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1 A nova “Lei de Adoção”/Lei da Convivência Familiar e suas implicações: algumas questões a serem respondidas 1 : Pergunta: A implementação de uma política pública especificamente destinada à efetivação do Direito à Convivência Familiar de crianças e adolescentes é obrigatória? Resposta: Positivo. A rigor, para cada direito fundamental relacionado no art. 4º, do ECA (bem como no art. 227, da CF), dentre os quais se inclui o direito à convivência familiar, corresponde o dever do Poder Público assegurar a plena efetivação, através de uma política pública intersetorial específica, que possui alguns de seus componentes relacionados no próprio ECA (traduzidos em ações, serviços e programas de atendimento, que por sua vez correspondem às medidas de proteção, socioeducativas e destinadas aos pais ou responsável, nos moldes dos arts. 101, 112 e 129, do ECA) e em outras normas. Assim sendo, cabe ao Poder Público proporcionar - e assim deve fazê- lo espontaneamente - a plena efetivação de tais direitos (como aliás consta de maneira expressa da redação do art. 4º, do ECA), por intermédio de políticas públicas materializadas nas mais diversas ações, programas e serviços a serem implementados com a mais absoluta prioridade, numa perspectiva eminentemente preventiva e coletiva (inclusive sob pena de responsabilidade pessoal (administrativa, civil - inclusive por dano moral individual e/ou coletivo e mesmo criminal) do agente omisso, nos moldes do previsto nos arts. 5º, 208 e 216, do ECA, sem prejuízo do ajuizamento de demanda específica quanto à obrigação de fazer/não fazer. A chamada "rede de proteção à criança e ao adolescente" que todo município tem o DEVER de instituir nada mais é do que a articulação de tais ações, programas e serviços, bem como dos órgãos públicos encarregados de sua execução (assim como daqueles responsáveis pela aplicação das medidas respectivas), nos moldes do previsto no art. 86, do ECA. Cada órgão ou serviço público deve ter um setor responsável pelo atendimento (diferenciado e especializado) de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, e deve estabelecer um “canal de comunicação” com os demais integrantes da “rede”, identificando e estabelecendo “referenciais” (pessoas ou setores) e elaborando “protocolos de atendimento” intersetorial, de modo que, sempre que surgir determinada demanda, já se saiba (ao menos em linhas gerais) o que fazer, sem jamais perder de vista a necessidade da realização de avaliações técnicas (também interprofissionais) capazes de descobrir as causas do problema, que deverão ser “neutralizadas” pela intervenção estatal protetiva (que deverá se estender à família do atendido). A nova "Lei de Adoção"/Lei da Convivência Familiar (Lei nº 12.010/2009), além de dispor, de maneira expressa, que o não oferecimento ou a oferta irregular "de ações, serviços e programas de orientação, apoio e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes", dá ensejo à RESPONSABILIDADE civil e 1 Algumas das questões aqui respondidas foram formuladas e respondidas por ocasião do Curso de Vitaliciamento de Promotores Substitutos, promovido pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado do Paraná, bem como em outras atividades próprias do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.

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A nova “Lei de Adoção”/Lei da Convivência Familiar e suas implicações: algumas questões a serem respondidas 1: Pergunta: A implementação de uma política pública e specificamente destinada à efetivação do Direito à Convivência Fam iliar de crianças e adolescentes é obrigatória? Resposta: Positivo. A rigor, para cada direito fundamental relacionado no art. 4º, do ECA (bem como no art. 227, da CF), dentre os quais se inclui o direito à convivência familiar, corresponde o dever do Poder Público assegurar a plena efetivação, através de uma política pública intersetorial específica, que possui alguns de seus componentes relacionados no próprio ECA (traduzidos em ações, serviços e programas de atendimento, que por sua vez correspondem às medidas de proteção, socioeducativas e destinadas aos pais ou responsável, nos moldes dos arts. 101, 112 e 129, do ECA) e em outras normas. Assim sendo, cabe ao Poder Público proporcionar - e assim deve fazê-lo espontaneamente - a plena efetivação de tais direitos (como aliás consta de maneira expressa da redação do art. 4º, do ECA), por intermédio de políticas públicas materializadas nas mais diversas ações, programas e serviços a serem implementados com a mais absoluta prioridade, numa perspectiva eminentemente preventiva e coletiva (inclusive sob pena de responsabilidade pessoal (administrativa, civil - inclusive por dano moral individual e/ou coletivo e mesmo criminal) do agente omisso, nos moldes do previsto nos arts. 5º, 208 e 216, do ECA, sem prejuízo do ajuizamento de demanda específica quanto à obrigação de fazer/não fazer. A chamada "rede de proteção à criança e ao adolescente" que todo município tem o DEVER de instituir nada mais é do que a articulação de tais ações, programas e serviços, bem como dos órgãos públicos encarregados de sua execução (assim como daqueles responsáveis pela aplicação das medidas respectivas), nos moldes do previsto no art. 86, do ECA. Cada órgão ou serviço público deve ter um setor responsável pelo atendimento (diferenciado e especializado) de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, e deve estabelecer um “canal de comunicação” com os demais integrantes da “rede”, identificando e estabelecendo “referenciais” (pessoas ou setores) e elaborando “protocolos de atendimento” intersetorial, de modo que, sempre que surgir determinada demanda, já se saiba (ao menos em linhas gerais) o que fazer, sem jamais perder de vista a necessidade da realização de avaliações técnicas (também interprofissionais) capazes de descobrir as causas do problema, que deverão ser “neutralizadas” pela intervenção estatal protetiva (que deverá se estender à família do atendido). A nova "Lei de Adoção"/Lei da Convivência Familiar (Lei nº 12.010/2009), além de dispor, de maneira expressa, que o não oferecimento ou a oferta irregular "de ações, serviços e programas de orientação, apoio e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes", dá ensejo à RESPONSABILIDADE civil e

1 Algumas das questões aqui respondidas foram formuladas e respondidas por ocasião do Curso de Vitaliciamento de Promotores Substitutos, promovido pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado do Paraná, bem como em outras atividades próprias do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.

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administrativa do GESTOR da política pública correspondente (cf. arts. 208, inciso IX c/c 216, do ECA), incorporou ao ECA alguns princípios relativos à intervenção estatal que reforçam tal idéia, valendo observar o contido no art. 100, par. único, do ECA, assim como dispositivos como o art. 90, §2º e 260, §5º, também do ECA, que reafirmam a necessidade (já contemplada pelo art. 4º, par. único, alínea "d", do mesmo Diploma Legal) de investimento de recursos públicos ORÇAMENTÁRIOS - em caráter prioritário, como anteriormente mencionado, para fazer valer tais disposições. A idéia, portanto, é "chamar à responsabilidade" (literalmente) o Prefeito e os representantes dos diversos órgãos públicos, de modo que cada qual dê sua parcela de contribuição para efetiva solução dos problemas enfrentados pela população infanto-juvenil local, e não se limitem a "fazer de conta" que "o problema não é deles", e sim "apenas" do Ministério Público e Poder Judiciário, que não mais podem ficar "isolados" e/ou serem os únicos responsáveis pelo "atendimento" (meramente "formal", posto que sem uma estrutura adequada muito pouco ou nada poderão fazer) das crianças e adolescentes que já se encontram com seus direitos violados (se limitando a tentar "apagar incêndios" com conta-gotas), tal qual ocorria sob a égide do revogado "Código de Menores". Sobre a possibilidade de responsabilização civil, por dano moral, colacionamos o seguinte aresto: CONTRATAÇÃO DE APRENDIZ. OBRIGAÇÃO LEGAL. DESCUMPRIMENTO. DANOS MORAIS COLETIVOS. O descumprimento da obrigação de contratar aprendizes implica lesão a um número indeterminado de menores, não identificáveis, que poderiam ser contratados como aprendizes nos estabelecimentos do réu, além de provocar prejuízo à sociedade como um todo, que tem total interesse na profissionalização dos jovens brasileiros. Logo, responde por danos morais coletivos o empregador que não observa a responsabilidade atribuída pelo art. 429 da CLT c/c o art. 227 da CR. (TRT-3ª Reg. 5ª T. Ac. nº 00518-2008-022-03-00-0 RO. Rel. Des. José Murilo de Morais. J. em 27/01/2009). Pergunta: O que fazer quando a mãe social que atend e a casa-lar do município apresenta problemas e tem que ser afastad a? Segundo consta, a mesma exerce um cargo comissionado, e não possui qualquer qualificação para atender crianças e adolescente (r essalvado o fato de ser mãe de duas crianças)? Resposta: A situação relatada é bem o exemplo de como muitos municípios tratam a área da infância e juventude: com improviso e descaso, como se bastasse disponibilizar um espaço físico qualquer e alguém de “boa vontade” para “tomar conta” das crianças e adolescentes acolhidas, sem qualquer critério de seleção, qualificação prévia ou mesmo apoio externo. O que o município parece estar fazendo é um “arremedo” de “acolhimento familiar”, porém, salvo engano, sem qualquer planejamento e/ou sem qualquer proposta de atendimento, deixando a “mãe social” (se é que assim se pode dizer) absolutamente “isolada” (ou “abandonada à própria sorte”, como se isto bastasse e/ou fosse razoável para enfrentar os desafios que o acolhimento de crianças e adolescentes representa. A rigor nem é possível dizer que a pessoa que “cuida” das crianças na referida “casa lar”, de fato, é uma “mãe social”, pois esta tem sua atividade regulamentada por Lei Federal (Lei nº 7.644, de 18

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de dezembro de 1987), sendo a competência legislativa municipal meramente suplementar à Legislação Federal (não podendo dispor de maneira contrária à esta). De qualquer modo, é preciso considerar que a Lei Federal que dispõe sobre a “mãe social” é antiga (anterior à promulgação do ECA), e deve ser interpretada à luz da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente” (de modo a corrigir eventuais distorções presentes em seu texto), sendo imprescindível que o município, ao selecionar a “mãe social” ou “pai social” (e deve fazê-lo via concurso público, não sendo admissível que o cargo seja “comissionado”, em razão não apenas da necessidade de uma seleção criteriosa, mas também da necessidade de que haja estabilidade na função, dados os possíveis vínculos que serão estabelecidos com as crianças/adolescentes acolhidos), exija dos candidatos algumas das qualificações acima referidas e providencie sua devida capacitação, posto que a tarefa não é nada fácil, em especial se considerarmos as faixas etárias diversas e as carências (inclusive de ordem emocional) apresentadas pelas crianças e adolescentes com as quais irão lidar. O “perfil” psicológico do candidato, aliás, é um dos aspectos mais importantes a analisar, pois de modo algum podemos permitir que exerça a função alguém que vai praticar violência ou abuso contra os acolhidos, ou mesmo que seja permissivo demais com estes. A rigorosa e criteriosa seleção, no entanto, não impede que seja exercida a fiscalização permanente da entidade e seus funcionários, tanto pelo Ministério Público quanto pelo Judiciário e pelo Conselho Tutelar, a teor do disposto no art. 95, do ECA, sempre lembrando que a casa-lar (que na verdade é uma entidade de acolhimento) não se constitui num mero “depósito” de crianças (como muitos Prefeitos desavisados imaginam) e que as mães ou pais sociais não são “carcereiros” e/ou “flanelinhas”, que apenas vão “tomar conta” de um “objeto” qualquer. As casas-lares devem, concretamente, apresentar um ambiente similar ao ambiente familiar, e as mães sociais e pais sociais devem contar com o apoio de outros servidores e técnicos da área social (na forma da Lei nº 8.069/90 é necessário que os programas de acolhimento institucional ou familiar tenham à disposição uma equipe técnica interdisciplinar, que no caso de programas oficiais podem ser os mesmos técnicos que atuam em outros programas de atendimento, desde que haja compatibilidade de horários de atuação), assim como é fundamental articular ações (cf. arts. 86 e 88, inciso VI, do ECA) entre a casa-lar e outros “equipamentos” da “rede de proteção à criança e ao adolescente” que o município tem o dever de instituir e manter. Já foi dito que a casa-lar (assim como a mãe ou pai social) não podem ficar “isolados” (mas sim devem se integrar à referida “rede de proteção” e aos técnicos, programas e serviços públicos que a integram), sendo também certo que, a rigor, todos os responsáveis pelas crianças e adolescentes acolhidas devem ser vistos como educadores (no sentido amplo preconizado pelo art. 205, da Constituição Federal), que devem possuir a devida qualificação e precisam agir com profissionalismo (sem descuidar do carinho e do respeito com o qual devem tratar os acolhidos), não havendo espaço para o amadorismo e a improvisação que tantos problemas causaram e continuam causando. O mesmo entendimento é válido quando do desenvolvimento de um verdadeiro programa de acolhimento familiar, que não é sinônimo de mera colocação de uma criança ou adolescente aos cuidados de uma pessoa ou família qualquer, sem qualquer preparação prévia ou apoio externo. Tanto no caso da casa-lar (ou qualquer outro nome que se dê a um programa de

