convivência familiar com o idoso acometido pela doença de alzheimer

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS DA SADE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ATENO SADE COLETIVA MESTRADO EM SADE COLETIVA

FRANCIELLI GONALVES GARCIA

CONVIVNCIA FAMILIAR COM O IDOSO ACOMETIDO PELA DOENA DE ALZHEIMER: ESTUDO DE CASO

VITRIA 2006

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FRANCIELLI GONALVES GARCIA

CONVIVNCIA FAMILIAR COM O IDOSO ACOMETIDO PELA DOENA DE ALZHEIMER: ESTUDO DE CASO

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Ateno Sade Coletiva do Centro de Cincias da Sade da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva. Orientadora: Prof Dr Denise Silveira de Castro.

VITRIA 2006

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Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

G216c

Garcia, Francielli Gonalves, 1980Convivncia familiar com o idoso acometido pela Doena de Alzheimer : estudo de caso / Francielli Gonalves Garcia. 2006. 158 f. Orientadora: Denise Silveira de Castro. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de Cincias da Sade. 1. Alzheimer, Doena de - Pacientes - Cuidados e tratamento. 2. Alzheimer, Doena de - Pacientes - Relaes com a famlia. 3. Idosos Relaes com a familia. I. Castro, Denise Silveira de. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias da Sade. III. Ttulo. CDU: 614

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FRANCIELLI GONALVES GARCIA

CONVIVNCIA FAMILIAR COM O IDOSO ACOMETIDO PELA DOENA DE ALZHEIMER: ESTUDO DE CASODissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Ateno Sade Coletiva do Centro de Cincias da Sade da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva.

Aprovada em 18 de dezembro de 2006.

COMISSO EXAMINADORA

__________________________________________________________________ Prof Dr Denise Silveira de Castro Prof Associada do Dept de Enfermagem e PPGASC - UFES Orientadora

__________________________________________________________________ Prof Dr Paulete Maria Ambrsio Maciel Prof Adjunta IV do Dept de Enfermagem - UFES 1 Examinadora

__________________________________________________________________ Prof Dr Alacir Ramos Silva Prof Adjunta IV do Dept de Servio Social e PPGASC - UFES 2 Examinadora

__________________________________________________________________ Prof Dr. Renato Lrio Morelato Prof Adjunto IV do Dept de Clnica Mdica - EMESCAM Suplente

__________________________________________________________________ Prof Dr Maria Cristina Smith Menandro Prof Adjunta I do Dept de Psicologia Social e do Desenvolvimento/PPGP - UFES Suplente

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No desenvolvimento desta pesquisa, a autora recebeu bolsa da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), atravs da Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao da Universidade Federal do Esprito Santo

(PRPPG/UFES).

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Ao querido Cabea-branca, meu vov Sebastio, que foi acometido pela Doena de Alzheimer e me motivou a estudar sobre o tema desta dissertao. s vtimas da Doena de Alzheimer e aos seus familiares.

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AGRADECIMENTOSO homem que tem muitos amigos pode congratular-se, mas h amigo mais chegado do que um irmo. Provrbios de Salomo

A Deus, por agraciar-me com a vida, a sade e a perseverana. Por presentear-me com pessoas amigas, que compartilharam comigo a trajetria do mestrado.

Prof Dr Denise Silveira de Castro, minha orientadora no mestrado e nos diversos momentos em que precisei de orientao para a vida. Agradeo a estimada amizade, o carinho com que sempre me tratou e a confiana em meu potencial. Seu incentivo aos estudos e a admirao que tenho pela sua pessoa foram os principais recursos que me propiciaram chegar concluso de mais uma etapa na minha vida.

Aos meus pais, Robson e Divalda, e aos meus grandes pais, Sebastio e Diva, por serem to especiais em minha vida, assumindo o papel de provedores de segurana e conforto emocional, com os quais compartilho os meus sonhos e recebo a sabedoria dos seus conselhos e amor.

Aos meus irmos, Keila e Daniel, por me fazerem dar boas risadas e pelo carinho que tm comigo. Saudades da portuguesinha...

Ao meu amado Lus Henrique, com quem venho compartilhando esta e outras trajetrias da vida e cuja companhia tem me proporcionado crescimento pessoal. Agradeo o amor, o carinho e o cuidado que tem comigo.

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s amigas Keila Rodrigues Vasconcelos, Ednia Alvarenga, Norma Lcia Santos Passos e Francianne Baroni Zandonade por serem companheiras e solidrias, cuja convivncia nos momentos tristes e alegres me mostraram o estimado valor de nossa amizade.

Ao mdico Renato Lrio Morelato, pela gentileza de participar do processo de seleo dos sujeitos desta pesquisa. Meu respeito e admirao por seu trabalho realizado com idosos.

Prof Dr Alacir Ramos Silva pela orientao metodolgica, pela consultoria prestada no desenvolvimento desta pesquisa e pelo carinho com que sempre me tratou. Obrigada, Sissa!

Prof Dr Paulete Maria Ambrsio Maciel, por compartilhar sua rica experincia de trabalho e pesquisa com idosos e contribuir no desenvolvimento deste estudo.

Prof Dr Maria Cristina Smith Menandro, pela gentileza de contribuir com suas sugestes e experincias, na confeco desta pesquisa.

s famlias que convivem com seu parente acometido pela Doena de Alzheimer, agradeo a generosidade de abrirem a porta de suas casas e de seus coraes, a fim de me emprestarem suas vivncias para a realizao deste estudo.

Obrigada!

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A coroa dos velhos so os filhos dos filhos e a glria dos filhos so seus pais. A glria do jovem a sua fora e a beleza dos velhos so as cs.

Provrbios de Salomo

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GARCIA, Francielli Gonalves. Convivncia familiar com o idoso acometido pela Doena de Alzheimer: estudo de caso. Dissertao (Mestrado em Sade Coletiva), Vitria: PPGASC/UFES, 2006. 158p. Orientadora: Prof Dr Denise Silveira de Castro.

RESUMOTrata-se de um estudo de caso de dois casos, que visa compreender a convivncia familiar com o idoso acometido pela Doena de Alzheimer (DA), por meio da investigao de suas caractersticas, de como o diagnstico foi percebido e assimilado pela famlia, da observao das informaes sobre a doena, dos suportes recebidos e da maneira que lidam com esta convivncia. Foram entrevistados 11 familiares de dois idosos: 05 do caso 01 (Jos), acometido pela DA h seis anos e usurio de servios pblicos de sade; 06 do caso 02 (Maria), h doze anos com DA e usuria de servios particulares de sade. Foi utilizado um roteiro de entrevista contendo perguntas norteadoras sobre o paciente, a famlia, os cuidados prestados e a convivncia com o doente. Os depoimentos foram analisados atravs do mtodo Anlise de Contedo e da tcnica Anlise Temtica. Os temas encontrados foram: relaes familiares, assistncia sade, cuidados prestados, mudanas, enfrentamento e necessidade de suporte. Constatou-se que os familiares esto sujeitos a sobrecargas de ordem fsica, psquica e emocional; os cuidados prestados so exercidos, principalmente, por mulheres e esto relacionados s necessidades fisiolgicas; as principais mudanas ocorridas na famlia foram observadas na rotina, nos papis e na perda dos sonhos, por parte dos familiares; o diagnstico foi assimilado considerando o grau de instruo do familiar e as informaes prvias sobre a doena; estas foram fornecidas pelos profissionais de sade dos servios que utilizam; os suportes recebidos correspondem ajuda mtua entre os membros da famlia e o auxlio nos cuidados feito por cuidadoras informais contratadas, que no so profissionais de sade, no pertencem famlia, mas possuem vnculo afetivo; o enfrentamento de situaes difceis da convivncia se d por meio da crena e f em Deus; as necessidades de suporte so: fornecimento de informao sobre a doena para a famlia e para a populao; criao de espaos para discusso sobre o assunto; e, identificao precoce da doena por parte de pessoas leigas, para que possam buscar ajuda profissional. Concluiu-se que os familiares devem ser tratados como clientes pelos servios de sade, pois tambm esto submetidos ao adoecimento decorrente do estresse gerado pela convivncia familiar com o idoso acometido pela Doena de Alzheimer.

Descritores: Convivncia; Doena de Alzheimer; Famlia; Familiares; Idoso.

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GARCIA, Francielli Gonalves. Family living with elderly sufferers of Alzheimers Disease: a case study. Dissertation (Masters in Collective Health), Vitria: PPGASC/UFES, 2006. 158p. Tutor: Prof Dr Denise Silveira de Castro.

ABSTRACTIt consists of a case study of two cases that aims to comprehend the way that families live and cope with elderly sufferers of Alzheimers disease (AD) through the investigation of the family characteristics, the way the diagnostic was perceived and understood by them, their level of information about the disease, received support and the way they cope with the situation. Eleven family members of 2 elderly were interviewed: 05 from case 1 (Jos) who suffers from AD for 6 years and uses the public health service; 06 from case 2 (Maria) who suffers from AD for 12 years and uses the private health service. The interview schedule comprised of orientating questions about the patient, the family, the care given and the daily life with the ill. The interviewees speeches were analysed through the Content Analysis Method and the Thematic Analysis technique. The themes found were: family relations, health assistance, care given, changes, coping and support need. It was observed that family members are submitted to physical, psychological and emotional strains; the care of the sick is mainly given by women and is related to the sick physiological needs; the main observed changes in the family life occurred in their routine, in their roles and sleep patterns. Given the levels of schooling and knowledge about the disease, family members were capable of understanding the diagnostics and such information about the disease was given by health professionals. The received support consists of: mutual help in between family members and the aid of informal contracted carers who are not health professionals and do not belong to the family but have an emotional bond. Coping with the difficult situation of living with the ill is overcome by faith in God. The main support needs are: information supply to the family members and general public; creation of discussion channels for the subject; early identification of disease by laypeople so they can reach professional help. It was concluded that family members must be treated by the health services as clients since they also become ill due to the strains of living and coping with the elderly sufferers of Alzheimers disease. Keywords: Living; Alzheimers disease; Family; Family members; Elderly.

