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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006 DANIELA BOGADO BASTOS DE OLIVEIRA 271 CONVIVÊNCIA FAMILIAR: NECESSIDADE DE NOVOS CONCEITOS Daniela Bogado Bastos de Oliveira * RESUMO: Este artigo busca demonstrar, à luz do direito civil constitucionalizado, a partir da análise de um caso concreto, a necessidade de se ampliar o conceito de família bem como de confirmar a força da paternidade socioafetiva, ou seja, da paternidade que é construída cotidianamente através da convivência familiar. ABSTRACT: This article tries to demonstrate, from a constitutional perspective of civil law on a specific case, the need to expand the concept of family as well as confirm the strength of social affective paternity, that is, the paternity that is built routinely through family living. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A história de Alessandra: paternidade biológica e socioafetiva. 3. A ampliação da convivência familiar. 4. Um novo conceito de família. 5. Conclusão. * Advogada. Mestranda da Faculdade de Direito de Campos. Bolsista da FENORTE. Trabalho apresentado como conclusão da disciplina de Relação de Família, ministrada pela Profª. Heloisa Helena Barboza.

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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006

DANIELA BOGADO BASTOS DE OLIVEIRA 271

CONVIVÊNCIA FAMILIAR: NECESSIDADE DENOVOS CONCEITOS

Daniela Bogado Bastos de Oliveira*

RESUMO: Este artigo busca demonstrar, à luz dodireito civil constitucionalizado, a partir da análise de umcaso concreto, a necessidade de se ampliar o conceitode família bem como de confirmar a força da paternidadesocioafetiva, ou seja, da paternidade que é construídacotidianamente através da convivência familiar.

ABSTRACT: This article tries to demonstrate, froma constitutional perspective of civil law on a specific case,the need to expand the concept of family as well as confirmthe strength of social affective paternity, that is, the paternitythat is built routinely through family living.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A história de Alessandra:paternidade biológica e socioafetiva. 3. A ampliação daconvivência familiar. 4. Um novo conceito de família. 5.Conclusão.

*Advogada. Mestranda da Faculdade de Direito de Campos. Bolsista daFENORTE. Trabalho apresentado como conclusão da disciplina de Relaçãode Família, ministrada pela Profª. Heloisa Helena Barboza.

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1. Introdução

Trata-se da análise jurídica de um caso concreto queenvolve a história de uma criança, Alessandra, filhabiológica de Ana e Leonardo, adotada por Antônio,1 com oobjetivo de demonstrar, à luz do direito civilconstitucionalizado, a necessidade de se ampliar oconceito de família bem como de confirmar a força dapaternidade socioafetiva, ou seja, da paternidade que éconstruída cotidianamente através da convivência familiar.

Para tanto, se refletirá as entidades familiares, opoder familiar, a (ir)revogabilidade da adoção, o direito devisita e o princípio da ponderação em consonância com oOrdenamento Jurídico e com a jurisprudência, partindo-se da perspectiva de que as relações familiares devemservir como palco para o exercício da felicidade e para opleno desenvolvimento da personalidade, bem como dacrença de que não há padrões absolutos e, portanto, certosconceitos devem ser relativizados.

Assim sendo, após ser relatado no primeiro capítuloa história de Alessandra e a sua dupla paternidade:biológica e socioafetiva, no segundo capítulo será propostoa ampliação da convivência familiar, compatível com umnovo conceito de família, delineado no terceiro capítulo,para, ao final se concluir que a legislação tem queacompanhar a multidiversidade familiar, respeitandosempre a dignidade da pessoa humana e o melhorinteresse da criança e do adolescente.

2. A história de alessandra: paternidade biológica esocioafetiva

Ana, mãe solteira que registrou a filha apenas emseu próprio o nome, sem permitir que o pai biológico

1 Os nomes são fictícios para preservar a identidade das pessoas envolvidasna situação.

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(Leonardo) registrasse a criança, por já estar vivendo comoutro homem (Antônio), que se tornou o pai afetivo e adotouAlessandra, filha de sua até então companheira. Este casalveio a ter outra filha.

Para evitar o reconhecimento da paternidade deAlessandra por parte do pai biológico, a mãe, na épocalhe afirmou que ele não era o pai, fato este desmentidoposteriormente, quando já casada com o pai socioafetivoque adotara a criança, sem que o pai biológico tivesseconhecimento.

