de qualquer conteúdo. O conhecimento dá-se àmedida que as percepções sensoriais vão captando as informaçõesda realidade. Segundo tais concepções escolares, o conhecimento éadquirido de fora para dentro, preenchendo o vazio inicial da mentecom as cópias tiradas da realidade que irão formar o conteúdo mental.É por isso que a criança passa horas escutando as explicações dosprofessores para aprender. Mas, isoladamente, tal fato não bastapara a criança aprender. É preciso que haja interação entre a criançae o conteúdo explicado uma vez que é a criança quem precisaorganizar tal conteúdo.

Piaget adota uma posição construtivista; uma vez que, paraele, o conhecimento não provém só do meio, como explicam osempiristas, ou só do indivíduo, como admitem os racionalistas, massim, da interação entre ambos. Para conhecer, o sujeito atua sobre omeio, transformando-o. “O conhecimento é sempre um vir a ser econsiste em passar de um conhecimento menor para um estado maiscompleto e mais eficaz” (PIAGET, 1973, p. 12).

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Nesse sentido, Piaget (1988, p. 32) ressalta que:

A faculdade de pensar logicamente nem é congênita nem estápré-formada no psiquismo humano. O pensamento lógico é ocoroamento do desenvolvimento psíquico e constitui o términode uma construção ativa e de um compromisso com o exterior,os quais ocupam toda a infância. A construção psíquica quedesemboca nas operações lógicas depende primeiro das açõessensoriomotoras, depois das representações simbólicas efinalmente das funções lógicas do pensamento. Odesenvolvimento intelectual é uma cadeia ininterrupta de ações,simultaneamente de caráter íntimo e coordenador, e opensamento lógico é um instrumento essencial da adaptaçãopsíquica ao mundo exterior.

Piaget (1973) traz uma outra visão de aluno, que seria a de umser que nasce com a capacidade de vir a ser inteligente e que quantomais age sobre o objeto de conhecimento, que podem ser os seusconteúdos, mais essa criança aprende. Além disso, muitas vezes faltamas estruturas intelectuais para que essa criança aprenda umdeterminado conteúdo, e esse é memorizado sem entendimento algum,sendo logo esquecido. Tal fato não é levado em conta pelas escolas e,assim, muitas vezes, a criança obtém uma aprendizagem irreal, poisnão foi possível assimilar e acomodar os conteúdos

A teoria piagetiana tem por objetivo central explicar aconstrução das estruturas de conhecimento que surgem no decorrerdo funcionamento adaptativo do ser humano. A construção dessasestruturas específicas para o ato de conhecer ocorre à medida que osujeito interage com o meio. “[...] A originalidade das estruturasbiológicas reside em serem dinâmicas, isto é, admitem umfuncionamento” (PIAGET, 1973, p. 169) Logo, é preciso que as criançaspensem sobre os conteúdos escolares.

Piaget (1973) acredita que todos os seres humanos nascemcom a capacidade de vir a ser inteligentes, uma vez que herdam deseus ancestrais a possibilidade orgânica de construir a inteligência.

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[...] o conhecimento não poderia ser concebido como algopredeterminado nas estruturas internas do indivíduo, pois queestas resultam de uma construção efetiva e contínua, nem noscaracteres preexistentes do objeto, pois que estes só sãoconhecidos graças à mediação necessária dessas estruturas; eestas estruturas os enriquecem e enquadram (pelo menos ossituando no conjunto dos possíveis) (PIAGET, 1971, p. 7).

A construção das estruturas da inteligência não pode serexplicada apenas pelo processo de aprendizagem. “A aprendizagemcom reforço externo produz muito pouca mudança no pensamentológico ou então uma extraordinária mudança momentânea, semcompreensão real” (PIAGET, 1978, p. 89).

As estruturas cognitivas possuem um caráter integrador, vistoque são preparadas por aquelas que as precedem, integrando-seàquelas que as sucedem. Para que ocorra a construção das estruturasda inteligência, o sujeito precisa adaptar-se ao meio, e tal adaptaçãodá-se através de dois processos fundamentais e indissociáveis:assimilação ou incorporação de um elemento do meio exterior eacomodação, que seria um processo complementar ao da assimilação,e que implica na modificação do esquema ou estrutura em funçãodas particularidades do objeto a ser assimilado. A adaptação supõesempre um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.

[...] uma acomodação só pode ser a acomodação de uma estruturaorganizada e, por conseguinte, não se produz sob a influência deum fator ou de um elemento exterior senão na medida em que hámais assimilação momentânea ou durável deste elemento ou deseu prolongamento à estrutura que modifica (PIAGET, 1973, p. 200).

Para Piaget, assimilação e acomodação são duas funçõescomplementares, constituindo os dois pólos funcionais de todaadaptação, opostos um ao outro. “[...] O caráter indissociável daassimilação e da acomodação, condições constitutivas, são ao mesmotempo inseparáveis e necessárias [...] “ (PIAGET, 1973, p. 200).

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É através dos processos de assimilação e acomodação que asestruturas se transformam, dando origem umas às outras. O fatoessencial, do qual se deve partir, é o de que nenhum conhecimento,mesmo que perceptivo, constitui uma simples cópia do real, umavez que supõe um processo de assimilação às estruturas anteriores.

Assim:

[...] Assimilação é realmente a integração a estruturas prévias,que podem permanecer invariáveis ou são mais ou menosmodificadas por esta própria integração, mas semdescontinuidade com o estado precedente, isto é, sem seremdestruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação(PIAGET, 1973, p. 13).

É necessário que haja um equilíbrio entre a assimilação eacomodação para que o sujeito possa adaptar-se ao meio; tal equilíbrioimplica uma modificação das estruturas e, ao mesmo tempo, suaconservação.

Pode-se afirmar, a partir dessa teoria, que o meio exerce umpapel fundamental na construção das estruturas cognitivas. É a partirdas solicitações do meio que ocorre a construção do conhecimento,uma vez que ele oferece estímulos aos quais o indivíduo reage.

A solicitação do meio deve ser entendida como um processosistemático que consiste em colocar a criança em situações-problema que a conduzem a manipular um conjunto de objetosque, pela sua natureza (forma-cor e tamanho), deverãodeterminar a sua capacidade crescente de: a) conhecer suaspropriedades físicas; b) estabelecer relações entre esses objetosreuni-los em classes, dissociá-los (concluir, por exemplo, que umabola amarela pertence ao mesmo tempo ao conjunto de objetosamarelos e ao conjunto das bolas); c) ordená-los, entendendoque se um elemento “A” de uma série é maior do que “B” deuma mesma série e “B” é maior do que “C”, logo, “A” é maiordo que “C”. Essas noções implicam a conservação da substância,a classificação e a seriação operatória (ASSIS, 1976, p. 52)

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Nesse sentido, Assis (1976) enfatiza, em seus estudos, o quantoo papel do meio influencia na construção das estruturas de inteligência.Só esses estímulos do meio fazem com que a criança reaja à construçãodo conhecimento. Dessa forma, o ritmo do processo de construçãodas estruturas da inteligência depende das solicitações do meio e dasrespostas do sujeito a essas solicitações; por conseguinte, poderá haveracelerações ou atrasos devido às experiências adquiridas e àstransmissões sociais. Como afirma o próprio Piaget (1973, p. 102):

Sabemos que hoje esta organização consiste na construção deestruturas operatórias, a partir da coordenação geral das ações,e que esta construção se efetua graças a uma série de abstraçõesreflexivas (ou diferenciações) e de reorganizações (ou interações).Julgamos saber, além disso, que estes processos são dirigidospor uma auto-regulação ou equilibração progressiva e quesupõem claramente a interação contínua entre o sujeito e osobjetos, isto é, o duplo movimento de assimilação às estruturasde acomodação destas ao real.

O desenvolvimento da inteligência da criança surge comosucessão de quatro grandes construções, em que cada uma delasprolonga a anterior, reconstruindo-a; primeiro, num plano novo, paraultrapassá-la e, em seguida, de forma cada vez mais ampla. São estesos estágios da inteligência estudados por Piaget: o da inteligênciasensório-motora ou prática, que constitui o período que vai dalactência até por volta de 1 ano e meio a dois anos, isto é, anterior aodesenvolvimento da linguagem e do pensamento; o estágio dainteligência intuitiva, ou pré-operatório, que se inicia,aproximadamente, aos 2 anos e termina por volta dos 7/8 anos; oestágio das operações intelectuais concretas, ou seja, operatórioconcreto (começo da lógica) e que se inicia por volta dos 7/8 anos etermina, aproximadamente, aos 11/12 anos e, por último, o estágiodas operações intelectuais abstratas, que se inicia por volta dos 11/12 anos e se estende até os 15/16 anos. Piaget (1975, p. 14) explica,em relação aos estágios, que:

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229Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar

Cada estágio é caracterizado pela aparição de estruturas originais,cuja construção o distingue dos estágios anteriores. O essencialdessas construções permanece no decorrer dos estágios ulteriores,como sub-estruturas, sobre as quais se edificam as novascaracterísticas. Segue-se que, no adulto, cada um dos estágiospassados corresponde a um nível mais ou menos elementar ouelevado da hierarquia das condutas. Mas a cada estágiocorrespondem também características momentâneas esecundárias, que são modificadas pelo desenvolvimento ulterior,em função da necessidade de melhor organização. Cada estágioconstitui, então, pelas estruturas que o definem, uma formaparticular de equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentidode uma equilibração sempre mais completa.

O período sensório-motor vai do nascimento até a aquisiçãoda linguagem, sendo de extrema importância para o desenvolvimentomental, uma vez que é decisivo para todo o curso da evoluçãopsíquica, representando a conquista da percepção e dos movimentosde todo o universo prático que cerca a criança.

Esse período constitui o ponto de partida do desenvolvimento,uma vez que, quando o recém-nascido vem ao mundo, este possuium conjunto de reflexos (como, por exemplo, o de sugar ou o depegar) que entram em ação desde o nascimento. As repetições dasações ajudarão na consolidação da conduta, fazendo com que o bebêdomine determinada ação.

Piaget denomina esse período de sensório-motor, pois há faltade função simbólica; o bebê não apresenta pensamento nemafetividade ligados às representações que permitam evocar pessoasou objetos na ausência deles.

A inteligência, nesse período, é essencialmente prática, ou seja,tende a resultados favoráveis, e não ao enunciado de verdades. Essainteligência resolve um conjunto de problemas por meio da ação, comopor exemplo: alcançar objetos afastados ou escondidos, construindo,para isso, um sistema complexo de esquemas de assimilação e deorganização do real de acordo com um conjunto de estruturas espaço-temporais e causais.

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Para Piaget e Inhelder (1988, p. 31), os esquemas sensório-motores constituem o alicerce sobre o qual todos os conhecimentosulteriores serão construídos. Suas palavras são esclarecedoras quandoeles afirmam:

Se as crianças dos sete aos doze anos, e mais tarde os adultos,são capazes de adquirir conhecimentos geométricos e físicos éporque já durante os primeiros anos da vida conquistaram oespaço graças aos seus movimentos e percepções. A coordenaçãodos movimentos do próprio corpo e dos objetos leva aoconhecimento sensório-motor do espaço sobre o que seestruturam mais tarde as representações espaciais concretas e,sobre estas, as operações geométricas do pensamento. Pelacoordenação dos movimentos e das percepções a criança constróio esquema de sua conduta frente aos objetos constantes.Descobre que também os objetos, total ou parcialmente ocultos,têm uma forma e um tamanho permanentes. Este esquemasensório-motor dos objetos constitui por sua vez o fundamentode todos os princípios de invariação físico-matemática adquiríveisposteriormente, os quais dão segurança ao nosso pensamento enos permitem orientar-nos no acontecer tempo-espacial.

É a partir de um conjunto de reflexos que o bebê traz consigoao nascer que este vai se relacionar com o meio exterior e adaptar-se.Esses reflexos vão perdendo sua rigidez inicial e vão adaptando-se asituações externas, transformando-se em esquemas de ação os quaispermitem ampliar, consideravelmente, as possibilidades de contatosda criança com o mundo. Dessa maneira, nesse período, o sujeitoinicia o processo de construção do conhecimento, ou seja, aconstrução de esquemas sensório-motores que se integrarão àsestruturas do pensamento pré-operatório.