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LISTA DE SIGLASAIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida; ApoE Apolipoprotena E; CID-10 Dcima Classificao Estatstica Internacional das Doenas e Problemas Relacionados Sade; CRAI Centro de Referncia de Atendimento ao Idoso; DA Doena de Alzheimer; DSM-IV Quarta Edio do Manual Diagnstico e Estatstico dos Transtornos Mentais; DSRA Departamento de Sistemas e Redes Assistenciais; DSTs Doenas Sexualmente Transmissveis; ES Esprito Santo; ESF Estratgia de Sade da Famlia; GM Gabinete do Ministro; HSCMV Hospital Santa Casa de Misericrdia de Vitria; IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica; MS Ministrio da Sade; NADI Ncleo de Assistncia Domiciliar Interdisciplinar; NOAS Norma Operacional de Assistncia Sade; PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade; PNI Poltica Nacional do Idoso; PSF Programa de Sade da Famlia; SAS Secretaria de Assistncia Social; SUS Sistema nico de Sade; UFES Universidade Federal do Esprito Santo; TOC Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

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SUMRIO

APRESENTAO................................................................................................16

CAPTULO 01 - ENVELHECIMENTO E POLTICAS..................................191.1 1.2 O ENVELHECIMENTO DA POPULAO BRASILEIRA................................19 POLTICAS PBLICAS VOLTADAS PARA O IDOSO....................................23

1.2.1 POLTICA NACIONAL DO IDOSO E OUTRAS LEGISLAES.....................24 1.2.1.1 1.2.1.2 O PACTO PELA SADE 2006 E A SADE DO IDOSO......................27 POLTICAS PBLICAS VOLTADAS PARA IDOSOS COM DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER...........................................................19

CAPTULO 02 - DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER................342.1 2.2 DEMNCIA......................................................................................................35 DOENA DE ALZHEIMER..............................................................................37

CAPTULO 03 - O FAMILIAR DO IDOSO COM DOENA DE ALZHEIMER.....................................................................41

CAPTULO 04 - PROPOSTA DE ESTUDO E OBJETIVOS......................47

CAPTULO 05 - ESTUDO PRELIMINAR........................................................50

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CAPTULO 06 - METODOLOGIA.....................................................................536.1 CARACTERIZAO DA PESQUISA..............................................................54

6.1.1 A PESQUISA QUALITATIVA...........................................................................54 6.1.2 O ESTUDO DE CASO COMO MTODO DE PESQUISA CIENTFICA..........56 6.1.2.1 6.2 CRTICAS TRADICIONAIS AO ESTUDO DE CASO............................58

BUSCA DAS EVIDNCIAS.............................................................................60

6.2.1 SELEO DOS CASOS E ASPECTOS TICOS...........................................60 6.3 COLETA DAS EVIDNCIAS...........................................................................62

6.3.1 ROTEIRO DE ENTREVISTA E COLETA DAS EVIDNCIAS.........................63 6.4 ANLISE DAS EVIDNCIAS...........................................................................64

CAPTULO

07-

CONSTRUO

E

APRESENTAO

DAS

EVIDNCIAS..................................................................677.1 7.2 7.3 7.3.1 7.3.2 7.3.3 7.3.4 7.3.5 7.3.6 7.4 CASO 01: A CONVIVNCIA FAMILIAR COM JOS......................................68 CASO 02: A CONVIVNCIA FAMILIAR COM MARIA....................................79 EXPLANAO ANALTICA DOS TEMAS.......................................................91 1 TEMA: RELAO FAMILIAR..................................................................92 2 TEMA: ASSISTNCIA SADE.............................................................98 3 TEMA: CUIDADOS PRESTADOS.........................................................103 4 TEMA: MUDANAS...............................................................................107 5 TEMA: ENFRENTAMENTO...................................................................113 6 TEMA: NECESSIDADE DE SUPORTE.................................................117 CONSIDERAES FINAIS...........................................................................122

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REFERNCIAS...................................................................................................125

ANEXOS................................................................................................................135

ANEXO 01 ESTUDO DE CASO-PILOTO.............................................................136

ANEXO 02 RELATRIO DO CASO-PILOTO.......................................................148

ANEXO 03 AUTORIZAO DO HOSPITAL SANTA CASA DE MISERICRDIA DE VITRIA (HSCMV).............................................................................151

ANEXO 04 PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA..........................152

ANEXO 05 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO...............153

ANEXO 06 ROTEIRO DE ENTREVISTA..............................................................156

ANEXO 07 INVENTRIO: DADOS DE CARACTERIZAO DOS FAMILIARES E PACIENTES........................................................................................157

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APRESENTAOA presena de idosos em minha vida e o meu interesse por eles me acompanham desde a infncia: eles eram os que j se foram, e os que esto comigo ainda so o ncleo de minha famlia, participando, ativamente, dos cuidados sobre todos os membros, inclusive sobre a minha pessoa. Pude conhecer todos os meus avs e bisavs e os amigos deles, tambm idosos, que faziam parte deste contexto familiar. Dessa forma, a convivncia com eles me fez perceber o quo rico so em experincias de vida e sabedoria e, assim, minha admirao e interesse pela terceira idade cresceu, ainda mais.

medida em que o tempo passou, presenciei os sinais do envelhecimento sobre eles e, em alguns, observei o dficit cognitivo, cada vez mais progressivo. Todo esse processo de deteriorao da memria, da capacidade de aprender e apreender novas informaes, era encarado com naturalidade, pois eles mesmos ensinavam que fazia parte do envelhecer. Entretanto, a partir do momento em que alguns deles foram diagnosticados com a Doena de Alzheimer (DA), os papis se inverteram: hoje, ns, os familiares, assumimos o papel de cuidadores, sem que eles, os nossos experientes velhinhos, deixassem a posio nuclear da famlia.

Diante disso, observei que os familiares cuidadores vivenciam um processo de sobrecarga fsica, psquica e emocional. Por um lado, existe toda aquela preocupao em prover o bem-estar do idoso, atendendo s suas necessidades fisiolgicas e outras, e o prprio cuidador passa a exercer menos cuidado sobre si. Por outro lado, existe a questo emocional, na qual os familiares passam por sofrimento psquico, em saber que o seu velhinho possui uma doena progressiva e que, dentro de um certo tempo, no estar mais com ele.

Alm de minha histria familiar, tambm estive em contato com outros idosos e seus familiares, quando trabalhei em uma instituio que presta cuidados terceira idade, antes mesmo de fazer a escolha pela Enfermagem. Nesse lugar, participei dos cuidados aos idosos e aprendi que os familiares tambm so parte integrante da clientela de cuidados, necessitando de um suporte bsico, seja a nvel emocional,

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fsico, ou outro, visando minimizar o estresse gerado por aquele momento de preocupaes com o seu familiar idoso.

Quando a famlia possui poder aquisitivo para institucionalizar o idoso, a sobrecarga fsica da famlia amenizada, j que os cuidados so realizados pelos profissionais da instituio. Contudo, observei que, mesmo com a institucionalizao, ainda assim, os familiares sofriam sobrecarga, principalmente, emocional. Isso ficava evidente atravs dos telefonemas da famlia para a instituio, querendo saber como o idoso estava. Tambm, durante as visitas, alguns choravam e desabafavam sua dor e tristeza, pela situao que estavam vivenciando, com os funcionrios ou com os familiares de outros idosos.

Posteriormente, durante a graduao em Enfermagem no Centro Biomdico da Universidade Federal do Esprito Santo, cursei a disciplina curricular de Sade Mental e optei pelo estgio curricular no Hospital Psiquitrico Adauto Botelho. Aliado aos estgios, visitei algumas entidades que trabalham na rea da Sade Mental e Psiquiatria, a fim de conhecer o trabalho realizado aos usurios destes servios.

Ao longo deste perodo, passei a me interessar, cada vez mais, pela Sade Coletiva e, principalmente, pela Sade Mental, o que resultou, inclusive, na realizao de meu trabalho de concluso de curso sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Assim, meu interesse sobre os transtornos mentais aumentou, pois passei a observar que eles tm se tornado cada vez mais comum em nossa sociedade.

Com esta trajetria pessoal e acadmica, tive a oportunidade de estar mais prxima de pessoas acometidas por transtornos mentais e de seus familiares, de forma que me deparei com outro aspecto instigador: passei a me interessar, tambm, pela famlia do doente mental. O que me despertou o interesse sobre estes ltimos foi a observao de que, ao lidarem com o seu parente doente mental, tambm esto expostos a sobrecargas, de ordem fsica e psquica, alm de estarem, potencialmente, sujeitos ao adoecimento.

Nesse sentido, aliei meu interesse pelas trs vertentes j mencionadas doente mental, idoso e famlia e me deparei com algumas inquietaes, que me fizeram

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pensar, refletir, pesquisar e querer obter respostas, explicaes e compreenso, a respeito de uma temtica muito importante e significativa: a convivncia dos familiares com um idoso acometido por uma doena mental. Estas inquietaes me sobrevieram a partir da seguinte reflexo: se as pessoas passaram a viver mais, conforme indicam as pesquisas demogrficas, aliado a isso, cada vez mais, surgem doenas relacionadas ao processo de envelhecimento, de maneira que tornam-se dependentes de cuidados de outros, principalmente, dos familiares.

Quando trata-se de doena mental no idoso, em especial, a demncia, que muito comum, observo que, na maioria das vezes, a famlia sofre muito. Uns sofrem devido falta de informao, outros, devido falta de condies financeiras, de medicamentos de alto custo que no podem estar comprando, da mudana de papis dentro da famlia e muitas outras preocupaes relacionadas ao bem-estar do idoso, gerando crise e sobrecarga familiar.

Assim, o processo de envelhecimento da populao brasileira, bem como as conseqncias do mesmo sociedade, deve ser melhor entendido e, para tanto, precisa ser contextualizado. Com base nisto, descrevi, nos tpicos seguintes, a transio demogrfica e a mudana estrutural da famlia brasileira, bem como o desenvolvimento de legislaes que amparam a velhice. Tais informaes fundamentam a discusso a respeito das Demncias, principalmente, da Demncia causada pela Doena de Alzheimer (DA).

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CAPTULO 01 ENVELHECIMENTO E POLTICAS PBLICAS

Velhice. Ns temos quase tanto pavor de envelhecer quanto de no viver o suficiente para chegar velhice. Froma Walsh

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CAPTULO 01 ENVELHECIMENTO E POLTICAS PBLICAS

1.1

O ENVELHECIMENTO DA POPULAO BRASILEIRA

A fim de compreender Demncia, DA e a convivncia da famlia com algum que sofre com esta afeco, faz-se necessrio contextualizar o processo de envelhecimento populacional. Buscando esclarecer a respeito deste processo, os estudos epidemiolgicos realizados por Scazufca (2002, p. 773) mostram que o envelhecimento da populao um fenmeno global e estima que, considerando a populao mundial, o nmero de pessoas com 60 anos ou mais ir crescer mais de 300% nos prximos 50 anos: [...] de 606 milhes em 2000, para quase dois bilhes em 2050. Este crescimento ser maior nos pases menos desenvolvidos, onde esta populao ir aumentar mais do que 4 vezes, de 374 milhes em 2000 para 1,6 bilhes em 2050 Esta autora ainda faz estimativas para o nosso pas e afirma que [...] o Brasil um dos pases em desenvolvimento no qual o envelhecimento da populao est ocorrendo com maior velocidade, visto que nos ltimos 50 anos houve um aumento expressivo da populao com 60 anos ou mais (SCAZUFCA, 2002, p. 774). Sua pesquisa corresponde aos dados do censo demogrfico de 2000, do Instituto Nacional de Geografia e Estatstica (IBGE). Estes estudos demogrficos (IBGE, 2000; Scazufca, 2002, p. 174) mostraram que a populao idosa brasileira tem se ampliado rapidamente. Em termos proporcionais, a faixa etria de 60 anos de idade a que mais cresce e, as tendncias demogrficas so de que, entre 1950 a 2025, o nmero de idosos no Brasil dever ter aumentado em 15 vezes, enquanto a populao total, em cinco. Assim, o pas ocupar o sexto lugar quanto ao contingente de idosos, de maneira que em 2025, haver cerca de 32 milhes de pessoas com 60 anos ou mais de idade. O resultado comparativo do IBGE, de acordo com os censos demogrficos de 1991/2000, aponta que a populao total residente no Estado do Esprito Santo (ES) em 1991 era de 2,64 milhes de habitantes, sendo que o nmero de idosos