Ao contar a verdade, a mãe da criança pediu ao paibiológico que nada fizesse para atrapalhar o seucasamento, que passava por uma crise e permitiu queeste passasse a conviver com a criança e a irmã as quaispassavam com o mesmo finais de semana.

Ressalta-se que Leonardo só veio saber da adoçãoda menina pelo marido de sua mãe, anos após, quandoesta teve que lhe dar por escrito uma autorização para eleviajar com Alessandra e entregou-lhe a carteira identidadeda mesma.

A mãe de Alessandra sofria das faculdades mentais,e constantemente tentava suicídio, utilizando-se destafragilidade para manipular a situação em seu favor. Assimsendo, o pai biológico aceitou a situação de conviver comsua filha sem insurgir-se contra a adoção feita a sua revelia,apenas para poder visitar regularmente a filha e tê-la emsua companhia. Ocorre, porém, que a mãe da criançaveio a falecer quando a menina contava nove anos e, apartir daí, o pai biológico com sua esposa passaram a tero convívio da filha obstado pelo pai adotivo, que até entãocedera aos caprichos de Ana.

È importante frisar que a criança sempre teve plenoconhecimento da existência da “dupla filiação” lidando comnaturalidade com isto, tanto é que chama o pai biológicode “pai Le” e o pai adotivo de “pai Tônio”.

Porém, a partir do momento de que o pai adotivo,por quem ela nutre grande afeição, passou a rechaçar a

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presença do pai biológico, a mesma sente-se inquieta edividida, sem querer demonstrar ao primeiro o amor quesente pelo segundo.

Como Antônio enciumado não quis entrar emconsenso com Leonardo, este resolveu pleitear na Justiçaa desconstituição da adoção para ter sua filha com ele esua esposa, assim como a guarda da irmã dela, para nãosepará-las, eis que se afeiçoaram também à menina.

Analisando este caso concreto entende-se que estanão é a melhor opção por não corresponder ao princípiodo melhor interesse. Primeiro porque Alessandra sempreesteve totalmente adaptada ao pai adotivo, segundoporque a adoção é um ato irrevogável e, portanto, adesconstituição da adoção confrontaria a coisa julgada,que também é um direito fundamental e, a princípio, sódeveria ser relativizado se fosse o caso da criança requerero reconhecimento da fil iação em razão daimprescritibilidade da paternidade, do direito à identidadegenética e dos princípios embasadores da doutrina daproteção integral.

Assim sendo, deve-se procurar conciliaramigavelmente, sem mexer com a adoção, para permitirà menina a convivência com ambos os pais, pois amultiplicidade do vínculo familiar já faz parte da realidadede Alessandra.

Cada pai – o biológico e o adotivo - com seurespectivo grupo familiar, em nome do afeto, deve seorganizar da forma que achar mais conveniente, ainda quesaiam da comodidade dos padrões tradicionais.

A concepção de família de Alessandra é mais ampla.Como agora reduzi-la? A redução seria uma violênciapsicológica para ela, que recentemente já teve o traumada morte da mãe. Negar-lhe o convívio com o pai biológicoé forçar a inexistência de uma situação fática e limitar aexistência plena da menina, visto que o seu relacionamentocom o mesmo ganha importância não pelaconsangüinidade, mas pelos laços afetivos cultivados. E

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este é o detalhe primordial: no caso em tela, não se tratasimplesmente de decidir entre a paternidade biológica esocioafetiva, afinal, o que Leonardo quer não é apenasem razão do parentesco de sangue, mas também daafetividade que ele e sua esposa cultivaram por Alessandrae sua irmã. Até porque, em última análise, todos filhossão adotados, até os biológicos uma vez que a relação defiliação se constrói com a atenção compartilhada que seintensifica. O amor não é um dado natural, mas construído.

O conhecimento dos genitores envolve oconhecimento da própria origem da pessoa. Geralmente,o “trauma” das pessoas adotadas é descobrir que foramadotadas e pensarem na rejeição dos genitores. No casoem análise isto não ocorre. Mas a disputa judicial pelamenina pode ser problemática, por forçar-lhe a escolherum pai.