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acolhimento familiar) quanto no caso de um programa de famílias acolhedoras, é fundamental que seja elaborado um projeto específico, a partir da intervenção de técnicos da área social, com respaldo nas normas e princípios aplicáveis (incluindo as diretrizes estabelecidas no “Plano Nacional” elaborado em parceria entre o CONANDA e o CNAS, destinado a dar plena efetivação ao direito à convivência familiar de todas as crianças e adolescentes). É também preciso ficar claro que, mais do que um “programa” de acolhimento, é necessário a elaboração e implementação de toda uma política pública intersetorial comprometida com a plena efetivação do direito à convivência familiar de todas as crianças e adolescentes (nos exatos moldes do preconizado pelo art. 4º, caput e 19 e seguintes, do ECA). Assim sendo, a partir de uma atuação responsável do CMDCA (preferencialmente em parceria com o CMAS), bem como da Prefeitura e do gestor da área da assistência social do município, deve-se providenciar não apenas a criação de uma “casa-lar” ou outra(s) entidade(s) de acolhimento, mas também a elaboração de uma política pública mais ampla, tendo por base o citado "Plano Nacional de Garantia do Direito à Convivência Familiar", que compreenda ações de prevenção ao acolhimento institucional (através, dentre outras, da implementação de programas de orientação e apoio às famílias, planejamento familiar etc.) e também voltadas à reintegração familiar e à colocação em família substituta (em suas diversas modalidades - guarda, tutela e adoção) das crianças e adolescentes acolhidos que, por qualquer razão, não possam ser reintegrados às duas famílias de origem. A "política" para o setor não pode ser restrita à criação e manutenção de "programas" de acolhimento (até porque estes pouco ou nada resolvem, e podem trazer problemas adicionais para as crianças e adolescentes acolhidos), e pressupõe o envolvimento direto dos mais diversos setores da administração municipal e órgãos de proteção e defesa dos direitos de criança e do adolescente. A pura e simples criação de um programa de acolhimento institucional poderá, por si só, "gerar a demanda" para novos acolhimentos, razão pela qual deve ser acompanhada de outras ações, programas e serviços, voltados à referida prevenção e ao atendimento das famílias, assim como à criação de "alternativas" ao acolhimento institucional, como os programas de acolhimento familiar (nos moldes do programa "família acolhedora") e de "guarda subsidiada" (nos moldes do previsto nos arts. 34, caput e 260, §2º, do ECA e art. 227, §3º, inciso VI, da Constituição Federal). De qualquer modo, embora os programas de acolhimento institucional nunca possam ser vistos como uma “solução” para os problemas de crianças e adolescentes que se encontram em famílias humildes e/ou desestruturadas, não raro acabam sendo um “mal necessário” (especialmente quando a criança ou adolescente não se encontra inserida num contexto familiar, evadiu-se de casa ou em qualquer outra situação que demanda um acolhimento de curta duração), sendo certo que a referida “política” deve contemplar estruturas destinadas ao atendimento de todas as faixas etárias (desde crianças recém nascidas a jovens adultos, abrigados ainda crianças ou adolescentes, cuja “criação e educação” foi “assumida” pelo Estado ou entidades a ele relacionadas), podendo inclusive haver a previsão (e isto deve ocorrer preferencialmente, por sinal), da criação de unidades diversas, para atender gêneros e faixas etárias diversas. Mesmo que não haja demanda para tanto, a estrutura a ser criada deve contemplar tal separação (ainda que em “alas” diversas de uma mesma entidade), com a contratação/

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lotação/capacitação de profissionais e técnicos capazes de atender desde situações mais simples (como o acolhimento temporário de uma criança de um ano de idade), até mais complexas (como o acolhimento prolongado de adolescentes de 16 ou 17 anos com “histórico” de uso de drogas e prática de atos infracionais), sem prejuízo da necessária articulação de ações com outros programas, serviços e “equipamentos” integrantes da política destinada à garantia do direito à convivência familiar, que a partir da Lei nº 12.010/2009, todo município tem o DEVER de elaborar e implementar, inclusive sob pena de RESPONSABILIDADE (pessoal) do gestor (tal qual dispõem de maneira expressa os arts. 5º, 87, incisos VI e VII, 208, caput e inciso IX e - especialmente - 216, do ECA). Vale dizer que a referida “distribuição de tarefas” entre os diversos equipamentos existentes (inclusive a desejável separação de meninos e meninas, crianças de adolescentes, “repúblicas” para jovens adultos etc.) deve ser acompanhada da devida estruturação e adequação de cada órgão/entidade/programa/serviço e contemplar a realização de atividades conjuntas entre os diversos acolhidos - especialmente quando pertencentes a grupos de irmãos - e entre estes e a comunidade - para evitar seu “isolamento”, tudo em respeito aos princípios estabelecidos nos arts. 86; 88, inciso VI; 92 e 100, caput e par. único, do ECA. . Pergunta: Esta lei trouxe maior morosidade ao proce dimento de adoção? Por que? Resposta: A nova “Lei de Adoção” (Lei nº 12.010/2009 - que na verdade deveria ser chamada de “Lei da Convivência Familiar” devido à sua maior abrangência e seus objetivos declarados2), de maneira alguma trouxe maior morosidade ao procedimento de adoção. Muito pelo contrário. O parágrafo único, acrescido ao art. 152, da Lei nº 8.069/90, com a redação dada pela nova lei, passou a dispor de maneira expressa que “é assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes”, tendo o art. 163, caput estatutáriofixado em 120 (cento e vinte) dias o prazo máximo para conclusão do processo de destituição do poder familiar. O procedimento de colocação de criança ou adolescente em família substituta propriamente dito (arts. 165 a 170, da Lei nº 8.069/90) teve apenas alterações superficiais, basicamente no art. 166 do ECA, na parte relativa à coleta do consentimento com a adoção junto aos pais, na perspectiva de assegurar sejam estes orientados (inclusive por intermédio de equipe interprofissional) acerca das consequências da medida e possam refletir a respeito, sendo-lhes apresentadas alternativas à entrega de seus filhos para adoção. Tais cautelas são mais que justificadas (e mesmo necessárias, dada constatação de que o direito que está em jogo tem como titular a criança, da qual os pais não podem “dispor” como bem entenderem), sendo decorrência natural do disposto nos arts. 19, caput e §3º, 100, caput e par. único, incisos I, IV e IX a XII, da Lei nº 8.069/903. A mudança mais significativa, mas que não importa em maior “morosidade” no procedimento de adoção (mas apenas faz com que este seja conduzido com maior responsabilidade), diz respeito à

2 Valendo neste sentido observar o disposto no art. 1º, da Lei nº 12.010/2009. 3 Com a nova redação dada pela Lei nº 12.010/2009, como serão os demais dispositivos doravante também tratados.

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prévia habilitação dos postulantes à medida, que passa a ser regulada por um procedimento próprio (arts. 197-A a E, da Lei nº 8.069/90) e pressupõe a oferta, pelo Poder Judiciário (ainda que em parceria com os órgãos encarregados da política municipal de garantia do direito à convivência familiar - cuja elaboração e implementação passa a ser obrigatória, inclusive sob pena de responsabilidade - cf. arts. 87, incisos V e VI e 208, inciso IX c/c 216, todos da Lei nº 8.069/90) de um curso ou programa destinado à preparação psicossocial dos pretendentes à medida (arts. 50, §§3º e 4º e 197-C, da Lei nº 8.069/90), inclusive na perspectiva de estimular a adoção de crianças maiores de três anos e adolescentes, que tenham algum tipo de deficiência e/ou sejam pertencentes a grupos de irmãos (que representam hoje o maior contingente de abrigados em todo o País). Importante não negligenciar a importância do procedimento de habilitação à adoção, dada necessidade de avaliar a idoneidade, motivação e, acima de tudo, o preparo dos pretendentes à adoção para assumir os encargos (perpétuos) da medida, valendo lembrar que a adoção é medida irrevogável, que visa satisfazer os interesses da criança ou adolescente adotando, e não dos adultos adotantes, e o deferimento da adoção a pessoas despreparadas pode trazer graves prejuízos aos adotados, que cabe à Justiça da Infância e da Juventude evitar venham a ocorrer (daí porque o art. 28, §5º, da Lei nº 8.069/90 prevê a necessidade de acompanhamento posterior das colocações familiares efetuadas, devendo, conforme o caso, ser os pais encaminhados a programas complementares de orientação e apoio). Com a nova sistemática, a adoção por pessoas ou casais não habilitados e cadastrados passa a ser permitida apenas nas hipóteses restritas do art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90. Pergunta: Como deve o Ministério Público proceder d iante de crianças acolhidas numa instituição que apresentam comportam ento agressivo e tem dificuldade de acatar as normas da entidade? Resposta: Antes saber exatamente qual o problema que as referidas crianças apresentam, tanto sob a ótica médico-psiquiátrica quanto médico-psicológica e social/pedagógica, não há como saber o que fazer. Na verdade, casos semelhantes a rigor sequer deveriam ser encaminhados ao Ministério Público (ao menos não num primeiro momento), haja vista que a aplicação deste tipo de medida de proteção (avaliação e tratamento psicológico e psiquiátrico), a princípio, deveria ser efetuada por intermédio do Conselho Tutelar e todo acompanhamento posterior, com seus desdobramentos, deveria ser efetuado também pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo deste contar com o suporte de técnicos das áreas médica e social a serviço do município. A realização de tais avaliações (dentre outras que se entenda necessário realizar, de modo a obter um diagnóstico completo da situação), aliás, deve ser efetuada de forma “automática” (e espontânea), a partir de uma provocação da própria entidade de acolhimento junto aos órgãos públicos encarregados das áreas médica, social e educacional, com os quais aquela precisa articular ações, nos moldes do previsto pelos arts. 86 e 88, inciso VI, do ECA (independentemente, até mesmo, do acionamento do Conselho Tutelar). Tais abordagens, que são o “ponto de partida” para as intervenções posteriores a serem realizadas (também de forma interdisciplinar), constituem-se numa das etapas básicas do atendimento a ser prestado às crianças acolhidas, como parte da política pública a ser obrigatoriamente desenvolvida pelo município como forma de

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assegurar a plena efetivação do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes. A partir de tal política pública, serão definidas (ainda que em linhas gerais) as "estratégias" de atuação intersetorial necessárias à descoberta das causas de problemas similares aos relatados, de modo a proporcionar seu posterior enfrentamento - e efetiva solução -, a partir de uma intervenção eminentemente interpofissional, intersetorial e interdisciplinar. É fundamental que as entidades de acolhimento institucional se integrem à referida política pública (evitando que permaneçam “isoladas” ou “abandonadas à própria sorte"), cabendo ao Poder Público (via CMDCA/CMAS), providenciar a referida articulação de ações e mesmo a correção de eventuais falhas estruturais (e/ou conceituais) que o programa em execução porventura apresente. Em qualquer caso, por força do disposto no art. 101, §5º, do ECA, conclui-se que a própria entidade de acolhimento deve ter em seus quadros (ou ao menos à sua disposição, em caráter permanente), uma equipe técnica interprofissional que irá, ao menos, realizar uma avaliação e um atendimento preliminar do caso, podendo na sequência, sempre que necessário, contar com o apoio dos demais integrantes da “rede de proteção à criança e ao adolescente” existente no município, assim como com os programas e serviços as ela inerentes. A partir do referido diagnóstico, serão apontadas as alternativas mais adequadas ao atendimento das crianças acolhidas na entidade, que deverão ser submetidas ao tratamento que se fizer necessário (que deve ficar a cargo, fundamentalmente, do setor de saúde do município), sem prejuízo da realização de uma abordagem “paralela” voltada à mencionada efetivação de seu direito à convivência familiar, até porque sua permanência "indefinida" na instituição, até mesmo por força do disposto no art. 19, §2º, do ECA, não pode ser visto como uma "opção". Em qualquer caso, deve ficar claro que semelhante atendimento não deve ser realizado de maneira meramente "formal", mas sim precisa ter compromisso com o resultado (que não é outro senão a efetiva solução do problema que as referidas crianças possuem e a consequente proteção integral acima referida, que também irá se materializar com o retorno ao Sistema de Ensino e sua colocação familiar), não podendo também ficar apenas a cargo do Conselho Tutelar, da entidade de acolhimento ou de qualquer "programa" ou "serviço" isolado, sendo que o não oferecimento ou a oferta irregular de tal política de atendimento pode resultar na responsabilidade dos gestores e agentes públicos omissos, tal qual preconizado pelos arts. 208 e 216, do ECA. Pergunta: Numa entidade de acolhimento existem 02 ( dois) irmãos, sendo um de pouco mais de 02 (dois) anos de idade e outro de 06 (seis) anos, que foram afastados do convívio familiar pelo Conse lho Tutelar há mais de 01 (um) ano, estando em curso um “pedido de prov idências” junto à vara da Infância e da Juventude destinado a apurar a situação. Há pessoas interessadas em adotar o mais novo, mas não querem adotar também o mais velho. É razoável deixar de colocar o mais jovem em adoção, para evitar a separação do mais velho? Resposta: A separação de irmãos, especialmente quando já possuem uma certa idade, deve ser sempre evitada, pois pode trazer sérios traumas emocionais para ambos (especialmente se possuem fortes vínculos fraternais, sendo um, não raro, a única referência familiar do outro), que talvez jamais sejam superados. No caso em particular, é necessário, antes de mais nada,

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definir de uma vez a situação de ambos (não podem ser privados do convívio familiar a custa de um simples "pedido de providências" ou similar), sempre na perspectiva de providenciar sua reintegração familiar (ainda que isto ocorra de forma "progressiva") ou colocação em família substituta não apenas mediante adoção, mas também por meio da guarda ou tutela (neste caso, caso venha a ocorrer a suspensão ou destituição do poder familiar). Na página do CAOPCA da internet, no tópico relativo à "Lei de Adoção"/Lei da Convivência Familiar (http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=396), existem inúmeros modelos de peças extraprocessuais e processuais destinadas a regularizar a situação dos irmãos (inclusive um modelo de ação a ser ajuizada contra o município para obrigá-lo a promover um trabalho junto à família dos acolhidos, na perspectiva de promover sua reintegração familiar), assim como encontrar uma solução definitiva que beneficie a ambos, pois não é correto optar por "salvar" um e "condenar" o outro a permanecer na instituição pelo resto de sua infância e adolescência, o que como dito pode causar sérios traumas a ambos. Se ficar demonstrado que, efetivamente, não é possível promover sua reintegração familiar (providência primeira a ser sempre tentada, sem qualquer "preconceito" junto à família de origem4), e se alguém está de fato interessado em adotar um dos irmãos - e realmente tiver amor por ele - é perfeitamente possível que seja convencido a adotar o outro também, até porque, como dito, a adoção de apenas um acabará prejudicando a ambos. Vale lembrar que as recentes alterações no ECA promovidas pela Lei nº 12.010/2009 são explícitas ao dispor sobre a obrigatoriedade da implementação de uma política pública destinada à orientação, apoio promoção social das famílias - tanto biológicas quanto socioafetivas (inclusive sob pena de responsabilidade - cf. art. 208, inciso IX, do ECA), bem como na obrigatoriedade da realização de intervenções junto aos postulantes à adoção na perspectiva de estimular, justamente, a adoção de grupos de irmãos e de crianças maiores e adolescentes (cf. arts. 50, §§3º e 4º e 197-A a E, do ECA). Pergunta: A prática de atos de violência contra cri anças e adolescentes necessariamente deve conduzir à destituição do pode r familiar dos pais? Resposta: Não necessariamente. A destituição do poder familiar não pode ser aplicada como forma de "punir" os pais que praticaram determinada conduta grave e reprovável contra seus filhos. Caso aqueles tenham de ser “punidos” pelo seu ato, isto deverá ocorrer na esfera penal, pela Justiça Criminal. É até possível que a prática de atos de violência contra os filhos, especialmente quando isto ocorrer de forma reiterada, possa conduzir à destituição do poder familiar, mas a real adequação desta medida extrema e excepcional ao caso concreto deve ser analisada num contexto mais abrangente, que pode perfeitamente conduzir a solução diversa. Com efeito, é inegável que determinadas condutas, num primeiro momento, causam repulsa e geram o "impulso" mais do que natural de afastar as crianças e adolescentes vítimas de suas famílias (sendo que por vezes é comum esquecer até mesmo do disposto no art. 130, do ECA, que prevê, nestes casos, a alternativa do afastamento do

4 A propósito, é preciso tomar uma cautela extrema para evitar que as pretensas intervenções realizadas sejam - ou tenham sido - carregadas de preconceito e, portanto, "ab initio" fadadas ao insucesso, sendo necessário muitíssimo cuidado sempre que aparecer a expressão "tudo que podia ser feito foi feito" ou coisa parecida.