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correspondia a 7,8% da populao. Em 2000, a populao total aumentou para 2,94 milhes e a de idosos foi para 8,1% do total de habitantes. J para Vitria, capital do ES, o IBGE-Cidades aponta que, no censo de 2000, havia 8.036 idosos com idades entre 60 a 64 anos e 3.440 idosos com idade igual ou superior a 80 anos. Portanto, estes valores comprovam, ainda mais, a tendncia ao envelhecimento da populao brasileira e mostram que o ES tambm vem acompanhando esta mudana demogrfica. O enfoque demogrfico da pesquisa de Carvalho & Garcia (2003) explica os motivos histricos que marcaram o envelhecimento da populao, tanto mundial quanto brasileira. Eles relatam que:Contrariamente ao indicado pelo senso comum, o processo de envelhecimento populacional, tal como observado at hoje, resultado do declnio da fecundidade, e no da mortalidade. O envelhecimento populacional iniciou-se no final do sculo XIX em alguns pases da Europa Ocidental, espalhou-se pelo resto do Primeiro Mundo, no sculo XX, e se estendeu, nas ltimas dcadas, por vrios pases em desenvolvimento, inclusive o Brasil. No caso brasileiro, observou-se, a partir do final dos anos 60, do sculo passado, rapidssima e generalizada queda da fecundidade e, conseqentemente, um clere processo de envelhecimento da populao. Este processo ser, necessariamente, mais rpido e com mudanas estruturais, demograficamente falando, mais profundas do que nos pases do Primeiro Mundo por duas razes: o declnio da fecundidade, no Pas, deu-se em um ritmo maior e origina-se de uma populao mais jovem do que aquela dos pases desenvolvidos (CARVALHO & GARCIA, 2003, p. 726).

A fim de exemplificar a rapidez do processo de envelhecimento populacional, estes autores recorrem s estatsticas sobre a taxa de fecundidade dos anos 1960 a 2000. Ento, afirmam que, no final da dcada de 60, iniciou-se rpido e generalizado declnio da fecundidade no Brasil, de maneira que, [...] a taxa de fecundidade passa de 5,8, em 1970, para 2,3 filhos, por mulher, em 2000, semelhante ao que produz crescimento nulo da populao a longo prazo (CARVALHO & GARCIA, 2003, p. 727). Diante disto,[...] parte da populao j se encontra com fecundidade abaixo do nvel de reposio e o nvel mdio do Pas dever continuar a cair, pois h claras indicaes de rpido declnio da fecundidade no Nordeste e em grupos mais pobres da populao. Como conseqncia, a populao brasileira entra em um sustentado processo de desestabilizao de sua estrutura etria, com estreitamento continuado da base da pirmide e, conseqentemente, envelhecimento da populao (CARVALHO & GARCIA, 2003, p. 726).

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Um aspecto interessante, apontado pela Portaria GM/MS 1395, de 10 de dezembro de 1999, que dispe sobre a Poltica de Sade do Idoso (BRASIL, 1999) que tem sido observada uma feminizao do envelhecimento no Brasil, de maneira que, o nmero de mulheres idosas j superior ao nmero de homens com mais de 60 anos de idade, h muito tempo. No Brasil, as mulheres tm maior esperana de vida ao nascer, desde 1950 e, hoje, a expectativa de vida da mulher superior expectativa do homem em torno de 8 anos.

Entretanto, Maciel (2002, p. 51) ressalta que, mesmo diante desta caracterstica de feminizao da velhice, os programas de sade caminham, paulatinamente, rumo ateno sade da mulher idosa. Esta pesquisadora nos leva a refletir que os programas assistenciais sempre foram dirigidos maternidade e criana e, hoje, tm dificuldades em vislumbrar a feminizao das doenas, diante de um contexto em que, atualmente, as mulheres vm sendo acometidas por doenas que antes no eram to conhecidas.

A referida portaria ainda levanta outras alteraes que podem interferir na sade e bem estar do idoso. Nela, consta que [...] a famlia, tradicionalmente considerada o mais efetivo sistema de apoio aos idosos, est passando por alteraes decorrentes de mudanas conjunturais e culturais [...] (BRASIL, 1999). Estas mudanas correspondem a: aumento do nmero de divrcios; segundo ou terceiro casamento; contnua migrao dos mais jovens, em busca de mercados de trabalho mais promissores e, aumento do nmero de famlias, em que a mulher exerce o papel de provedora. Ainda existe a chamada intimidade distncia, em que diferentes geraes ou mesmo pessoas de uma mesma famlia ocupam residncias separadas. Todas estas situaes precisam ser levadas em conta na avaliao do suporte informal aos idosos na sociedade brasileira.

A portaria, mencionada anteriormente, afirma que[...] o apoio informal e familiar constitui um dos aspectos fundamentais na ateno sade desse grupo populacional, visto que, em outros aspectos, o apoio aos idosos, praticado no Brasil, ainda bastante precrio e, por se tratar de uma atividade predominantemente restrita ao mbito familiar, o cuidado ao idoso tem sido ocultado da opinio pblica, carecendo de visibilidade maior (BRASIL, 1999).

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1.2

POLTICAS PBLICAS VOLTADAS PARA O IDOSO

Atravs da Constituio Federal de 1988, alcanamos significativos avanos, especialmente em relao ao sistema de proteo social e s polticas de sade, de maneira que, o atual texto constitucional no aborda mais um sistema de seguro social aos brasileiros, mas aborda, no artigo 194, a seguridade social, a qual constituda por [...] um conjunto integrado de aes, assegurando os direitos relativos Sade, Assistncia e Previdncia Social (BRASIL, 1988).

De uma forma mais abrangente, a Constituio de 1988 inovou por especificar, no Captulo II, artigo 6, quais so os direitos sociais, sendo estes: [...] a educao, a sade, o trabalho, o lazer, a segurana, a previdncia social, que tem como objetivos: proteo maternidade, infncia, adolescncia, velhice e outras (MACIEL, 2002, p. 80, grifo da autora).

Assim, a Constituio de 1988 explicitou, pela primeira vez, a importncia de ateno velhice, quando no Captulo VII, artigo 229, diz que [...] os pais tm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carncia ou enfermidade (BRASIL, 1988, grifo nosso). Da mesma maneira, o artigo seguinte (artigo 230) continua: [...] a famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participao na comunidade, defendendo sua dignidade e bemestar e garantindo-lhes vida (BRASIL, 1988, grigo nosso).

No tocante Sade, o artigo 196 prev:A sade direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao (BRASIL, 1988).

Com base nestes direitos e deveres, foi criado o Sistema nico de Sade (SUS), no artigo constitucional n 198: [...] as aes e servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um Sistema nico [...] (BRASIL, 1988), cujas diretrizes (incisos I, II e III) so: descentralizao, em direo

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nica em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais; e participao da comunidade (BRASIL, 1988).

Assim, o SUS[...] constitui o sistema pblico estruturado pelo conjunto de aes e servios de sade, prestados por rgos e instituies federais, estaduais e municipais, da administrao direta e indireta. [...] O SUS deve ofertar a todos os cidados, gratuitamente, todos os servios (MENDES, 2001, Tomo I, p. 73).

Portanto, Sakai (2001, p. 122), Mendes (2001, tomo II, p. 72), Maciel (2002, p. 83) e Franco & Merhy (2003, p. 55), explicam que, visando assegurar a continuidade dessas conquistas na rea da Sade, foram criados mecanismos locais, tais como o Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS), em 1991 e, em 1994, o Programa de Sade da Famlia ou Estratgia de Sade da Famlia (PSF ou ESF, respectivamente), visando, tambm, a reorientao do modelo assistencial brasileiro, antes individualista, curativista e hospitalocntrico. Dessa forma, estabelecido um compromisso de responsabilidade entre profissionais de sade e comunidade, moldando um novo modelo de assistncia: coletiva, descentralizada, nohospitalocntrica, preventiva e promotora de sade

1.2.1 POLTICA NACIONAL DO IDOSO E OUTRAS LEGISLAES

Alguns anos depois da homologao da Constituio de 1988, foi sancionada a Lei n 8.842, de 04 de janeiro de 1994 (BRASIL, 1994), que dispe sobre a Poltica Nacional do Idoso (PNI), cria o Conselho Nacional do Idoso e d outras providncias e esta lei foi regulamentada pelo Decreto n 1.948, de 03 de julho de 1996 (BRASIL, 1996). A PNI tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condies para promover sua autonomia, integrao e participao efetiva na sociedade, alm de considerar idoso, para fins desta lei, a pessoa maior de 60 anos.

A PNI rege-se levando em considerao os princpios de direitos fundamentais do cidado brasileiro, identificados pela nossa Carta Magna, no entanto, especifica os seus princpios, os quais so elencados no artigo 3:

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[...] a famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos cidadania, garantindo sua participao na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito vida; o idoso no deve sofrer discriminao de qualquer natureza e deve ser o principalagente e o destinatrio das transformaes a serem efetivadas atravs desta poltica (BRASIL, 1994).

No Captulo IV da PNI, que legisla sobre as Aes Governamentais, o inciso segundo trata da rea da Sade do Idoso e, sanciona que [...] cabe ao Governo garantir ao idoso assistncia sade, nos diversos nveis de atendimento do SUS; prevenir, promover, proteger e recuperar a sade do idoso, mediante programas e medidas profilticas [...] (BRASIL, 1994) e, dentre outros direitos, [...] realizar estudos para detectar o carter epidemiolgico de determinadas doenas do idoso, com vistas preveno, tratamento e reabilitao ( BRASIL, 1994).

Diante disto, o Ministrio da Sade, no uso de suas atribuies, considerou necessrio dispr, no setor da Sade, uma poltica devidamente expressa relacionada sade do idoso e, assim, resolveu aprovar a Potaria GM/MS n 1.395, de 10 de dezembro de 1999, que dispe sobre a Poltica de Sade do Idoso (BRASIL, 1999). Esta portaria aprova a Poltica Nacional de Sade do Idoso e determina que os rgos e entidades do Ministrio da Sade, cujas aes se relacionam com o tema objeto desta Poltica, promovam a elaborao ou a readequao de seus planos, programas, projetos e atividades, na conformidade das diretrizes e responsabilidades nela estabelecidas.