Maria Christina de Almeida explica que:

o estado de filiação detém, neste rumo,uma base ambivalente: de um lado,preside o vínculo entre pais e filhos averdade genética; de outro, surge umanova face da filiação, porque “ser filho”é algo mais do que ser geneticamente“herdeiro” de seu progenitor, porquantoa figura paterna pode não ter contribuídobiologicamente para o nascimentodaquele que é “seu filho”, porém,possibilitou que o vínculo fosseconstruído sobre outras bases, que nãogenéticas. Diante deste paradoxo deverdades, é preciso dizer que não devehaver prevalência ou predomínio de umadimensão sobre a outra. A constituiçãojurídica da filiação pode ser fundadatanto na consangüinidade - já que serfilho é, antes de tudo, um dado biológico

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- quanto na socioafetividade - eloformado pelos laços afetivos, históriapessoal de cada membro pautada poralegrias e tristezas, ligações deparentesco, apoio, comprometimento,solidariedade e influência do ambientefamiliar e social, realidade esta que ostestes científicos da descoberta dafiliação não podem alcançar. Na hipótesede ocorrer um conflito entre a dimensãobiológica e a diretriz socioafetiva,recomenda-se que somente à luz docaso concreto, mediante um juízo deproporcionalidade e razoabilidade, eainda, calcando-se na ponderação deinteresses, é que se deverá fazerprevalecer um ou outro vetor. Tal soluçãoleva em conta a idéia de que não devehaver supremacia de uma dimensãosobre a outra, mas sim, deve o julgadorfazer uso do princípio do melhorinteresse da criança para decidir poruma verdade biológica ou por umaverdade socioafetiva. Assim,recomenda-se a adoção principiológicade uma base ambivalente da verdade econstrução da filiação no Direitobrasileiro, abrindo as portas para umaverdade ou outra, a depender do casoconcreto.2

O ordenamento jurídico brasileiro é calcado naprimazia das situações existenciais em razão da dignidadeda pessoa humana como fundamento da República. De

2 ALMEIDA, Maria Chrisitna de. Disponível em: www.ibdfam.com.br. Acessoem: 29 dez. 05.

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acordo com Maria Celina Bodin de Moraes, “o princípiocardeal do ordenamento é o da dignidade humana, que sebusca atingir através de uma medida de ponderação queoscila dois valores, ora propendendo para a liberdade, orapara a solidariedade.”3

Se “o indivíduo existe enquanto em relação com osoutros” e “a solidariedade objetiva decorre da necessidadeimprescindível da coexistência,”4 fundamental o sentidode alteridade. E este contato com o outro, a divisão deespaço, o respeito da privacidade que nos torna menosegoístas e interfere na personalidade da pessoa ocorreprimordialmente no contato familiar.

É preciso libertar o Direito de Família das concepçõestradicionais e taxativas e garantir a Alessandra o seuâmbito de convivência familiar ampliado, numa ótica maissolidária, para concretizar sua dignidade existencial.

Por outro lado, genericamente pensando, a pessoaque adota não quer interferência da família biológica e coma adoção não perdura nenhum vínculo, salvo impedimentomatrimonial.

O ponto principal é que, diante da diversidade depeculiaridades dos casos concretos, para se encontrar asolução mais justa ou, a forma de melhor regulamentaruma situação deverá se observar princípios gerais, sendocerto que no confronto entre direitos fundamentais deveráse usar o critério da razoabilidade.

É uma colcha de retalhos que deve ser alinhavadacom sutileza para observar e ponderar cada detalhe quese demonstra relevante.

A diretriz deve ser encontrada levando emconsideração o princípio do melhor interesse.

3 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: Estudosem homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito. Rio de Janeiro: Renovar,2003. p. 190.4 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. Op. cit. p.169-171.

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3. A ampliação da convivência familiar

No caso concreto em análise, ao considerar oprincípio do melhor interesse, entende-se que a solicitaçãode Leonardo de estar junto com sua filha pode ser atendidacom o direito de visita, assegurando-se, assim, aconvivência familiar.

Para tanto, basta partir da analogia do direito de visitados avós:

DIREITO DE VISITA. PEDIDO DOSAVÓS PATERNOS. GUARDA DACRIANÇA PELA MÃE ESTANDO OPAI COM O PODER FAMILIARSUSPENSO. PEDIDO AUTÔNOMODE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS.1. Os avós têm o direito de visitar o netoe este de visitar os avós, sendodecorrência do liame parental. 2.Embora esse direito deva ser exercidonaturalmente, é cabível aregulamentação judicial quando lhes énegado o convívio com a criança e ogenitor está com o poder familiarsuspenso. Recurso provido. _SEGREDO DE JUSTIÇA_ (ApelaçãoCível Nº 70010622280, Sétima CâmaraCível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:Sérgio Fernando de VasconcellosChaves, Julgado em 18/05/2005).5

Do acórdão referente à ementa supramencionadase destaca os seguintes trechos:

trata-se de um processo onde o avôpaterno e os padrinhos do menor, que

5 Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 28 dez. 2005.