Ao final de dois anos, a criança do período sensório-motorconstruiu o conhecimento prático da realidade e de si própria, bemcomo seus esquemas sensório-motores.

O período pré-operatório ou da inteligência intuitiva ou pré-lógica tem o seu início a partir dos 2 anos, estendendo-se até por

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volta dos 7 anos. Tal período é marcado pela capacidade derepresentação, que consiste na função simbólica ou semiótica, a qualpossibilita a evocação de alguma coisa: um significado qualquer, umobjeto ou um acontecimento por meio de um significante diferenciadoe específico para esse fim.

A criança, no segundo ano de vida, torna-se capaz de representaro passado e antecipar o futuro por meio da imitação, do jogo simbólico,do desenho, da linguagem e da imagem mental.

A imitação diferida consiste na capacidade de a criançareproduzir um modelo na ausência dele, após um intervalo mais oumenos longo, enquanto que, no período sensório-motor, o bebê realizaimitações somente dos modelos que percebe.

O jogo simbólico consiste na assimilação egocêntrica do realpela própria criança, uma vez que transforma o real ao sabor de suasfantasias e de seus desejos. O jogo simbólico é importante para acriança, tendo em vista que serve para a resolução de conflitos, paraa compensação de necessidades não satisfeitas, para a inversão depapéis, para a extensão do eu etc.:

[...] Tal é o jogo que transforma o real por assimilação mais oumenos pura às necessidades do eu, ao passo que a imitação(quando constitui um fim em si mesma) é a acomodação maisou menos pura aos modelos exteriores e a inteligência é equilíbrioentre a assimilação e acomodação (PIAGET, 1995, p. 52).

Por sua vez, a imagem mental resulta de uma interiorização daimitação, permitindo à criança a evocação representativa de um objetoou acontecimento ausente e, por conseguinte, a diferenciação entresignificantes e significados.

O desenho se inscreve a meio caminho entre o jogo simbólicoe a imagem mental, que representa o esforço de imitação do real.

Quanto à linguagem, ao final do período sensório-motor, surgemas “palavras-frases” por meio das quais a criança exprime seus desejos,emoções, bem como os acontecimentos passados e futuros.

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Piaget afirma, em relação à função simbólica, que:

A despeito da espantosa diversidade das suas manifestações, afunção semiótica apresenta notável unidade. Quer se trate deimitações diferidas, de jogo simbólico, de desenho, de imagensmentais e de lembranças-imagens ou de linguagem, consistesempre em permitir a evocação representativa de objetos ouacontecimentos não percebidos atualmente. Mas, reciprocamente,se possibilita, dessa maneira, o pensamento, fornecendo-lheilimitado campo de ação sensório-motora e de percepção, quesó progride sob a direção e graças às contribuições dessepensamento ou inteligência representativa. Nem a imitação, nemo jogo, nem o desenho, nem a imagem, nem a linguagem, nemmesmo a memória (à qual se teria podido atribuir uma capacidadede registro espontâneo comparável ao da percepção) sedesenvolvem ou organizam sem socorro constante daestruturação própria da inteligência (PIAGET, 1995 p. 79).

O pensamento da criança pré-operatória é intuitivo, ou seja,até os sete anos ela permanece “pré-lógica e substitui a lógica pelomecanismo da intuição” (PIAGET, 1991, p. 35). Piaget define a intuiçãocomo uma simples interiorização das percepções e dos movimentossob a forma de imagens representativas e de “experiências mentais”,que prolongam, assim, os esquemas sensório-motores, sem umacoordenação propriamente mental.

Portanto, a criança, diante de alguns problemas práticos,apresenta respostas que se apóiam nas aparências dos fatos, o queocorre porque a criança pequena não infere de um modo dedutivo,nem indutivo, dependendo seus pensamentos quase sempre dededuções por analogia. Piaget e Inhelder (1988, p. 47) exemplificam:

Uma menina quisera comer laranjas. Explica-se-lhe: as laranjasnão têm ainda sua cor dourada, estão verdes, não estão madurase, portanto, não se pode comê-las. Dá-se-lhe para bebercamomila. Então ela observa: “a camomila já está amarela, aslaranjas estão também amarelas; dê-me laranjas”. Da coramarela da camomila deduz por analogia que as laranjas estarãojá amarelas, isto é maduras.

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Pode-se afirmar que as crianças dessa idade deduzem um casoparticular de outro caso particular, sem referir-se a uma lei comumque os ligue, o que acontece porque o pensamento delas é caracterizadopela falta de reversibilidade1 e pela ausência de conservação. A criançapequena ainda não é capaz de realizar “inclusões de classes”(implicações de classe), ou seja, incluir, no total, os elementos parciais(e, inversamente, desagregar o total em elementos parciais), nemcoordenar entre eles relações simétricas e assimétricas.

Uma outra característica importante, que marca também operíodo pré-operatório, é o egocentrismo intelectual. Piaget (1993, p.61) explica:

É uma atitude espontânea que comanda a atividade psíquica dacriança nos seus primeiros tempos de vida e subsiste por toda avida nos estados de inércia mental. Do ponto de vista negativo,esta atitude opõe-se à comparação do universo e à coordenaçãodas perspectivas, isto é, à atividade impessoal da razão. Do pontode vista positivo, esta atitude consiste num envolvimento do eunas coisas e no grupo social, a tal ponto de o indivíduo imaginarconhecer as coisas e as pessoas por elas mesmas, enquanto narealidade lhes atribui, além das suas características objetivas,qualidades provenientes do seu próprio eu ou da perspectivaparticular em que está envolvido. Sair do seu egocentrismoconsistirá, portanto, para esse indivíduo, não tanto em adquirirconhecimentos novos sobre as coisas ou o grupo social, nemmesmo em aproximar-se mais do objeto, mas em descentralizar-se e dissociar o sujeito ou o objeto: em tomar consciência doque é subjetivo nele, em situar-se entre o conjunto de perspectivaspossíveis, e por aí estabelecer entre as coisas, as pessoas e seupróprio eu, um sistema de relações comuns e recíprocas. Oegocentrismo opõe-se, pois, à objetividade, na medida em queobjetividade significa relatividade no plano físico e reciprocidadeno plano social.

1 “Ora, do ponto de vista estrutural, a reversibilidade, que é a possibilidade permanente deuma volta ao ponto de partida, se apresenta sob duas formas distintas e complementares.Podemos voltar ao ponto de partida anulando a operação efetuada, o que constitui umainversão ou negação: o produto da operação direta e de seu inverso é, então, a operação nulaou idêntica. Mas podemos voltar ao ponto de partida anulando uma diferença (no sentidológico do termo), o que constitui uma reciprocidade: o produto de duas operações recíprocasé, então, não uma operação nula mas uma equivalência” (PIAGET, 1976, p. 205).

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Somente por volta dos sete anos ou oito anos, a criança liberta-se do pensamento egocêntrico; assim, já é capaz de relacionar ecoordenar pontos de vista diferentes e o seu pensamento torna-sereversível. “A criança é capaz então de operações lógicas concretas,pode formar com os objetos concretos tanto classes como relações”(PIAGET, 1988, p. 38).

Piaget e Inhelder (1988) afirmam que a criança desse períodosó pode construir as noções de classes e relações lógicas com a ajudade objetos concretos.

A criança operatória concreta ainda não é capaz de resolverproblemas puramente verbais como, por exemplo: Edite tem cabelomais escuro que Lili; Edite é mais loira que Suzana; qual das três temo cabelo mais escuro? Em geral, respondem: Edite e Lili são morenas;Edite e Suzana são loiras; Lili é mais morena etc. “As criançasretrocedem assim a um tipo de conduta anterior, e formam uma sérieincoordenada de pares” (PIAGET; INHELDER, 1988 p. 39) .

Isso ocorre porque só depois dos doze anos, comumente aos quinze,os jovens são capazes de substituir conceitos verbais por objetos concretose uni-los num sistema reversível ao raciocinar, chegando à lógica formal.

A lógica formal tem seu início por volta dos 11 anos, atingindoseu patamar de equilíbrio por volta de 14-15 anos. Piaget e Inhelder(1976) explicam o pensamento formal:

Do ponto de vista das estruturas lógicas, os resultados parecemcomportar uma conclusão que distingue claramente o adolescenteda criança. Esta chega apenas a lidar com operações concretasde classe, de relações e números, cuja estrutura não ultrapassa onível dos “agrupamentos” lógicos elementares ou dos gruposnuméricos aditivos e multiplicativos. A criança chega, assim, autilizar as duas formas complementares da reversibilidade(inversão para as classes e os números, reciprocidade para asrelações), mas sem fundi-las nesse sistema único e total quecaracteriza a lógica formal. O adolescente, ao contrário, superpõea lógica das proposições à das classes e das relações, e assimdesenvolve pouco a pouco (atingindo o seu patamar de equilíbriopor volta de 14-15 anos), um mecanismo formal fundamentado

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simultaneamente nas estruturas do reticulado e do grupo das 4transformações; estas lhe permitirão reunir num mesmo todo,além do raciocínio hipotético dedutivo e da prova experimentalbaseada na variação de um único fator (desde que as outrascoisas permaneçam iguais), certo número de esquemasoperatórios que utilizará continuamente em seu pensamentoexperimental. (p. 249, grifo nosso).

O período operatório formal é marcado pelas operaçõesproposicionais e a conquista da capacidade de raciocinar a partir deproposições verbais, e não somente sobre objetos concretos.

Em resumo, o SAIP, valoriza todas estas características dopensamento da criança, ou seja, nas suas avaliações faz diagnósticosdo nível de desenvolvimento de cada sujeito participante para poderorientar pais e escolas quanto ao trabalho que devem realizar com ascrianças que não apresentam o desempenho escolar exigido e esperado.Portanto, caberia neste momento explicar como se realizam asavaliações das estruturas intelectuais.

O Processo de Avaliação proposto pelo SAIP

Coerentemente com o propósito deste artigo, nesta seção serãodescritos os processos envolvidos na fase de avaliação cognitiva.

A avaliação realizada pelo SAIP ocorre de acordo com asseguintes etapas: entrevista de anamnese inicial com os pais com oobjetivo de investigar a trajetória familiar e escolar da criança;avaliação da criança por meio de entrevista clínica, referente aosdiferentes aspectos do desenvolvimento infantil: afetivo, cognitivo esocial (PIAGET, 1979); por último, a entrevista devolutiva de retornoaos pais e/ou profissionais que fizeram o encaminhamento.

Para diagnosticar a etapa de estruturação cognitiva das criançasentre 7-10 anos que são atendidas pelo SAIP são utilizadas as provaspiagetianas que permitem diagnosticar a natureza das estruturas depensamento operatório, as quais se manifestam pela presença denoções de conservação, classificação e seriação.

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Essas provas são aplicadas uma vez que conseguem diagnosticaro tipo de raciocínio que as crianças dessa faixa etária possuem, ouseja, se operam logicamente, pois ao construírem as estruturas declassificação, seriação e conservação, já conseguem operarconcretamente. Dessa forma, é apresentado à criança um conjuntode situações específicas a partir da exposição de materiais diversos:duas coleções de fichas com duas cores para a conservação dasquantidades discretas; massa de modelar com cor única e coposdiferenciados em largura e altura para a conservação das quantidadescontínuas; flores e frutas diferenciadas em subclasses, além debastonetes de madeira, diferenciados pela altura para compor umasérie crescente ou decrescente. A criança irá agir sobre esse material,formulando hipóteses e com isso explicitar sua forma de raciocínio.