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agressor da moradia comum - providência primeira a ser estudada), mas para destituição do poder familiar é necessário muito mais que a simples constatação da ocorrência de violência (notadamente quando isto se constitui numa prática isolada, que não traduz a verdadeira "dinâmica familiar"). Em matéria de infância, juventude e família, é preciso ter em mente que o objetivo da intervenção estatal jamais pode ser a "punição" dos pais (esta, como dito, deve ficar a cargo da Justiça Penal), mas sim a descoberta da solução que, concretamente atende aos interesses da criança/adolescente. E esta, não raro, é a manutenção ou retorno à família de origem, apesar da conduta praticada por seus pais ser reprovável. O que interessa, na verdade, não é "punir" os pais pelo que fizeram, mas sim realizar uma intervenção estatal no sentido de evitar futuras práticas semelhantes (ou mais graves), o que passa pelo desenvolvimento de uma proposta de atendimento personalizado e altamente qualificado e a realização de um trabalho de preparação da família e acompanhamento posterior sistemático, por um período determinado (sem prejuízo da aplicação das sanções penais cabíveis, pela Justiça Criminal). Daí porque se mostra imprescindível a elaboração e implementação de uma política pública especificamente destinada ao atendimento das famílias, o que a maioria dos municípios infelizmente não possui, e que acaba sendo a causa de inúmeras violações de direitos infanto-juvenis, inclusive resultantes de acolhimentos institucionais indevidos e/ou que se protraem no tempo indefinidamente. Pergunta: Recentemente foi amplamente noticiado pel a mídia um caso no qual uma criança de 01 (um) ano foi retirada a forç a da mãe por uma guarda municipal em uma cidade do interior de São P aulo. A mãe foi acusada de pedir dinheiro nas ruas e usar a criança para sensibilizar as pessoas. Ela negou a denúncia e afirma que lê a sor te dos pedestres na rua. A menina foi encaminhada a um abrigo da cidade . Segundo o juiz que deu a ordem judicial, a criança estava exposta à ri sco. Semelhante solução está correta? Resposta: É difícil falar sobre um caso determinado sem saber de detalhes sobre o que exatamente ocorreu (nem sempre o que é divulgado pela mídia corresponde à verdade, e por vezes a reportagem é “tendenciosa” e “preconceituosa”). O que é possível afirmar, em tese, com base na lei e na Constituição Federal é que, retirar crianças das mãos (ou da guarda) de mães que as estão utilizando para “esmolar” e/ou que as levam consigo em suas atividades profissionais (como “ler” as mãos, catar papelão etc.), seguramente não é a abordagem mais adequada e nem se constitui numa verdadeira “solução” para o problema. É claro que com isto não se quer dizer que devemos deixar mães usarem seus filhos para “excitar a comiseração pública” e ganhar esmolas, ou que devemos permitir que crianças fiquem perambulando pelas ruas, em condições por vezes degradantes, quando deveriam estar na creche, na escola ou em outras atividades culturais, recreativas e de lazer, mas é exatamente para isto que existem as políticas públicas destinadas à orientação, apoio e promoção social das famílias, bem como à inserção de crianças em creches, pré-escolas, ensino fundamental etc., bem como em outras atividades de contra-turno. O que o Poder Público (incluindo aí o Conselho Tutelar e o Poder Judiciário) deve fazer, em tais casos, não é retirar a criança da família (especialmente quando isto ocorre já como “primeira

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abordagem”), fazendo o chamado “camburão social” e, não raro, transformando o Conselho Tutelar em uma espécie de “carrocinha de criança”, mas sim, inclusive em respeito ao disposto no art. 100, par. único, incisos IX a XII, do ECA e arts. 226, caput e inciso VIII e 227, caput, da Constituição Federal, efetuar uma abordagem voltada, fundamentalmente, ao amparo a família, fornecendo a esta alternativas que permitam, por exemplo, que a cigana e a catadora de papel (assim como a prostituta ou outras mulheres que são vítimas de preconceito quanto às atividades que desempenham) deixem seus filhos numa creche/pré escola enquanto vão exercer suas profissões, sejam inseridas em programas de geração de renda e/ou qualificação profissional, freqüentem a cursos ou programas de orientação, enfim, que sejam “trabalhadas” no sentido de superar os problemas porventura existentes, a partir de uma abordagem técnica interprofissional criteriosa, despida de preconceito ou discriminação, e não sejam “vítimas” de uma atuação meramente “repressiva” por intermédio de órgãos policiais (ou que, desvirtuando sua atuação, adotem uma postura “policialesca” e preconceituosa), num processo de “marginalização” e de “penalização da pobreza” que era próprio do revogado “Código de Menores”. Em relação a ciganos, aliás, é necessário, por analogia ao disposto no art. 28, §6º, do ECA, “convocar” antropólogos para intervir em qualquer processo no qual se cogite o afastamento de uma criança/adolescente de sua família, ou mesmo num processo de reintegração familiar ou de “construção” de um “projeto de vida” para aquela família, tendo sempre em mente que, por princípio elementar, deve-se procurar manter ou reintegrar a criança/adolescente em sua família e que os costumes e tradições dos grupos étnicos devem ser o quanto possível respeitados (desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal), sem preconceito ou discriminação. - Cadastro de adoção : Pergunta: O Cadastro Nacional de Adoção exclui o Cadastro Mun icipal ou apenas o complementa? Há alguma preferência entre e les? Resposta: Jamais foi intenção do CNJ (e nem poderia, sob pena de manifesta inconstitucionalidade da Resolução que instituiu o Cadastro Nacional de Adoção) “revogar” o art. 50, da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de um cadastro de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e outro de pretendentes à adoção em cada comarca, e nem retirar a preferência da colocação familiar da criança ou adolescente no âmbito do município ou comarca onde reside (inclusive como decorrência do disposto no art. 100, da Lei nº 8.069/90). A Lei nº 12.010/2009 apenas veio a reafirmar tal sistemática, de modo que a implementação e manutenção dos referidos cadastros5 na comarca é obrigatória, inclusive sob pena da prática da infração administrativa tipificada no art. 258-A, da Lei nº 8.069/90, sendo que a preferência será sempre no sentido da colocação familiar entre pessoas e casais cadastrados na comarca, sendo que apenas após comprovada a inexistência de interessados na comarca é que serão feitas

5 Além de um cadastro específico para crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional - cf. art. 101, §11, da Lei nº 8.069/90.

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consultas aos cadastros estadual e nacional (inteligência do art. 50, §8º, da Lei nº 8.069/90). A necessidade dessa “consulta sucessiva” fica também evidenciada pelo disposto no art. 50, §10, da Lei nº 8.069/90. Pergunta: Como lidar com o Cadastro Regional de Adotantes apó s a nova lei de adoção e como conciliá-lo com o Cadastro Nac ional do CNJ? Como fica a questão da precedência com a convivência dos cadastros e qual o critério para se optar por um ou outro cadastro no momento da consulta? Resposta: Como dito acima, a intenção do legislador foi no sentido da realização de consultas sucessivas entre os cadastros existentes nos diversos níveis: consulta-se primeiro o cadastro existente na comarca. Caso não haja pessoas ou casais interessados, passa-se à consulta do cadastro estadual e, na sequência, ao cadastro nacional. Cada consulta deve ser devidamente certificada nos autos e a inexistência de interessados em cada nível deve ser também informada pelo setor competente, em caráter oficial. Uma vez não encontrados interessados nacionais, deve ser então consultado o cadastro de postulantes estrangeiros habilitados (arts. 50, §10 e 51, §1º, inciso II, da Lei nº 8.069/90). Em qualquer hipótese, o primeiro critério para convocação dos interessados, em cada um dos níveis, será a antiguidade da inscrição no cadastro, que somente poderá deixar de ser observada em situações plenamente justificadas (cf. art. 197-E, da Lei nº 8.069/90). Importante também mencionar que o Ministério Público deve ter acesso irrestrito aos cadastros, e fiscalizar a convocação criteriosa das pessoas e casais habilitados à adoção (cf. arts. 50, §12 e 197-E, da Lei nº 8.069/90). Pergunta: Como proceder com pedidos de inscrição em cadastro de adoção em comarca diversa da dos interessados, quan do tiverem sido protocolados anteriormente à Resolução nº 54 e orie ntações do CNJ e Lei nº 12.010/2009, as quais impedem tal prática? Resposta: Nem a Resolução nº 54/2008, do CNJ, relativa ao Cadastro Nacional de Adoção, e nem a Lei nº 12.010/2009 impedem que pessoas ou casais residentes em uma determinada comarca se habilitem à adoção em outra. A existência de cadastros em várias comarcas, aliás, é absolutamente irrelevante para operacionalização do CNA, pois a inscrição neste será sempre única, por ser efetuada com base no CPF do interessado. A rigor, portanto, nada impede a realização de uma habilitação fora da comarca, razão pela qual a nova sistemática não traz qualquer implicação às habilitações já efetuadas e os pedidos de inscrição em trâmite. Pergunta: Isto significa que a habilitação para ado ção poderá ser efetuada em Comarca escolhida pelo pretendente, com expediçã o de precatória se formulado fora do seu domicílio? Resposta: Como dito, nem a Resolução nº 54/2008, do CNJ, nem a Lei nº 12.010/2009 impedem que a habilitação para adoção ocorra em comarca diversa daquela onde os postulantes residem. A forma como será efetuada a comprovação do preenchimento dos requisitos subjetivos necessários à adoção deverá ser devidamente regulamentada por intermédio de resolução do CNJ ou por atos das Corregedorias de Justiça nos estados, de modo a evitar discrepâncias entre as comarcas. De qualquer modo, será necessário a realização de visitas domiciliares (que por terem por pressuposto o

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deslocamento até a residência dos postulantes, fatalmente serão efetuadas via precatória) e entrevistas com os postulantes, que poderá ser efetuada não apenas pela equipe técnica a serviço da Justiça da Infância e da Juventude (cf. art. 197-C, da Lei nº 8.069/90), mas também pelo próprio Juízo (cf. art. 197-B, inciso II, da Lei nº 8.069/90). Diante do princípio da identidade física do Juiz, e do caráter subjetivo da diligência, é possível a exigência de que a oitiva judicial dos postulantes seja efetuada perante o próprio Juízo da comarca onde aqueles pretendem se cadastrar. Em qualquer caso, as audiências, atos e diligências necessárias ao cadastramento devem ser efetuadas com a mais absoluta prioridade (cf. arts. 4º, par. único, alínea “b” e 152, par. único, da Lei nº 8.069/90). - Conselho Tutelar e CMDCA : Pergunta: Com a nova “Lei de Adoção”, como fica a a plicação da medida de acolhimento institucional (abrigamento) por part e do Conselho Tutelar, uma vez que é atribuição deste aplicar as medidas n o art. 101, I a VII, da Lei nº 8.069/90? Agora é aplicada exclusivamente pe la autoridade judiciária? Resposta: O Conselho Tutelar pode aplicar a medida de acolhimento institucional como sempre pode: em se tratando de crianças e adolescentes perdidas e/ou que se encontram já afastadas do convívio familiar e em situações emergenciais (e têm que ser emergenciais MESMO - como quando houver "flagrante de vitimização"). O que o Conselho Tutelar NÃO PODE fazer (como na verdade NUNCA PODE, embora o fizesse de forma equivocada e contra a lei) é afastar uma criança ou adolescente do convívio familiar em situações não emergenciais, pois neste caso, apenas a autoridade judiciária é competente para aplicar a medida, em sede de procedimento judicial contencioso (arts. 101, §2º c/c 153, par. único, do ECA). Em qualquer caso, mesmo quando o acolhimento for efetuado em caráter emergencial, o fato deverá ser imediatamente (ou em até 24 horas) comunicado à autoridade judiciária, nos moldes do previsto no art. 93 e par. único, do ECA, para que seja formalizado o afastamento do convívio familiar ou promovida a reintegração. Nos demais casos, sempre que o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, deverá comunicar o fato ao Ministério Público, fornecendo todos os elementos necessários à propositura de uma ação destinada ao decreto do afastamento, ainda que em caráter cautelar (arts. 136, par. único c/c 201, incisos III e VIII c/c 212, todos da Lei nº 8.069/90). O que não se quer mais é que o Conselho Tutelar funcione como "carrocinha de criança", assim como que o afastamento do convívio familiar seja banalizado e/ou ocorra sem garantir aos pais (e também aos filhos, já que é o direito à convivência familiar destes que está em jogo) o direito a uma acusação formal acerca dos motivos do afastamento (valendo neste sentido também observar o disposto no art. 100, par. único, incisos IX, X, XI e XII, da Lei nº 8.069/90) e de contra ela se insurgirem, através de defensor nomeado ou constituído, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Vale também lembrar que, mesmo em casos graves, de maus tratos ou abuso sexual contra crianças e adolescentes, deve ser verificada, antes de mais nada, a possibilidade de

