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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A NATUREZA JURÍDICA E A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS
PROTETIVAS DE URGÊNCIA ELENCADAS NO ART. 22 DA LEI 11.340/06
CAMILA FIUZA MUNIZ
Itajaí/SC, junho de 2011
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A NATUREZA JURÍDICA E A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS
PROTETIVAS DE URGÊNCIA ELENCADAS NO ART. 22 DA LEI 11.340/06
CAMILA FIUZA MUNIZ
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc.Fabiano Oldoni
Itajaí/SC, junho de 2011
AGRADECIMENTO
À minha família, pelo apoio e, principalmente, por
acreditar no meu potencial para conquistar os
meus objetivos;
Às minhas amigas de faculdade, com quem,
nesses cinco anos de curso, vivi momentos
inesquecíveis e incomparáveis;
Às minhas colegas de trabalho e, especialmente,
ao Dr. Isaac Sabbá Guimarães, pelos
ensinamentos e pela compreensão;
Ao meu orientador, Professor Fabiano Oldoni,
pela atenção e dedicação despendida para a
concretização deste trabalho.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, Álvaro e
Eliane, pois eles trilharam comigo todos os
caminhos para a conclusão dessa etapa.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí/SC, junho de 2011
Camila Fiuza Muniz
Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Camila Fiúza Muniz, sob o título A
NATUREZA JURÍDICA E A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE
URGÊNCIA ELENCADAS NO ART. 22 DA LEI 11.340/06, foi submetida em 10 de
junho de 2011 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
Fabiano Oldoni (orientador e presidente da banca), Isaac Sabbá Guimarães
(examinador) e Airton Jr (examinador), e aprovada com a nota 10 (DEZ).
Itajai/SC, junho de 2011
Prof. MSc. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca
Msc. Maria Claudia S. Antunes de Souza Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Medidas protetivas de urgência à ofendida
Art. 23, Lei 11.340/06 – [...] I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a
programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a
recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após
afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem
prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
Art. 24, Lei 11.340/06 – [...] I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo
agressor à ofendida;II - proibição temporária para a celebração de atos e
contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa
autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao
agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por
perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a ofendida.
Medidas Protetivas de urgência que obrigam o agressor
“Art. 22, Lei 11.340/06 [...] I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas,
com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com
a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a)
aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus
familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de
determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores,
ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação
de alimentos provisionais ou provisórios”
Violência Doméstica
“Art. 5º, Lei 11.340/06 - Qualquer ato de violência baseado na diferença de
gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da
mulher; inclusive ameaças de atos, coerção e privação da liberdade, seja na vida
pública ou na privada [...]”
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................X
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 .......................................................................................... 13
LEI MARIA DA PENHA (LEI Nº 11.340/2006) .................................... 13
1.1 HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA E SUA EVOLUÇÃO NO DIREITO PÁTRIO.............................................................................................................................. 13
1.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ....................................................................................... 14
1.2.1 Considerações gerais ......................................................................................... 14 1.2.2 Formas de Violência Doméstica ...................................................................... 18
1.3 MEDIDAS PROTETIVAS ......................................................................................... 22 1.3.1 Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor ...................... 22 1.3.2 Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida ................................................ 25
CAPÍTULO 2 .......................................................................................... 29
APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ........... 29
2.1 ATUAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL ........................................................... 29
2.2 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ............................................................... 33
2.3 PROCEDIMENTO PARA A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ....................................................................................................................... 36
2.4 A POSSIBILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO AGRESSOR.................. 39
CAPÍTULO 3 .......................................................................................... 43
A NATUREZA JURÍDICA E A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ELENCADAS NO ART. 22 DA LEI 11.340/06 ................................................................... 43
3.1 NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR...................................................................................................................... 43
3.2 (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS APÓS A RETRATAÇÃO DA
REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA ................................................................................... 50
3.3 (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS APÓS A SENTENÇA PENAL
CONDENATÓRIA ............................................................................................................ 53
3.4 INCLUSÃO DO TERMO “MEDIDAS CAUTELARES” NO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL PELA LEI N. 12.403/11 ............................................................ 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 58
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................. 60
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo estudar a Lei de Combate à Violência
Doméstica e Familiar contra a mulher, Lei nº 11.340/06, a qual foi sancionada em
07 de agosto de 2006. A referida Lei criou diversos mecanismos para coibir a
prática de violência doméstica no âmbito familiar, dentre eles, as medidas
protetivas de urgência, o que será objeto desse trabalho, que visa demonstrar os
diversos entendimentos sobre a natureza jurídica dessas medidas de proteção,
especificamente as que obrigam o agressor, por serem comumente aplicadas e,
consequentemente, a (in)eficácia das mesmas frente a retratação da
representação e frente a sentença condenatória do autor que praticou violência
doméstica contra mulher. Frise-se que o tema é complexo e de suma importância
para o ordenamento jurídico e para a sociedade, uma vez que os conflitos
gerados no âmbito jurídico trazem conseqüências danosas às mulheres vítimas
de violência doméstica, tendo em vista que somente algumas encontram a tutela
jurisdicional que buscam.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o estudo da Lei
11.340/06 e seus mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Tem como finalidade investigar a (in)eficácia e a natureza
jurídica das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de
demonstrar, resumidamente, o histórico da Lei Maria da Penha e sua evolução no
Direito Pátrio, bem como discorrer sobre as formas de violência doméstica e as
medidas protetivas de urgência elencadas na Lei.