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são tios por parte do pai, pleiteiam aregulamentação autônoma de direito devisita ao neto que se encontra sob aguarda da mãe, alegando que estaimpede qualquer contato entre Leonardoe toda a família paterna (...)a prioridadeao direito à convivência familiar, éprincípio assegurado pelo Estatuto daCriança e do Adolescente, assim comopelo Estatuto do Idoso (...) não se podedesconsiderar que os avós têm o direitode visitar o neto e este de visitar osavós, sendo decorrência do liameparental. Embora esse direito deva serexercido naturalmente, é cabível aregulamentação judicial quando énegado ao avô o convívio com a criançae o genitor está com o poder familiarsuspenso (...) É preciso convir, também,que não existe qualquer impedimentopara o avô manter um contato salutarcom o neto” (...) Ou seja, as visitaspodem se dar no ambiente da famíliamaterna ou, ainda, fora desse ambiente,mas de forma supervisionada, demaneira tal que seja impedida qualqueraproximação com o genitor, tal comoficou decidido na apelação cível. Assim,não só podem os parentes paternosmanter convívio com o infante, comoessa relação parece-me conveniente,cabendo o processo ter curso e aregulamentação ser decidida emprimeiro grau. Observo, pois, que odireito de visita do avô é subsidiáriodaquele conferido aos pais e pode,também, em alguns casos, figurar atémesmo como um limitador ao exercícioabusivo do próprio poder familiar dospais. E esse direito decorre do própriovínculo de solidariedade familiar, que não

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pode ser desprezado. Esse direito,aliás, guarda igual simetria em relaçãoàs obrigações econômicas e sociaisque a lei impõe aos avós, que vai dasuplementação da obrigaçãoalimentária, passa pelo exercícioeventual da guarda e vai até o exercícioda tutela ou da curatela. No caso emtela, como os parentes paternos estãoprivados do convívio próximo comLeonardo, existem ponderáveis razõespara que se lhes seja deferida avisitação, direito este que está sendonegado. Destarte, cabível sejareconhecido ao avô, de forma autônoma,o direito de visitas, facultando-se,também, que este se faça acompanhardos demais parentes postulantes, quesão também padrinhos do infante.6

O direito de visitação dos avós aos seus netos decorredos vínculos de filiação, constituindo direito inafastável.

DIREITO DE VISITA. DIREITO DA AVÓ.POSSIBILIDADE. O direito de visitaçãodos avós aos netos, mesmo quando háconflito com os titulares do pátrio poder,decorre: 1. Dos vínculos oriundos dafiliação; 2. É fruto da solidariedadefamiliar; 3. É uma obrigação oriunda doparentesco; 4. É uma garantia damanutenção dos vínculos de afeto ededicação dos avós aos netos.(RESUMO) (Apelação Cível nº591067699, Oitava Câmara Cível, TJRS,RELATOR: Des. Gilberto NiederauerCorrêa, julgado em 02/04/92).7

6 Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 28 dez. 2005.7 Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 28 dez. 2005.

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Avos. Direito de visita. A lei nãoassegura aos avós o direito de visita.A jurisprudência consolidou-se nosentido de garantir tal possibilidade,quando comprovada a existência desaudável convivência com avós e como fito de preservar o vinculo afetivo eassegurar o desenvolvimento dos netoscom uma base familiar mais sólida.Apelo Desprovido. (Apelação Cível nº :70003280377. TJRS. Relatora: Des.Maria Berenice Dias. Data dojulgamento: 27/02/2002)8

Assim como não há legislação amparando o direitode visita dos avós, mas este é assegurado pelajurisprudência quando comprovados o vínculo afetivo e aconvivência das partes, uma jurisprudência inovadora nãopode ignorar situações como a de Alessandra, tãosomente por não estar prevista em lei.

Exatamente pensando na base familiar e afetivamais sólida, entende-se que a menina não pode serprivada da convivência com seu pai biológico e a famíliadeste, que a ama e é por ela amada desde a mais tenraidade, embora ele não detenha o poder parental.