As figuras a seguir ilustram os materiais utilizados na aplicaçãodas provas operatórias:

Conservação dasquantidades discretas-

FICHAS

Conservação dasquantidades

Contínuas-MASSA

Conservação dasquantidades

Contínuas-LÍQUIDO

Seriaçãooperatória

BASTONETES

Classificação operatória de inclusão de classesFRUTAS e FLORES

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Por meio dessas situações é possível conhecer em que etapa daconstrução cognitiva a criança se encontra e, desse modo, melhorcompreender como ela se relaciona com os conteúdos escolares, umavez que, segundo a teoria piagetiana, para se compreender é precisoque o dado exterior seja assimilado às estruturas intelectuais do sujeito,o que só é possível se tais instrumentos de pensamento já existiremanteriormente (BORGES et al., 2006)

No diagnóstico do pensamento operatório, considera-se que acriança possui a noção de conservação de quantidades discretas –fichas – quando faz a correspondência termo a termo e afirma aigualdade das quantidades, mesmo quando a correspondência óticadeixa de existir, isto é, ela compreende que dois conjuntos sãoequivalentes, mesmo que a disposição de seus elementos sejamodificada, apresentando os argumentos de identidade, reversibilidadesimples e/ou por reciprocidade. A criança possui a noção deconservação do líquido quando afirma que, nos copos A e B e A e C,há a mesma quantidade de água. Com relação à massa, quando afirmaque as bolinhas transformadas continuam tendo a mesma quantidadede massa. Possui a noção de inclusão de classes ou de classificaçãooperatória quando responder que “há mais frutas”, porque bananas emaçãs são frutas e “mais flores”, porque rosas e margaridas são flores.Possui a noção de seriação quando compreende que qualquer um doselementos medianos da série é, ao mesmo tempo, maior dos que oantecedem e menor dos que o sucedem (BORGES et al., 2006).

Participantes do processo de avaliação realizado pelo SAIP

No ano de 2007, o SAIP avaliou cerca de 30 crianças entre setee dez anos de idade, provindas de escolas particulares e públicas deCampinas e região, encaminhadas pela família ou pela escola, comqueixas de dificuldades de aprendizagem, ou suspeita de atraso noprocesso de desenvolvimento.

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Nessas avaliações constatou-se que 94% das crianças possuíamum atraso no processo de construção das estruturas operatórias. Ouseja, eram crianças que, de um modo geral, participavam de umaaprendizagem que privilegiava a ação do professor e não a do aluno,centrada no cumprimento de instrução e na memorização. Portanto,quando os conteúdos escolares requeriam pensar-se sobre eles erelacioná-los, essas crianças apresentavam dificuldades deentendimento e resolução dos exercícios. Dessa forma, há necessidadede um trabalho de intervenção pedagógica para que essas criançasconstruam tais estruturas que minimizem as dificuldades deaprendizagem, uma vez que os estudos fundamentados na teoriapiagetiana têm dado provas de que o predomínio desse modelo escolardificulta o desenvolvimento da capacidade de pensar por parte doaluno e representa um entrave para o processo de estruturaçãocognitiva (BORGES et al., 2006).

Esse atraso pode ser explicado, principalmente, devido a umambiente escolar empobrecido de situações desafiadoras aopensamento e à ação da criança. Como já foi mencionadoanteriormente, a criança é quem deve ser agente construtor do seupróprio conhecimento. Tomando por referência os pressupostospiagetianos, essas crianças avaliadas que não apresentaram asestruturas lógicas foram encaminhadas ao programa de intervençãodo SAIP, com vistas a participarem de atividades desafiadoras, capazesde mobilizar seus esquemas de modo a fazê-las progredirem e teremum desempenho apropriado na escola.

Pode-se afirmar que existe uma interdependência entre asestruturas intelectuais e a aprendizagem escolar, visto que 94% dascrianças que foram encaminhadas pela escola ou por suas famílias,em função de não apresentarem um bom desempenho nas tarefasacadêmicas, não possuíam as estruturas cognitivas.

Mas, por um outro lado, 6 % das crianças, ou seja, duas criançascuja faixa etária estava entre 8 e 9 anos apresentavam dificuldadesescolares, mas já haviam construído as estruturas operatórias quando

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foram aplicadas as provas para o diagnóstico do pensamentooperatório. Tal resultado levou-nos a avaliar o processo de leitura eescrita (por meio de ditados, leitura de textos e redação) e analisaras provas escolares. O que foi constatado é que tais criançasencontravam-se em um processo de construção da leitura e escritaque a escola valoriza como única forma de avaliação dos alunos. Eessas duas crianças que possuíam a inteligência preservada eraciocínio para entender os conteúdos da escola estavam sendotratadas por essa instituição como “seres incapazes”, que nãoapresentavam bom desempenho nas provas escolares porque aindaestavam em fase de construção do sistema escrito e também porqueerravam os exercícios que exigiam memorização e técnicas paraassimilação de alguns conteúdos.

Quanto aos procedimentos pedagógicos, tais crianças nãonecessitaram de intervenção pedagógica enquanto construção dasestruturas cognitivas, mas foram apresentadas aos pais, bem como àescola, orientações quanto a um plano de estudo para elas; o retornoobtido de pais e escola foi a melhora significativa no desempenhoescolar quando foi oferecida uma forma de trabalho pedagógico paraessas crianças.

Nesse sentido, as orientações que são transmitidas aos paisconsistem em organizar um horário fixo de estudo, bem como umlocal apropriado para isso. Quanto ao plano de estudo, este consisteem refazer as atividades propostas pela escola para que taisconteúdos sejam realmente assimilados, acomodados e equilibradospela criança, tendo-se em vista que, muitas vezes, o conteúdo éexposto uma única vez.

No entanto, uma das crianças que foi avaliada não tevenecessidade de acompanhamento pedagógico por parte do SAIP, poissó o que faltava era o seguimento de um adulto, ou melhor, da famíliana orientação de seus estudos: checar as lições feitas, apontar asdificuldades percebidas no desenvolvimento escolar, solicitar à criançaque revise o conteúdo na época de provas etc.

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Já quanto à outra criança, foi necessário um acompanhamentono processo de leitura e escrita, uma vez que esta apresentava umpequeno atraso. A pedagoga do SAIP também orientou a forma comoa criança deveria estudar para realizar as provas bimestrais. Acredita-se que até o final do presente ano de 2007, essa criança já consigaacompanhar a escola sem o auxílio de um profissional.

Considerações finais

Por meio dos resultados obtidos a partir do trabalho de avaliaçãodesenvolvido pelo SAIP, podem-se classificar as crianças em doisgrupos: o primeiro composto pelas crianças que possuem as estruturasintelectuais próprias da sua idade e o segundo grupo formado pelascrianças que não possuem as estruturas intelectuais.

O primeiro grupo, que representa 6% das crianças que foramdiagnosticadas pelo SAIP, apresenta as estruturas operatórias para oentendimento dos conteúdos escolares. Essas crianças apresentambaixo desempenho escolar; falta ensinar-lhes como dominar técnicasde resolução das operações de somar subtrair, dividir e multiplicar,bem como informar às crianças de que alguns conteúdos escolaresexigem memorização, como por exemplo os estados de seu país esuas capitais, datas, ortografia de algumas palavras etc. Não se podeesquecer também que elas estão em processo de construção dalinguagem escrita. Todavia, já construíram o principal instrumentopara acompanhar os conteúdos escolares que são as estruturas lógicaselementares.

É preciso lembrar que os conteúdos que exigem memorizaçãodevem ser assimilados e acomodados pelas crianças, o que demandacerta repetição para que ocorra o aprendizado. Mas todo conteúdoque exige memorização e técnica para ser aprendido é extremamentecansativo para o aluno. Por isso é importante que se planejematividades como, por exemplo, as que envolvam os jogos com regras,para que tais exercícios fiquem prazerosos para as crianças. Só assim

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elas realmente irão aprender e vir a ter um melhor desempenho escolar.Como ressalta Zaia (2006, p. 55): “Neste contexto os jogos e situações-problemas se destacam pelo seu poder desafiador e pelaspossibilidades de adaptação aos interesses, necessidades epossibilidades específicas das crianças”.

Essas crianças não podem ser tratadas pelas escolas como seresincapazes, uma vez que apresentam as estruturas lógicas operatóriasque permitem relacionar os conteúdos, interpretá-los e levantarsoluções para os problemas a serem resolvidos. No momento em quedominarem a técnica de resolução de alguns exercícios, a memorizaçãode alguns dados que necessitam realmente ser decorados e quandodominarem a leitura e a escrita, tais dificuldades desaparecerão.

Nesses casos em que as escolas enviam tais crianças para aavaliação cognitiva e estas apresentam as estruturas lógicas é precisocuidado ao lidar com esses alunos, pois são indivíduos pensantes ecapazes. No entanto, estão sendo tratados por essas instituiçõescomo crianças sem condições de aprender, mencionando-se atémesmo a possibilidade da reprovação dessas crianças ou deixando-as com um sentimento de incapacidade, criando, assim, umdesinteresse pela escola.

Portanto, destaca-se a importância da avaliação das estruturasoperatórias para identificar os reais problemas que estão dificultandoo desempenho escolar da criança: para que se possa saber interferir eajudar na superação das dificuldades presentes. No caso dessascrianças, ao final do processo de avaliação, o SAIP orienta os pais e aescola quanto à forma de estudo de alguns conteúdos escolares, nãohavendo necessidade de um trabalho específico de acompanhamentoe intervenção.

Quanto ao segundo grupo, composto por 94% das criançasque não possuem as estruturas cognitivas, há a necessidade de umtrabalho de intervenção para que se possa dar a oportunidade departiciparem de um processo em que as estruturas cognitivas possamser construídas e as crianças tenham condições de realmente

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entenderem os conteúdos que a escola lhes apresenta. Caberia ressaltarque tal processo é longo e os resultados das construções das estruturas,muitas vezes, demoram por aparecer, tendo-se em vista que essascrianças participam desse trabalho de intervenção uma vez porsemana, devido ao tempo disponível dos pais e dos próprios educandos.

Mesmo assim, essas atividades de avaliação e de intervençãorealizadas junto às crianças têm fornecido dados empíricos quecomprovam que a construção do conhecimento é resultado de umprocesso interno de pensamento em que o sujeito coordena diferentesnoções entre si, atribui-lhes um significado, organizando-as erelacionando-as àquelas que já possuía anteriormente por meio dosprocessos cognitivos dos quais dispõe. A construção dessesinstrumentos de pensamento é fruto de um processo inalienável eintransferível decorrente das trocas as quais se estabelecem entre oindivíduo e o meio físico e/ou social (BORGES et al., 2006).

Nesse sentido, o papel do profissional do SAIP, que atua com acriança com dificuldade de aprendizagem, consiste em criar condiçõesfavoráveis para a construção de suas estruturas cognitivas, e não emtransmitir o conhecimento, sob a forma de soluções prontas, natentativa de inculcar conteúdos na cabeça dos alunos, ignorando seusprocessos construtivos ao supor que os mesmos possam aprenderpor meio de atividades desprovidas de sentido.

O SAIP leva em conta algumas condições que consideranecessárias para aprender, tais como: a possibilidade de organizardados; coordenar ações observáveis; solucionar problemas; levantarhipóteses; construir e experimentar estratégias de verificação;considerar situações passadas e antecipar possibilidades; tomarconsciência das ações e operações realizadas, compreender e seguirregras de ação e de convivência social, além de descentração dopróprio ponto de vista e da possibilidade de colocar-se no lugar dooutro (BORGES et al., 2006).

Assim, o trabalho de intervenção psicopedagógica,desenvolvido pelo SAIP consiste em criar situações que geram conflitos

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cognitivos os quais, por sua vez, desencadeiam o processo deequilibração, responsável pela construção do conhecimento. Sãosituações durante as quais as crianças têm a oportunidade de construirconceitos e noções a partir da exploração ativa dos objetos que omeio lhes oferece.

As crianças do SAIP vêm apresentando avanços e conquistasescolares como ressalta Mantovani de Assis (2004): “ [...] à medidaque a criança se desenvolve, sua capacidade de aprender tambémaumenta”. Em outras palavras, os resultados encontrados mostramque os procedimentos utilizados têm, satisfatoriamente, desencadeadomudanças nas condutas dos sujeitos, contribuindo para o avanço naconstrução das estruturas lógicas elementares e, conseqüentemente,para a melhora do desempenho escolar.

Assim, o trabalho do SAIP está comprometido com uma formacomplexa de avaliar as crianças, em que os resultados apresentammaneiras para saber intervir com cada uma delas. Como ressaltamDolle e Bellano (1995, p. 32), “o sujeito não pode ser apreendidosenão em sua própria complexidade. Daí vem a necessidade de apuraros métodos destinados a observá-lo, avaliá-lo, a educá-lo, a conhecê-lo”. É justamente por isso que o SAIP acredita no trabalho de avaliaçãopara diagnosticar a dificuldade escolar de cada criança e, assim, traçarum plano de trabalho específico para cada caso. Só assim serágarantido à criança o direito de freqüentar a escola e aprender osconteúdos que lhes são ensinados.