No Capítulo 2, verifica-se o procedimento para a aplicação
das medidas protetivas de urgência, a atuação da Autoridade Policial e do
Ministério Público, bem como a possibilidade da prisão preventiva do agressor.
No Capítulo 3, trata-se dos diversos posicionamentos acerca
da natureza jurídica das medidas protetivas que obrigam o agressor e sua
(in)eficácia quando a vítima exerce seu direito de retratação e após a sentença
condenatória do agressor, para além de dispor sobre a Lei 12.403/11, que incluiu
o termo medidas cautelares no Código de Processo Penal.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a natureza jurídica das medidas protetivas elencadas no art. 22 da Lei
Maria da Penha e sua (in) eficácia.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
1) As Medidas Protetivas do artigo 22 da Lei 11.340/06 são
de natureza cautelar;
12
2) As Medidas Protetivas do artigo 22 da Lei 11.340/06
perdem a eficácia com a retratação da representação;
3) As Medidas Protetivas do artigo 22 da Lei 11.340/06
perdem a eficácia com a sentença penal condenatória.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de
Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa
Bibliográfica7
1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido[...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná -las de modo a ter uma
percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz . Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 104.
3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto deseja do, delimitando o
alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.
5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 31.
6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 45.
7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD,
Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 239.
CAPÍTULO 1
LEI MARIA DA PENHA (LEI Nº 11.340/2006)
1.1 HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA E SUA EVOLUÇÃO NO DIREITO
PÁTRIO
A Lei 11.340/06 é chamada de Maria da Penha, pois a
farmacêutica cearense, Maria da Penha Maia Fernandes, foi uma das muitas
mulheres que se viu vítima da violência doméstica e que por muito tempo sofreu
com isso diante da ausência de proteção jurídica no direito brasileiro, no entanto,
ela não sofreu calada, escreveu um livro e se uniu ao movimento de mulheres,
buscando, de alguma forma, manifestar sua indignação e conseqüentemente
amparo jurídico às mulheres vítimas de violência doméstica.
Marco Antônio Heredia Viveiros, antigo companheiro de
Maria da Penha, tentou por duas vezes matá-la. Na primeira, em 1983, ele atirou
nela, deixando-a paraplégica e, tentando se eximir da culpa, simulou um assalto
no qual os meliantes teriam efetuado disparos contra sua então companheira.
Em menos de quinze dias da primeira tentativa de homicídio,
Heredia tentou eletrocutar sua antiga companheira através de uma descarga
elétrica enquanto ela estava no banho.
Por esses fatos, Marco Antônio foi submetido a julgamento
pelo tribunal do júri em 1991 e foi condenado à pena de 8 anos de reclusão, no
entanto, recorreu em liberdade e o júri foi anulado, sendo que no novo julgamento
foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Mais uma vez recorreu em
liberdade, e, somente em 2002 foi preso, contudo, ficou recluso por apenas 2
anos.
Ocorre que, no ano de 1997, percebendo que seu agressor
continuava impune, Maria da Penha, juntamente com o Centro Pela Justiça e o
Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a
14
Defesa dos Direitos da Mulher, formalizou uma denúncia junto a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados
Americanos (OEA), do qual o Brasil é signatário, requerendo uma efetiva
prestação jurisdicional.
A denúncia foi recebida em 1998 e foi aberta oportunidade
para que o Brasil se manifestasse, mas o Estado omitiu-se e não prestou
esclarecimentos e nem apresentou qualquer defesa.