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afastamento DO AGRESSOR da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90 e art. 22, inciso II, da Lei nº 11.340/2006 - a chamada "Lei Maria da Penha"), como forma de evitar que a vítima seja punida com a segregação de sua família. Para que os objetivos da lei sejam alcançados, no entanto, é preciso mudar a mentalidade e também a postura que, não raro, o Conselho Tutelar (e outros integrantes do "Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente") tem adotado, pois como o citado art. 100 par. único, incisos IX e X (assim como até mesmo o art. 101, §§4º, 6º, inciso II, 7º e 8º), da Lei nº 8.069/90 deixam claro, a intervenção estatal necessariamente deve ser voltada não apenas ao atendimento da criança/adolescente, mas TAMBÉM de seus pais ou responsável, consequência, inclusive, do disposto no art. 226, caput e §8º, da Constituição Federal. Pergunta: O Conselho Tutelar pode, nos casos do art. 130 da L ei nº 8.069/90, proceder ao acolhimento institucional pro visório de jovem ou infante independentemente de decisão judicial, comu nicando imediatamente ao MP para os fins do art. 101, §§2º e 3º, do mesmo Diploma Legal? Caso negativo, qual a interpretação que deve ser dada à primeira parte do novel §2º do art. 101 da Lei nº 8 .069/90? Resposta: O acolhimento institucional, em caráter emergencial e em casos extremos e excepcionais (como diante de um “flagrante de vitimização”), é possível não apenas mediante encaminhamento efetuado pelo Conselho Tutelar, mas por qualquer pessoa (afinal, diz o art. 70, da Lei nº 8.069/90 que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente”), sendo certo que as próprias unidades de acolhimento institucional podem receber crianças e adolescentes diretamente, em qualquer situação, sem prejuízo da comunicação do fato à autoridade judiciária em, no máximo, 24 horas (sendo assim de competência do plantão judiciário, nos finais de semana e feriados), conforme previsto no art. 93, caput, da Lei nº 8.069/90. O que o Conselho Tutelar não pode fazer é afastar crianças e adolescentes de suas famílias em situações não emergenciais (inteligência do art. 136, inciso IX e par. único, da Lei nº 8.069/90), e nem o afastamento pode ocorrer (ou se manter) mediante simples procedimento administrativo ou mesmo em sede de processo judicial não contencioso (como é o caso do resultante da aplicação do disposto no art. 153, da Lei nº 8.069/90, sendo o parágrafo único acrescido ao dispositivo expresso ao excluir de sua abrangência os casos em que é necessário o afastamento da criança ou adolescente de sua família de origem). Quis o legislador que uma medida tão drástica e de tão graves consequências como o afastamento da criança ou adolescente de sua família desse ensejo, necessariamente, à instauração de um processo judicial contencioso, ainda que de cunho cautelar, no qual fosse formalizada a imputação da prática, por parte dos pais ou responsável, de alguma conduta que justificasse a medida, devendo tal conduta ser devidamente comprovada pela parte autora, com a possibilidade de exercício do contraditório e da ampla defesa pela parte requerida. Vale lembrar, a propósito, que em jogo não está apenas o direito dos pais ou responsável de terem os filhos ou pupilos em sua companhia, mas especialmente (cf. art. 100, par. único, incisos I, II e IV, da Lei nº 8.069/90), o direito destes em permanecer na companhia de sua família. Esta é a razão, aliás, para que antes mesmo de se cogitar no afastamento da vítima de violência física ou sexual, se verificar da

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possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum, como dispõe de maneira expressa o art. 130, caput, da Lei nº 8.069/90. Assim sendo, uma vez efetuado o acolhimento institucional, seja pelo Conselho Tutelar (diante de situações emergenciais, consoante mencionado, ou em se tratando de criança ou adolescente perdida ou sem referência familiar), seja por qualquer pessoa, o importante é a rápida avaliação, por parte da autoridade judiciária (com a participação do Ministério Público, do Conselho Tutelar e dos órgãos e técnicos responsáveis pela política municipal de garantia do direito à convivência familiar) da possibilidade ou não de imediata reintegração à família de origem (que se for o caso deverá ser inserida em programas de orientação, apoio e promoção social, bem como devidamente “monitorada”) ou se o caso reclama a “formalização” do afastamento da família de origem, mediante a deflagração do referido procedimento contencioso, nos moldes do previsto no art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90. Pergunta: O que fazer com os relatórios, encaminhados pelo Co nselho Tutelar, em se adotando o posicionamento segundo o qual não devem ser instaurados os "procedimentos judiciais para aplica ção de medida de proteção"? Basta arquivar na Promotoria, e exigir p rovidências do CT quando à situação de risco? Reposta: Os casos que se enquadram nas atribuições do Conselho Tutelar devem ser atendidos - e resolvidos - pelo próprio Conselho Tutelar, que possui o status de autoridade pública e é, inclusive, dotado da prerrogativa de requisitar serviços públicos em diversas áreas (cf. art. 136, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 8.069/90). Evidente que, para que a referida solução do problema (objetivo da intervenção do Conselho Tutelar - e dos demais integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) seja alcançada, o Conselho Tutelar deverá buscar a intervenção de outros órgãos e servidores públicos, junto aos mais diversos setores da administração, ou melhor dizendo: deverá buscar auxílio junto à “rede municipal de proteção à criança e ao adolescente” acima referida, encaminhando a criança, adolescente e sua família aos programas e serviços adequados às suas necessidades pedagógicas específicas (cf. art. 136, incisos I e II c/c arts. 87, 90, incisos I a IV, 100, caput, 101, incisos I a VII e 129, incisos I a VII, todos da Lei nº 8.069/90). Cabe ao Poder Público local adequar os serviços públicos e programas existentes (assim como criar novas estruturas, caso necessário) ao atendimento especializado e prioritário a crianças e adolescentes (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea “b” c/c 259, par. único, da Lei nº 8.069/90) e promover a articulação da mencionada “rede de proteção à criança e ao adolescente” de modo que, sempre que surgir determinado caso que demande a aplicação das medidas previstas nos arts. 101, incisos I a VII e 129, incisos I a VII, todos da Lei nº 8.069/90 (ou seja, que possa ser resolvido sem a necessidade de intervenção da autoridade judiciária), o atendimento pelos órgãos, serviços e programas municipais seja efetuado espontaneamente, não sendo necessário, a rigor, sequer a intervenção do Conselho Tutelar, que ocorrerá apenas quando, por qualquer razão, tal atendimento espontâneo não tiver sido realizado ou não tiver surtido o efeito desejado. Vale repetir: a “rede municipal de proteção à criança e ao adolescente” deve estar de tal forma articulada (e a busca de tal articulação, junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e aos gestores das políticas públicas

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municipais talvez tenha de ser a principal preocupação do Ministério Público), que o atendimento de casos de ameaça ou violação de direitos infanto-juvenis ocorra de forma espontânea, independentemente de intervenção até mesmo do Conselho Tutelar, que se tiver de atuar, não deve partir desde logo para “requisição” do serviço, mas sim o encaminhamento do caso ao órgão ou setor da administração competente (ou a mais de um, conforme o caso). Apenas caso não seja atendido é que o Conselho Tutelar deverá usar de seu poder de requisição, que não pode ser banalizado e nem negligenciado pelo destinatário da ordem correspondente, que não pode pura e simplesmente “ignorá-la”, mas sim, caso com ela não concorde, deverá provocar o Poder Judiciário no sentido de sua revisão, tal qual previsto no art. 137, da Lei nº 8.069/90. Enquanto não revista pela autoridade judiciária competente, a requisição do Conselho Tutelar tem eficácia plena e, caso não seja cumprida por seu destinatário, restará caracterizado, em tese, o crime de desobediência, previsto pelo art. 330, do Código Penal, sem prejuízo da caracterização da infração administrativa tipificada no art. 249, da Lei nº 8.069/90. Assim sendo, o Conselho Tutelar deve ter uma atuação resolutiva, e não servir de mero “órgão de encaminhamento” de casos para o Ministério Público e Poder Judiciário, o que apenas posterga a solução do problema e desvirtua o objetivo da criação do órgão, que foi precisamente o de “desjudicializar” e, por via de consequência, desburocratizar e agilizar tanto o atendimento quanto a solução do caso. Em sendo necessária a intervenção do Ministério Público, esta deverá ser direcionada não no sentido do atendimento individual do caso, mas sim na perspectiva de orientação e responsabilização dos órgãos públicos e setores da administração competentes, que não apenas devem ser chamados a atuar no sentido da efetiva solução do caso em particular, mas também como dito, instados a desenvolver uma “estratégia” destinada ao atendimento (espontâneo) de casos similares que surgirem no futuro, seja quando encaminhados pelo Conselho Tutelar ou qualquer outro órgão ou autoridade. A prática da instauração, quando do descumprimento de encaminhamentos e requisições de serviços pelo Conselho Tutelar, dos famigerados “procedimentos para aplicação de medida de proteção” ou similares (verdadeiras aberrações jurídicas, remanescentes de uma sistemática consagrada pelo “Código de Menores”), deve ser abolida, dando margem à expedição de recomendações aos órgãos públicos no sentido da adequação de seus serviços ao atendimento dos casos encaminhados pelo Conselho Tutelar com a mais absoluta prioridade, inclusive sob pena de responsabilidade6. Na página do CAOPCA/PR podem ser encontrados artigos jurídicos e modelos de peças processuais e extraprocessuais destinadas à adequação da atuação do Conselho Tutelar e dos serviços públicos municipais, nos moldes do acima exposto. Pergunta: E se ainda assim for necessário “judicial izar” o atendimento, diante da necessidade de afastamento da criança/ado lescente de sua família? Resposta: Neste caso, como visto acima, a partir de elementos fornecidos pelo Conselho Tutelar e/ou por qualquer dos integrantes da “rede de proteção” à

6 Com a orientação de que, caso entendam indevido o encaminhamento ou requisição efetuadas, provoquem a autoridade judiciária nos moldes do art. 137, da Lei nº 8.069/90, apresentando as justificativas para recusa no atendimento respectivo.

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criança e ao adolescente, é possível a propositura de ação cautelar ou outro remédio jurídico qualquer (cf. art. 212, da Lei nº 8.069/90), de cunho necessariamente contencioso (cf. art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90), devendo-se antes verificar da possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90)7, se for o caso, devendo o feito ser instruído e julgado com a mais absoluta prioridade (cf. arts. 4º, caput e par. único e 153, par. único, da Lei nº 8.069/90). Em qualquer caso, desde o primeiro momento deve haver a intervenção dos técnicos e integrantes da “rede de proteção” e da política municipal destinada à garantia do direito à convivência familiar, que deverão, a partir de uma indispensável articulação com o Poder Judiciário (cf. arts. 87, inciso VI e 88, inciso VI, da Lei nº 8.069/90), avaliar e atender não apenas a criança/adolescente afastada do convívio familiar, mas também seus pais ou responsável, na perspectiva de promover a futura reintegração familiar, em observância às normas e princípios contemplados pela Lei nº 8.069/90. É fundamental que a Justiça da Infância e da Juventude não atue de forma “isolada”, e que sejam oferecidas alternativas ao acolhimento institucional, especialmente através da colocação da criança/adolescente sob a guarda de integrantes de sua família extensa ou a pessoa cadastrada em programa de acolhimento familiar. Pergunta: O que há para dizer sobre o tema: convêni o/consórcio entre municípios para criação, manutenção e uso de abrigo s (programas de acolhimento institucional) para crianças e adolesce ntes? Resposta: Mais do que “abrigos” (que a nova Lei nº 12.010/2009 passa a chamar de entidades de acolhimento institucional), é fundamental que cada município possua uma política pública especificamente destinada ao efetivo exercício do direito à convivência familiar por todas as crianças e adolescentes, que seja composta de ações preventivas, junto às famílias, e de alternativas ao acolhimento institucional, através da oferta de programas de acolhimento familiar (introduzidos pela nova “Lei de Adoção” - cf. art. 101, inciso VIII, da Lei nº 8.069/90), estímulo ao acolhimento, sob forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar (cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da CF), e outros destinados à colocação familiar (cf. art. 90, inciso III, da Lei nº 8.069/90), em suas mais variadas formas: guarda, tutela e adoção (cf. art. 28, caput, da Lei nº 8.069/90). As inovações trazidas pela Lei nº 12.010/2009, aliás, tornam obrigatória a elaboração e implementação de tal política pública municipal inclusive sob pena de responsabilidade do administrador público (e responsabilidade pessoal, nos moldes do previsto no art. 208, inciso IX e 216, da Lei nº 8.069/90), cabendo ao Ministério Público atuar neste sentido. O que se deseja é que cada vez que surgir um caso que demande o encaminhamento para programas de acolhimento institucional (nunca sendo demais lembra o caráter excepcional e eminentemente transitório da medida - cf. arts. 19, §3º e 101, §1º, da Lei nº 8.069/90), já exista, por parte dos órgãos da administração pública encarregados da execução da política de garantia do direito à convivência familiar, uma “estratégia” definida para o atendimento da

7 Vale lembrar que, em sendo ajuizada uma ação cautelar de afastamento da criança/adolescente da família (ou mesmo do agressor), será necessário o ajuizamento da ação principal no prazo de 30 (trinta) dias.