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Recebido em: 10 de agosto de 2007.Aprovado em: 27 de setembro de 2007.

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 247-268 2007

Formação psicopedagógica edificuldades de aprendizagem

Karina Perez Guimarães *Eliane Giachetto Saravali **

Resumo: O artigo apresenta um recorte de uma pesquisa que investiga asidéias e concepções de psicopedagogos em relação às dificuldades deaprendizagem. Os sujeitos participantes são 52 estudantes dos cursos dePsicopedagogia de instituições particulares do interior do estado de São Pauloe Minas Gerais. Todos responderam a um questionário contendo nove questõesdiscursivas. Apresentaremos aqui os dados referentes a três delas: 1) Comovocê se sente em relação ao aluno com dificuldade de aprendizagem? Quesentimentos ele desperta em você? 2) Na sua opinião, o que é imprescindívelpara que um aluno aprenda? 3) Que outros fatores você considera importantepara o sucesso da aprendizagem? Os dados obtidos a partir das respostas foramcategorizados segundo a análise de conteúdo e análise estatística simples. Osprincipais resultados indicam que os futuros psicopedagogos demonstramdificuldade em considerar os inúmeros aspectos envolvidos na situação deensino e aprendizagem, culpando ou os alunos ou os próprios docentes. Hátambém, em grande parte dos sujeitos, um sentimento de impotência e

* Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente eCoordenadora dos Cursos de Pedagogia e Psicopedagogia da UNIFAIMI, Mirassol-SP. E-mail:[email protected]; [email protected]** Doutora em Educação pela UNICAMP. Docente do Departamento de Psicologia da Educaçãoda Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Marília-SP. E-mail:[email protected]

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incapacidade de ação diante de um aluno que não aprende. Estes dados iniciaisapresentam as idéias e concepções que futuros profissionais têm e chamam aatenção para a importância da discussão destes temas nos cursos de formaçãode psicopedagogos.

Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Psicopedagogia.

Psychopedagogical formation and learning difficulties

Abstract: This article presents a cutout made from a research that investigatesideas and conceptions of psychopedagogues about learning difficulties. Theparticipants are 52 students of Psychopedagogy course in private institutionsof the interior do São Paulo state and Minas Gerais. All of them have answereda questionnaire composed of nine discursive questions. We will present theresults referring to three of them: 1) How do you feel about students withlearning difficulties? What feelings does s/he rise in you? 2) In your opinion,what is indispensable for a student to learn? 3) What other factors do youconsider important for the success of learning? Data raised from the answersto these questions were categorized according to the analysis of content andsimple statistic analysis. The main results indicate that future psychopedagoguesdemonstrate difficulties in considering the innumerous aspects involved in theteaching and learning situation, blaming either the students or the teachers. Itcould also be noticed a feeling of impotence and incapacity of action whendealing with a student who does not learn among the majority of the participants.These initial data present ideas and conceptions that future professionals haveand call our attention to the importance of discussion of these topics in thecourses of formation of psychopedagogues.

Key words: Learning difficulties. Psychopedagogy.

Introdução

Dificuldades de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem,problemas específicos para aprender, déficits cognitivos, entre tantosoutros, são termos bastante utilizados em nossas escolas e por nossosdocentes, na atualidade. Ao mesmo tempo e, de forma relacionada,cresce a fila de encaminhamentos para atendimento especializado denossas crianças; tais atendimentos enquadram-se em diferentes áreascomo a neurologia, a psicopedagogia, a fonoaudiologia e a psicologia.

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249Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem

Embora esse quadro sugira uma epidemia escolar, diante da(nova) incapacidade de aprender de nossas crianças, e uma idéiaequivocada de que os procedimentos adotados estão resolvendo osproblemas dos alunos, ao se pesquisar a definição dos termos maisutilizados em diagnósticos e avaliações, não se observa consenso entreos pesquisadores e autores da área. Talvez, seja essa amplitude econfusão terminológica que permita tantos rótulos prévios e poucasreflexões sobre as ações pedagógicas (SARAVALI, 2005).

Um profissional que vem sendo muito procurado nessesencaminhamentos feitos pelas escolas é o psicopedagogo. Ainda quenão seja uma profissão legalmente regulamentada a Psicopedagogiatem um reconhecimento social importante e isso tem se mostradonas intervenções e ações que muitos psicopedagogos, seja num âmbitoclínico ou institucional, têm conseguido realizar junto a escolas e aalunos que não aprendem.

Pensando nessas questões, o objetivo desse artigo é discutirdados parciais de uma pesquisa que investiga as concepções quefuturos psicopedagogos têm acerca do termo “dificuldades deaprendizagem”. Como esses futuros profissionais avaliam e percebemessas questões? Como interpretam o termo dificuldades deaprendizagem? Quais atribuições e quais processos são consideradosquando pensam numa criança que não aprende?

Nosso objetivo é discutir, a partir das concepções apresentadas,a importância do conhecimento e da investigação de questõesrelacionadas ao não aprender, sobretudo, por parte dos profissionaisque vão lidar, ao menos em tese, diretamente com essas crianças.

Alunos que não aprendem: desafios e perspectivas

O termo dificuldade de aprendizagem não é recente e há umaevolução histórica que caracteriza múltiplas influências que os estudose pesquisas nessa área sofrem. Conforme apresentado em Saravali(2005), essas diferentes perspectivas ora apontam para tendências

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médicas e orgânicas, ora para tendências psicológicas e pedagógicassem, no entanto, haver consenso sobre o que caracteriza umadificuldade de aprendizagem.

[...] as teorias das dificuldades de aprendizagem são controversas,conceitualmente confusas e raramente apresentam dados deaplicação educacional imediata. Mesmo com uma grandepanorâmica e com um grande potencial de investigação, as teoriasdas DA continuam a ser muito complexas e muito poucoconsistentes (FONSECA, 1995, p. 57-58).

Dentro dessa variedade terminológica, há autores que buscamuma separação entre o que seria denominado problema, dificuldadeou distúrbio de aprendizagem. É o caso, por exemplo, dos trabalhosde Passeri (2003) e Osti (2004). Neles, as autoras apontam que otermo distúrbio de aprendizagem refere-se mais a comprometimentosneurológicos e que o termo dificuldade de aprendizagem trataria maisde problemas na área acadêmica, decorrentes de fatores internos ouexternos ao indivíduo. Segundo Passeri (2003, p. 29) “este segundotermo é mais genérico, portanto, e envolve os termos ‘dificuldadeescolar’ e ‘problemas de aprendizagem’”.

No entanto, essa perspectiva não se confirma em várias outrasobras nas quais, muitas vezes, estes termos são tratados comosinônimos, é o caso, por exemplo, do trabalho de Smith e Strick (2001).Uma das poucas certezas que podemos ter em relação a estasdefinições é que as crianças com dificuldades de aprendizagem nãoapresentam baixa inteligência, mas sim problemas específicos paraaprender. Essa caracterização foi apresentada à comunidade científicapor Samuel Kirk considerado, atualmente, o pai dos estudos nessecampo. Todavia, cumpre destacar que ao definir o termo, o autorapontava que tais problemas eram provocados, especialmente, pordesordens internas ou fatores intrínsecos aos indivíduos.

Na atualidade, esse panorama não sofreu grandestransformações, mas podemos considerar uma definição bastante

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251Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem

aceita datada de 1988 pelo National Joint Committee on LearningDisabilities, qual seja, dificuldades de aprendizagem engloba um grupoheterogêneo de transtornos, manifestando-se por meio de atrasos oudificuldades em leitura, escrita, soletração e cálculo, em pessoas cominteligência potencialmente normal ou superior e sem deficiênciasvisuais, auditivas, motoras ou desvantagens culturais. Geralmente,não ocorre em todas essas áreas de uma só vez e pode estar relacionadaa problemas de comunicação, atenção, memória, raciocínio,coordenação, adaptação social e problemas emocionais (SISTO, 2001).O indivíduo com DA não possui rebaixamento de QI, indicando aquiloque muitos autores chamam de conduta discrepante acentuada entreo potencial para a aprendizagem e o desempenho acadêmico.

Dessa forma, podemos dizer, de modo simplificado, que sãosujeitos que não aprendem por questões próprias, ou seja, intrínsecas,mas, ao mesmo tempo, são sujeitos com grande potencial paraaprendizagem.

Embora muitos autores considerem essa definição como amais completa, não acreditamos que o uso abundante do termoem escolas e por docentes, pelo menos não de forma consciente,esteja enquadrado nos aspectos previstos pelo ComitêInternacional em questão, fato esse que, se assim o fosse,significaria o caos em relação à possibilidade de aprender dosnossos estudantes, dada a enorme quantidade de queixas emrelação às dificuldades de aprendizagem discentes.

Nesse sentido, entendemos que ao se assumir que nossos alunoscom queixas de dificuldades de aprendizagem, que estão às margensde nosso sistema de ensino ou de nossas salas de aula, estãoenquadrados nessa definição, estamos assumindo também que há umaespécie de epidemia escolar e de um grande número de desordenssofridas pelos estudantes. Essa postura desconsidera, ao menos emprincípio, a coordenação de múltiplos fatores envolvidos no processode aprendizagem, inclusive as questões pedagógicas.

Fonseca (1995, p. 12) adverte que para definirmos ou mesmopensarmos em dificuldades de aprendizagem devemos adotar uma

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postura interacional e dialética, ou seja, procurar integrar os déficits noindivíduo, na escola, na família e outros pois “[...] as condições internas(neurobiológicas) e as condições externas (sócio-culturais)desempenham funções dialéticas (psicoemocionais) que estão em jogona aprendizagem humana”. Dessa forma, o ambiente escolar tambémpode ser ou não estimulante, oferecendo ou não as oportunidadesapropriadas para a aprendizagem.

A fim de obterem progresso intelectual, as crianças devemnão apenas estarem prontas e serem capazes de aprender, mastambém devem ter oportunidades apropriadas deaprendizagem. Se o sistema educacional não oferece isso, osalunos talvez nunca possam desenvolver sua faixa plena decapacidades, tornando-se efetivamente ‘deficientes’, emboranada haja de fisicamente errado com eles [...] A verdade é quemuitos alunos fracos são vítimas da incapacidade de suas escolaspara ajustarem-se às diferenças individuais e culturais (SMITH;STRICK, 2001, p. 33-34, grifo nosso).

Um aspecto interessante de se considerar e que, talvez, fosse aprimeira questão a ser colocada quando estamos diante de uma criançaque não aprende é: quais foram as reais chances que essa criança,esse aluno teve de aprender esse ou aquele conteúdo? Ou, dito deoutra forma: esse aluno teve, durante seu processo de escolarização,as solicitações adequadas para que seu desenvolvimento ocorressede maneira plena em seus aspectos social, afetivo, cognitivo e motor,de tal forma a favorecer a construção do conhecimento e aaprendizagem dos conteúdos escolares? A resposta, afirmativa ounegativa, muda ou deveria mudar radicalmente as condutas seguintes.

Devemos evitar aqui ao máximo o processo de culpabilização,já existente, que ora atribui a responsabilidade da não aprendizagem aoaluno e sua família e ora, somente, ao docente e sua prática cotidiana.Todavia, é sempre bom destacar que é a criança que sofrerá as maioresconseqüências de uma rotulação prévia, excludente e definitiva, tendoem vista que essa questão a acompanhará em toda sua trajetória escolare em todas as situações de aprendizagem de sua vida.

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253Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem

Collares e Moysés (1996) ao discutirem o fracasso escolarproduzido no interior da escola usam o termo “patologização doprocesso de ensino-aprendizagem”, apontando o significado que umadoença, que um diagnóstico ou que a interferência de um outroprofissional, principalmente da área da saúde, tem sobre a atuaçãodocente. Muitas vezes, os professores esperam por isso para justificar,de uma forma praticamente definitiva, os maus resultados obtidospor seus alunos. Segundo essas autoras:

A explicação para o fracasso escolar recai sempre sobre o alunoe os seus pais: crianças não aprendem porque são pobres, porquesão negras, porque são nordestinas, ou provenientes de zonarural; são imaturas, são preguiçosas; não aprendem porque seuspais são analfabetos, são alcoólatras, as mães trabalham fora,não ensinam aos filhos... Pelo discurso dos professores e diretores,a sensação é de que estamos diante de um sistema educacionalperfeito, desde que as crianças vivam uma vida artificial, semnenhum tipo de problemas, enfim, crianças que provavelmentenão precisariam da escola para aprender. Para a criança concreta,que vive neste mundo real, os professores parecem considerarmuito difícil, se não impossível, ensinar (COLLARES; MOYSÉS,1996, p. 26, grifo nosso).