Sendo assim, a Comissão de Direitos Humanos da OEA, por
meio do relatório 54/2001, condenou o Brasil a pagar 20 mil dólares a título de
indenização em favor de Maria da Penha e responsabilizou o Estado por
negligenciar e ser omisso nos casos relacionados à violência doméstica, bem
como recomendou a adoção de medidas para eliminar a tolerância ante a
violência doméstica contra as mulheres.
Deste modo, baseado no art. 226, §8º da CRFB/88 foi criado
no Brasil um projeto de Lei buscando mecanismos para coibir a violência
doméstica contra a mulher.
Em 07 de agosto de 2006 foi sancionada pelo presidente da
República a Lei 11.340/06, a qual passou a vigorar em 22 de setembro do mesmo
ano, visando, finalmente, assegurar a mulher vítima de violência doméstica.
1.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
1.2.1 Considerações gerais
O Conselho Social e Econômico (1992), da ONU, define a
violência doméstica contra a mulher como “Qualquer ato de violência baseado na
diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e
psicológicos da mulher; inclusive ameaças de atos, coerção e privação da
liberdade, seja na vida pública ou na privada”8.
8 GUIMARÃES, Isaac Sabbá e MOREIRA, Rômulo de Andrade. A lei Maria da Penha. Aspectos criminológicos, de política criminal e do procedimento penal. Salvador: Jus Podivm, 2009.
p. 37-38.
15
No mesmo sentido, tem-se o conceito legal de violência
doméstica e sua abrangência no art. 5º da Lei 11.340/06, in verbis:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço
de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor
conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente
de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual.
Como é possível observar, para a configuração da violência
doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, ou
companheiros, mas sim que tenham uma relação íntima de afeto na unidade
familiar.
Sobre o assunto, têm-se os ensinamentos de Sérgio Ricardo
de Souza9:
Nesse extenso âmbito enquadram-se as mulheres que se
encontrem no âmbito doméstico, mesmo que não tenham vínculo
familiar com o agressor, como ocorre na relação entre
empregados domésticos e entre eles e os moradores da
residência. Assim, uma empregada doméstica pode ser vítima
para os fins desta Lei, quando venha a, por exemplo, sofrer
9 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 45-46.
16
violência sexual, moral, etc., praticadas por seus patrão.
Percebe-se, também, que a Lei Maria da Penha, ao dispor
no parágrafo único do art. 5º que as relações independem de orientação sexual,
englobou um novo conceito de família, e, para além disso, garantiu proteção às
lésbicas, transexuais, travestis, bem como aos transgêneros do sexo feminino,
vítimas de violência doméstica, desde que firmada a relação íntima de afeto em
ambiente familiar10.
O sujeito ativo da violência doméstica pode ser qualquer
pessoa, assim lecionam Luiz Flávio Gomes e Aline Bianchini11:
Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com
a vítima (pessoa de qualquer orientação sexual, conforme o art.
5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino ou que tenha
qualquer outra orientação sexual. Ou seja: qualquer pessoa pode
ser o sujeito ativo da violência; basta estar coligada a uma mulher
por vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à
nova lei. Mulher que agride outra mulher com quem tenha relação
íntima: aplica a nova lei. A essa mesma conclusão se chega: na
agressão de filho contra mãe, de marido contra mulher, de neto
contra avó, de travesti contra mulher, empregador ou
empregadora que agride empregada doméstica, de companheiro
contra companheira, de quem está em união estável contra a
mulher etc.
Neste prima, importa destacar:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. LEI 11.340/2006. SUJEITO
ATIVO QUALQUER PESSOA. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. Não
tendo a Lei 11.340/06 excluído a possibilidade de a mulher
praticar algum crime de violência doméstica e familiar, tampouco
os erigiu a categoria de crimes próprios, a ponto de considerar
que apenas os homens possam figurar como sujeitos ativos
10
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 35.
11 GOMES, Luiz Flávio. BIANCHINI, Aline. Competência criminal da lei de violência contra a mulher. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060904210631861,
acesso em 6 de novembro de 2010.
17
daqueles delitos, o recebimento da denúncia é providencia que se
impõe. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO12
Quanto ao sujeito passivo, alvo de discussões doutrinárias e
jurisprudenciais, tem-se que, legalmente, somente a mulher vítima de violência
doméstica pode encontrar amparo nos preceitos da Lei Maria da Penha.
Ocorre que, baseado no princípio da igualdade, o qual é
consagrado em nossa Carta Magna, os homens que sofrem violência doméstica
também podem ser assegurados na forma da Lei 11.340/06.