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criança/adolescente e sua respectiva família (inclusive na perspectiva de futuro restabelecimento do convívio familiar), com toda uma gama de opções disponíveis, incluindo as mencionadas alternativas ao acolhimento institucional, com a aplicação da medida mais adequada para cada caso. Nesta perspectiva, é possível que um município de pequeno porte, por exemplo, mantenha uma “casa de passagem” ou uma entidade de acolhimento institucional apenas para crianças, estabeleça convênios com outro(s) município(s) próximo(s) para o acolhimento institucional de adolescentes, tenha convênios com o Estado do Paraná (e mesmo com entidades particulares) para casos de maior complexidade e também desenvolva programas de acolhimento familiar e de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda, nos moldes do acima referido, sem prejuízo de programas de orientação, apoio e promoção social de famílias, que permitam a manutenção ou a rápida reintegração da criança ou adolescente em sua família de origem, tudo custeado com recursos provenientes do orçamento público (valendo neste sentido observar o disposto nos arts. 90, §2º, 100, par. único, inciso III e 260, §5º, da Lei nº 8.069/90). Pergunta: Há viabilidade de Lei Municipal criar a “ família acolhedora” como forma de suprir a ausência de programa de acol himento institucional no município, com previsão de repasse de verba municipal para as famílias interessadas em acolher crianças e adolescentes em situação de risco? Resposta: Tanto programas do tipo “família acolhedora” quanto destinados ao estímulo ao acolhimento, sob forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar (cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da CF) podem ser criados por lei municipal (a criação de incentivos fiscais, aliás, fatalmente demandará a aprovação de uma lei específica a respeito). Pode (e deve, com base no art. 226, da CF) ser previsto, inclusive, o repasse de verbas e incentivos fiscais para as próprias famílias de origem, seja como forma de evitar o afastamento familiar (nunca sendo demais lembrar que a falta de condições materiais não é motivo para tanto - cf. arts. 19, §3º, 23, caput e par. único e 100, par. único, incisos IX e X, da Lei nº 8.069/90), seja para facilitar a reintegração familiar. Em qualquer caso, é necessário também desenvolver programas de orientação às famílias (cf. art. 129, inciso IV, da Lei nº 8.069/90) e efetuar o acompanhamento dos casos atendidos após a colocação/ reintegração familiar (cf. art. 28, §5º, da Lei nº 8.069/90). Pergunta: Como compatibilizar o disposto no art. 10 0, par. único, inciso III (princípio da responsabilidade primária e solidária do Poder Público) com o art. 88, inciso I (municipalização como “diretriz primeira” da política de atendimento à criança e ao adolescente), ambos da L ei nº 8.069/90, e como lidar com a falta de recursos para implementaç ão dos programas e serviços que deverão compor a política destinada à garantia do direito à convivência familiar? Resposta: A municipalização do atendimento decorre não apenas da lei, mas também da Constituição Federal (arts. 227, §7º c/c 204, inciso I, da Carta Magna), tendo por objetivo fazer com que cada município elabore e implemente, com a mais absoluta prioridade, as políticas públicas que permitam a efetivação de todos os direitos assegurados às crianças e

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adolescentes pela Lei e pela Constituição Federal (tal qual evidencia o disposto no art. 4º, caput, da Lei nº 8.069/90). Com a municipalização das políticas de atendimento (e dos programas e serviços que a integram) a crianças, adolescentes e suas famílias, permite-se sejam aqueles atendidos junto às suas famílias e comunidades de origem, em cumprimento ao disposto nos arts. 4º, caput, 19 e 100, caput, da Lei nº 8.069/90, evitando assim que uma criança ou adolescente que esteja com seus direitos ameaçados ou violados tenha de ser “exportada” para outro município para somente então receber o atendimento que necessita. Isto significa que cabe aos municípios definir as “estratégias” de atuação que serão adotadas diante da ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis assegurados pela Lei nº 8.069/90 e pela CF, através da intervenção dos mais diversos órgãos e entidades de atendimento. Uma política de atendimento, a rigor, representa o conjunto de ações, serviços e programas a serem acionados em âmbito municipal para fazer frente a uma situação problemática específica envolvendo crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, numa perspectiva resolutiva, capaz de proporcionar, com o máximo de celeridade possível, a proteção integral que foi àqueles prometida já pelo art. 1º estatutário. Quando a lei estabelece o princípio da responsabilidade solidária entre os entes públicos, está apenas dizendo que o dever de assegurar a plena efetivação dos direitos infanto-juvenis não é apenas dos municípios, mas também dos Estados e da União. Como resultado da análise conjunta dos citados dispositivos, temos que a elaboração da política de atendimento à criança e ao adolescente deve ficar a cargo dos municípios que, no entanto, para implementação e manutenção dos programas e serviços a àquela correspondentes sempre que necessário podem buscar o suporte técnico e financeiro junto aos Estados e à União (se necessário, inclusive pela via judicial, ex vi do disposto no art. 210, inciso II, da Lei nº 8.069/90). O que não se admite é que o município deixe de elaborar a política (e definir as mencionadas “estratégias de atuação” a esta correspondentes) sob a alegação da “falta de recursos”. A uma porque muitas das ações inerentes à política de atendimento demandam pouco ou nenhum investimento8 de recursos públicos, compreendendo o simples remanejamento servidores e a adequação de programas e serviços já existentes (como os CREAS/CRAS e CAPs), de modo a proporcionar um atendimento diferenciado e prioritário à população infanto-juvenil (nos moldes do previsto nos citados arts. 4º, par. único, alínea “b” e 259, par. único, da Lei nº 8.069/90), a duas porque a área infanto-juvenil está amparada pelo já referido princípio constitucional da PRIORIDADE ABSOLUTA à criança e ao adolescente, o que importa na “preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas” e na “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”, demandando assim o aporte prioritário de recursos orçamentários (como deixam também claro os arts. 90, §2º e 260, §5º, da Lei nº 8.069/90), que se necessário devem ser remanejados das áreas que não gozam de semelhante prerrogativa constitucional (cf. art. 227, caput, da CF) e a três, porque, como mencionado, os municípios podem e devem buscar junto aos Estados e União o suporte financeiro que se fizer necessário à

8 Em matéria de infância, nunca se fala em “despesa”, pois todo e qualquer recurso público utilizado representa um investimento que tem um retorno garantido em termos de melhoria das condições de vida e desenvolvimento de toda sociedade brasileira.

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implementação da política a seu cargo (inclusive pela via judicial), estabelecendo ainda parcerias e convênios intermunicipais, com entidades particulares, universidades etc. É até possível que para determinadas demandas de elevada complexidade (como o caso de adolescentes ameaçados de morte, por exemplo), o município, notadamente quando de pequeno porte, não tenha o “programa” correspondente, mas dentro da política de atendimento à criança e ao adolescente que, como visto, tem o dever de implementar, deverá ter já definida uma “estratégia de atuação” para quando surgir tal demanda, com o estabelecimento de um “fluxo” ou “protocolo” de atendimento interinstitucional, com a previsão de quais órgãos, serviços e profissionais irão intervir junto ao adolescente e sua família, o que será feito e para onde serão eles encaminhados, devendo para tanto firmar convênios (inclusive com o Estado e/ou com a União)9, qualificar profissionais etc. Pergunta: O CMDCA é também responsável pela fiscali zação das entidades de acolhimento ou isto é tarefa apenas do Conselho Tutelar, Judiciário e Ministério Publico, referidos pelo art . 95, do ECA? Resposta: O CMDCA faz uma fiscalização permanente de todas as entidades de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, que integram a "rede de proteção" à criança e ao adolescente que todo município tem o dever de instituir e manter, sendo tal incumbência decorrência natural da atribuição de conceder o registro às entidades e aos programas que estas desenvolvem, sem o qual, nem a entidade, nem o programa podem atender crianças e adolescentes. De acordo com o disposto nos arts. 90 e 92, do ECA (especialmente, seus parágrafos), com a redação que lhes deu a Lei nº 12.010/2009, tanto o registro das entidades quanto dos programas deve ser concedido por prazo determinado (estabelecendo o ECA um prazo máximo, nada impedindo que o CMDCA defina prazos mais reduzidos para renovação do registro e reavaliação dos programas). A reavaliação dos programas de atendimento, aliás, deve ocorrer em caráter permanente e, toda vez que toda vez que surgir alguma denúncia de irregularidade, o próprio CMDCA deve “tomar a frente” dos acontecimentos e investigar os fatos, indepentemente da comunicação do fato ao MP (e eventualmente, também ao CT e ao Judiciário). O disposto no art. 95, do ECA, aliás, está diretamente relacionado ao contido no art. 191 estatutário, relativo à instauração de um procedimento judicial para apuração de irregularidade em entidade de atendimento. Nada impede, no entanto, que antes mesmo da instauração de um procedimento judicial (ou paralelamente a este), o CMDCA instaure um procedimento administrativo, que pode inclusive resultar na cassação do registro da entidade e/ou do programa, desde que constatada a ocorrência de fatos que justifiquem semelhante medida, de caráter extremo. Seria interessante, aliás, que o regimento interno do CMDCA estabelecesse um procedimento administrativo próprio para este tipo de investigação administrativa, que deveria contar com a colaboração dos órgãos públicos competentes, garantindo-se à entidade o contraditório e a ampla defesa, além da previsão de comunicação de sua instauração ao Ministério Público. Na ausência de previsão expressa, é de se adotar o

9 Para utilizar o exemplo fornecido, a União possui um Programa Nacional de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte - PPCAM, cujas ações são desenvolvidas em âmbito de cada Estado, a partir de determinadas entidades especializadas.

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procedimento administrativo similar àquele utilizado pela Prefeitura para cassar "alvarás de funcionamento" de estabelecimentos comerciais em geral (estabelecendo-se aí uma analogia entre ambos). É fundamental, em qualquer caso, que o CMDCA atue com o máximo de celeridade, de modo a evitar que, em havendo de fato alguma irregularidade, a mesma cause - ou continue a causar - prejuízos às crianças e adolescentes atendidas. Não resta dúvida que, pior que não existir determinado programa em um município, é haver um que descumpre as normas e princípios estabelecidos pela Lei nº 8.069/90 (ou outros regulamentos aplicáveis àquela modalidade de atendimento, incluindo as próprias resoluções do CMDCA, que na forma da lei devem ser cumpridas sob pena de descredenciamento da entidade e da cassação do registro do programa - o que em ambos os casos deve determinar a imediata suspensão do atendimento prestado). Vale dizer, aliás, que a "qualidade e eficiência do trabalho" se constitui num dos critérios legais para renovação do registro do programa de atendimento fixados pelo art. 90, §3º, do ECA, assim como também é "o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem como às resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis". Assim sendo, sempre que o CMDCA receber qualquer notícia de irregularidade numa entidade ou programa, não apenas tem o direito, mas também tem o dever de investigar o fato, sem prejuízo de, como dito, obrigatoriamente comunicar o fato ao Ministério Público (valendo neste sentido observar o disposto no art. 220, do ECA), e mesmo articular ações e contar com a colaboração de outros órgãos e autoridades públicas para que o aludido procedimento administrativo instaurado chegue a um bom termo, da forma mais rápida possível. - Outras questões processuais: Pergunta: Qual é o "procedimento" previsto pela Lei nº 12.010/09, no que para autorizar o acolhimento institucional? Como te m sido instaurado o "procedimento contencioso" a que alude o §2º, do ar t. 101 do ECA? É admissível ajuizar a demanda, e pleitear a citação dos genitores, antes mesmo de relatório da entidade de acolhimento e com a mera comunicação realizada nos moldes do art. 93 do ECA? Resposta: A Lei nº 12.010/2009 (assim como a Lei nº 8.069/90) não estabelecem um “procedimento” específico para atender ao reclamo do art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90, ressalvada a hipótese de suspensão/destituição do poder familiar (para o que, desnecessário dizer, devem existir elementos idôneos e suficientes a autorizar tão drástica solução). O objetivo do disposto no art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90 é impedir que crianças e adolescentes sejam afastados de suas famílias por simples decisão administrativa do Conselho Tutelar, ou mesmo por decisão judicial tomada nos famigerados “procedimentos de verificação de situação de risco”/”para aplicação de medida de proteção” (instaurados com fundamento no art. 153, da Lei nº 8.069/90, que não têm forma predefinida e têm o “péssimo hábito” de jamais terem fim), que por força do disposto no art. 153, par. único, da Lei nº 8.069/90, em tais casos não mais podem ser utilizados. Quis o legislador que o afastamento de uma criança ou adolescente de sua família necessariamente ocorra por intermédio de procedimento judicial contencioso, no qual conste a acusação formal da

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prática de um ato grave, que justifique a tomada de tão drástica medida, e seja oportunizado aos pais/responsável legal o regular exercício de seus direitos fundamentais ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal (o que nem sempre ocorre nos procedimentos instaurados com base no art. 153, da Lei nº 8.069/90, que não raro têm início com um simples ofício do Conselho Tutelar comunicando o acolhimento institucional, muitas vezes efetuado sem uma motivação idônea e que, por não terem uma "forma" predefinida, nem fases procedimentais a vencer - e muito menos um "objeto" definido, acabam se arrastando sem solução indefinidamente, sem a formalização de uma acusação quanto à prática de um ato que justifique o afastamento da criança/adolescente do convívio familiar e sem a produção de provas quanto à sua efetiva ocorrência - e também sem dar espaço para defesa dos pais/responsável, quase sempre pessoas humildes e sem acesso a advogados habilitados). Na verdade, por força do disposto no art. 212, da Lei nº 8.069/90, é admissível a utilização de qualquer ação pertinente (ressalvados os mencionados procedimentos instaurados com base no art. 153, da Lei nº 8.069/90), razão pela qual é possível a deflagração de ação de natureza cautelar, ação civil pública destinada à proteção de direito individual, ação ordinária com pedido liminar ou qualquer outro meio judicial idôneo. Importante também não perder de vista que, como o dispositivo evidencia, a depender do ocorrido, antes de afastar a criança/adolescente de sua família, deve-se verificar a possibilidade afastamento do agressor da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90), sendo que, em qualquer caso, o processo deve tramitar e ser julgado com a mais absoluta prioridade (cf. art. 4º, par. único, alínea “b” e 152, par. único, da Lei nº 8.069/90). Na página do CAOPCA/PR, no tópico sobre a “Lei de Adoção”/Lei da Convivência Familiar (que pode ser acessado através do link: www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=396), encontram-se publicados diversos modelos de procedimentos que podem ser utilizados em tais casos. Pergunta: As disposições incorporadas ao ECA pela L ei nº 12.010/2009 são plenamente aplicáveis aos processos já em curso ? Pode-se entender que as alterações atingiriam todos os processos em curso, na fase em que se encontram, ou as novas regras só valem para os processos ajuizados ou situações de fato que tiveram início a pós a vigência da nova lei? Resposta: As disposições introduzidas ao ECA pela Lei nº 12.010/2009 têm aplicação imediata, inclusive em relação aos processos e procedimentos já em trâmite. Na página do CAOPCA na internet (que pode ser acessada pelo link: http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=396) encontram-se publicados alguns modelos de petições destinadas à regularização da situação das crianças e adolescentes que se encontram acolhidas com base em singelos “pedidos de providência” (também chamados de “procedimentos verificatórios”, “procedimentos para aplicação de medida de proteção”, “procedimentos para apuração de situação de risco” e similares), haja vista que tais procedimentos não são idôneos a legitimar, em especial, o afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar. É preciso ter em mente que o objetivo da lei foi justamente evitar a perpetuação de situações que a rigor já eram ilegais mesmo à luz da redação original do ECA (embora