O uso recorrente de termos como dificuldades deaprendizagem, distúrbios, dislexia, discalculia, hiperatividade e aconfusão terminológica existente, a nosso ver, permitem o grandenúmero de encaminhamentos, gerando nas escolas e por parte dosdocentes a necessidade de explicações provenientes de outras áreas ede outros profissionais, sobretudo da área da saúde.

Entretanto, o que se observa é que a situação é caótica. Asescolas encaminham, as crianças e suas famílias formam percepçõessobre esses encaminhamentos e posteriores atendimentos, osdiagnósticos são feitos e os alunos continuam não aprendendo naescola. Portanto, precisamos ao menos ter grande cautela e desconfiardo que vem ocorrendo. A respeito do diagnóstico, gostaríamos decomentar que diante dos inúmeros novos transtornos e problemasque existem ou que estão sendo descobertos, quase sempre são

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encontrados problemas em nossos alunos seja um transtorno disso oudaquilo, uma disfunção aqui ou ali. Mas, esse diagnóstico tem realmentealterado ou mudado ou, ainda, melhorado a vida das crianças nascarteiras escolares? Para quem ele serve? Retira o peso dos ombros dospais? Dos professores? E os alunos? Como se relacionam com ele?

Nesse contexto, um profissional que vem sendo bastanteprocurado e para o qual inúmeros alunos são encaminhados é opsicopedagogo. Os psicopedagogos são profissionais que lidarão como processo de aprendizagem, objeto de estudo da Psicopedagogia.Segundo Macedo (1992, p. 123): “a psicopedagogia é necessáriasempre que se puder, se quiser e se precisar considerar característicaspsicológicas do sujeito que aprende, além de outras especificamentepedagógicas ou educacionais”.

A formação do psicopedagogo em nosso país tem sido feita,em sua maioria, em cursos de especialização de 360 horas. Essaformação não pode prescindir de estudo teórico e prático quefundamente as ações deste profissional ao lidar com a aprendizagemseja na escola, na clínica ou em hospitais, tanto num nível remediativocomo preventivo. Como hoje percebemos esse grande aumento nonúmero de encaminhamentos oriundos da escola e dos docentes, éde se esperar que o psicopedagogo, pela própria especificidade daformação, tenha uma visão e postura diferentes, a começar, porexemplo, pela avaliação de um aluno que não aprende. O própriocódigo de ética da Psicopedagogia ressalta em seu artigo quinto que édever do psicopedagogo “promover a aprendizagem, garantindo obem-estar das pessoas [...]”. Dessa forma, cabe a esse profissional ainvestigação e busca constantes sobre razões e intervenções possíveisquando a aprendizagem não caminha bem e isso necessariamenteimplica em uma formação diferenciada. Fica, portanto, uma reflexão:será que nossos cursos de Psicopedagogia estão preparados paraqualificarem seus alunos? Será que os futuros psicopedagogos estãosendo preparados no intuito de realmente intervirem nessas questõesenvolvendo a aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem, tãodisseminadas e incompreendidas no meio escolar?

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255Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem

Nesse sentido, os dados que apresentaremos a seguir procuramclarificar as idéias que estes profissionais, futuros psicopedagogos,têm a respeito das dificuldades de aprendizagem e consequentementedas crianças que não aprendem. Entendemos que essa compreensãoé importante na medida em que suas concepções influenciarão asdecisões que tomarão em suas atividades profissionais. Essas decisõesnão deverão ocorrer somente no nível remediativo, ou seja, quandoos problemas já estiverem instalados, mas também no nívelpreventivo, papel esse, principalmente, do psicopedagogoinstitucional.

A visão dos futuros psicopedagogos

A pesquisa que passaremos a apresentar baseia-se no trabalhode Osti (2004) que caracterizou o termo dificuldade de aprendizagemna concepção de 30 professores do ensino fundamental da rede públicado interior do estado de São Paulo.

A autora se valeu de uma entrevista semi estruturada e daanálise estatística das respostas. Os resultados obtidos demonstraramque os professores apresentam uma visão parcial do que seja adificuldade de aprendizagem, atribuindo a responsabilidade ou a causado problema em questão à família ou ao próprio aluno. Segundo Osti(2004), os sujeitos não foram capazes de considerar a correspondênciaentre a metodologia, a relação do professor e sua prática com adificuldade do aluno.

Tomando por referência o instrumento utilizado por Osti,trabalhamos com 52 alunos de cursos de Psicopedagogia em nível deespecialização lato sensu de cidades do interior dos estados de SãoPaulo e Minas Gerais. Destes 52 alunos, 14 eram ingressantes, 20estavam exatamente no meio do curso de especialização e 18 eramconcluintes. Como não foram encontradas diferenças significativasnas respostas dos sujeitos em relação ao tempo que tinham de curso,os dados serão apresentados conjuntamente.

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Os alunos foram convidados a responder, por escrito, a umquestionário que continha 9 questões referentes à aprendizagem e àdificuldade de aprendizagem, além de dados sobre a formaçãoprofissional, tempo de experiência etc. A graduação destes estudantesconcentrava-se no curso de Pedagogia, conforme pode ser visto natabela I a seguir:

Tabela I – Graduação dos sujeitos

CURSO QUANTIDADE1

Pedagogia 31Outras Licenciaturas 15Psicologia 2Outros Cursos 5

Nossos resultados foram, em alguns aspectos, semelhantes aosobtidos por Osti (2004). No entanto, como nosso estudo foi realizadocom psicopedagogos, algumas diferenças foram observadas, sobretudoem relação às categorias das respostas obtidas, razão pela qualapresentaremos nossos dados sem compará-los diretamente comaqueles obtidos no trabalho de referência de Osti. A análise dasrespostas foi realizada conforme a metodologia da Análise deConteúdo proposta e sistematizada por Bardin (1977); a quantificaçãodestas respostas sofreu análise estatística simples.

Em outra ocasião, já apresentamos dados referentes a trêsquestões (GUIMARÃES; SARAVALI, 2006), são elas: 1) O que é dificuldadede aprendizagem?; 2) Em que momento você julga necessárioencaminhar um aluno para atendimento especializado? e 3) Você jáencontrou em sua prática alunos com dificuldade de aprendizagem?Se sim, emita um parecer sobre uma criança que apresentoudificuldade. Se não, explique hipoteticamente.

Resumidamente, os dados obtidos a partir dessas três questõesapontaram que 56% dos sujeitos classificam as dificuldades de

1 Um aluno tem formação em dois cursos diferentes.

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257Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem

aprendizagem como problemas específicos e inerentes aos alunos,caracterizados como uma incapacidade do próprio sujeito que nãoaprende; 46% sentem-se incapazes diante do quadro de um alunoque não aprende e não sabem intervir, necessitando recorrer aatendimentos especializados e 33% descrevem alunos comdificuldades de aprendizagem como aqueles que possuem problemasrelacionados aos conteúdos abordados em sala de aula, principalmentematemática e leitura e escrita. Esses dados iniciais apontaram para aexistência de preconceitos e de rotulação prévia, principalmente naterminologia utilizada pelos futuros psicopedagogos.

No presente artigo, analisamos outras três perguntas doinstrumento aplicado.

A primeira pergunta analisada foi formulada da seguintemaneira: Como você se sente em relação ao aluno com dificuldadede aprendizagem? Que sentimentos ele desperta em você?

Na categoria I, observam-se sentimentos diversos comoimpotência, culpa, preocupação, mas que geram alguma mobilização,nesses casos os sujeitos se sentem desafiados, com vontade de ajudar,de solucionar o problema, indicando a presença de uma ação. Algunsexemplos: “Preocupada em detectar a fonte do problema e encontrarsoluções para ajudá-lo a superar suas dificuldades”. “O sentimentoàs vezes é de angústia, impotência, necessidade de estudar mais etc.”.“São crianças que despertam em minha pessoa o desejo de poderajudá-las e ampará-las, pois a visão que tenho dessas nas salas deaula, é que elas realmente ficam em condição de desamparo”.“Desperta às vezes um sentimento de insegurança, pois sabemos queteremos uma grande luta pela frente.” “Me dá forças para tentardescobrir como fazer com que ele aprenda”.2

Na categoria II, aparecem ainda os mesmos sentimentosdiversos, porém, diferentemente da categoria anterior, não háreferências a mobilizações ou a ações. Nas respostas observadas nessacategoria, é possível perceber certa inércia. Vejamos alguns exemplos:

2 Todas as respostas foram transcritas aqui exatamente como escritas pelos sujeitos.

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“Me sinto impotente, inapta”. “Sentimento de impotência”.“Incapacidade do professor para motivá-lo a aprender”. “Sentimentode insegurança”. “Não poder desenvolver um trabalho para que atinjao seu objetivo”. “Eu sinto um desejo enorme de ajudá-lo, mas mevejo impotente às vezes, sem nenhuma condição para isso. Osentimento que ele desperta em mim é de pena e compaixão”. “Mesinto um pouco angustiada por não poder ajudá-lo tanto quanto eleprecisa, tendo em vista que muitos alunos apresentam dificuldadesavançadas isto faz com que seja despertado sentimentos defrustração”. “Ao deparar-me com algum aluno com dificuldade deaprendizagem, além de ficar preocupado, fico inseguro, sem saber aocerto quais decisões tomar. O aluno com dificuldade de aprendizagemdesperta em mim um profundo sentimento de impotência [...]”.

Três respostas compõem a categoria III. Tais respostas indicamquestionamentos, inclusive em relação ao próprio trabalho, todavia,consideramos esses questionamentos diferentemente da situação deinércia da categoria II e da situação de mobilização da categoria I.Denominamo-os aqui de reflexões processuais. Exemplos: “Antes deafirmar tal condição: ‘dificuldade de aprendizagem’ procuro em mimuma possibilidade de ‘dificuldade de ensinagem’”. “Diante de umaluno com dificuldade de aprendizagem me sinto intrigada, pois quematribui essa dificuldade a ele, pois muitas vezes essa dificuldade érotulada, isso é, os professores passam de ano para ano”. “Eu mesinto incomodada, preocupada pensando se o problema está no meumodo de ensinar ou lidar com o aluno ou se a dificuldade está mesmono desenvolvimento de aprendizagem dele”.

Na categoria IV, consideramos aquelas respostas em branco,as que dizem “não sabem” ou que são consideradas tautológicas. Àsvezes são respostas sem sentido e que retratam sentimentos do alunoe não do docente, conforme indicado na pergunta. É o caso de: “Aome defrontar com um aluno que possua alguma dificuldade deaprendizagem, o sentimento dispertado é profissional, pois acreditoque, como sendo uma educadora, não posso deixar passardesapercebido tal fato”.

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259Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem

A tabela a seguir mostra os resultados referentes à questão 1.

Tabela II – Respostas referentes à questão 1

Categorias Quantidade de Respostas Percentual (%) I 33 63 II 19 37 III 3 6 IV 4 8Soma 59 **

Os sentimentos de incapacidade, de impotência, depreocupação e até de estagnação podem encontrar suas origens naprópria formação desse aluno que já se encontra numa pós-graduação.Notamos, (GUIMARÃES; SARAVALI, 2006), que ao analisarmosanteriormente a questão “Em que momento você julga necessárioencaminhar um aluno para atendimento especializado?”, 46% dosnossos sujeitos responderam quando esgoto todas as possibilidades. Agora,diante da pergunta “Como você se sente em relação ao aluno comdificuldade de aprendizagem”? 63% respondem que se sentemangustiados, embora impelidos a resolver o problema. Portanto,gostaríamos de pontuar: se o encaminhamento ocorre quando acreditoque minhas possibilidades se acabaram e se tenho sentimentos diversoscomo angústia, culpa, frustração entre outros, será que minhaformação está adequada para lidar com estas questões? Será quejustamente os psicopedagogos, profissionais que devem ser preparadospara estas situações, deveriam não sentir-se tão reféns e inaptos diantede um aluno que não aprende?