Neste contexto, vale destacar:
HABEAS CÓRPUS. MEDIDAS PROTETIVAS, COM BASE NA LEI
Nº. 11.340/2006, A CHAMADA LEI MARIA DA PENHA, EM
FAVOR DO COMPANHEIRO DA PACIENTE. POSSIBILIDADE.
PRINCIPIODA ANALOGIA IN BONAM PARTEM. AFASTAMENTO
DAS MEDIDAS PROTETIVAS E TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. PEDIDOS DENEGADOS, SEJA PORQUE OS ATOS DA
PACIENTE SÃO REPROVÁVEIS, POIS QUE CONTRÁRIOS AO
ORDENAMENTO JURÍDICO, SEJA POR AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. ORDEM DENEGADA. DECISÃO EM CONSONÂNCIA
COM O PARECER MINISTERIAL. Louve-se a coragem cívica do
autor da representação, em procurar resolver a questão que lhe
aflige, na justiça; louve-se o nobre advogado que teve o
necessário discernimento para buscar na Lei Maria da penha,
arrimado no princípio da analogia, a proteção de seu constituinte,
mesmo quando todas as evidências indicavam que a referida Lei
não poderia ser invocada para proteger o homem, haja vista que
esta norma veio e em boa hora, para a proteção da mulher; louve-
se, por fim, o diligente e probo magistrado que ousou desafiar a
Lei. Com sua atitude, o magistrado apontado como autoridade
coatora, não só pôs fim às agruras do ex companheiro da
paciente, como, de resto e reflexamente, acabou por aplicar a Lei
em favor da mesma. O raciocínio tem sua lógica, levando-se em
conta que, em um dado momento, cansado das investidas, o autor
da representação poderia revidar e, em assim agindo, poderia
colocar em risco a incolumidade física da paciente. Da análise de
todo o processado, não vislumbrei possibilidade de atender aos
12
GOIAS. Tribunal de Justiça; Recurso em Sentido Estrito 10071-3/220; Rel. Des. Aluizio Ataides
de Souza; julgado em 28/11/2008.
18
reclamos dos impetrantes, em favor da paciente, seja para afastar
as medidas protetivas em favor do seu ex-companheiro, (afinal as
atitudes da beneficiária do HC são reprováveis, posto que contra o
ordenamento jurídico); seja para determinar o trancamento da
ação penal. (lembremos que ao tempo da impetração não havia
ação penal instaurada e mesmo que houvesse, não foi
demonstrada a justa causa para tal)13.
Como é possível verificar, a Lei Maria da Penha criou
mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher, e, por analogia, ao
homem, pois, em casos em que ele sofre algum tipo de violência, poderá requerer
as medidas protetivas elencadas na Lei 11.340/06, buscando, assim, uma tutela
jurisdicional satisfatória.
1.2.2 Formas de Violência Doméstica
O art. 7º da Lei Maria da Penha dispõe que as violências
física, psicológica, sexual, patrimonial e moral são formas de violência doméstica
e familiar contra a mulher:
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a
mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda
sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que
lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual
não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
13
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 6313/2008; Rel. Des. Sebastião
Barbosa Farias; julgado em 09/06/2009.
19
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer
modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto
ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados
a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria.
Por violência física, explicam Cunha e Pinto14:
Violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés,
empurrões, arremesso de objetos, queimaduras, etc, visando,
desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima,
deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina,
tradicionalmente, vis coporalis.
A violência psicológica é a agressão emocional, naquela em
que o autor humilha, rejeita, ameaça, inferioriza, etc., a vítima, deixando-a
psicologicamente abalada, ação denominada vis compulsiva15.
A violência sexual no vínculo familiar foi reconhecida na
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Doméstica, no entanto, ainda há diversas discussões sobre a admissibilidade de
sua ocorrência, visto que, como explica Dias16 “A tendência sempre foi identificar
o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a
insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito”.
14
CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.
Comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 37
15 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Comentada artigo por artigo. p. 37.
16 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 49.
20
Sabe-se que a legislação penal sempre foi mais severa ao
tratar dos crimes contra os costumes praticados no âmbito da violência
doméstica, agravando a pena do autor se o crime for praticado contra
ascendente, descendente, irmão ou cônjuge (art, 61, II “e” do CP).
Agora, com a Lei Maria da Penha, foi inserida a alínea “f” no
art. 61, II do Código Penal, a qual dispõe que os crimes praticados com abuso de
autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica devem
ser agravados.