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fossem amplamente “toleradas”, graças ao “ranço de menorismo” ainda impregnado no Poder Judiciário - e na sociedade em geral), não mais havendo qualquer justificativa para que continuem a ocorrer. Evidente que, em determinadas situações ocorridas (e eventualmente consolidadas) antes do advento da Lei nº 12.010/2009, até se poderia (apenas para argumentar) aceitar a alegação de desconhecimento da ilegalidade de determinadas práticas (como é o caso das “adoções intuitu personae”, mas a partir de novembro de 2009, esta “desculpa” já não mais existe. Pergunta: Em casos nos quais adolescentes que foram destituídos do poder familiar estão há muito tempo acolhidos em in stituições, sem perspectiva de serem colocados em adoção, é admissí vel a “restituição do poder familiar” e sua posterior entrega à famíli a de origem? Resposta: Positivo. A rigor não existe vedação legal à “restituição do poder familiar”, desde que a medida se mostre efetivamente vantajosa aos interesses da criança ou adolescente, especialmente como forma de evitar a perpetuação do acolhimento institucional. Os argumentos favoráveis à possibilidade jurídica da mencionada “restituição do pode familiar” podem ser assim relacionados: - ausência de vedação legal; - interpretação sistemática das disposições contidas no ECA, que nos leva à constatação de que a única medida “irreversível” (por ser expressamente “irrevogável”) é a adoção (cf. art. 39, §1º - de acordo com a nova redação dada pela Lei nº 12.010/2009); - o decreto da destituição do poder familiar não retira dos pais tal condição (a relação de parentesco persiste, havendo mera “averbação” da decisão à margem do registro civil da criança ou adolescente), persistindo, inclusive, alguns dos direitos e deveres paternofiliais, como o dever de prestar alimentos e os direitos sucessórios; - As normas e princípios incorporados ao ECA pela Lei nº 12.010/2009 privilegiam o desencadeamento de ações destinadas à manutenção ou reintegração de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional em suas famílias de origem, não estabelecendo restrições quanto a pais que tenham sido eventualmente destituídos do poder familiar, desde que constatado que a família reúne condições de acolher novamente a criança/adolescente, por ter superado a situação que determinou a destituição do poder familiar ou por haver perspectiva concreta de tal superação, a partir de um trabalho de orientação/apoio externo (que a lei considera dever do Estado proporcionar, sempre que necessário). - A intervenção estatal, também por princípio consagrado no ECA, deve ser sempre voltada à situação que atenda aos interesses da criança/adolescente (que por sinal também deve ser sempre ouvida a respeito - valendo neste sentido observar os princípios contidos no art. 100, par. único, do ECA), razão pela qual, em sendo constatado que a medida de restituição do poder familiar é a mais adequada, e atende aos interesses e anseios da criança/adolescente, a rigor não há razão para que a mesma não seja deferida. Em qualquer caso, mais do que a simples “aplicação da medida” de restituição do poder familiar, é necessário verificar se, de fato, os pais reúnem condições de acolher novamente seus filhos. De igual sorte, é necessário que a reintegração familiar seja efetuada com cautela, de maneira progressiva

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(valendo observar o disposto no art. 92, inciso VIII, do ECA), sem prejuízo do imprescindível acompanhamento posterior do caso (cf. art. 28, §5º, do ECA - por analogia), e do encaminhamento da família aos programas de orientação, apoio, promoção social e/ou tratamento especializado que se fizerem necessários (cf. arts. 90, inciso I; 101, inciso IV e 129, incisos I a IV, do ECA). Em qualquer caso, é necessário que haja o empenho e comprometimento, especialmente, dos técnicos que atuam no município, que a partir de uma abordagem interdisciplinar poderão descobrir as melhores formas de atender a família e de se assegurar o êxito no processo de reintegração familiar. Pergunta: Como atuar de forma mais eficiente na pro teção de crianças e adolescentes em situação de risco, inclusive em raz ão do uso de drogas, tendo em vista a ausência de uma equipe multiprofis sional adequada nas comarcas do interior? Resposta: A plena efetivação dos direitos infanto-juvenis pressupõe a implementação de políticas públicas, em âmbito municipal, capazes de atender crianças e adolescentes em situação de risco, juntamente com suas respectivas famílias. A obrigatoriedade da criação de uma política pública especificamente destinada à prevenção e ao tratamento adequado de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas decorre nada menos que do art. 227, §3º, inciso V, da Constituição Federal, sendo assim um dever elementar do Poder Público (cf. art. 4º, caput, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, caput, da CF) que, se não for cumprido, pode gerar a responsabilidade pessoal do gestor (cf. arts. 5º, 208, caput e inciso VII c/c 216, todos da Lei nº 8.069/90), sendo certo que o atendimento a ser prestado deve também envolver profissionais de outros setores da administração. A intervenção interdisciplinar, portanto, deve ocorrer não apenas no âmbito do Poder Judiciário, mas sim - e fundamentalmente - no âmbito da mencionada “rede de proteção à criança e ao adolescente”, que todo município tem o dever de implementar e articular. A “judicialização” do atendimento, como dito anteriormente, na maioria dos casos não se justifica (salvo para determinar que o município cumpra seu dever legal e constitucional expresso e preste o atendimento devido, sem prejuízo da responsabilização do agente público omisso, consoante acima referido), não podendo a Justiça da Infância e da Juventude agir tal qual fazia a “Justiça de Menores”, que na falta de mecanismos de exigibilidade de direitos, assumia, sozinha, a responsabilidade pelo atendimento de crianças e adolescentes (daí resultando práticas equivocadas e arbitrárias que a Lei nº 8.069/90 procurou abolir). O “foco” hoje deve ser outro: a mencionada busca da estruturação dos municípios, para que estes, por intermédio dos diversos órgãos públicos, implementem políticas públicas intersetoriais destinadas ao atendimento da população infanto-juvenil, com a prioridade absoluta preconizada pela Lei e pela Constituição Federal. A própria Justiça da Infância e da Juventude irá se servir da “rede de proteção à criança e ao adolescente” quando necessitar desde uma avaliação técnica interdisciplinar (enquanto não dispuser de equipe própria) até de uma estrutura adequada para execução das medidas protetivas que eventualmente aplicar a crianças, adolescentes e famílias por ela atendidos. Pergunta: Como compatibilizar o art. 199-A, da Lei nº 8.069/90, que fala em "a sentença que deferir a adoção produz efeitos des de logo, embora

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sujeita a apelação, que será recebida exclusivament e no efeito devolutivo", com o que diz o art. 47, do mesmo Dipl oma Legal, no afirmar que a adoção produz "efeito a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva", salvo na adoção póstuma? Resposta: Os arts. 199-A a E da art. 197-C, da Lei nº 8.069/90 não eram previstos no substitutivo que serviu de base à Lei nº 12.010/2009, tendo sido incorporados quando de sua discussão junto à Câmara dos Deputados. Os mesmos contemplam, na verdade, uma sucessão de equívocos absolutamente desnecessária à luz das disposições gerais já contidas no art. 198, do mesmo Diploma Legal. De qualquer modo, não há que se falar na incompatibilidade mencionada, posto que a regra contida no art. 47, da Lei nº 8.069/90 traz uma disposição especial, que assim prevalece em relação à regra geral contida no art. 199-A, do mesmo Diploma Legal. No caso da “adoção póstuma” os efeitos da adoção retroagirão, de modo a permitir que o adotado tenha direito à herança do seu falecido pai. Assim sendo, no curso do processo de inventário, deverá ser reservado um quinhão para o adotando. Pergunta: A inobservância do prazo fixado no parágr afo 1º, do art. 101 da Lei nº 8.069/90, implica em algum tipo de responsab ilização? Resposta: A rigor, a violação de toda e qualquer norma contida na Lei nº 8.069/90 pode levar à responsabilidade civil e administrativa do agente ao qual se atribui a ação ou omissão lesiva aos interesses infanto-juvenis (cf. arts. 5º, 208, caput e par. único c/c 216, todos da Lei nº 8.069/90). O art. 101, §1º, da Lei nº 8.069/90 traz mais do que uma norma cogente: traz um verdadeiro princípio, contemplado também em outras disposições estatutárias, como as contidas nos arts. 19, caput e §3º, 100, par. único, inciso X e 101, §§6º e 7º, da Lei nº 8.069/90 (dentre outros). A preferência será sempre a manutenção da criança ou adolescente junto à sua família (valendo observar o disposto no art. 130, da Lei nº 8.069/90, que prevê, mesmo nos casos de maus tratos ou abuso sexual, o afastamento do agressor da moradia comum, como primeira providência a ser tentada) ou a reintegração familiar, razão pela qual o contato dos pais ou responsável legal com a criança ou adolescente acolhida não deverá ser apenas “facultado”, mas sim estimulado, ressalvada a existência de ordem expressa e fundamentada em sentido contrário pela autoridade judiciária, ex vi do disposto nos arts. 92, inciso I e §4º e 101, §6º, inciso III, da Lei nº 8.069/9010. Pergunta: Como deve ser composta a equipe responsáv el pela execução da política municipal de garantia do direito à conv ivência familiar? Qual a conduta que deve ser adotada se o município for omi sso em relação à mesma e quem pode tomar alguma medida no caso dessa omissão? Resposta: A equipe técnica deve ser composta por, no mínimo, psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, devendo também haver a previsão da intervenção de antropólogos e técnicos da FUNAI, no caso de atendimento de crianças e adolescentes indígenas ou oriundas de comunidades remanescentes de quilombos (cf. art. 28, §6º, da Lei nº 8.069/90). A implementação da referida política municipal é obrigatória, sob pena de

10 O que é válido, inclusive, para os casos em que a criança ou adolescente seja colocada sob a guarda de terceiros (cf. arts. 33, §4º, do mesmo Diploma Legal).

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responsabilidade pessoal (civil e administrativa) do Prefeito e dos gestores aos quais se atribui a omissão lesiva aos interesses infanto-juvenis (cf. arts. 5º, 208, caput e inciso IX e 216, da Lei nº 8.069/90). A busca da implementação de tal política, que se constitui num verdadeiro pressuposto da plena efetivação do direito à convivência familiar (que não mais pode ficar a cargo apenas do Poder Judiciário e/ou se limitar à pura e simples criação de entidades de acolhimento institucional), se constitui num dever de todos os integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”, que para tanto devem provocar o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (que detém a competência/ poder-dever legal e constitucional de deliberar quanto à implementação de políticas públicas em prol da população infanto-juvenil local). Se necessário recorrer ao Poder Judiciário para obtenção de tal estruturação, poderão fazê-lo os legitimados relacionados no art. 210, da Lei nº 8.069/90, devendo neste caso, como mencionado anteriormente, buscar-se também a responsabilidade civil e administrativa dos gestores omissos. Pergunta: Considerando que a C.F. não apresenta con dicionamentos para a adoção, até mesmo temporal, a norma do inciso III , do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90 deve ser algo de incons titucionalidade, por meio do controle difuso? Resposta: De maneira alguma. Inconstitucional é a falta de critérios ou a utilização do Poder Judiciário para singela “homologação” de “adoções pré-concebidas” (ou “intuitu personae”, realizadas por intermédio de acordos escusos celebrados entre os pais da criança e as pessoas que pretendem adotá-la, fazendo dela um mero “objeto” de “livre disposição” dos adultos. A lei sempre estabeleceu condicionantes à adoção, como é o caso da idade mínima, da exigência de uma motivação idônea, da comprovação de que os interessados em adotar estão preparados, sob o ponto de vista ético, moral e educacional para assumir as responsabilidades e ônus da adoção, em caráter permanente etc. As exigências do art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 apenas reafirmam tais condicionantes que já existiam na sistemática anterior e também se fazem presentes na normativa internacional. Pessoas que obtém crianças para adotar de forma ilícita, não raro através da prática de crimes, como os relacionados nos arts. 237 e 238, da Lei nº 8.069/90, estão demonstrando claramente que não preenchem os requisitos preexistentes da idoneidade moral e das condições éticas indispensáveis à adoção. A opção do legislador foi privilegiar a adoção LEGAL, não podendo a Justiça da Infância e da Juventude permitir a realização de adoções irregulares, formuladas por pessoas que usam de meios antiéticos e mesmo criminosos para “burlar” a sistemática estabelecida para adoção. Vale lembrar que a adoção é medida que visa atender aos interesses da criança ou adolescentes adotando, e não dos adotantes. É fundamental, portanto, rigor na repressão àqueles que usam de meios ilícitos para adotar, devendo-se realizar campanhas de esclarecimento e de estímulo à adoção legal, com ênfase para adoção de crianças maiores, adolescentes, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência etc. Toda vez que a Justiça da Infância e da Juventude, abrindo mão de seu poder jurisdicional, se limita a “homologar” situações pretensamente já consolidadas (concedendo adoções “intuitu personae”, notadamente a pessoas não habilitadas previamente), mas que traduzem uma burla à sistemática legal para adoção, está desestimulando e mesmo