Vale dizer que podemos pensar com quais crianças ou alunosnossos sujeitos gostariam de lidar. Será que ter momentos de nãoaprendizagem ou dificuldades no processo não deveriam ser encaradoscom mais naturalidade por esses profissionais?

* O valor percentual resultante é maior que 100%, assim como o número de respostas ésuperior a 52 porque há sujeitos que emitem respostas cujo conteúdo concentra-se em váriascategorias simultaneamente.

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As respostas dadas na categoria III nos parecem bem maisinteressantes do ponto de vista da reflexão, da coordenação dediferentes fatores numa análise de situação de não-aprendizagem. Mas,somente 3 sujeitos deram respostas com essas características. Éinteressante trazer aqui uma passagem de Collares e Moysés (1996,p. 61) salientando a importância de se pensar no processo de ensino-aprendizagem como algo que tem dois pólos. “A impressão é de quena escola ocorre um processo exclusivamente de aprendizagem. Acriança aprende ou não aprende. Simplesmente”. Os sentimentos deimpotência, incapacidade, inércia, frustração não estão relacionadossomente à incapacidade da criança em executar sua tarefa? E a açãodocente? No caso dos nossos sujeitos, o que dizer da intervençãopsicopedagógica institucional?

Nesse sentido, o que difere a categoria I da categoria II tambémprecisa ser considerado com cautela, afinal, vontade de fazer algopela criança, vontade de ajudar, coragem para encarar uma luta quese inicia são ações que precisam estar em comunhão com as açõespedagógicas, revistas, reorganizadas, pensadas, elaboradas,fundamentadas etc. É preciso estar atento ao significado dessa ação/intervenção a ser executada. Se essa ajuda se referir aencaminhamentos e/ou avaliações de outros profissionais, então, oquadro existente e que já discutimos aqui somente se perpetuará. Oque poderíamos esperar de um aluno que já realiza um curso de pós-graduação é a busca pelo conhecimento, mas essa resposta só podemosobservar em dois sujeitos.

Podemos inferir aqui que um dos fatores que poderia gerar essequadro de propostas de encaminhamentos e intervenções de outrosprofissionais está relacionado à visão que os sujeitos da pesquisapossuem a respeito da sala de aula. A maioria deles é formada emPedagogia tendo enquanto educadores a visão de sua práticapedagógica a respeito da dificuldade de aprendizagem. Talvez, falta-lhes ainda um olhar da prática clínica, enquanto psicopedagogo, umavez que a experiência em estágios ao longo do curso de Especializaçãopode ter sido insuficiente ou ainda não ter ocorrido. No entanto, cumpre

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destacar que a atuação do psicopedagogo também poderá/deveráocorrer no plano institucional e nesse aspecto o trabalho terá que seaproximar muito dos docentes, de suas relações com toda a instituiçãoescolar e, sobretudo, das questões pedagógicas referentes a ensino ea aprendizagem.

A segunda pergunta que discutiremos aqui foi apresentada aossujeitos dessa forma: “Na sua opinião, o que é imprescindível paraque um aluno aprenda?”

Compondo a categoria I estão as respostas que identificamcaracterísticas do professor como imprescindíveis para aaprendizagem, tais como fornecer conteúdos significativos,promover a aprendizagem prazerosa, ser capaz de prender a atençãodos alunos, dedicação etc. Vejamos alguns exemplos: “[...] o professorseja determinado e objetivo”. “[...] um bom corpo docente[...]”.“[...] a dinâmica do educador”. “Dedicação do professor e alémdisso um olhar para perceber onde este aluno está com dificuldade”.“[...] que o professor explore todas as formas de explicar edemonstrar determinado assunto”.

Na categoria II, estão as respostas que remetem a característicasdo aluno, como ter vontade, desejo, interesse, capacidade individual.“Que esse aluno mostra interesse, vontade de aprender [...]”. “Estarinteressado na aula, desperto e alimentado”. “Atenção” “Desejo, sentir-se capaz e responsável pelo próprio aprendizado”.

Na categoria III foram agrupadas as respostas que considerama interação docente/discente como aspecto fundamental para aaprendizagem, tais como respeito e admiração pelo professor. Exemplos:“Para que o aluno aprenda é importante que haja uma boa relaçãoentre professor e aluno”. “[...] a relação afetiva de professor-aluno”.

Para a categoria IV foram agrupadas as respostas que apontampara questões familiares. É o caso de: “Amor por parte da família eincentivo”. “A aprendizagem está relacionada à questão muitas vezesda família, equilíbrio familiar, amor, essas crianças geralmente sãoadotadas, rejeitadas e etc.”. “[...] a participação da própria família naeducação de seu filho”.

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Na categoria V estão as questões relacionadas à estrutura escolar.Exemplo: “[...] um bom espaço físico, ou seja, que a instituição ofereçaum espaço organizado”.

Assim como na categoria IV da pergunta anterior, na categoriaVI foram agrupadas outras respostas isoladas, consideradasincompreensíveis. São os casos de: “Encontrar significados e sentidosque justifiquem a sua aprendizagem”. “Acredito ser imprescindívelque um aluno aprenda a ler e escrever de forma autônoma,conseguindo fazer uso dessa competência para atender às solicitaçõesdo meio, usufruir os bens culturais produzidos, atender as suasnecessidades pessoais, dentre outras”.

A tabela III a seguir mostra os resultados referentes à questão 2.

Tabela III - Respostas referentes à questão 2

Categorias Quantidade de Respostas Percentual (%) I 31 60 II 26 50 III 8 15 IV 7 13 V 2 4 VI 4 8 SOMA 78 *

Na verdade, a resposta que culpabiliza os alunos era pornós esperada considerando-se as respostas já analisadas de outrasquestões (GUIMARÃES; SARAVALI, 2006), mas a ênfase no trabalho doprofessor nos trouxe certa surpresa e contentamento, pois indicou aexistência de uma reflexão maior. Todavia, precisamos pensar qual oreal significado desse discurso e aqui apresentamos nossas hipótesessobre esses aspectos.

A diferença entre a categoria I que atribui ao docente aresponsabilidade pela aprendizagem e a categoria II que atribui essaresponsabilidade ao aluno é de apenas 5 respostas. Percebe-se,

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novamente, uma dificuldade em se refletir sobre os processos e fatoresque envolvem a aprendizagem e uma tendência a culpabilização: doaluno ou do docente.

Simultaneamente, é incoerente perceber que o mesmo sujeitoque responde que as dificuldades de aprendizagem são problemasapenas dos alunos, responde também que para aprender é preciso umbom professor. Será que podemos desvincular as dificuldades deaprendizagem das questões relacionadas ao ensino e a aprendizagem?

Aqui cabe uma reflexão, encontrada também no trabalho deCollares e Moysés (1996). Ao se dizer que é preciso um bom professorpara aprender, será que os sujeitos se consideraram enquanto docentesde alunos que não aprendem? De que professor falam então? É precisotomar cuidado com a dissociação entre discurso e a prática,principalmente quando esse aluno assumir a função de psicopedagogo,seja numa escola ou numa clínica. “Um discurso genérico, sobre umprofessor abstrato, não guarda qualquer relação com a atuação concretade cada um deles. E de todos eles” (COLLARES; MOYSÉS, 1996, p. 209).Ou será que estamos diante de uma nova postura assumida agora porum novo profissional que passa a avaliar o trabalho docente de outraforma? Novamente Collares e Moysés (1996) encontraram algosemelhante em suas pesquisas. Ao entrevistarem diretores (que haviamsido professores) estes culpam os docentes pelo mau desempenhodos alunos.

Não se pode perder de vista a compreensão destas questõestodas na formação do psicopedagogo. No âmbito institucional esseprofissional deverá lidar com o movimento de todos os elementosque compõem a escola, com suas múltiplas interações e com o fluxocontínuo e recíproco de energia e material. Dessa forma sua funçãoserá potencializar ao máximo a capacidade de ensinar dos profissionaise a capacidade de aprender dos alunos (GASPARIAN, 1997).

Nesse sentido, o papel desse profissional é cuidar da prevençãoe do enfrentamento de conflitos envolvendo a escolarização (NOFFS,2003). Portanto, sua postura não pode ser rotulante e nem

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culpabilizadora, uma postura diferente não se enquadraria nem nasrepostas que compõem a categoria I, nem na II. Talvez, os doissujeitos que apresentam as respostas da categoria V já estejamconseguindo direcionar suas reflexões nessa direção.

A terceira pergunta e última a ser apresentada no presentetrabalho foi assim formulada: “Que outros fatores você consideraimportante para o sucesso da aprendizagem?”

Novamente na categoria I encontram-se aquelas característicasrelacionadas ao professor, tais como a didática, a forma de organizaçãodas aulas. Alguns exemplos: “Para que o aluno aprenda também épreciso que o professor saiba ensinar”. “Considero importante acriatividade docente”. “Acho que quando o professor possui uma boaformação pedagógica, dispõe de diferentes recursos didático-pedagógico e conta com atendimento especializado, o campo se abrepara que o aprendizado aconteça”.

Na categoria II, estão as respostas que elencam questõesfamiliares. É o caso de: “Diálogo dos pais com a criança, brincadeirase programas de televisão saudáveis histórias de livros que transmitelições de vida para os mesmos”. “Presença da família”. “[...] aparticipação da própria família na educação de seu filho”. “[...] haveruma sintonia entre pais e escola, ou seja, cada um fazer a sua parte,os pais ensinar o que é certo e o que é errado (‘da educação’ para seufilho) e a escola ensinar valores culturais para seus alunos”. “Temosvisto que a presença da família é de extrema importância. Muitasvezes, o que se vê, é que a família delega para escola aquilo que é desua responsabilidade: educar, transmitir valores. Sem esse apoiofamiliar fica muito difícil”. “Incentivo, apoio e ajuda da família”.

As respostas da categoria III apontam para característicasinerentes aos alunos. Vejamos alguns exemplos: “[...] o compromissodo aluno com a aprendizagem”. “O desejo de aprender, a vontade”.“Interesse do aluno”.

Compõem a categoria IV respostas que mencionam aimportância da interação entre professor e aluno. Exemplos: “[...] a

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relação afetiva de professor-aluno”. “Interação de alunos eprofessores”. “Uma boa relação entre a professora e os seus alunos”.

Para a categoria V encontram-se as respostas que abordamaspectos referentes à estrutura escolar e ao apoio institucional. É ocaso de: “Apoio institucional, reciclagem dos professores, orientaçãoprofissional para pais e professores”. “[...] escolas com mais infra-estruturas”.

Na categoria VI, agrupamos outras respostas isoladas, respostasconsideradas tautológicas bem como aquelas em branco. Por exemplo:“A equivalência entre teoria e prática é sumariamente importante,são fatores paralelos. Os sentimentos positivos em relação à talsituação é fundamental”.

A tabela IV a seguir mostra os resultados referentes à questão 3.

Tabela IV – Respostas referentes à questão 3

Categorias Quantidade de Respostas Percentual (%) I 24 46 II 17 36 III 13 25 IV 9 17 V 5 10 VI 3 6 SOMA 71 *

A respeito das respostas que se concentram na primeira categoria,valemo-nos dos mesmos comentários apresentados anteriormente.

Importante observar que somando o número de respostas queaparecem na categoria II com aquelas da categoria III temos 30 respostasapontando para a família ou para o próprio aluno as condições desucesso na aprendizagem. Assim, podemos pensar que basta uma famíliapresente ou um aluno interessado e os problemas se resolveriam.

Observa-se também, na análise dessa pergunta, o aumento donúmero de respostas que compõem a categoria V, que é a mesmaencontrada na pergunta anterior, apontando para a coordenação deoutros fatores já realizada por esses 5 sujeitos.

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Considerações Finais

Apresentamos aqui alguns dados que complementam umaanálise já iniciada a respeito das concepções que estudantes do cursode Psicopedagogia têm a respeito das dificuldades de aprendizagem.