Verifica-se, pois, que os delitos de estupro, violação sexual
mediante fraude, assédio sexual e corrupção de menores praticados no âmbito da
violência doméstica, submetem-se aos trâmites da Lei 11.340/06.
Vale salientar que a segunda parte do inciso III do art. 7º da
Lei Maria da Penha assegura à mulher vítima de violência praticada sob o
aspecto dos exercícios dos direitos sexuais e reprodutivos, permitindo, assim, que
acaso a violência sexual praticada contra a vítima lhe cause maiores
conseqüências, como DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) ou uma
gravidez indesejada, ela tenha acesso a serviços de contracepção de
emergência, como dispõe o art. 9º, §3º da Lei 11.340/06.
Quanto à violência patrimonial, essa encontra suporte no
Título II, Capítulo I do Código Penal que trata dos crimes contra o patrimônio.
Sobre o tema, Hermann17 leciona:
O inciso insere no contexto do patrimônio não apenas os bens de
relevância patrimonial e econômico financeira direta (como direito,
valores e recursos econômicos), mas também aqueles de
importância pessoal (objetos de valor afetivo ou de uso pessoal),
profissional (instrumentos de trabalho), necessários ao pleno
exercício da vida civil (documentos pessoais) e indispensáveis à
digna satisfação das necessidades vitais (rendimentos). A
17
HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha. Lei com nome de mulher. Campinas: Servanda,
2007. p. 114.
21
violência patrimonial é forma de manipulação para subtração da
liberdade á mulher vitimada. Consiste na negação peremptória do
agressor em entregar à vítima seus bens, valores, pertences e
documentos, especialmente quando esta toma a iniciativa de
romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como
subterfúgio para obrigá-la a permanecer no relacionamento da
qual pretenda se retirar.
Com relação a esse tema, importa destacar as imunidades
absolutas e relativas dispostas nos artigos 18118 e 18219 do Código Penal, as
quais causam discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a sua aplicabilidade
após o advento da Lei Maria da Penha.
Maria Berenice Dias20 entende que:
A partir da nova definição de violência doméstica, assim
reconhecida também a violência patrimonial, não se aplicam as
imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código
Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração
vínculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o
injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime
contra sua cônjuge ou companheira, ou ainda, alguma parente do
sexo feminino.
Cunha e Pinto21, entretanto, posicionam-se de outra
maneira, senão vejamos:
[...] quando o legislador pretendeu excluir o âmbito de incidência
das imunidades, ele o fez expressamente, como ocorre na
hipótese do crime ser praticado contra o patrimônio de idoso. [...]
Ante o silêncio do legislador no que concerne à mulher vítima de
crime patrimonial, a conclusão é mesmo no sentido de que as
18
CP, art. 181: É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II - de ascendente ou
descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
19 CP, art. 182: Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; I I - de irmão,
legítimo ou ilegítimo; III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
20 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 52.
21 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.
Comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 65.
22
imunidades previstas no Código Penal não suportam qualquer tipo
de alteração.
Por fim, quanto à violência moral, essa encontra amparo nos
artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, que trata dos crimes de calúnia,
difamação e injúria, respectivamente, a qual entende-se que está aliada com a
violência psicológica.
1.3 MEDIDAS PROTETIVAS
A Lei Maria da Penha elenca um rol de medidas protetivas
de urgência, as quais visam conceder efetivo amparo jurídico às mulheres vítimas
de violência doméstica.
As medidas protetivas que obrigam o agressor estão
elencadas no art. 22 da Lei 11.340/06 e as medidas protetivas à ofendida estão
dispostas nos arts. 23 e 24 do mesmo diploma legal.
Sendo as medidas protetivas de caráter urgente, para a
aplicação das mesmas em desfavor do agressor, devem ser preenchidos alguns
requisitos, sobre os quais esclarece Nogueira22:
Sem que haja pelo menos um começo de prova e uma situação
de incontornável urgência, em tese amparada pelo direito positivo,
o magistrado não tem como deferir nenhuma das medidas
prevista, pois isso traduziria algo temerário.
1.3.1 Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
As medidas que obrigam o agressor estão arroladas no art.
22 da Lei 11.340/06, in verbis:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de
22
NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus navigandi, Terezina. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/8821/notas-e-reflexoes-sobre-a-lei-no-11-340-2006-que-visa
coibir-a-violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher, acesso em 20 de novembro de 2010.
23
imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com
comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n o 10.826,
de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das
testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o
agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por
qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores,
ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Quanto à suspensão da posse ou restrição do porte de
armas, tem-se que tal medida visa proteger a incolumidade física da mulher23.