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desrespeitando (e lesando) todos aqueles que confiaram no Poder Judiciário e se submeteram ao procedimento de habilitação à adoção, alimentando assim uma “espiral de ilegalidade” que já existe desde tempos imemoriais e que, a persistir tal mentalidade, jamais terá fim. A Lei nº 12.010/2009 quis abolir, de uma vez por todas, semelhantes práticas, a bem da moralidade do instituto da adoção e da própria credibilidade do Poder Judiciário. Por fim, vale notar que o disposto no art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 não proíbe a adoção de crianças menores de 03 (três) anos por aquelas pessoas regulamente habilitadas e cadastradas, que já demonstraram ter plenas condições de adotar e que devem ter PREFERÊNCIA ABSOLUTA na adoção, em detrimento daqueles que se propõem a obter crianças (geralmente recém-nascidas) por meios ilícitos. Assim sendo, NÃO HÁ inconstitucionalidade alguma a ser reconhecida. Pergunta: Ante as decisões do STF e do STJ, afastan do os efeitos previdenciários da guarda, como fica o guardando, q ue poderia ser adotado não fosse a exigência temporal do inciso II I, do parágrafo 13, do art. 50 da Lei nº 8.069/90? Resposta: Antes de mais nada, deve-se evitar a colocação de crianças e adolescentes sob a guarda, com vista à adoção, de pessoas que não sejam previamente habilitadas, valendo aqui as mesmas observações quanto à utilização de meios escusos para obtenção de crianças com vista á adoção. É muito comum que as pessoas interessadas em adotar, mesmo sem estarem previamente habilitados e/ou terem qualquer vínculo prévio com a criança (geralmente recém-nascida) ou sua família, ingressem com pedidos de simples guarda, de modo a formar primeiramente vínculos, para depois “forçarem” uma “adoção dirigida”. Tal prática deve ser também COIBIDA pelo Poder Judiciário, pelas mesmas razões anteriormente mencionadas. As decisões do STJ e mesmo do STF que não reconhecem a possibilidade de inscrição do guardado como dependente do segurado guardião, com o devido respeito, são INCONSTITUCIONAIS, pois violam de maneira frontal o disposto no art. 227, §3º, inciso VI, da Constituição Federal. Vale também mencionar que tais decisões não são pacíficas, e segundo consta o STJ irá em breve uniformizar sua jurisprudência relativa à matéria, havendo a possibilidade de passar a admitir tal inscrição, como seria de rigor. Ademais, tal fator não serve de justificativa para que se privilegie a iniquidade e o uso de meios escusos para adoção de crianças recém nascidas. Cabe ao Poder Judiciário reconhecer a inconstitucionalidade, isto sim, das “adoções dirigidas” (que negam a condição das crianças como titulares de direitos) e da proibição da inscrição dos guardados como dependentes de seus guardiães. Pergunta: Em face do determinado no inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90, é possível afirmar-se que a adoção entre pessoas ainda é possível, já que não se poderá indeferi-la se os pretendentes à adoção cadastrarem-se após o recebimento da criança direto dos seus genitores? Resposta: Como acima referido, crianças e adolescente são sujeitos de direitos, e não meros “objetos” de “propriedade” de seus pais. Assim sendo, não deve ser reconhecido qualquer pretenso “direito” de os pais “doarem” seus filhos para quem melhor lhes aprouver. Adoções “dirigidas” devem ser coibidas, pois fazem da criança um mero “objeto”, e tal situação não se altera com

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eventual habilitação “posterior” dos pretendentes à adoção. Semelhantes práticas depõem contra a moralidade do instituto da adoção e fazem com que a Justiça da Infância e da Juventude se preste ao deplorável papel de meramente “homologar” “atos de disposição” dos pais (e geralmente apenas da mãe) em relação a seus filhos, não raro após receber a oferta ou paga de recompensa (o que, desnecessário lembrar, caracteriza o crime previsto pelo art. 238, da Lei nº 8.069/90). Em sendo necessária a colocação da criança em adoção (após esgotadas as possibilidades de manutenção dos vínculos familiares, com a identificação do suposto pai e demais cautelas previstas em lei11), isto deverá ocorrer entre as pessoas e casais já cadastrados, procurando-se respeitar, como critério básico, a ordem de inscrição no cadastro existente na comarca (cf. art. 197-E, da Lei nº 8.069/90), ressalvada a existência de situação excepcional, plenamente justificada, que autorize solução diversa. Pergunta: Com a regra do inciso III, do parágrafo 1 3, do art. 50, da Lei nº 8.069/90, é possível afirmar-se que o legislador de u maior importância à guarda do que à adoção? Resposta: O legislador privilegiou o exercício do direito à convivência familiar em suas mais variadas formas, a começar pela permanência da criança ou adolescente em sua família de origem, ou ainda sua colocação em família substituta sem a que para tanto houvesse a necessidade de rompimento dos vínculos com os pais e parentes biológicos. O objetivo do art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 já foi acima mencionado: evitar as “adoções dirigidas” ou “intuitu personae”, que apenas beneficiam aqueles que usam de meios escusos para obtenção de crianças recém-nascidas para adoção, e além de não trazerem a estas qualquer benefício, lhes colocam em sério risco, pois permitem sua colocação familiar junto a pessoas inidôneas e/ou que não possuem uma adequada motivação ou preparo para adoção. A guarda, especialmente junto a parentes próximos da criança ou adolescente, é sem dúvida uma excelente alternativa à sua permanência em uma entidade de acolhimento familiar ou institucional, valendo mencionar que, mesmo diante da colocação de uma criança ou adolescente sob guarda, deve ser assegurado aos pais o direito de visita, ressalvada a existência de ordem judicial expressa e fundamentada em sentido contrário (cf. art. 33, §4º, da Lei nº 8.069/90). Pergunta: Com as novas alterações no direito brasil eiro, inclusive em torno dos alimentos gravídicos, reconhecendo-se ao nascituro determinados direitos, é possível a adoção do nasci turo? Resposta: Negativo. Por força do disposto no art. 166, §6º, da Lei nº 8.069/90, o consentimento com a adoção somente pode ser dado após o nascimento da criança, o que na prática inviabiliza a adoção do nascituro. É necessário, ademais, prestar assistência psicológica, social e jurídica à gestante e à mãe, justamente na perspectiva de EVITAR que a mesma abra mãe de seu filho, devendo a mesma ser ainda orientada e conscientizada no sentido da indicação do nome do suposto pai (pois toda pessoa tem o direito de conhecer

11 Valendo mencionar as disposições da Lei nº 8.560/92, assim como o contido nos arts. 19, caput e §3º, 100, caput e par. único, incisos I, IV, IX e X, 166, §§2º e 3º, parte final, da Lei nº 8.069/90.

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sua origem biológica), que deverá ser chamado a dizer se assume ou não a paternidade, nos moldes do previsto na Lei nº 8.560/92. Pergunta: A prévia destituição do poder familiar, e xigida pelo art. 169 da Lei nº 8.069/90, não deve ser desconsiderada ante o princípio da relativização das formas acolhido pela jurisprudênc ia, se na própria ação de adoção, que extingue o poder familiar, se possib ilitar o contraditório aos pais do adotando? Resposta: Negativo. Apenas a ação de destituição do poder familiar garante o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, como forma de evitar o deferimento de uma adoção de forma arbitrária, sem que seja devidamente comprovada a presença de alguma das causas de destituição do poder familiar previstas no art. 1638, do Código Civil e arts. 22 c/c 24, da Lei nº 8.069/90. Tal entendimento também afrontaria os princípios relativos ao exercício do direito à convivência familiar consagrados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela normativa internacional e reafirmados pela Lei nº 12.010/2009. Não mais é admissível agir tal qual ocorria sob a égide do revogado “Código de Menores”, em que a pretexto de se estar agindo no “melhor interesse da criança” arbitrariedades eram praticadas e graves equívocos eram cometidos. Pela sistemática atual, o conceito de “melhor interesse da criança” não é mais um termo vago, cujo alcance ficava ao critério exclusivo da autoridade judiciária, mas passou a ter parâmetros claramente definidos, que encontram respaldo, antes de mais nada, na Constituição Federal que, apenas para exemplificar, assegura à família, primeira instituição chamada à responsabilidade para defesa dos direitos infanto-juvenis, especial proteção por parte do Estado (lato sensu - o que inclui o Estado-Juiz), na pessoa de cada um de seus integrantes (cf. arts. 226, caput e §8º e 227, caput, primeira parte, de nossa Carta Magna), o que inclui o direito ao contraditório e à ampla defesa. A Lei nº 12.010/2009 reafirma a necessidade de instauração de processo/procedimento contraditório até mesmo para o simples afastamento temporário de criança ou adolescente do convívio familiar, o que logicamente torna absolutamente inviável que a adoção (ressalvadas, logicamente, as hipóteses previstas no art. 166, da Lei nº 8.069/90), ocorra sem a prévia destituição do poder familiar, assim decretada em sede de procedimento específico, não por acaso previsto no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 155 a 163, da Lei nº 8.069/90), após devidamente comprovada a presença de uma das causas de destituição do poder familiar previstas em lei. Pergunta: Quantas recusas são necessárias para a ca racterização do pressuposto da reavaliação da habilitação, nos term os do parágrafo 2º, do art. 197-E, da Lei nº 8.069/90? Resposta: O objetivo da norma é fazer com que os postulantes à adoção deixem de fazer exigências excessivas quanto ao “perfil” da criança que pretendem adotar, ao que corresponde um trabalho a ser desenvolvido pela equipe técnica a serviço da Justiça da Infância e da Juventude (preferencialmente em parceria com os técnicos das entidades de acolhimento e responsáveis pela execução da política municipal destinada à plena efetivação do direito à convivência familiar). A reavaliação preconizada por este e outros dispositivos introduzidos pela Lei nº 8.069/90 não deve ser uma atividade meramente passiva, mas também compreender o estímulo à adoção

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de crianças maiores de 03 (três) anos e adolescentes, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência e outras que geralmente não têm interessados em sua adoção. Assim sendo, a rigor basta uma recusa, que demonstre preconceito ou discriminação para com a adoção de uma criança ou adolescente que não se enquadre no “perfil” idealizado pela pessoa ou casal habilitado, para que a reavaliação (e o referido trabalho destinado à “remoção das barreiras psicológicas à adoção”) seja efetuada. Pergunta: Um rapaz que foi adotado por uma senhora em 1989, através de escritura pública, com a devida anuência dos pais b iológicos, entrou com uma ação anulatória de registro público, pois desej a que conste no aludido documento o nome de sua mãe biológica e não a da adotiva. A mãe adotiva já faleceu. O requerente aduz que só en trou com a ação agora em face de ter atingido a maioridade e não co ncordar com a adoção feita quando o mesmo ainda era criança. Em caso de possibilidade, quem figuraria no pólo passivo da demanda, visto que a m ãe adotiva faleceu e não há informações quanto a possíveis herdeiros des ta? Resposta: Não parece que o caso comporta ajuizamento de ação anulatória de registro público. Se o ato jurídico era perfeito (e antes do advento do ECA era possível a adoção por escritura pública), não há o que anular. É possível, no entanto, resolver a situação por 02 (dois) caminhos distintos, sem necessidade de recorrer à anulatória: 1 - caso a mãe biológica esteja viva e consinta com o restabelecimento da relação de filiação, ela pode adotar o seu filho biológico. Desnecessário dizer que, em tal caso, não incide a vedação do art. 42, §1º, do ECA, até porque a mãe biológica, para todos os fins e efeitos (salvo os impedimentos matrimoniais) não é mais considerada “ascendente” do filho biológico, que com a adoção passou a ser legalmente filho de terceira pessoa. Assim sendo, basta que a mãe biológica ingresse com um pedido de adoção do interessado, que a relação de filiação será restabelecida, com o cancelamento da anterior; 2 - uma outra opção, mais "progressista" (vamos dizer), é o ingresso, pelo filho, com uma ação de reconhecimento da filiação biológica sem a anulação ou cancelamento da filiação adotiva. Tal solução, que a priori independe do consentimento da mãe biológica (caso a mesma já seja falecida, por exemplo), permite que o adotado restabeleça os vínculos biológicos sem "negar" (ou “cancelar”) os adotivos (o que pode até mesmo lhe acarretar traumas e perdas difíceis de superar, especialmente se o mesmo nutria pela família adotiva relação de afeto). Isto na verdade já possui ao menos um precedente. Transcrevemos, abaixo, uma notícia relativa a uma recente decisão do TJRS que trata do assunto, sendo esta solução aparentemente mais adequada que a primeira, ressalvada a existência de motivos para que o adotado queira "apagar" a família adotiva de sua história de vida. Assim, caso o adotado deseje manter os vínculos parentais com a família adotiva, me parece que o mais adequado seja o ingresso com uma ação inominada, de rito ordinário (devido ao objeto), visando o restabelecimento da filiação biológica sem a desconstituição do vínculo adotivo. Caso procedente (e não vejo porque não o ser), o adotado passaria a contar no registro com 02 (duas) mães: a biológica e a adotiva, o que também não é novidade alguma, especialmente com a proliferação de ações de adoção ajuizadas por pares homossexuais, nas quais têm sido deferida a dupla paternidade/maternidade.

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Não parece que seja necessário indicar uma parte "requerida" na referida ação, especialmente se a mãe biológica com ela consentir. Quando muito, será a própria mãe biológica (e/ou seus herdeiros) que deverá figurar no polo passivo da demanda (dados os possíveis reflexos para fins de alimentos e herança). Transcrevemos abaixo a notícia sobre a decisão do TJRS: No dia 17/09/2009, a 8ª Câmara Cível do TJRS, em decisão inédita, afirmou ser possível declarar judicialmente a paternidade biológica de alguém, sem que haja pedido de anulação do atual registro decorrente da paternidade socioafetiva (dos adotantes). O Colegiado determinou a averbação da paternidade biológica em Registro Civil de homem, 40 anos. Não foi autorizada a alteração do nome registral e nem concedidos direitos vinculados ao parentesco, como herança do pai biológico. Os magistrados entenderam que a medida não viola o ordenamento jurídico, informando haver também concordância das partes e inexistência de prejuízo ou discordância de quem quer que seja. Pai e filho, autores da ação de investigação de paternidade, interpuseram recurso de apelação ao TJ contra sentença de improcedência. Afirmaram querer a averbação da paternidade biológica e que não negam a paternidade socioafetiva (registral). Os pais adotivos também já faleceram e não deixaram herança. Conforme o relator, Des. Rui Portanova, a Justiça de primeira instância entendeu que a ação objetiva o recebimento de herança pelo filho. E, como a paternidade socioafetiva é preponderante, a sentença de 1º Grau declarou ser inviável reconhecer o vínculo biológico. Para o Desembargador, está correto valorar mais a paternidade decorrente da socioafetividade dos pais adotivos e registrais. No entanto, disse, é possível reconhecer a paternidade biológica em concomitância com a socioafetiva (registral). “Não há justificativa para impedir a livre investigação da paternidade pelo fato de alguém ter sido registrado como filho dos pais socioafetivos”. Salientou que foi comprovada a paternidade biológica após 40 anos do nascimento do filho e inexiste interesse, de ambos, em anular ou retificar o atual registro de nascimento. “Certa a paternidade biológica, o seu reconhecimento, sem a concessão dos demais direitos decorrentes do vínculo parental e inexistindo prejuízo e resistência de quem quer que seja, não viola o ordenamento jurídico”. Esclareceu, ainda, que o pai biológico pode contemplar o filho com seus bens, valendo-se de instrumento adequado previsto no regramento jurídico. O filho contou que conviveu até os 18 anos na casa dos pais socioafetivos (adotivos) porque casou-se logo após o falecimento de sua mãe. Manteve relacionamento com o pai adotivo até a morte dele, quando o apelante estava com 39 anos. Esclareceu que os pais adotivos não deixaram bens e nada herdou. Ressaltou que o reconhecimento da paternidade foi iniciativa do pai biológico. Declarou que mantém com ele, relacionamento bem próximo desde 2007. Já o pai biológico afirmou que tinha conhecimento da paternidade desde o nascimento do filho, porém não se aproximou em razão de a mãe biológica estar casada na época da concepção. Revelou que sempre procurou saber do paradeiro do filho e ficou sabendo da adoção por meio de parentes dos pais registrais. Disse querer deixar o patrimônio que possui para ele e outro filho. Na avaliação do Des. Rui Portanova, negar o reconhecimento da verdade biológica chega a ser uma forma de restrição dos direitos da personalidade e de identidade da pessoa. Como é certa a paternidade biológica, frisou, é possível o seu reconhecimento judicial, sem a concessão dos direitos vinculados ao parentesco. “Assim, penso