Nesse sentido, a Poltica Nacional de Sade do Idoso tem como propsito basilar:[...] a promoo do envelhecimento saudvel, a manuteno e a melhoria, ao mximo, da capacidade funcional do idoso, a preveno de doenas, a recuperao da sade dos que adoecem e a reabilitao daqueles que venham a ter sua capacidade funcional restringida, de modo a garantir-lhes permanncia no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funes na sociedade. [...] o esforo conjunto de toda a sociedade, aqui preconizado, implica o estabelecimento de uma articulao permanente que, no mbito do SUS, envolve a construo de contnua cooperao entre o Ministrio da Sade e as Secretarias Estaduais e Municipais de Sade (BRASIL, 1999).

Alguns anos depois, em 2003, foi institudo o Estatuto do Idoso, com a Lei n 10.741, de 1 de outubro de 2003. O Estatuto do Idoso destinado a regular os direitos

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assegurados s pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (artigo 1) . Dentre outras providncias deste estatuto, destaco aqui o 2 e o 3 artigos. Assim, o artigo 2 lesgisla que:[...] O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes pessoa humana, sem prejuzo de proteo integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservao de sua sade fsica e mental e seu aperfeioamento moral, intelectual, espiritual e social, em condies de liberdade e dignidade (BRASIL, 2003).

Complementando o artigo anterior, o artigo 3 preconiza que:[...] obrigao da famlia, da comunidade, da sociedade e do Poder Pblico assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivao do direito vida, sade, alimentao, educao, cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, ao respeito e convivncia familiar e comunitria (BRASIL, 2003, grifo nosso).

Com relao ateno ao idoso, Vitria, capital do Esprito Santo, tem vislumbrado, principalmente, a questo da Sade e da Assistncia Social:[...] Atravs da Lei municipal n 4239, foi institudo, em 1995, o Centro de Referncia de Atendimento ao Idoso (CRAI), que atende idosos referenciados pela rede bsica de sade. E, desde 1999, conta com as equipes de PSF e PACS, onde a demanda de atendimento ao idoso se faz presente, dentro da comunidade, exigindo uma compreenso ao idoso, doente ou saudvel, em nvel de atendimento domiciliar. Atualmente h uma discusso no sentido de capacitar os profissionais que esto trabalhando nesses programas, pois a ateno ao idoso deve ir alm do enfoque patolgico, abrangendo a totalidade do seu bem-estar (MACIEL, 2002, p. 91).

Alm disto, a Lei Municipal n 4.946, de 15 de julho de 1999, criou em Vitria, o Conselho Municipal do Idoso, que surge em resposta demanda histrica do segmento da Terceira Idade de Vitria, vinculado Secretaria Municipal de Ao Social, Trabalho, Gerao e Renda. Dentre as prioridades definidas pelo Conselho Municipal do Idoso, esto:[...] examinar e viabilizar alternativas da participao, ocupao e convivncia do idoso para integr-lo a outras geraes e estimular a convivncia e atendimento do cidado idoso por suas prprias famlias, evitando sua colocao em asilos, salvo quando no tenha condies que garantam sua sobrevivncia (ESPRITO SANTO, 1999, grifo nosso).

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Finalmente, considerando a convivncia familiar com o idoso dependente, a Poltica Nacional de Sade do Idoso (Portaria GM/MS n 1.395, de 10 de dezembro de 1999) apresenta, como uma de suas diretrizes, o apoio ao desenvolvimento de cuidados informais, e define que:[...] a assistncia domiciliar aos idosos cuja capacidade funcional est comprometida demanda orientao, informao e assessoria de especialistas. Para o desempenho dos cuidados a um idoso dependente, as pessoas envolvidas, que geralmente so os familiares, devero receber dos profissionais de sade os esclarecimentos e as orientaes necessrias, inclusive em relao doena crnico-degenerativa com a qual est eventualmente lidando. [...] Essas pessoas devero, tambm, receber ateno mdica pessoal, considerando que a tarefa de cuidar de um idoso dependente desgastante e implica riscos sade do cuidador (BRASIL, 1999, grifo nosso).

Portanto, a legislao referente velhice tambm abrange os familiares ou cuidadores informais e estimula uma convivncia familiar mais adequada com algum em processo de envelhecimento com dependncia.

1.2.1.1

O PACTO PELA SADE 2006 E A SADE DO IDOSO

Recentemente foi criada a Portaria GM/MS n 399, de 22 de fevereiro de 2006, atravs da qual se divulga o Pacto pela Sade 2006, a Consolidao do SUS e tambm aprova as Diretrizes Operacionais do referido pacto.

O Pacto pela Sade 2006 est fundamentado nos princpios constitucionais do SUS e tem nfase nas necessidades de sade da populao, o que implica o exerccio simultneo de definio de prioridades, que devero ser anualmente revisadas. Essas prioridades so expressas em objetivos e metas no Termo de Compromisso de Gesto e esto detalhadas no documento Diretrizes Operacionais do Pacto pela Sade 2006 (BRASIL, 2006).

O Pacto pela Sade 2006 possui prioridades articuladas e integradas em trs componentes: Pacto pela Vida, Pacto em defesa do SUS e Pacto de Gesto do SUS (BRASIL, 2006). Todos eles so de extrema importncia e esto interligados, porm, a fim de contextualizar as polticas de ateno pessoa idosa, destaco o

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componente Pacto pela Vida, que compreende [...] um compromisso entre os gestores do SUS, em torno de prioridades que apresentam impacto sobre a situao de sade da populao brasileira (BRASIL, 2006).

O Pacto pela Vida est constitudo por[...] um conjunto de compromissos sanitrios, expressos em objetivos de processos e resultados derivados da anlise da situao de sade do Pas e das prioridades definidas pelos governos federal, estaduais e municipais. Significa uma ao prioritria no campo da sade que dever ser executada com foco em resultados e com a explicitao inequvoca dos compromissos oramentrios e financeiros para o alcance desses resultados (BRASIL, 2006).

As prioridades do Pacto pela Vida so seis, a saber: 1) Sade do Idoso; 2) Cncer de colo de tero e de mama; 3) Mortalidade infantil e materna; 4) Doenas emergentes e endemias, com nfase na dengue, hansenase, tuberculose, malria e influenza; 5) Promoo da sade; 6) Ateno bsica sade. Portanto, dentre as seis prioridades do Pacto pela Vida para 2006 est, em primeiro lugar, a Sade do Idoso, cujo principal objetivo implantar a Poltica Nacional de Sade da Pessoa Idosa, buscando a ateno integral (BRASIL, 2006).

Neste Pacto pela Vida, os Estados, regies e municpios devem pactuar as aes necessrias para o alcance das metas e dos objetivos propostos. Nestes termos, a meta nmero um a Sade do Idoso, cujas principais diretrizes so:[...] promoo do envelhecimento ativo e saudvel; ateno integrada sade da pessoa idosa; a implantao de servios de ateno domiciliar; acolhimento preferencial nas unidades de sade, respeitando o critrio de risco e, apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas, dentre outras (BRASIL, 2006).

Esta portaria determina aes estratgicas para atender ao objetivo da prioridade Sade do Idoso, as quais correspondem a:[...] fornecimento da Caderneta de Sade da Pessoa Idosa e do Manual de Ateno Bsica e Sade para a Pessoa Idosa; realizao do Programa de Educao Permanente Distncia, voltado para profissionais que trabalham nas redes bsicas de sade; organizao do acolhimento de pessoas idosas s unidades de sade, bem como fornecimento de

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medicamentos pela assistncia farmacutica, ateno diferenciada na internao e ateno domiciliar (BRASIL, 2006). Portanto, o Pacto pela Sade 2006 parte de uma constatao indiscutvel: o Brasil um pas continental, com muitas diferenas e iniqidades regionais e, a prioridade nmero um, a Sade do Idoso, advm do fato de que a populao brasileira est envelhecendo. Mais do que definir diretrizes nacionais, necessrio avanar na regionalizao e descentralizao do SUS, a partir de uma unidade de princpios e uma diversidade operativa que respeite as singularidades regionais. Assim, a concretizao deste Pacto, incluindo a prioridade de Sade do Idoso, refora a territorializao da sade e adequa o sistema transio demogrfica atual.

1.2.1.2

POLTICAS PBLICAS VOLTADAS PARA IDOSOS COM DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER

Em se tratando de pessoas idosas e do tema desta pesquisa, busquei legislao a respeito da assistncia ao idosos com a DA e, no tocante a isto, destaca-se a Portaria SAS/MS n 843, de 06 de Novembro de 2002 (BRASIL, 2002), na qual o Secretrio de Assistncia Sade, no uso de suas atribuies legais, estabelece Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas para o tratamento da Demncia por Doena de Alzheimer, que contm critrios de diagnstico e tratamento, observando tecnicamente e eticamente a prescrio mdica. Alm disso, racionaliza a dispensao dos medicamentos preconizados para o tratamento da doena, regulariza suas indicaes e seus esquemas teraputicos e estabelece mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliao de resultados, garantindo assim a prescrio segura e eficaz.

De acordo com esta Portaria (artigo 1), foi esclarecido que, para a sua confeco:[...] submeteu-se Consulta Pblica e ao Protocolo Clnico, levando em considerao as Diretrizes Teraputicas Tratamento da Demncia por Doena de Alzheimer, por meio da Consulta Pblica SAS/MS n 01, de 12 de abril de 2002, que promoveu sua ampla discusso e possibilitou a participao efetiva da comunidade tcnico-cientfica, sociedades mdicas, profissionais de sade e gestores do Sistema nico de Sade na sua formulao. Tambm considerou as sugestes apresentadas ao Departamento de Sistemas e Redes Assistenciais DSRA/SAS/MS no processo de Consulta Pblica acima referido. Assim resolveram aprovar o Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas Demncia por Doena de Alzheimer: Rivastigmina, Galantamina e Donepezil (BRASIL, 2002).

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Este Protocolo, que contm o conceito geral da doena, os critrios de incluso/excluso de pacientes no tratamento, critrios de diagnstico, esquema teraputico preconizado e mecanismos de acompanhamento e avaliao deste tratamento, de carter nacional, devendo ser utilizado pelas Secretarias de Sade dos estados, do Distrito Federal e dos municpios, na regulao da dispensao dos medicamentos nele previstos (BRASIL, 2002). A aquisio dos medicamentos previstos neste Protocolo de responsabilidade das Secretarias de Sade dos estados e do Distrito Federal, em conformidade com o Programa de Medicamentos Excepcionais e a dispensao poder ocorrer na prpria Secretaria de Sade ou, a critrio do gestor estadual, nos Centros de Referncia. Nesse ltimo caso, deve ser celebrado um acordo operacional entre a Secretaria de Sade do estado e o Centro de Referncia, alm de serem estabelecidos mecanismos de avaliao, acompanhamento e controle. Para a manuteno da dispensao dos medicamentos, os pacientes includos no Programa devero ser reavaliados 3 a 4 meses aps o incio do tratamento e, aps, a cada 4-6 meses, conforme estabelecido neste Protocolo (BRASIL, 2002). Esta portaria tambm define, no artigo 1, 4 que [...] obrigatrio o fornecimento de informaes ao paciente, ou ao seu responsvel legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos [...], preconizados para o tratamento da Doena de Alzheimer, o que dever ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Consentimento Informado, de acordo com o medicamento utilizado, conforme o modelo integrante do Protocolo. Segundo o Protocolo Clnico de Diretrizes Teraputicas para Tratamento da Demncia por Doena de Alzheimer (BRASIL, 2002), o tratamento farmacolgico, corresponde aos seguintes medicamentos: Rivastigmina; Galantamina e Donepezil, no sendo permitidas associaes entre estes frmacos. Dessa forma, o diagnstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes acometidos pela Doena de Alzheimer dever se dar nos Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso, definidos pela Portaria GM/MS n 702 e pela Portaria SAS/MS n 249, ambas de 12 de abril de 2002 (BRASIL, 2002).