Também se pode pensar em alguns dos argumentosjustificadores da guarda compartilhada para respaldar odireito de visita na perspectiva de que com a convivênciafamiliar se poderá influir na educação e desenvolvimentodo filho, eis que “tanto a guarda como a visitaçãoexpressam direitos que são exercidos em favor de ambos:guardião / custodiado e visitante e visitado.”9

Segundo Rodrigo da Cunha, a guarda compartilhadaveio instalar um novo paradigma, uma nova concepção

8 Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 28 dez. 2005.9 FRAGA, Thelma. A guarda e o direito de visitação sob o prisma do afeto.Niterói: Impetus, 2005. p. 36.

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para a realidade de filhos de pais separados, pois o ideal éque os pais, mesmo separados, continuem compartilhandoa educação e o cotidiano de seus filhos eis que não seeduca filho vendo-os de quinze em quinze dias:

“A participação mais efetiva e afetivado pai na vida do filho tornou-se umimperativo ético do nosso tempo... paraque as crianças não se tornem adultos-problema, é imprescindível cuidar dosfilhos educá-los, em seu cotidiano coma participação de ambos os pais. Esteé o melhor interesse da criança e que aguarda compartilhada bem o traduz.”10

Nesta linha de raciocínio, compreende-se que sedeveria começar a pensar na hipótese dos dois pais oudo pai com outra pessoa que exerça o papel parental,independente do poder familiar, dividirem asresponsabilidades de modo a influir eficazmente naidentidade11 da criança.

A verdade é que “todo afeto necessita deproximidade física e emocional. Deve ser conquistado come na convivência. É na intimidade das relações construídasno cotidiano que germina, cresce e frutifica” o amor quenecessita de “reciprocidade desenvolvida em umrelacionamento estreito e contínuo que assegure confiançae familiaridade aos que dele se nutrem”. Até porque,

se o amor não é dado, ele não estágarantido de antemão, mas, aocontrário, demanda empenho, cuidado

10CUNHA, Rodrigo. Disponível em: www.ibdfam.com.br. Acesso em 29 dez.2005.11Quanto à importância do nome, como bem de família, para a identidade dacriança ventila-se a possibilidade da criança “adotar” o sobrenome do paibiológico também para que ela se reconheça integrante da família biológoca.

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e investimento dos que integram umarelação amorosa, qualquer que seja ela– entre mãe e filho, pai e filho ou outrasfiguras privilegiadas que exerçam asfunções parentais e a criança.12

Não obstante, o próprio artigo 1584 do CC informaque o juiz ao deferir a guarda deve levar em conta o graude parentesco e relação de afinidade e afetividade, o quese encontra presente na relação de Alessandra eLeonardo.

Necessário também refletir que as famíliasreconstituídas amplificam o conteúdo socioafetivo dasrelações familiares

pelo que ao parentesco entre umcônjuge ou companheiros e os filhosdo outro tributa-se um vínculo familiarpleno, pois tão naturais as emoções,os estados psíquicos derivados delaços afetivos, a dedicação, o esforçoe a assistência quanto o vínculosangüíneo.13

Assim, se a madrasta ou mãe afim, por exemplo, seafeiçoa com o enteado, como a afinidade não se dissolvecom a separação desta com o pai da criança, ela deveriaser concedido o direito de visita. Afinal, ainda que a passoslentos, pode-se verificar atualmente uma tendência,explicada pelo dinamismo social, de “fixação da guarda oudo direito de visitação a favor de alguém que não possuaqualquer vínculo biológico para com o menor.”14

12 FRAGA, Thelma. Op. cit. p. 60-61.13 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas. Novas relações depoisdas separações. Parentesco e autoridade parental. In: PEREIRA, Rodrigo daCunha. (coord.). Afeto, Ética, Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte:Del Rey, 2004. p. 666-672.14 FRAGA, Thelma. Op. cit. p. 37.

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Aliás, deveria “transformar as figuras dos pais afins,silenciadas pela própria lei, em figuras positivamenteintegrantes, sem oposições ou omissões”, repensando,inclusive o poder familiar para que os confira certaautoridade, “que nasce da convivência e daresponsabilidade de todo adulto sobre o menor a seuencargo.”15

Desdobrando o raciocínio supra, não faz sentido aatual companheira de Antônio, pai adotivo de Alessandra,ter livre acesso, contato e influência à menina, que é suaenteada, podendo, inclusive, futuramente em caso deseparação do casal pleitear-lhe a visita, e o pai biológico,com o qual a criança sempre conviveu enquanto estavaviva sua mãe, não ter ao menos estes direitos. Se já épossível o direito de visitação e guarda para quem nãotem o menor vínculo biológico quanto mais para Leonardo,que tem tanto o vínculo sanguíneo e afetivo.