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não haver obstáculo em preservar a verdadeira paternidade - a socioafetiva - e reconhecer a paternidade biológica com a devida averbação no registro”. Votaram de acordo com o relator, os Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e José Ataídes Siqueira Trindade. (Fonte: TJRS). Pergunta: Determinada pessoa, há mais de dez anos, iniciou um relacionamento amoroso com "X". Esta já tinha uma filha de 08 meses, porém sem o nome do genitor no registro. O autor, então, assumiu a paternidade e registrou como sua a criança. Agora, como relacionamento amoroso acabou, o autor resolve que não quer mais ser pai da menina e ajuíza uma ação de nulidade de registro, apontando o verdadeiro genitor, que foi confirmado pela prova técnica. É razoável anular esse registro, considerando que a decisão do pai foi consciente em reconhecer a menina como sua filha, mesmo sabendo que não era? Resposta: A paternidade/maternidade socioafetiva tem sido cada vez mais valorizada pela doutrina e pela jurisprudência, que em alguns casos, em seu favor, chegam a cometer alguns excessos. Cada caso é um caso, e deve ser analisado com a cautela e profundidade devidas, levando em conta os princípios que norteiam o Direito da Criança e do Adolescente e suas implicações no caso em concreto, que devem ser devidamente ponderadas (não basta a singela alegação de que determinada situação "atende ao superior interesse da criança", tal qual ocorria sob a égide do revogado "Código de Menores", em que se invocava o "superior interesse" para privar de liberdade, encaminhar para abrigos, "exportar" crianças para fora do País quando havia familiares interessados em obter sua guarda/tutela/adoção e outras tantas barbaridades que todos nós conhecemos ou ao menos já ouvimos falar...), a partir de uma avaliação interprofissional criteriosa. Coloco isto como questão preliminar até para evitar que a referida "supervalorização" da paternidade/maternidade socioafetiva nos leve a situações esdrúxulas, como a manutenção de vínculos de crianças recém nascidas com pessoas que as "compram" de seus pais (geralmente apenas de suas mães) e após um efêmero convívio já ingressam com pedidos de guarda ou adoção, almejando a convalidação, pelo Poder Judiciário, de uma conduta contra legem e mesmo criminosa (cf. art. 238, do ECA), que faz da criança um mero “objeto” de “propriedade” de seus pais, em total subversão não apenas às normas e princípios estatutários aplicáveis, mas ao próprio princípio basilar da dignidade da pessoa humana. No caso citado, no entanto, me parece que a situação é diversa da acima exemplificada, e é possível sustentar a manutenção do vínculo paternal, com base na relação socioafetiva já consolidada, apesar da inexistência de paternidade biológica. Transcrevemos, abaixo, algumas decisões de Tribunais (em alguns casos, apenas notícias de decisões), que reconhecem a impossibilidade da ruptura da relação paternofilial existente, fortemente consolidada ao longo dos anos, em razão da simples constatação da inexistência de filiação biológica, notadamente quando esta circunstância já era conhecida do "pai registral", quando da lavratura do assento de nascimento (não havendo assim que se falar da presença em qualquer dos vícios do consentimento quando da efetivação daquele ato). Há mesmo uma tendência de reconhecer a possibilidade da coexistência das paternidades biológica e socioafetiva (para hipótese de o pai biológico ter interesse em assumir tal condição), desde que tal solução se mostre de fato

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vantajosa. Não resta dúvida que não está longe o dia em que a chamada "adoção aditiva", na qual o vínculo adotivo é estabelecido sem o rompimento do vínculo biológico, como no caso do falecimento do pai biológico e a posterior adoção do filho pelo cônjuge ou companheiro da mãe da criança/adolescente, será amplamente admitida (vale lembrar que, pela sistemática atual, que preconiza uma adoção "substitutiva" - ressalvado o caso de adoção unilateral - o deferimento da adoção em tais casos importaria no virtual "desaparecimento" de qualquer traço da paternidade biológica da história de vida da criança/adolescente, com reflexos, inclusive, junto aos avós e outros parentes paternos, que perderiam tal condição e não mais poderiam reivindicar visitas, por exemplo, acarretando um completo rompimento de vínculos que pode ser prejudicial ao destinatário da medida). É preciso, enfim, aplicar os institutos de Direito da Criança e do Adolescente com cautela e responsabilidade, analisando todas as implicações presentes - e também futuras - da decisão que pretendemos tomar (mesmo quando falamos em "adoção aditiva", não podemos perder de vista que, reconhecida esta possibilidade, estamos também falando da "adição" de outros deveres decorrentes da relação paternofilial, como o dever de prestar alimentos, que é recíproco entre ascendentes e descendentes, daí podendo resultar numa futura obrigação do filho, no caso citado, em prestar alimento a ambos os pais e/ou a seus quatro avós paternos), de modo que o "superior interesse" da criança/adolescente não fique apenas na "retórica" e/ou sujeito ao "prudente arbítrio" do Juiz (usando um termo que era o parâmetro empregado pelo revogado Código de Menores quando da "fundamentação" das decisões - que muitas vezes sequer "fundamentadas" eram), mas sim seja devidamente comprovado nos autos, a partir da mencionada análise interprofissional criteriosa (e uma coisa que não podemos mais conviver é com comarcas que não dispõem de equipes interprofissionais a serviço da Justiça da Infância e da Juventude), efetuada à luz das normas e princípios que regem a matéria, que também devem ser sopesados e devidamente considerados pela decisão respectiva. Transcrevemos, abaixo, os julgados anteriormente mencionados: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE BIOLÓGICA NÃO CONFIRMADA. AFETIVIDADE ENTRE PAI REGISTRAL E FILHO. ANULAÇÃO DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. A manutenção da paternidade registral, não biológica, mesmo quando firmada de forma voluntária, só se justifica quando existente relação de socioafetividade entre as partes. Presente, no caso concreto, forte vínculo socioafetivo entre pai e filho, o registro de nascimento do menor deve ser mantido, preservando os interesses e direitos da criança e do adolescente. RECURSO IMPROVIDO. (TJRS. 8ª C. Cív. Ap. Cível nº 70022896625. Rel. Claudir Fidelis Faccenda. J. em 12/06/2008. DJ 19/06/2008). Reconhecimento de paternidade biológica não importa , necessariamente, na anulação da paternidade socioafetiva. No dia 17/09/2009, a 8ª Câmara Cível do TJRS, em decisão inédita, afirmou ser possível declarar judicialmente a paternidade biológica de alguém, sem que haja pedido de anulação do atual registro decorrente da paternidade socioafetiva (dos adotantes). O Colegiado determinou a averbação da paternidade biológica em Registro Civil de homem, 40 anos. Não foi autorizada

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a alteração do nome registral e nem concedidos direitos vinculados ao parentesco, como herança do pai biológico. Os magistrados entenderam que a medida não viola o ordenamento jurídico, informando haver também concordância das partes e inexistência de prejuízo ou discordância de quem quer que seja. Pai e filho, autores da ação de investigação de paternidade, interpuseram recurso de apelação ao TJ contra sentença de improcedência. Afirmaram querer a averbação da paternidade biológica e que não negam a paternidade socioafetiva (registral). Os pais adotivos também já faleceram e não deixaram herança. Conforme o relator, Des. Rui Portanova, a Justiça de primeira instância entendeu que a ação objetiva o recebimento de herança pelo filho. E, como a paternidade socioafetiva é preponderante, a sentença de 1º Grau declarou ser inviável reconhecer o vínculo biológico. Para o Desembargador, está correto valorar mais a paternidade decorrente da socioafetividade dos pais adotivos e registrais. No entanto, disse, é possível reconhecer a paternidade biológica em concomitância com a socioafetiva (registral). “Não há justificativa para impedir a livre investigação da paternidade pelo fato de alguém ter sido registrado como filho dos pais socioafetivos”. Salientou que foi comprovada a paternidade biológica após 40 anos do nascimento do filho e inexiste interesse, de ambos, em anular ou retificar o atual registro de nascimento. “Certa a paternidade biológica, o seu reconhecimento, sem a concessão dos demais direitos decorrentes do vínculo parental e inexistindo prejuízo e resistência de quem quer que seja, não viola o ordenamento jurídico”. Esclareceu, ainda, que o pai biológico pode contemplar o filho com seus bens, valendo-se de instrumento adequado previsto no regramento jurídico. O filho contou que conviveu até os 18 anos na casa dos pais socioafetivos (adotivos) porque casou-se logo após o falecimento de sua mãe. Manteve relacionamento com o pai adotivo até a morte dele, quando o apelante estava com 39 anos. Esclareceu que os pais adotivos não deixaram bens e nada herdou. Ressaltou que o reconhecimento da paternidade foi iniciativa do pai biológico. Declarou que mantém com ele, relacionamento bem próximo desde 2007. Já o pai biológico afirmou que tinha conhecimento da paternidade desde o nascimento do filho, porém não se aproximou em razão de a mãe biológica estar casada na época da concepção. Revelou que sempre procurou saber do paradeiro do filho e ficou sabendo da adoção por meio de parentes dos pais registrais. Disse querer deixar o patrimônio que possui para ele e outro filho. Na avaliação do Des. Rui Portanova, negar o reconhecimento da verdade biológica chega a ser uma forma de restrição dos direitos da personalidade e de identidade da pessoa. Como é certa a paternidade biológica, frisou, é possível o seu reconhecimento judicial, sem a concessão dos direitos vinculados ao parentesco. “Assim, penso não haver obstáculo em preservar a verdadeira paternidade - a socioafetiva - e reconhecer a paternidade biológica com a devida averbação no registro”. Votaram de acordo com o relator, os Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e José Ataídes Siqueira Trindade. (Fonte: TJRS). Registro de paternidade só pode ser anulado se houv er vício de consentimento. 15/12/2008. Aquele que reconhece voluntariamente a paternidade de criança sabendo que não é o pai biológico não tem o direito subjetivo de propor posteriormente ação

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de anulação de registro de nascimento, a não ser que demonstre a ocorrência de vício de consentimento. Essa foi a decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, acatou os recursos especiais interpostos pela representante da criança e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Inicialmente, um homem ajuizou uma ação anulatória de registro de paternidade, argumentando que registrou a criança, nascida em 2003, sob enorme pressão psicológica e coação irresistível imposta pela mãe. Na ação, ele afirma que "sempre soube que a criança não era seu filho". Ele sustentou que não se trata de negatória de paternidade, mas de mera anulação de registro. Seu objetivo era a declaração da inexistência da relação jurídica de parentesco entre ele e a criança. Na contestação, a representante da criança afirma que, ao saber da gravidez, o homem não levantou dúvidas a respeito da paternidade que lhe foi atribuída, tendo, inclusive, sugerido a realização do aborto. Diante da decisão da genitora de manter a gravidez, o homem prestou todo auxílio necessário durante a gestação. A mãe afastou qualquer possibilidade de coação, afirmando que ele registrou a criança sem vício de vontade. Na audiência preliminar, o juiz homologou acordo para realização de exame de DNA, cujo laudo é conclusivo no sentido de excluir a paternidade biológica. Na sentença, o pedido formulado pelo homem foi julgado improcedente sob o fundamento de que "as alegações e provas trazidas nos autos pelo autor são insuficientes a amparar a desconstituição e/ou invalidação de seu ato". Com isso, o homem recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que acatou sua apelação sob o fundamento de que, "sendo negativa a prova pericial consistente no exame de DNA, o estado de filiação deve ser desconstituído coercitivamente". Daí o recurso especial interposto pelo representante do menor e pelo MPDFT em que alegam divergência jurisprudencial e ofensa ao artigo 1.604 do Código Civil de 2002. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi afirma que diretrizes devem ser muito bem fixadas em processos que lidam com direito de filiação, para que não haja possibilidade de uma criança ser desamparada por um ser adulto que a ela não se ligou, verdadeiramente, pelos laços afetivos supostamente estabelecidos quando do reconhecimento da paternidade. Segundo a ministra, o julgamento deve ser pautado pela duradoura prevalência dos interesses da criança, sentimento que deve nortear a condução do processo em que se discute, de um lado, o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação. Ela afirma que o ato só pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento. Isto é, para que haja efetiva possibilidade de anulação do registro de nascimento do menor, é necessária prova robusta no sentido de que o relutante pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido. A ministra entende que não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade em que o próprio recorrido manifestou que sabia perfeitamente não haver vínculo biológico entre ele e o menor e, mesmo assim, reconheceu-o como seu filho. Além disso, o simples receio de ter contra si ajuizada uma ação, possivelmente uma investigatória de paternidade, não pode, jamais, ser considerado como "coação irresistível", conforme alegado pelo pai, que, por sua vez, ajuizou ação para anular o ato de reconhecimento de filho que praticou espontaneamente. A ministra finaliza, afirmando que o julgador deve ter em mente a salvaguarda

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dos interesses dos pequenos, porque a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças, no sentido de tornar, o quanto for possível, contínuos os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento (Fonte: STJ).