A formação do psicopedagogo em nível teórico e prático, essaúltima principalmente em relação aos estágios, para atuação tanto naclínica como na instituição, requer responsabilidade, grandesustentação teórica e rigor científico e profissional. Isso se faznecessário para que aos alunos que não aprendem seja dada sempre achance da investigação continuada, do trabalho de intervençãofundamentado e da não rotulação prévia excludente eresponsabilizante.

Acreditamos que as reflexões que propusemos, bem como outrasque possam surgir, a partir das respostas emitidas ao questionário,necessitam ocorrer por parte daqueles que atuam na formação dospsicopedagogos. Na medida em que estas respostas caracterizamdecisões e julgamentos que já são e/ou que poderão ser norteadoresdo trabalho destes profissionais, não podemos ignorá-las.

Estamos diante de uma epidemiologia escolar vigente epercebemos que as questões pedagógicas perdem espaço, isto é, osprofessores e pedagogos são absorvidos, voluntariamente ou não, pelaamplitude de focos, termos, explicações encontradas, sobretudo, naárea da saúde. Longe de querermos romper com um processo deinterdisciplinaridade positivo, queremos chamar atenção que para osprocedimentos da sala de aula, para as intervenções pedagógicas, paraentender e saber sobre o desenvolvimento, sobre a aprendizagem,não deveríamos necessitar recorrer a ninguém, ou no caso do quevem ocorrendo em nossas escolas, não deveríamos acreditar que essesoutros profissionais e seus inúmeros diagnósticos e rótulos,necessariamente, melhorariam nosso trabalho junto a uma criançaque não aprende. Sobre o rótulo e seu peso sempre vale observar aspalavras de Collares e Moysés (1996, p. 217):

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[...] leva à estigmatização de crianças inicialmente sadias, queincorporam o rótulo, sentem-se doentes, agem como doentes.Tornam-se doentes. Compromete-se sua auto-estima, seuautoconceito e aí, sim, reduzem-se suas chances de aprender.

A esse respeito, os psicopedagogos, principalmente os que vãoatuar no campo institucional escolar, precisam ser bem formados. Seo olhar não for diferenciado, preparado para refletir e, se necessário,romper com essas questões, esse profissional será mais um número, epouca transformação ocorrerá.

Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmentoque, na verdade, é vítima, seja a criança, a família, ou o professor,nada constrói, nada muda. Imobilizante, constitui um empecilhoao avanço das discussões, da busca de propostas possíveis,imediatas e a longo prazo, de transformações da instituiçãoescolar e do fazer pedagógico (COLLARES; MOYSÉS, 1996, p. 217).

Apenas completando a fala das autoras e enfatizando aquiloque dissemos no início desse texto, quem mais sofre enquanto todosnós estamos falhando são os alunos. São eles que carregam os rótulosou que se arrastam pelos anos de escolarização sem poder usufruirdaquilo que realmente a escola deveria promover.

Ressaltamos, mais uma vez, que a formação teórica e práticados futuros psicopedagogos necessita fundamentá-los, habilitá-los eajudá-los a tornarem-se atuantes responsáveis na realidade queprecisamos transformar. Apostar numa formação diferenciada desseprofissional com a qualidade necessária para a questão é pensar emconhecimentos científicos e teóricos, formação prática e interventivaque permitam a reflexão/ação/reflexão e o rompimento com osinúmeros preconceitos já existentes.

Referências bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

COLLARES, C.; MOYSÉS, M. A. Preconceitos no cotidianoescolar – ensino e medicalização. Campinas: Cortez, 1996.

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FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2.ed. rev. e aum. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

GASPARIAN, M. C. C. Psicopedagogia institucional sistêmica.Contribuições do modelo relacional sistêmico para a psicopedagogiainstitucional. São Paulo: Lemos Editorial, 1997.

GUIMARÃES, K. P.; SARAVALI, E. G. Concepções dos alunosdo curso de psicopedagogia a respeito das dificuldades deaprendizagem. Educação Temática Digital, Campinas, v. 8, n.1, dez. 2006. p. 187-207.

MACEDO, L. Para uma psicopedagogia construtivista. In:ALENCAR, E. S. (Org.). Novas contribuições da psicologia aosprocessos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 1992. p.121-140.

OSTI, A. As dificuldades de aprendizagem na concepção doprofessor. 2004. 149 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas, 2004.

PASSERI, S. M. R. R. O autoconceito e as dificuldades deaprendizagem no regime de progressão continuada. 2003. 179f.Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

NOFFS, N. Psicopedagogo na rede de ensino – a trajetóriainstitucional de seus atores-autores. São Paulo: Elevação, 2003.

SARAVALI, E. G. Dificuldades de aprendizagem e interaçãosocial – implicações para a docência. Taubaté: Cabral, 2005.

SISTO, F. Dificuldades de aprendizagem. In: SISTO, F. et al.Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico.2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 19-39.

SMITH, C.; STRICK, L. Dificuldades de aprendizagem de A a Z– um guia completo para pais e educadores. Tradução: Dayse Batista.Porto Alegre: Artmed, 2001.

Recebido em: 20 de junho de 2007.Aprovado em: 01 de agosto de 2007.

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SISTO, Fermino Fernandes; MARTINELLI, Selma de Cássia. (Org.).Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagempsicopedagógica. São Paulo: Vetor Editora, 2006. 208 p.

Elaine Cristina Cabral Tassinari *

O livro Afetividade e Dificuldades de Aprendizagem: uma abordagempsicopedagógica é uma coletânea de onze estudos, na forma de capítulos,que visam investigar a relação entre fatores emocionais e as dificuldadesde aprendizagem; como nos diz os organizadores, seu objetivo éresponder a pergunta: “como se encontra o sistema emocional dascrianças que estão passando por dificuldades de aprendizagem?” (p. 9).

O fracasso escolar é algo freqüente nas escolas e a análise deseus porquês é algo que passa e já passou por diversas fases. Porexemplo, já se apontou como causas do fracasso: a falta de incentivopor parte dos professores, o uso de cartilhas para a alfabetização, ascondições sócio econômica, etc.

O livro, então, busca um outro enfoque: o de olhar como estáa criança envolvida nesse processo, como ela o encara, qual o reflexodesse problema na sua vida emocional e, também, quanto esseemocional influencia nas questões de dificuldades de aprendizagem.

Na apresentação do livro os organizadores dão um panoramageral das teorias e hipóteses levantadas sobre o tema, além dedestacarem os pontos importantes apresentados em cada capítulo dolivro, assim como, os principais resultados chegados por cada autor.

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano V n. 9 p. 269-274 2007

* Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus deMarília-SP. E-mail: [email protected]

RESENHA

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Os textos são breves e mostram pesquisas psicopedagógicas, muitaspor questionários e testes psicológicos.

Um dos méritos da obra é proporcionar ao leitor uma visãodiversa dos fatores emocionais envolvidos no processo deaprendizagem, além de mostrar a multiplicidade de relaçõesestabelecidas entre esses fatores, tendo como ponto comum, aperspectiva psicopedagógica.

No capítulo O papel das relações sociais na compreensão do fracassoescolar e das dificuldades de aprendizagem de Fermino Fernandes Sisto eSelma de Cássia Martinelli, o fracasso escolar é abordado tendo comoenfoque as relações sociais, mostrando a sua importância para odesenvolvimento cognitivo. Vários estudos e teorias são citados. Umresultado importante que se pode inferir a partir do texto é que: quantomais a criança é aceita pelo seu meio, menor será a sua dificuldade deaprendizagem e, quanto maior a rejeição, menor é seu desempenhoacadêmico.

O capítulo A afetividade no jogo de regras de Betânia Alves VeigaDell’Agli e Rosely Palermo Brenelli mostra-nos a estreita ligaçãoentre a cognição e a afetividade tendo como base a teoria de JeanPiaget sobre a afetividade e sobre o uso dos jogos. As autorasmostram, por meio de estudo de caso, a importância dos jogos parao desenvolvimento das crianças nas diversas fases de seudesenvolvimento.

A interação professor-aluno, fator importante para odesenvolvimento afetivo e cognitivo das crianças, é analisada no textoFracasso escolar: um olhar sobre a relação professor-aluno, de Selma de CássiaMartinelli, e, principalmente, essa interação é discutida nos casos defracasso escolar. No capítulo, são levantados dados sobre ocomportamento dos professores em relação a alunos que aprendemcom facilidade e a alunos que apresentam dificuldades. Um dos pontosa que chega o estudo apresentado é que “é importante ao professortanto o autoconhecimento quanto o conhecimento da importância eas conseqüências de seu comportamento no de seus alunos,

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271Resenha

capacitando-os, dessa forma, para alterar a dinâmica das relaçõesestabelecidas em sala de aula” (p. 53).

Algumas relações entre aprendizagem e sentimentos, comoalegria, tristeza, medo e coragem, são estabelecidas no quarto capítuloAlegria, tristeza, medo e coragem em crianças com dificuldades de aprendizagemde Gisele A. Patrocino Bazi e Fermino Fernandes Sisto. Nessetrabalho, os autores procuram, por meio de testes psicológicos emcrianças de séries iniciais, elementos que permitem estabelecer asrelações entre aprendizagem e os sentimentos citados. Dentre outrosresultados, as pesquisas indicam que crianças com dificuldades deaprendizagem apresentam um quadro de maior tristeza, angústia emedo e que, para os autores, o sentimento de alegria mostrou-sepropício para a aprendizagem.

No texto A transmissão dos sinais emocionais pelas crianças deGislene de Campos Oliveira, a autora analisa alguns aspectos afetivosque podem interferir na aprendizagem escolar e o papel do corpocomo veículo para expressar essas emoções. Dentre as emoçõesanalisadas estão a raiva, a agressividade, o medo, a inibição e a timidez,o stress infantil, a ansiedade, a baixa auto-estima. Ao final do capítulo,a autora discute o papel da psicomotricidade como instrumento quepermite à criança aprender a lidar com suas emoções.

Em Avaliação dos aspectos afetivos envolvidos nas dificuldades deaprendizagem, Acácia Aparecida Angeli dos Santos, Fábian JavierMarín Rueda e Daniel Bartholomeu buscam diferenciar problemasemocionais em crianças com e sem dificuldade de leitura, bem comoeventuais diferenças vinculadas ao gênero. Através de suas pesquisas,com testes psicológicos, os autores detectaram que, nos meninos, éestatisticamente significativa a relação entre os problemasemocionais (tais como insegurança, retraimento, timidez,sentimentos de inadequação e preocupação com o ambiente) e oserros de leitura, inferindo que quanto mais problemas emocionais,mais problemas na leitura; no caso das meninas, não se constatouser estatiscamente significativa essa relação.

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Fábian Javier Marín Rueda, Daniel Bartholomeu e FerminoFernandes Sisto, no capítulo Emotividade e aprendizagem da escrita,destacam a relevância de uma disposição positiva para o aprendizado;além disso, os autores expõem diversas teorias que têm como foco arelação de variáveis emocionais (como, por exemplo, a ansiedade) e aaprendizagem. O estudo realizado pelos autores apresenta relaçõesentre problemas emocionais (tais como, instabilidade emocional,imaturidade, ansiedade, impulsividade, agressividade, maioresnecessidade de realização e baixo conceito) e o baixo desempenhoacadêmico. Constatam, ainda, que erros de escrita estão associados aproblemas emocionais de forma que, quanto mais dificuldades deaprendizagem da escrita, mais se agravam os problemas emocionais.Um dos aspectos importantes a se ressaltar, nesse estudo, é aidentificação, somente em meninos e não em meninas, de que háuma correlação entre problemas na aprendizagem da escrita eproblemas emocionais; fato que, segundo eles, demandam maispesquisas para sua averiguação.

Edna Rosa Correia Neves e Evely Boruchovitch, em seu textoAs orientações motivacionais do aluno: um olhar do ponto de vista das emoções,objetivam investigar, através de testes e entrevista, “as orientaçõesmotivacionais intrínsecas e extrínsecas dos estudantes e as emoçõespositivas e negativas relacionadas à aprendizagem escolar” (p. 123).No decorrer do trabalho, as autoras apresentam também pesquisas eresultados já obtidos sobre o tema que revelam a importância dasemoções positivas na relação ensino-aprendizagem. No final docapítulo, as autoras chegam à conclusão que, de modo geral, osresultados confirmam o importante papel das emoções na motivaçãoe no desempenho dos estudantes em situações acadêmicas, e sugeremque os educadores devem ficar atentos às influências que asorientações motivacionais e as emoções têm sobre o desenvolvimentoe aprendizagem dos alunos.