Além do mais, é importante entender que deve sersuprimido “o paradigma da exclusividade do exercício daautoridade parental, que pode ser compartilhada comoutras pessoas, avós, tias, babás, professoras ou pais emães afins”, o que é positivo para o desenvolvimento dosfilhos por enriquecer ou compensar as carênciasvinculares e por legitimar a “parentalidade psicológica,social e afetiva”. Deve-se estimular

os compromissos e as responsabilidadesde quem cotidianamente coopera noscuidados de menores que se criam e seeducam no seio desses novos eprovocantes núcleos de afeto ecompanheirismo par anão excluí-los daproteção do Estado. 16

15GRISARD FILHO, Waldyr. Op. cit. p. 666, 672.16GRISARD FILHO, Waldyr. Op. cit. p. 669-673. O autor, na p. 658, explica que a“pluralidade familiar, embora consagrada no texto constitucional, não foi suficientepara desvendar as articulações entre a instância legal e as práticas sociais”.

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4. Um novo conceito de família

Indubtavelmente a família, que deve ser o reduto doafeto e de promoção da pessoa humana, “assume espaçoimportante para a realização dos direitos fundamentaisinfanto-juvenis.”17

De acordo com Heloisa Helena Barboza, a maiorfunção reconhecida à família é de “ser o ‘núcleointermediário de desenvolvimento da personalidade dosfilhos e de promoção da dignidade dos seus membros’,ou seja, ser a sede de realização de potencialidades dapessoa, com integral preservação de sua dignidade.”18

A Constituição Federal de 1988 transformou a“família-instituição” em “família-instrumento” que se volta“para o desenvolvimento da personalidade dos seusmembros, sendo, portanto, de crucial importância àpreservação das estruturas psíquicas dos indivíduos”, oque envolve a “garantia de convívio com aqueles que lherepresentam afeto”.19

Salienta-se, assim, que:

sob múltiplas influências, alteram-seos vínculos internos da família.Embora o exame de DNA permitacerteza quanto à existência de vínculobiológico, o estabelecimento dapaternidade encontra outrofundamento na socioafetividade,quando melhor possa atender os

17PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas da convivênciafamiliar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (coord.). Afeto, Ética, Família e onovo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 633.18 BARBOSA, Heloisa Helena. A família na perspectiva do Código Civil vigente.In: LOYOLA, Maria Andréa. (org.). Bioética: reprodução e gênero nasociedade contemporânea. Rio de Janeiro: ABEP, 2005. p. 153.19 FRAGA, Thelma. Op. cit. p.45.

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interesses do filho. O afeto ganhareconhecimento jurídico, sobrepondo-se ao liame puramente jurídico ousangüíneo. O poder familiar já não secinge ao exercício do tradicional ‘pátriodever’, de natureza sobretudopatrimonial. Devem ser respeitados eatendidos os direitos inerentes àcondição de pessoa emdesenvolvimento do filho. Não bastapagar alimentos, é necessário darassistência integral ao filho. A visitaé um direito do filho, porque influenteem sua formação, antes de ser umdireito dos pais. 20

A identidade da filiação deve ser “construída nacomplexidade das relações afetivas, que se apresentama partir das escolhas do ser humano”, pois

cada família necessita lidar com seuspadrões e conceitos para deles fazeremergir uma maneira original deconstituir um grupo familiar comfunções, direitos e deveres que atendamaos que dele participam, numa tentativacomplexa de construir umrelacionamento ou uma configuraçãovincular que lhes dê sentido deintimidade, pertinência e diferenciação.21

Ao explicitar da necessidade de ampliação doconceito de família, inclusive para inclusão decomunidades familiares homossexuais, Heloisa HelenaBarboza observa que o reconhecimento de composições

20 BARBOSA, Heloisa Helena. Op cit. p. 151-152.21 FRAGA, Thelma. A guarda e o direito de visitação sob o prisma do afeto.Niterói: Impetus, 2005. p. 108, 54.