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Atravs da Portaria GM/MS n 702, de 12 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), foram criados mecanismos para a organizao e implantao de Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso (artigo 1), e determinou-se s Secretarias de Sade dos estados, do Distrito Federal e dos municpios em Gesto Plena do Sistema Municipal de Sade que, de acordo com as respectivas condies de gesto e a diviso de responsabilidades definida na Norma Operacional de Assistncia Sade - NOAS/2002, a adoo das providncias (artigo 2) necessrias implantao das Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso e organizao/habilitao e cadastramento dos Centros de Referncia que integraro estas redes.

Para tanto, esta portaria define que as Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso devero ser integradas por: Hospitais Gerais e Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso. Para efeitos desta portaria, as Redes Assistenciais so definidas nos pargrafos 2 e 3:[...] 2 Entende-se por Hospital Geral aquele que, embora sem as especificidades assistenciais dos Centros de Referncia, seja integrante do Sistema nico de Sade e tenha condies tcnicas, instalaes fsicas, equipamentos e recursos humanos para realizar o atendimento geral a pacientes idosos, no nvel ambulatorial e de internao hospitalar (BRASIL, 2002, grifo nosso). [...] 3 Entende-se por Centro de Referncia em Assistncia Sade do Idoso aquele hospital que, devidamente cadastrado como tal, disponha de condies tcnicas, instalaes fsicas, equipamentos e recursos humanos especficos e adequados para a prestao de assistncia sade de idosos de forma integral e integrada envolvendo as diversas modalidades assistenciais como a internao hospitalar, atendimento ambulatorial especializado, hospital-dia e assistncia domiciliar, e tenha capacidade de se constituir em referncia para a rede de assistncia sade dos idosos (BRASIL, 2002, grifo nosso).

Segundo o artigo 3 e o anexo 1 da Portaria GM/MS n 702 (BRASIL, 2002), o Brasil conta com 74 (setenta e quatro) Centros de Referncia, e o Estado do Esprito Santo conta com apenas 01 (hum) Centro de Referncia de Atendimento ao Idoso (CRAI), localizado em Vitria, capital do Estado. Uma vez definida a Rede Estadual de Assistncia Sade do Idoso, as Secretaria de Sade devem estabelecer os fluxos assistenciais, os mecanismos de referncia e contra-referncia dos pacientes idosos e, ainda, adotar as providncias necessrias

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para que haja uma articulao assistencial entre a Rede constituda, a rede de ateno bsica e o Programa de Sade da Famlia (BRASIL, 2002).

Complementando a portaria referida anteriormente, a Portaria SAS/MS n 249, de 12 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), estabeleceu que os Centros de Referncia sero responsveis pela assistncia integral e integrada aos pacientes idosos nas seguintes modalidades assistenciais: internao hospitalar, atendimento ambulatorial especializado, hospital-dia e assistncia domiciliar. Tambm aprovou as Normas para Cadastramento de Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso, bem como as Orientaes Gerais para a Assistncia ao Idoso.

Nesta portaria, ficou preconizada que a assistncia a ser prestada pelos Centros de Referncia deve ser conduzida em conformidade com as Diretrizes Essenciais contidas na Poltica Nacional de Sade do Idoso, as quais correspondem :[...] promoo do envelhecimento saudvel; manuteno da autonomia e da capacidade funcional; assistncia s necessidades de sade do idoso; reabilitao da capacidade funcional comprometida e apoio ao desenvolvimento de cuidados informais (BRASIL, 2002).

Segundo as rotinas de funcionamento e atendimento do CRAI, a Portaria SAS/MS n 249 (BRASIL, 2002) estabelece que o tratamento da Doena de Alzheimer deve ser consoante ao Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas para Tratamento da Demncia por Doena de Alzheimer, publicado pela Secretaria de Assistncia Sade. E, neste caso, a assistncia a idosos acometidos pela Doena de Alzheimer deve ser registrada em pronturio e conter o Mini-Exame do Estado Mental. Este, deve ser repetido e devidamente registrado a cada 04 meses, contendo a descrio dos achados clnicos que permitiram fechar o diagnstico clnico da Doena de Alzheimer, de acordo com o Protocolo supra citado.

Para ser cadastrado, o Centro de Referncia em Assistncia Sade do Idoso dever cumprir algumas exigncias. Dentre elas, destaquei uma exigncia, que diz respeito assistncia aos que convivem com o idoso dependente:[...] Desenvolver programa de orientao do acompanhante do idoso no perodo de internao, orientando-o de como pode melhorar o apoio que d pessoa idosa que est acompanhando, em relao sua dependncia,

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buscando preservar ao mximo sua autonomia. Aps a alta hospitalar deve receber apoio constante, atravs de um programa desenvolvido pela equipe de sade quanto aos cuidados do idoso. [...] So de fundamental importncia a orientao e apoio constante ao paciente, ao cuidador e famlia. [...] O Centro dever manter um programa permanente de orientao/treinamento de familiares e de cuidadores dos pacientes idosos, introduzindo conceitos que os capacitem a prover os cuidados bsicos ao idoso e habilitando-os a serem o elo de ligao entre a equipe de sade e o idoso (BRASIL, 2002, grifo nosso).

Portanto, busca-se garantir a assistncia necessria preveno de agravos, promoo, proteo, recuperao da sade do idoso e sua reintegrao social e familiar, bem como a identificao e orientao do cuidador familiar. Dessa forma, todas as legislaes referentes Velhice so centradas nas necessidades dos idosos, de seus cuidadores e/ou familiares, visando reconstruo progressiva da sua independncia nas atividades da vida cotidiana e sua reinsero social, quando possvel.

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CAPTULO 02 DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER

- O senhor t pensando em qu? - Ah, num sei... E fica ali parado... parece um... parece um computador. Ele um computador sem software! Um vrus chegou e tuuuum! Foi o vrus Alzheimer que chegou devagarzinho e no tinha um antivrus pra conseguir tirar isso dele!. I. M. B. V. (familiar da pesquisa)

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CAPTULO 02 DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER

2.1

DEMNCIA

Atualmente, a maioria das pessoas idosas, em nmeros absolutos, vive em pases em desenvolvimento e, apesar disto, existe pouca informao sobre a situao de sade dessa parcela da populao. Vrios estudos (Bertolluci et al, 1998; Green, 2001; Caramelli & Barbosa, 2002; Bertolucci & Okamoto, 2003 e Chaves, 2004) apontam que, entre os problemas de sade que ocorrem com mais freqncia nesta fase da vida e para os quais existe pouca informao epidemiolgica est a demncia, caracterizada pela presena do declnio da funo cognitiva, incluindo a memria, e interferncia no funcionamento ocupacional ou social. Segundo Montao & Ramos (2005, p. 912), o termo demncia no descreve uma doena, mas uma sndrome crnica, cujas caractersticas principais so: declnio de memria adquirido, declnio intelectual ou de outras funes cognitivas, mudanas no comportamento e personalidade, alm de prejuzo no desempenho psicossocial, de maneira que o grau de incapacidade aumenta com o avano do dficit cognitivo. De acordo com a Dcima Classificao Internacional das Doenas e de Problemas Relacionados Sade CID-10 (1989, F00) e o Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais DSM-IV (2002, F00.xx), a demncia uma sndrome clnica decorrente de doena ou disfuno cerebral, usualmente de natureza crnica e progressiva, na qual ocorre perturbao de mltiplas funes cognitivas, incluindo memria, ateno e aprendizado, pensamento, orientao, compreenso, clculo, linguagem e julgamento. O comprometimento das funes cognitivas comumente acompanhado e, ocasionalmente, precedido por deteriorao do controle emocional, comportamento social ou motivao. A demncia produz um declnio aprecivel no funcionamento intelectual e interfere nas atividades do dia-a-dia, como higiene pessoal, vestimenta, alimentao e demais atividades fisiolgicas. A sobrevida mdia aps o diagnstico de demncia de, aproximadamente, 3,3 anos.

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De acordo com Chaves (2004, p. 379), existem trs demncias irreversveis mais comuns: a DA, a demncia por multi-infarto e a combinao de ambas. Existem outros tipos de doenas demenciais em indivduos mais velhos, podendo ser

classificadas como demncias potencialmente reversveis e demncias irreversveis, como considera Green (2001, p. 46). Green (2001, p. 47) explica que as demncias reversveis so devidas, principalmente, a neoplasias (carcinoma, leucemia, etc), distrbios metablicos (Doena de Cushing, Doena de Addison, etc), trauma (trauma craniocerebral, hematoma subdural, etc), toxinas (venenos orgnicos, metais pesados, como o chumbo, mangans, mercrio e outros), infeco (meningites, neurossfilis, etc), distrbios auto-imunes (esclerose mltipla, etc), drogas (hipnticos, ansiolticos, etc), distrbios nutricionais (Sndrome de Wernicke-Korsakoff e outras), distrbios psiquitricos (esquizofrenia e outras psicoses) e outros transtornos relacionados Por outro lado, Green (2001, p. 48) tambm relata sobre as demncias irreversveis, como as demncias degenerativas (Doena de Alzheimer, Demncias

frontotemporais, Doena difusa por corpos de Lewy, etc), as vasculares (Infartos mltiplos, embolia cerebral e outros), as traumticas (leso cranio-cerebral e demncia pugilstica) e as infecciosas (Demncia ps encefalite, Doena de Creutzfeldt-Jakob e outras) . Conforme pesquisa, de enfoque epidemiolgico, realizada por Carvalho & Garcia (2003, p. 728), as demncias so um problema emergente de sade pblica entre os idosos, no s pela alta prevalncia nesta faixa etria, mas por serem causas importantes de incapacidade e mortalidade. Com o envelhecimento populacional, como o que se observa no Brasil, a incidncia de demncia assume propores epidmicas. Considerando as poucas alternativas teraputicas e maior efetividade dos tratamentos com diagnstico precoce, identificar casos que tenham alto risco de evolurem para demncia assume importncia capital.