Em seu texto Percepção de autocontrole e desempenho acadêmico deadolescentes, Selma Martinelli, Aleksandro Barbosa e Fermino Fernandes

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273Resenha

Sisto, definem autocontrole como sendo “uma variável que pode servista como uma forma de controlar o próprio comportamento emsituação de conflito, de acordo com padrões definidos pela sociedade”(p. 145), e, a partir daí, procuram verificar a importância desse fatorpara o processo de aprendizagem. Esses estudos levaram os autoresa constatar a presença e a influência do autocontrole em várias esferasda vida do estudante, e em diversos contextos como, por exemplo, oautocontrole pessoal, ligado ao desempenho matemático, oautocontrole familiar, que se mostrou ligado ao aprendizado deportuguês, e o autocontrole social, que mostrou não influenciar nocontexto escolar.

Lucila Diehl Tolaine Fini e Geiva Carolina Calsa tratam damotivação para o aprendizado em seu trabalho intitulado Matemáticae afetividade: aluno desinteressado no ensino fundamental? Uma das idéiasdefendidas pelas autoras é a de que uma disposição favorável aoaprender é um fator determinante para se obter sucesso naaprendizagem. Nesse texto, as autoras procuram desvendar a relaçãoentre a dificuldade de aprender matemática e as relações afetivas,além de mostrarem como o aluno motivado pode mudar a sua situaçãoe a sua visão sobre a matemática, superando assim, suas dificuldades.Relatam, ainda, que através de intervenção psicopedagógica, criançascom dificuldades de aprender matemática superam suas dificuldades;nessa intervenção são utilizadas histórias em quadrinhos, com ointuito de envolver as crianças nos problemas matemáticos e, assim,ensiná-las a resolvê-los; como resultado, as crianças resolveram seusconflitos cognitivos e passaram a gostar de matemática.

No último capítulo do livro Sintomas depressivos e as estratégias deaprendizagem em alunos de ensino fundamental: uma análise qualitativa, deMiriam Cruvinel e Evely Boruchovitch, as autoras procuramestabelecer e identificar estratégias de aprendizagem utilizadas poralunos com dificuldades de aprender e com problemas emocionais,como, por exemplo, depressão. Entre outras questões, perguntam-seaté que ponto fatores emocionais podem interferir no uso e escolha

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dessas estratégias. Sugerem que, através dessa determinação deestratégias, faz-se possível uma intervenção, a fim de melhorar odesempenho acadêmico dos alunos e interferir também nos seussintomas emocionais.

O livro, como podemos ver, faz uma cobertura ampla do tema,por abordar vários aspectos da relação entre os fatores emocionais eas dificuldades de aprendizagem; mas, ao mesmo tempo, ésuficientemente profundo e nos fornece dados importantes para acompreensão dessa relação, além de expor diversas reflexões,pesquisas e sugerir algumas formas de intervenção junto ao problema.Fornece, ainda, aos profissionais da área, uma abordagem das novasperspectivas dos estudos sobre dificuldades de aprendizagem e, aoleitor não especializado, que se interessa pelo tema, um panorama defácil compreensão das pesquisas atuais.

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Periódicos permutados

Cadernos de Educação (UFPel/Pelotas-RS)Análogos (PUC-RJ)Análise & Síntese (Faculdade São Bento/Salvador-BA)Educação em Revista (UFMG/B. Horizonte-MG)Revista Comunicações (UNIMEP/Piracicaba-SP)Ethica – Cadernos Acadêmicos (UGF/Rio de Janeiro-RJ)Ícone Educação (UNITRI/Uberlândia-MG)Proposições (UNICAMP/Campinas-SP)Hispeci & Lema (FAFIBE/Bebedouro-SP)BIOETHIKOS (Centro Universitário São Camilo/São Paulo-SP)Práxis Educativa (UEPG/Ponta Grossa-PR)Revista Educação (PUC/Porto Alegre-RS)EccoS – Revista Científica (UNINOVE/São Paulo-SP)Educação em Questão (UFRN/Natal-RN)BOLEMA – Boletim de Educação Matemática (UNESP/Rio Claro-SP)Educação e Pesquisa (USP/São Paulo-SP)Dialogia (UNINOVE/São Paulo-SP)Educere – Revista da Educação (UNIPAR/Umuarama-PR)Revista de Educação Pública (UFMT/Cuiabá-MT)Revista Diálogo Educacional (PUC/Curitiba-PR)Ciência & Educação (UNESP/Bauru-SP)Comunicação & Educação (USP/São Paulo-SP)SIGNOS (UNIVATES/Lajeado-RS)Estudos em Avaliação Educacional (Fundação Carlos Chagas/São Paulo-SP)Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais (UFSJ/São João del-Rei-MG)Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas/São Paulo-SP)Estudos de Psicologia (PUC/Campinas-SP)Revista da SPAGESP (SPAGESP/Ribeirão Preto-SP)Revista Educação (UFSM/Santa Maria-RS)

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Normas para publicação de trabalhos

O APRENDER é uma publicação que pretende divulgar trabalhossobre o processo educacional em suas variáveis filosóficas e psicológicas oucontribuições de outras áreas do saber.

Por abranger diversas áreas de conhecimento, esta revista define algunsenfoques temáticos para melhor orientar o conteúdo dos trabalhos candidatosà publicação.

Filosofia da Educação:• A aprendizagem como problema filosófico: como e em que condições

se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.• A Filosofia e a instituição escolar.• Abordagem teórica das diferentes escolas pedagógicas.• Diferentes conceitos e concepções de educação.• Educação e Filosofia: as correntes filosóficas e sua relação com a idéia

de formação e os processos educacionais.• Ética e Educação: a ética como fundamento para a formação e a

aprendizagem, a ética profissional do educador, entre outras abordagens.• Teorias da Pesquisa em Educação.• Educação e Política: o caráter formador e transformador da educação

em seus aspectos político e filosófico.• O papel da Filosofia nas transformações da educação contemporânea.• Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos filosóficos.

Psicologia da Educação:• A aprendizagem como problema psicológico: como e em que condições

se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.• Aspectos psicológicos voltados para o estudo do campo das necessidades

educativas especiais: dificuldades de aprendizagem, educação especial,preparo e formação de professores, entre outros pontos de vista.

• As escolas psicológicas e sua relação com os processos educacionais.• Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos psicopedagógicos.• Psicanálise e Educação.• Psicologia Escolar/Educacional: trabalho docente, processo ensino-

aprendizagem, aquisição da leitura e da escrita, interação professor-aluno,cultura escolar, atuação do psicólogo na escola, entre outros pontos.

• Psicologia do Desenvolvimento e Educação: aspectos psicomotores,afetivos, cognitivos, lingüísticos, sociais, culturais e familiares.

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• Relações humanas na escola.• Sociedade e Educação: fatores psicossociais e de formação do sujeito.• Trabalho e Educação.

Obs.: Somente são aceitos trabalhos que se enquadram em um ou mais dosenfoques temáticos citados.

Envio dos TrabalhosSão recebidos para publicação artigos, ensaios, debates, resenhas,

traduções, entrevistas, relatos de caso, etc. Os textos enviados para análisedevem ser escritos em português, espanhol, inglês ou francês.

Os trabalhos candidatos à publicação devem ser enviados por e-mail,com o texto anexo, para os seguintes endereços eletrônicos:[email protected] e [email protected]; ou pelo correio, com umacópia impressa e uma cópia em disquete, para o endereço abaixo:

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da EducaçãoEstrada do Bem-Querer, km 4.45083-900 – Vitória da Conquista – BahiaTanto no envio por endereço eletrônico como pelo correio, os trabalhos

devem ser acompanhados de uma folha à parte, em que constem os seguintesdados de identificação:

• Título, resumo e palavras-chave no idioma do texto.• Nome completo do(a)(s) autor(a)(es).• Maior titulação (com indicação da área de conhecimento e nome da

instituição).• Instituição de origem e função que está exercendo.• Endereço eletrônico e telefone.

Formato dos Trabalhos1. Os trabalhos devem ser digitados em Word for Windows e apresentados

segundo as especificações a seguir: Artigos – 20 páginas, não incluídas as referências bibliográficas; Resenhas – cinco páginas; Entrevistas e debates – dez páginas; Traduções – 20 páginas.

2. A configuração do texto deve ser conforme as seguintes especificações: papel tamanho A4 (21 X 29,7), margens superior, inferior e laterais

de 2 centímetros, espaçamento entre as linhas de 1,5 centímetro ealinhamento justificado.

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3. O título do trabalho deve ser em fonte Times New Roman, tamanho 12,negrito e caixa alta, centralizado no alto da página inicial.

4. Dois espaços abaixo do título do trabalho, deve vir o nome do(s) autor(es)em fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico, alinhado à direita dapágina, seguido de asterisco, e, em nota de rodapé, deve-se indicar amaior titulação (com a área de conhecimento e a instituição na qual foiobtida), a instituição a que o(s) autor(es) se encontra(m) vinculado(s) eendereço eletrônico.

5. Para artigo, dois espaços abaixo da indicação do(s) autor(es), deve vir oResumo, no idioma da redação, acompanhado das palavras-chave (máximode cinco). O título, o resumo e as palavras-chave precisam ser traduzidospara o inglês (Abstract e Key Words) ou francês (Résumé e Mots-clés).

6. O Resumo (bem como o respectivo Abstract ou Résumé ) deve ter nomínimo 40 palavras e no máximo 100 palavras e ser redigido em um sóparágrafo.

7. Subtítulos devem vir em fonte Times New Roman, tamanho 12, em negrito,somente com as primeiras letras maiúsculas e alinhados à esquerda dapágina (não devem ser numerados).

8. As citações e referências bibliográficas devem seguir as normas daAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

9. Figuras e fotos, se houver, devem vir no corpo do texto, no local desejadopelo autor, em preto e branco.

10. Gráficos, se houver, devem ser apresentados no final do trabalho, empreto e branco, de maneira legível e com indicações e/ou legendas porextenso.

Avaliação dos trabalhosOs trabalhos candidatos à publicação são avaliados quanto a sua

qualidade e originalidade, por especialistas do assunto abordado. A escolha dospareceristas é feita, preferencialmente, entre os membros que compõem oConselho Editorial da revista.

RevisãoOs trabalhos aceitos para publicação serão submetidos à revisão de

linguagem. O APRENDER reserva-se o direito de realizar alterações sugeridaspela revisão que não impliquem alterações no conteúdo. Os casos especiaisserão comunicados ao(s) autor(es), para sua avaliação.

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Direitos autoraisO APRENDER detém os direitos autorais dos trabalhos publicados,

que não poderão ser reproduzidos sem autorização expressa dos editores.

ResponsabilidadeO conteúdo expresso nos textos publicados é de responsabilidade

exclusiva de seus autores.

Exemplares do autorCada autor terá direito a três exemplares do número correspondente à

publicação do seu texto.

Aquisição de exemplares• Catálogo on line: www.uesb.br/editora• E-mails: [email protected], [email protected] e [email protected]

PermutasAceitam-se permutas com periódicos nacionais e estrangeiros,

preferencialmente nas áreas de Educação, Filosofia e Psicologia.Os contatos para esse fim podem ser feitos por meio dos endereços

eletrônicos: [email protected] e [email protected].

APRENDER - CADERNO DE FILOSOFIA E PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃOUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)Estrada do Bem-Querer, km 4

45083-900 - Vitória da Conquista – Bahia

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EQUIPE TÉCNICA

COORDENAÇÃO EDITORIAL E NORMALIZAÇÃO TÉCNICA

Jacinto Braz David Filho

CAPA

Luiz Evandro de Souza RibeiroDRT - 2535

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E ACOMPANHAMENTO GRÁFICO

Ana Cristina Novais MenezesDRT - 1613

REVISÃO DE LINGUAGEM (TEXTOS EM PORTUGUÊS)Eliane Giachetto SaravaliConselho Editorial (UNESP-Marília, SP)Leonardo Maia Bastos MachadoEditor responsável

Na tipologia Garamond 11/15/papel offset 90g/m²Em janeiro de 2008.