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familiares diferentes das tradicionais já foi admitida paragarantir o direito à moradia e opina que “com igual ou maiorrazão devem ser analisadas outras formações, com baseem outros princípios constitucionais, como os da igualdadee da solidariedade.” Afinal, os casos concretos querevelam a diversidade de situações sociais já existentes,demonstram que:

não basta apenas procurar a soluçãojurídica, possível de se encontrarmediante criterioso trabalho deponderação dos princípios envolvidosem cada caso (...), a justiça não éalcançada por mera aplicação da lei,mas sim pela sua adequadainterpretação, que deve levar em contatodas as pessoas atingidas e aspeculiaridades de cada caso, que cadavez mais, devem ser examinadas à luzdos diferentes ramos do saber.22

Daniel Borillo, ao tratar da adoção por homoafetivos,explica que o que importa é o exercício da função paternaindependente de um referencial tradicional de um pai ouuma mãe.23 Por que, então, não ter dois pais ou duas mães?

Aliás, não é estranho à cultura brasileira ouvir falarem “pais de criação”, “minha segunda mãe”, “mãe de leite”,“mãe preta”, crianças cuidadas por vizinhos, ou irmãos maisvelhos, padrinhos que assumem a responsabilidade escolare econômica também numa demonstração de afeto...

O presente momento histórico deve ser dedemocratização dos modelos familiares. Afinal, “o serhumano, hoje, busca sua realização como pessoa, ainda

22 BARBOSA, Heloisa Helena. Op cit.. pp. 153.23 BORRILLO, Daniel. Palestra proferida na Faculdade de Direito de Campos,no dia 19 ago. 2005.

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que para obter tal realização, tenha de enfrentar obstáculosadvindos de conceitos ultrapassados.”24

Paulo Luiz Netto Lobo aponta que o pluralismo dasentidades familiares, um avanço constitucional, ainda seacha aturdido quanto à hierarquização axiológica entre elase quanto à indicação ser ou não numerus clausus, emborahaja a tendência de extensão do que se considera entidadefamiliar, eis que pesquisas têm demonstrado um perfil dasrelações familiares diferenciado dos modelos legais, masque, de todo modo, apresentam características comunscomo afetividade, estabilidade e ostensibilidade:

a) par andrógino, sob regime decasamento, com filhos biológicos; b) parandrógino, sob regime de casamento,com filhos biológicos e filhos adotivos,ou somente com filhos adotivos, em quesobrelevam os laços de afetividade; c)par andrógino, sem casamento, comfilhos biológicos (união estável); d) parandrógino, sem casamento, com filhosbiológicos e adotivos ou apenasadotivos (união estável); e) pai ou mãee filhos biológicos (comunidademonoparental); f) pai ou mãe e filhosbiológicos e adotivos ou apenasadotivos (comunidade monoparental); g)união de parentes e pessoas queconvivem em interdependência afetiva,sem pai ou mãe que a chefie, como nocaso de grupos de irmãos, apósfalecimento ou abandono dos pais; h)pessoas sem laços de parentesco quepassam a conviver em caráter

24 FRAGA, Thelma. Op. cit., 2005. p. 107. A propósito, neste sentido, a autorafala do “reclame atual do reconhecimento da união entre pessoas do mesmosexo como uma das facetas múltipla do conceito de família.”

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permanente, com laços de afetividade ede ajuda mútua, sem finalidade sexualou econômica; i) uniões sexuais, decaráter afetivo e sexual; j) uniõesconcubinárias, quando houverimpedimento para casar de um ou deambos companheiros, com ou semfilhos; l) comunidade afetiva tomada com“filhos de criação”, segundo generosa esolidária tradição brasileira, sem laçosde filiação natural ou adotiva regular.”25

Tânia da Silva Pereira, ao tratar das famílias possíveisnum novo paradigma da convivência familiar e afirmar queas entidades familiares identificadas explicitamente nonosso sistema jurídico não são suficientes para atender àsnecessidades de proteção e que por isso “outras formasde família hão de ser reconhecidas nessa mesma categoriaconstitucional, para obterem a proteção do Estado”, tambémelenca tipos diferentes de composição familiar:

1. família nuclear, incluindo duas gerações,com filhos biológicos; 2. famílias extensas,incluindo três ou quatro gerações; 3.famílias adotivas temporárias; 4. famíliasadotivas, que podem ser bi-raciais oumulticulturais; 5. casais; 6. famíliasmonoparentais, chefiadas por pai ou mãe;7. casais homossexuais com ou semcrianças; 8. famílias reconstituídas depoisdo divórcio; 9. várias pessoas vivendojuntas, sem laço legais, mas com fortecompromisso mútuo.26