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2.2

DOENA DE ALZHEIMER

Durante as ltimas dcadas, houve uma mudana considervel no mundo desenvolvido com relao aos padres de saneamento e tratamento mdico. De acordo com Garrido e Menezes (2002, p. 3), uma parcela considervel da populao mundial obteve acesso a padres mais elevados de vida e de tratamento de sade, o que proporcionou aumento da expectativa de vida. Isto foi acompanhado por campanhas de controle da natalidade e pelo aumento da competitividade no mercado de trabalho, o que gerou taxas de natalidade mais baixa. Conforme Vermelho e Monteiro (2004, p. 92) e Charchat-Fichman et al (2005, p. 79), alteraes similares tambm ocorreram nos pases em desenvolvimento, como no caso do Brasil. Com isso, muitas pessoas vivem em idades mais avanadas, porm, vrias delas tm sido acometidas por doenas degenerativas associadas ao envelhecimento, como as demncias e, em especial, a DA.

A demncia, conforme abordada no tpico anterior, definida pela CID-10 (1989, F00) e pelo DSM-IV (2002, F00.xx), como uma sndrome adquirida na qual o prejuzo das habilidades cognitivas severo o suficiente para interferir nas atividades sociais e ocupacionais costumeiras do indivduo. Assim, as alteraes caractersticas da demncia recaem em trs categorias gerais: cognitiva, funcional e comportamental. Portanto, existem vrios tipos de demncias, entretanto, a demncia causada pela DA a mais comum de todas. [...] Ela afeta cerca de 5% da populao idosa acima de 65 anos e apresenta um inexplicvel predomnio entre mulheres (CID-10, 1989).

Com isso, Bertolucci et al (1998, p. 41) afirmam que as demncias compem um grupo de doenas mentais que so, entre as molstias neuro-psiquitricas dos idosos, as de maior impacto para os sistemas de sade e previdncia social, sendo que, apenas a DA responsvel por cerca de 50% a 70% das causas de demncia.

Para Chaves (2004, p. 380), Engelhardt et al (1998, p. 75), Caramelli e Barbosa (2002, p. 8) e Smith (1999, p.5), a DA provoca deficincia cognitiva progressiva, tratvel, mas no tem cura, de maneira que, a memria, principalmente a

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capacidade de reter novas informaes, a parte mais afetada. Alm disso, vrias outras funes cognitivas encontram-se perturbadas, inclusive as de orientao, linguagem, julgamento, funo social e habilidade de realizar tarefas motoras, que tambm declinam, medida que a doena evolui. Portanto, a DA uma doena cerebral degenerativa, caracterizada por perda progressiva da memria e de outras funes cognitivas, que prejudicam o paciente em suas atividades de vida diria e em seu desempenho social e ocupacional. Bottino et al (2002, p. 70) explicam que o processo de adoecimento pode ser divido em trs fases: leve, moderada e grave, de acordo com o nvel de comprometimento cognitivo e o grau de dependncia do indivduo. Na fase leve da doena, o paciente mostra queda significativa no desempenho de tarefas instrumentais da vida diria, mas ainda capaz de executar as atividades bsicas do dia-a-dia, mantendo-se independente. Na fase moderada, o

comprometimento intelectual maior e o paciente passa a necessitar de assistncia para realizar tanto as atividades instrumentais como as atividades bsicas do dia-adia. Na fase grave da DA, o paciente, geralmente, fica acamado, necessitando de assistncia integral. Nessa fase, o paciente pode apresentar dificuldades de deglutio, sinais neurolgicos (p.ex: mioclonias e crises convulsivas), incontinncia urinria e fecal (BOTTINO et al, 2002). Segundo Aisen, Marin e Davis, (2001, p. 19), a DA foi descrita pela primeira vez pelo neurologista alemo Alois Alzheimer (1864 1915) e, durante dcadas, desde que o relato original foi divulgado, houve muita confuso e debates quanto terminologia e relao dessa doena com o envelhecimento normal. Parte da dificuldade provm do fato de que, as alteraes microscpicas observadas no crebro de pacientes com DA tambm se encontram no crebro de pessoas idosas, no afetadas pela doena. A diferena est na quantidade e na distribuio dessas alteraes. Elas compreendem formao de placas amilides e emaranhados neurofibrilares, alm de perda de neurnios e alteraes bioqumicas, que causam deficincia em diversas funes cerebrais. Portanto, as alteraes neuropatolgicas e bioqumicas da DA podem ser divididas em duas reas gerais: mudanas estruturais e alteraes nos neurotransmissores.

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Aisen Marin e Davis (2001, p. 39) apontam que as mudanas estruturais incluem os enovelados neurofibrilares, as placas neurticas ou neurofibrilares e as alteraes do metabolismo amilide, bem como as perdas sinpticas e morte neuronal. E, as alteraes nos sistemas neurotransmissores esto ligadas s mudanas estruturais (patolgicas) que ocorrem na doena, porm, de forma desordenada.

Alguns neurotransmissores so significativamente afetados ou relativamente afetados indicando um padro de degenerao de sistemas. Porm, sistemas neurotransmissores podem estar afetados em algumas reas cerebrais, mas no em outras, como no caso da perda do sistema colinrgico cortical basal e da ausncia de efeito sobre o sistema colinrgico do tronco cerebral. Efeitos similares so observados no sistema noradrenrgico (AISEN, MARIN e DAVIS, 2001).

Conforme Espiga et al (2006, p. 478), a hiptese colinrgica da DA evidenciada pela perda de neurnios colinrgicos centrais, pela atividade reduzida da colinacetiltransferase, em crebro de pacientes com Alzheimer e pela correlao entre o dficit colinrgico e o prejuzo da funo cognitiva. Com base nisto, seus estudos mostraram que quando os inibidores da acetilcolinesterase foram testados em humanos, houve um modesto benefcio comprovado e, atualmente, so usados como coadjuvantes na farmacoterapia da DA.

Espiga et al (2006, p. 478) constataram que, alm dos inibidores da colinesterase, a neuroqumica da DA no se limita a um dficit colinrgico, uma vez que existe disfuno de diversos sistemas de neurotransmisso, incluindo o sistema glutamatrgico. Assim, sugeriram novas possibilidades farmacolgicas para moldar este sistema, como os frmacos cicloserina, milacemida, ampaquinas e memantina. Uma nova descoberta que o ltio e os analgsicos no esterides desempenham um papel na preveno em etapas muito iniciais da DA, mas os mecanismos de ao destas drogas, como farmacoterapia da DA, no se conhece claramente, mas parecem promissores.

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Quanto etiologia desta afeco, existe a hiptese do componente familial:[...] quando os membros da famlia tm pelo menos um outro parente com a DA, ento existe um componente familial: este componente inclui de maneira inespecifica, os deflagradores ambientais e os determinantes genticos. Os fatores genticos so extremamente relevantes, pois alm da idade, a existncia de membro da famlia componente familial - com demncia o nico fator sistematicamente associado, presente em 32,9% de casos diagnosticados (SMITH, 1999, p. 4).

Estudos de Fridman et al (2004, p. 19) e Ojopi, Bertoncini e Neto (2004, p. 27) sugerem, geneticamente, que uma associao entre os alelos do loco do gene da apolipoprotena E (apo E), aumenta o risco para esta enfermidade, entretanto, no se tem definitivamente uma causa especfica para a determinao da etiologia da doena. Os estudos destes autores mostram que a DA transmitida de forma autossmica dominante e as caractersticas de idade, de incio e evoluo identificam subtipos diferentes com correlatos genticos:[...] Por ser autossmica dominante, a penetrao completa, entretanto a manifestao observada na prole no de 50%, mas de aproximadamente 25%. A reduo da manifestao sugere que outros fatores devam fazer parte do processo da doena, caracterizando sua multifatoriedade. O risco relativo geral calculado foi de 3,5 para aqueles sujeitos com pelo menos um parente de primeiro grau acometido pela DA (FRIDMAN et al, 2004, p. 23).

Diante dos estudos sobre esta enfermidade, Green (2001, p. 17) e Chaves (2004, p. 384) concluem que, com todo o processo patolgico, descrito anteriormente, aliado aos diversos fatores que apresentam-se como possveis explicaes etiolgicas, o que pode-se afirmar sobre a DA que ela instala-se, usualmente, de modo insidioso e desenvolve-se lenta e continuamente, por um perodo de vrios anos. O incio pode ser anterior aos 60 anos ou at mesmo mais cedo, mas a incidncia maior medida que a idade avana (a partir dos 60-65 anos), porm, tende a ser mais acelerada e mais grave quando acomete indivduos mais jovens. Ainda assim, todas as observaes a respeito desta doena, juntamente com os estudos mais recentes, no apresentam respostas sobre a etiologia da DA, mas apenas hipteses e possibilidades.

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CAPTULO 03 O FAMILIAR DO IDOSO COM DOENA DE ALZHEIMER

Alzheimer uma loucura e eu tenho que conviver com ela! M. M. B. (familiar da pesquisa)

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CAPTULO 03 O FAMILIAR DO IDOSO COM DOENA DE ALZHEIMERQuando se trata de famlia, importante definir quem so os familiares que a compem. Ento, quem o familiar? So considerados familiares, nesta pesquisa, pessoas relacionadas entre si por laos de consaginidade e, tambm, as que se relacionam por laos afetivos. Estas pessoas podem ser amigos, vizinhos, colegas de trabalho, membros de uma entidade religiosa e outros.

A respeito de famlia, ressaltei dois aspectos: a convivncia familiar e as relaes familiares. Sobre relaes familiares, a sociloga portuguesa, Karen Wall, utilizando a expresso vida familiar, comenta : difcil pensar na famlia, e nos movimentos de transformao que a atravessam, sem entender as formas de organizao da vida familiar, perceber quem so as pessoas que vivem debaixo do mesmo teto e quais so os principais tipos de grupo domstico... verdade que, uma vez reconhecida a predominncia da famlia nuclear, tanto no passado como no presente, a questo das estruturas domsticas caracteriza o modelo de famlia. Afetos e diversidade das interaes conjugais, mudanas profundas nos papis de gnero e no lugar da criana, processos complexos de recomposio familiar, so estes os temas privilegiados da sociologia da famlia contempornea (WALL, 2003, p. 10).

Por outro lado, a convivncia com o prximo definida, de uma maneira crtica pelo psiquiatra Ballone:

Uma das maiores dificuldade de convivncia entre as pessoas se baseia no fato do ser humano se apresentar um ser social por natureza e, simultaneamente, um ser egocntrico. Por sermos sociais, somos incapazes de viver sozinhos no mundo e, por sermos egocntricos somos, ao mesmo tempo, incapazes de conceder aos nossos semelhantes as mesmas regalias que nos concedemos. Portanto, sozinhos no

conseguimos viver e, paradoxalmente, com o outro tambm difcil (BALLONE, 2003, p. 01).

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A partir destas consideraes, pode-se afirmar que, no momento de doena, os familiares so de grande importncia na vida do doente. A pesquisa de Menandro (1995) sobre a convivncia familiar com o afetado por Distrofia Muscular de Duchenne, mostra que o sofrimento fsico, mental e a possibilidade de perda de um ente querido percebido e assimilado de diferentes maneiras, dependendo,

principalmente, da convivncia familiar e do sujeito que vivencia tal experincia. Alm disto, quando se trata de uma doena grave na famlia, a comunicao do diagnstico implica na comunicao de que a doena progressiva, no tem cura e leva o afetado morte e, portanto, a convivncia familiar deve ser considerada, pois a sua compreenso pode tornar a interveno com o familiar e o afetado mais segura e eficaz.

Entretanto, o fato de um membro adoecer pode trazer conseqncias vida familiar, pois[...] a sade da famlia est interligada de seus membros, de maneira que a famlia pode influenciar negativamente na sade destes, que tero problemas de relacionar-se com coutras pessoas fora do crculo familiar, alm de afetar a integridade emocional de seus membros (ELSEN, 1994, p. 68).

Elsen (1994, p. 69) afirma que uma doena grave pode alterar a dinmica familiar. Os papis precisam ser redimensionados e o estresse permeia as relaes interpessoais gerando, inclusive, uma situao de crise na unidade familiar. Tomando em considerao esta afirmativa, pode-se refletir sobre a seguinte pergunta: Por que a famlia deve ser considerada tambm um cliente dos servios de sade?

A pesquisa de Castro (1999), sobre estresse e estressores dos familiares de pessoas com traumatismo crnio-enceflico mostra que, incluir a famlia como cliente das equipes de sade, contribui na diminuio do estresse e no equilbrio da famlia, repercutindo na recuperao do paciente e trazendo benefcios aos familiares, de maneira que, estes, passam a desenvolver estratgias de enfrentamento coping.

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Portanto, Castro explica esta situao, quando afirma que:A doena um momento de crise para o paciente e sua famlia, cuja habilidade em oferecer suporte emocional ao doente depender do seu grau de reconhecimento da crise que est vivenciando, e de sua capacidade para resistir ao estresse. Para que os familiares possam suportar essa situao, no bastam seus recursos pessoais: so necessrias intervenes que dem suporte e possam ajud-los a desenvolver habilidades para enfrentar essa experincia estressante (CASTRO, 1999, p. 06).

Segundo Green (2001, p. 153), os familiares de um paciente com DA e demais demncias progressivas perdem o ser amado num processo prolongado que rouba o paciente de preciosas lembranas compartilhadas, da habilidade de apreciar o carinho e, finalmente, da autonomia e dignidade. Parece com freqncia que os familiares sofrem mais at do que os pacientes, mas o envolvimento dos mesmos vai bem alm do que, simplesmente, tornar-se mais uma vtima da doena.

Para Elsen (1994, p. 69), Castro (1999, p. 106) e Green (2001, p. 154), os familiares formam a interface entre o paciente e o mundo, filtrando as experincias do paciente e, em estgios posteriores, estruturando cada momento do dia do paciente. De igual relevncia, h uma nova compreenso da importncia do aconselhamento do paciente, assim como do cuidador, de estratgias de modificao ambiental e comportamental, do valor do planejamento social e legal e da necessidade de trabalhar com a famlia inteira como o cliente.

Na maioria das famlias, o cnjuge ou filho adulto assume o papel de cuidador, trabalho inesperado e exigente, sem salrio, benefcios, licenas ou frias. Dentre os estgios dessa carreira, Green (2001, p. 155) considera que o familiar cuidador passa por: 1) o estgio do encontro, quando se recebe o diagnstico e a famlia luta para ajustar-se; 2) o estgio de tolerncia, no qual h freqente fadiga, o isolamento e a depresso; e 3) o estgio de sada, em que os membros da famlia enfrentam, tanto angstia quanto alvio, diante da perspectiva de tatamento a longo prazo e morte.

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Segundo Laham (2003, p. 09) e Kursch (2003, p. 862), o cuidador pode ser algum contratado para cuidar (cuidador formal), ou ento, algum da famlia do doente ou um amigo ou vizinho (cuidador informal). Esta ltima modalidade a que mais prevalece quando ocorre comprometimento da capacidade de algum de se autocuidar e encontrado em cerca de 80 a 90% das situaes de assistncia aos idosos brasileiros.

Quanto ao papel feminino nos cuidados:[...] a figura feminina predomina entre as pessoas que assumem o papel de cuidadoras. De maneira geral, a esposa ou a filha mais velha assume o cuidado do doente e a proviso de meios para que ele ocorra. Com isso, vemos que a mulher assume o papel de cuidadora, mesmo quando h a presena de filhos homens na famlia. Para estes, fica, geralmente, a responsabilidade de ajuda material e transporte do doente. A figura da mulher se destaca como cuidadora em nossa cultura, mesmo tendo ocorrido mudanas na composio familiar brasileira, com os novos papis sociais desempenhados pela mulher e a sua participao no mercado de trabalho (LAHAM, 2003, p. 10).

Quanto proximidade com o doente, o cuidador pode ser classificado como primrio, secundrio e tercirio. O cuidador primrio seria aquele indivduo com a principal ou total responsabilidade no fornecimento da ajuda pessoa necessitada. Assim, Laham (2003, p. 11) observa que, embora toda a famlia tambm seja afetada pela doena, [...] o cuidado do paciente recai, especialmente, sobre um nico membro, que assume a principal responsabilidade de prestar assistncia emocional, fsica, mdica e, por vezes, financeira. esse indivduo que conhecido na literatura com o nome de cuidador primrio ou principal.

Os cuidadores secundrios correspondem a outras pessoas que tambm forneceriam assistncia ao doente, mas sem a principal responsabilidade e os cuidadores tercirios seriam coadjuvantes e no teriam responsabilidade pelos cuidados (LAHAM, 2003, p. 12), o que eventualmente poderiam substituir, por curtos perodos, o cuidador primrio ou realizar tarefas especficas que o ajudariam, como fazer compras, pagar contas, sem necessariamente terem contato direto com o doente.

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A pesquisa de Laham (2003), sobre percepo de perdas e ganhos subjetivos entre cuidadores, mostra que os aspectos negativos do cuidar referem-se, principalmente, perda da liberdade, solido e ao cansao a que so submetidos os cuidadores. Por outro lado, os aspectos positivos do cuidar foram relatados pelos cuidadores como sendo um processo de rever conceitos, aprender, obter reconhecimento social e ganho narcsico, alm de renovao espiritual e fortalecimento da f divina. Esta autora concluiu sua pesquisa destacando que importante avaliar o cuidador, para entender como ele percebe a situao e como enfrenta a doena e o tratamento do ser cuidado, visando a proposio de programas que os instrumentalizem a sofrer menos estresse e obter maior satisfao em suas atividades.

Os estudos de Zarit et al (1987, p. 225), sobre intervenes com cuidadores de pacientes com demncia mostram que, em qualquer estgio de uma doena que cause demncia, os cuidadores podem ficar isolados e exaustos e experimentar altos ndices de ansiedade, depresso e desgaste fsico. Assim, quando os cuidadores ficam desinformados ou abatidos, os pacientes experimentam mais problemas comportamentais e requerem internao prematura em clnicas.

Em um outro estudo, a respeito de sobrecarga em familiares cuidadores de idosos com Alzheimer, Zarit (2004, p. 1811) explicou que, torna-se de extrema importncia, a informao e o auxlio de profissionais de sade mental, tais como psiquiatras e psiclogos, visando promover estratgias de enfrentamento do estresse e a manuteno da sade psquica dos familiares. Quando isso ocorre, cuidar, pode oferecer uma sada compensadora para a expresso do amor e para aumentar os vnculos familiares.

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CAPTULO 04 PROPOSTA DE ESTUDO E OBJETIVOS

Precisa haver maior entendimento. Tem que estar se estudando mais esta doena. Ns que sentimos a doena de Alzheimer na pele de um ente querido nosso que sabemos o quanto a gente sofre, e isso muito triste. J M. B. V. (familiar da pesquisa)

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CAPTULO 04 PROPOSTA DE ESTUDO E OBJETIVOS

Diante das dificuldades e dos problemas encontrados para a obteno de assistncia sade de idosos com DA e, em particular, da precariedade dos servios de sade mental existentes, o papel das famlias do doente de Alzheimer se tornou cada vez mais importante. O familiar cuidador quem busca ativamente servios e atendimento s necessidades humanas bsicas do doente. Em conseqncia, a famlia tem sido valorizada e reconhecida como fundamental e parceira dos profissionais de sade e dos servios de sade mental e geritrico, no tratamento e acompanhamento do idoso demenciado. Entretanto, existe uma sobrecarga sentida pela famlia e ela abrange o aspecto fsico, psquico e emocional.

Se, o nmero de idosos com demnica no Brasil est crescendo rapidamente, tambm cresce o nmero de familiares que necessitam de suporte e assitncia, j que a sobrecarga, geralmente, est presente. evidente que ainda h carncia de dados sobre o impacto dessa sobrecarga em cuidadores informais, principalmente, os familiares, que correspondem geralmente a mulheres, filhas, esposas, e outros. Esses cuidadores passam a maior parte do dia com o doente e fazem este trabalho por anos seguidos.

Entretanto, tambm observo que, mesmo diante da crise familiar, alguns encontram maneiras benficas de lidarem com a situao e, ao longo do tempo, parecem at se adaptar ao novo estilo de vida gerado pelo convvio com o idoso doente. Seria esta uma percepo verdadeira? Como seria conviver com um parente idoso acometido por demncia causada pela Doena de Alzheimer?

Tendo em vista o aspecto incapacitante para a vida diria do doente e o sofrimento causado pela DA aos familiares, refleti sobre a importncia do assunto na Sade Coletiva. Buscando compreender o significado da convivncia desses familiares com a presena da DA, elaborei os seguintes questionamentos: Como ter na famlia um

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membro com DA? Como a convivncia familiar com um idoso acometido pela DA? Como os familiares lidam com a experincia de terem um parente com a DA?

Estas inquietaes me motivaram a desenvolver esta pesquisa com o intuito de desvelar, no sentido literal da palavra, tirar o vu, e deixar transparecer esta convivncia. Atravs desta motivao, ento, delineei como objeto de estudo, a convivncia familiar com o idoso acometido pela Doena de Alzheimer.

Para que estes questionamentos possam ser respondidos, primeiro, faz-se necessrio conhecer quem so esses familiares, tambm chamados de cuidadores para, em seguida, conhecer o significado esta convivncia. Diante disso, tracei os objetivos para este estudo e, por meio deles, os questionamentos referidos anteriormente podem ser averiguados.

Diante da importncia do tema na Sade Coletiva, do interesse despertado por minha trajetria e, tendo em vista os questionamentos reflexivos, tracei como objetivo geral desta pesquisa:

Compreender a convivncia familiar com o idoso acometido pela Doena de Alzheimer (DA).

Englobados neste objetivo principal, alguns objetivos especficos tambm podem ser destacados:

Investigar caractersticas da convivncia familiar com um indivduo acometido pela DA; Conhecer de que forma o diagnstico foi percebido e assimilado pela famlia; Verificar quais so as informaes sobre a doena e os suportes destes familiares; Descrever como os familiares lidam com o fato de conviverem com um parente com a DA.