25 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: paraalém do numerus clausus. In: FARIAS, Cristiano Chaves de. (coord.). Temasatuais de direito e processo de família. Primeira série. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2004. p. 1-2.26 PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas da convivênciafamiliar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (coord.). Afeto, Ética, Família e o

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Outrossim, o direito também confere a algunsgrupos sociais a condição de entidades familiares paracertos fins legais como é o caso da impenhorabilidade dobem de família; do usucapião especial em favor do grupofamiliar que possua o imóvel como moradia e da lei delocação que compreende todos os residentes que vivamna dependência econômica do locatário.27

Para Luiz Edson Fachin, na elasticidade que oespaço jurídico principiológico propicia, a jurisprudênciadeve reafirmar seu papel de construção.28 O Direito éjustamente uma força de transformação da realidade edeve, na atualidade, “estabelecer um compromissoaceitável entre os valores fundamentais comuns, capazesde fornecer os enquadramentos éticos nos quais as leisse inspirem, e espaços de liberdade, os mais amplospossíveis, de modo a permitir a cada um a escolha deseus atos e do direcionamento de sua vida particular: desua trajetória individual.”29

Todavia pensar nos efeitos jurídicos decorrentes destaextensão das entidades familiares. A questão não pararásó no afeto porque envolverá benefícios previdenciários,alimentos e herança, eis que na hora que se reconheceuma família deve-se pensar nos efeitos pessoais epatrimoniais que esse reconhecimento vai produzir.

“Há sempre defasagens entre a nova consciênciasocial (teoria) e o comportamento que dela é resultante

novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 649. A autora diz inclusiveque “não podemos ignorar as comunidades formadas por pessoas que sepropõem viver em grupo, motivadas muitas vezes por razões religiosas ouideológicas, sem afastar as iniciativas de agrupamentos na busca dasobrevivência ou auto-suficiência”. p. 634.27 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: paraalém do numerus clausus. Op. cit. p. 2.28FACHIN, Luis Edson. Direito além do novo Código Civil: novas situaçõessociais, filiação e família. Revista Brasileira de Direito de Família, n. 17.Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 3529 MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e Direito Civil: tendências.Revista dos Tribunais, v. 89, n. 779, set. 2000. São Paulo: RT, 2000. p. 56-57.

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(práxis), entre os valores apregoados e a prática cotidiana”.Daí a necessidade da reposição dos conceitosestruturantes do direito consoante o primado da pessoahumana.30

Destaca-se que muitas vezes o novo vem paraalcançar antigos desejos.31

Neste sentido, afirma-se que “a família constrói suarealidade através da história compartilhada de seusmembros” e que incumbe ao direito, diante da realidade,criar mecanismos de proteção para a tutelar a convivênciafamiliar e comunitária, visando especialmente às pessoasem desenvolvimento.32

5. Conclusão

Os conceitos pautados na família tradicional já sãoinsuficientes para a solução de diversos casos concretosque devem ser norteados pelo preponderante conceito dasocioafetividade, tendo como meta a aplicação do princípiodo melhor interesse, expressão da Doutrina da ProteçãoIntegral.

A legislação pátria regulamenta a adoção comoforma de colocação em família substituta, o poder familiar,a guarda, o direito de visita dos pais etc, porém, as soluçõesapontadas no decorrer deste trabalho, no intuito de ampliara convivência familiar, não têm previsão legal expressa.

No entanto, estão em consonância com oOrdenamento Jurídico e com a tendência jurisprudencial,justamente, por buscar o aprimoramento da compreensãode que as relações familiares devem servir,

30MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e Direito Civil: tendências.Op. cit. p. 57.31MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e Direito Civil: tendências.Op.cit. p.63.32 PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas daconvivência familiar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (coord.). Afeto, Ética,Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 648.

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incondicionalmente e de forma ampliada, como palco parao exercício da felicidade e para o pleno desenvolvimentoda personalidade.

Para tanto, deve-se pensar na potencialidade de termais de um pai ou uma mãe, contanto que estejaassegurada para a criança a função parental, bem comose desatrelar o direito de visita do poder familiar.

De fato, para se aplicar o Direito de Família é vitaldar uma mão a Constituição e outra a sensibilidade, numaótica interdisciplinar.

Família real é a que cativa o afeto através daconvivência familiar contínua, independente de padrõespreconcebidos.

O direito precisa compreender as peculiaridades decada grupo familiar, para garantir, efetivamente, o sentidoda pluralidade assegurada constitucionalmente.

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