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CAPTULO 05 ESTUDO PRELIMINAR

Me coloca na fila pra estudos de Alzheimer. Se tiver oportunidade de fazer alguma experincia, das clulas-tronco, eu quero participar de algum estudo, nem que seja com remdio. O mdico me disse que o remdio pra Alzheimer pacincia, pacincia, pacincia. F. A. (familiar da pesquisa)

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CAPTULO 05 ESTUDO PRELIMINARNo dia 22 de maio de 2006, realizei um estudo de caso-piloto: registrei e transcrevi, com o consentimento dos participantes, o depoimento da filha e do neto de um idoso acometido por DA, que faleceu h mais de dois anos. A fim de preservar a identidade dos sujeitos, adotei nomes fictcios, na transcrio das falas. Esta famlia foi selecionada considerando que vivenciou todas as fases da doena, a morte, o luto e o ps-luto e, portanto, o contexto de convivncia familiar com o parente doente pela DA era mais amplo. (ANEXO 01).

Yin (2005, p. 104) afirma que em geral, a convenincia, o acesso aos dados e a proximidade geogrfica podem ser os principais critrios na hora de selecionar o caso-piloto. Dessa forma, a escolha dessa famlia tambm levou em conta a facilidade de acesso residncia e o fato de eu j ter conhecimento sobre a histria familiar.

O estudo de caso-piloto auxilia na hora de aprimorar os planos para a coleta de dados, tanto em relao ao contedo dos dados, quanto aos procedimentos que devem ser seguidos. Portanto, em comparao aos provveis casos reais, aproximadamente todas as questes relevantes da fase de coleta de dados sero encontradas neste caso-piloto (YIN, 2005, p. 104).

Entretanto, o autor faz uma ressalva: importante observar que um caso-piloto no um pr-teste. [...] O prteste a ocasio para um ensaio formal, na qual o plano pretendido para a coleta de dados utilizado de uma forma to fiel quanto possvel como rodada final de testes. O caso-piloto utilizado de uma maneira mais

formativa, ajudando a desenvolver o alinhamento relevante das questes possivelmente at providenciando algumas elucidaes conceptuais (YIN, 2005, p. 105).

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Aps a descrio do caso-piloto, desenvolvi o relatrio do caso-piloto (ANEXO 02). Para Yin,[...] Eles (o caso-piloto e o relatrio) so de grande valor para o pesquisador e precisam ser redigidos de forma clara. [...] Devem ser objetivos em relao s lies assimiladas. Tambm podem indicar modificaes. [...] So um bom prottipo do estudo de caso (YIN, 2005, p. 106).

Atravs do estudo de caso-piloto, desenvolvi o relatrio, adotando o mtodo da Anlise de Contedo e de uma das tcnicas deste mtodo, a Anlise Temtica, propostos por Bardin (2001) e por Minayo (2004). Por meio deles, foram identificados os temas na entrevista, separados em unidades de significados e analisados, posteriormente. O emprego deste mtodo e desta tcnica no relatrio, teve a finalidade de treinamento e aperfeioamento para a realizao da anlise de dados dos casos desta pesquisa. Finalmente, o estudo preliminar tambm serviu como base para a elaborao do roteiro de entrevista, que foi aplicado a este estudo.

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CAPTULO 06 METODOLOGIA

Existem muitos remdios em teste, mas no existe cura para Alzheimer. Se existisse cura, papai at j falou: Pode colocar a na fila de testes. Se no for ajudar a mame, pelo menos ela vai ser pioneira. M. E. A. (familiar da pesquisa)

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CAPTULO 06 METODOLOGIA

6.1

CARACTERIZAO DA PESQUISA

O trabalho apresentado aqui, trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo mtodo o Estudo de Caso. Este estudo foi desenvolvido utilizando-se, como metodologia de coleta de dados ou evidncias, o contedo de relatos verbais e depoimentos dos sujeitos do estudo, em situao de entrevista.

Antes mesmo de elencar os processos metodolgicos utilizados neste trabalho, relevante abordar, aqui, a explanao terica a respeito da pesquisa qualitativa e do mtodo de Estudo de Caso, como maneiras de se realizar pesquisas em Cincias Sociais. Para tanto, recorri a autores que abordam pesquisa qualitativa com bastante especificidade, tais como Minayo, Estrela (ambos, pesquisadores brasileiros), Schutt e Ragin (pesquisadores internacionais). Quanto ao Estudo de Caso, recorri aos seguintes autores: Yin, Stake e, novamente, Schutt e Ragin (todos pesquisadores internacionais, visto que existe pouca literatura nacional a respeito deste tema).

A fim de caracterizar esta pesquisa, expliquei, passo-a-passo, toda a trajetria metodolgica utilizada, conceituando, primeiramente, a pesquisa qualitativa e, posteriormente, definindo o Estudo de Caso como mtodo de pesquisa cientfica. Tambm abordei as principais crticas a este tipo de estudo e a importncia do rigor metodolgico, essencial a toda pesquisa cientfica, inclusive ao Estudo de Caso.

6.1.1 A PESQUISA QUALITATIVA

De acordo com a anlise histrica realizada por Schutt (1999, p. 282), a Antropologia e a Sociologia criaram o mtodo de pesquisa qualitativa quando, por volta do sculo XX, realizaram estudos nestas reas. As universidades americanas passaram a se interessar cada vez mais pela pesquisa qualitativa e encontraram nas cidades, um

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excelente laboratrio para estudos. Assim, nas dcadas de 1930, 1940 e 1950, as pesquisas qualitativas passaram a ser valorizadas, pois eram enfatizadas a participao direta na vida comunitria, a percepo subjetiva e interpretao de eventos.

Ragin (1994, p. 91) relata que existem muitas maneiras de se realizar pesquisa qualitativa, entretanto, na Sociologia, na Antropologia e, em muitas outras Cincias Sociais, ela freqentemente apresentada atravs dos seguintes desenhos de estudo: observao participante, intensa interveno, trabalho de campo e estudos etnogrficos. Schutt (1999, p. 280), ainda, acrescenta a estes desenhos o grupo focal, pois um desenho que combina outros desenhos em uma nica estratgia de coleta de dados. Portanto, ambos os pesquisadores citam que a nfase est em se conhecer o significado do fenmeno social, no qual as pessoas esto inseridas.

Em se tratando de pesquisa qualitativa, Minayo descreve com bastante propriedade:A pesquisa qualitativa responde a questes muito particulares e se preocupa com um nvel de realidade que no pode ser quantificado, ou seja, trabalha com um universo de significados, motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis. Dessa forma, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados, das aes e das relaes humanas, um lado no perceptvel e no captvel em equaes, mdias e estatsticas (MINAYO, 1994, p. 22).

Conforme Schutt (1999, p. 282), a Enfermagem vem realizando boas pesquisas qualitativas, quando racionaliza e registra suas observaes. Este um exemplo, mas ela tambm pode ser encontrada em outros campos de pesquisa, onde exista a preocupao de se perguntar: Como o fator social pode influenciar para a ocorrncia do fenmeno? Isso torna-se evidente quando Minayo (1994, p. 23) considera fenmeno, um grupo, uma cultura, uma famlia e outros, como uma unidade social a ser estudada.

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Nessa abordagem, Minayo menciona a famlia como uma unidade social a ser estudada e esta exatamente a unidade que selecionei para a realizao desta pesquisa, cuja pretenso compreender a convivncia familiar com o idoso acometido pela DA. Portanto, trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo mtodo utilizado o Estudo de Caso.

6.1.2 O ESTUDO DE CASO COMO MTODO DE PESQUISA CIENTFICA

O que um caso? What is a Case? o ttulo da obra de Ragin & Becker (1992), na qual estes autores conceituam o estudo de caso como sendo um mtodo bsico de se realizar pesquisas em Cincias Sociais e, atravs do qual, muitos

questionamentos podem ser respondidos sobre um determinado fenmeno social. Para estes autores, existem muitas definies para estudo de caso e muitas maneiras de us-lo.

A definio mais comum a de Yin (2005, p. 19), que diz: o estudo de caso uma pesquisa emprica que investiga um fenmeno contemporneo dentro de um contexto real de ocorrncia, no qual so utilizadas mltiplas fontes de evidncias. Ele acrescenta que esta [...] uma estratgia preferida para investigar fenmenos sobre os quais h pretenso de responder questes do tipo como ou por que [...] (YIN, 2005, p. 20).

Alm dessas caractersticas do estudo de caso, Stake (1995, p. 21), declara que o estudo de caso uma arte, pois trata-se de uma estratgia de pesquisa abrangente, que pode utilizar-se de dados quantitativos, qualitativos e os dois ao mesmo tempo, de forma que, existem vrias maneiras de se conduzir a pesquisa e, o que se deseja pesquisar que define como o estudo de caso pode ser delineado.

Nesses termos, o estudo de caso, quando assume carter qualitativo:[...] busca compreender mais o significado de um fenmeno e no h a preocupao de se levantar dados quantitativos. Com isso, pode-se dar maior flexibilidade ao enfoque, o que permite descobertas inesperadas,

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alm do mais, pode-se aprofundar a pesquisa em tpicos particulares, que tornam-se ainda mais interessantes quando queremos estudar fenmenos muito especficos, casos ou fatos em profundidade e em detalhe (ESTRELA, 2005, p. 188, grifo nosso).

Partindo dessa premissa, o estudo de caso procura conhecer fenmenos individuais, sociais e complexos (YIN, 2005, p. 20). Isso significa que o objeto estudado tratado como nico, uma representao singular da realidade que multidimensional e historicamente situada. Portanto, o estudo de caso apenas uma das muitas maneiras de se fazer pesquisa cientfica.

De acordo com Schutt (1999, p. 283), o estudo de caso um mtodo de se realizar pesquisas sociais, o qual tem contribudo com muitos estudos relacionados s Cincias da Sade, principalmente quando trata-se de pesquisa qualitativa. Para este autor, a Enfermagem uma das reas da Sade que mais utiliza o estudo de caso como mtodo cientfico. Como exemplo do emprego deste mtodo na rea da Sade, esto os estudos de Zucker (2001) e de Herz (1992).

Para a enfermeira Zucker (2001, p. 01), atravs do estudo de caso que se coleta informaes de qualidade a respeito de aspectos da histria de vida do paciente, que possam interferir no processo sade-doena. Aliado a isto, a autora descreve a importncia de se usar o mtodo de estudo de caso em pesquisas de Enfermagem e de outras reas da Sade, ressaltando que este mtodo requer rigor cientfico, mas permite, tambm, realizar estudos descritivos com criatividade.

Herz et al (1992, p. 720), utilizou o estudo de caso para identificar a melhor medicao em pacientes resistentes ao tratamento da Doena de Alzheimer, em estgio de demncia moderadamente avanada. Para isto, a pesqui