Nucci24 entende que:
A suspensão da posse ou porte de arma de fogo é valida, pois se
pode evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa,
causando-lhe lesão corporal, possuindo arma de fogo, é possível
que, no futuro, progrida para o homicídio.
23
CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Comentada artigo por artigo. p. 87.
24 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1.181.
24
No presente caso, ainda que o autor do fato tenha
autorização para a posse e/ou para o porte de arma de fogo, sendo ele indiciado
pela prática de violência doméstica, o juiz poderá determinar a suspensão ou a
restrição do porte de armas, comunicando ao órgão competente a decisão – em
conformidade com o §2º do art. 22 da Lei 11.340/06 25.
Concernente à medida descrita no inciso II, verifica-se que a
mesma tem cunho idêntico à medida descrita no final no art. 69 da Lei 9.099/95, a
qual foi introduzida pela lei 10.455/02.
É válido ressaltar que tal medida é mais ampla do que a
medida cautelar de separação de corpos, porquanto é aplicada a todas as
hipóteses de coabitação, independentemente da relação existente entre o
agressor e a ofendida26.
No que tange à proibição das condutas elencadas nas
alíneas “a” (afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida),
“b” (contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação) e “c” (freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida) do inciso II do art. 22 da Lei Maria da
Penha, tais medidas tem o cunho de assegurar a integridade física da vítima
Nesta trilha, importa consignar os ensinamentos de Souza 27:
Consistem todas as medidas, portanto, em sérias limitações às
liberdades públicas do suposto agressor(a), e, com exceção da
segunda, as demais limitam mesmo a sua liberdade de
locomoção, uma das garantias mais caras ao ser humano, razão
pela qual, as notas características da fixação dos espaços
proibitivos ao (à) suposto (a) agressor (a) devem ser a prudência e
a necessidade, aplicadas dentro do princípio da razoabilidade, de
forma que as restrições ocorram efetivamente dentro daquilo que
se mostre imprescindível à segurança da vítima e das demais
pessoas protegias pela norma.
25
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 117
26 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha. Lei com nome de mulher. p. 186
27 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 119
25
No que diz respeito à medida descrita no inciso IV, agiu
corretamente o legislador ao dispor que para a aplicação da mesma deve ocorrer
a oitiva da equipe de atendimento multidisciplinar, tendo em vista que depende de
uma análise mais criteriosa, com o fito de não prejudicar a relação do pai com a
sua prole.
Concernente à medida de prestação de alimentos
provisórios ou provisionais28, nota-se que a mesma tem o fito de garantir a
subsistência do alimentando liminarmente, desde que demons trado os seus
pressupostos.
1.3.2 Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida
Nos artigos 23 e 24 da Lei 11.340/06 estão dispostas as
medidas protetivas de urgência à ofendida:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras
medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial
ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes
ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos
direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade
conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz
poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre
outras:
28
Ao distinguir os alimentos provisionais dos provisórios, Marinoni e Arenhart explicam que: Os
alimentos provisionais são aqueles outorgados em liminar ou em sentença na medida aqui estudada (arts. 852 a 854 do CPC), ou ainda em liminar antecipatória em qualquer demanda ajuizada. [...] alude-se a alimentos provisórios para tratar daqueles outorgados com base na Lei
de Alimentos (Lei 5. 478/68), provisioriamente, nos termos do seu art. 4º. Sua concessão depende da existência prévia do parentesco ou da obrigação alimentar do devedor (ar. 2º da Lei 5.478/68)”. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil:
processo cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 4. p.274.
26
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à
ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de
compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo
expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao
agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial,
por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a ofendida.
O inciso I trata do encaminhamento da vítima e seus
dependentes a programa oficial ou comunitário, locais descritos no art. 35, I e II
da Lei.
Ao adotar essa medida, o legislador preocupou-se com o
abalo psicológico sofrido pela mulher vítima de violência doméstica, no entanto,
para a efetivação dessa medida é necessário o apoio do Estado para a existência
e funcionamento desses programas de proteção e atendimento, o que,
infelizmente, não ocorre.
Tangente à recondução da ofendida e de seus dependentes
ao domicílio, entende-se que tal medida pressupõe um anterior afastamento
dessas pessoas ao lar, seja por determinação do juiz (inciso III do art. 23 da Lei)
ou por sua própria vontade motivada por medo do agressor.
Quanto ao inciso III do artigo em comento, sabe-se que ele
não é comumente aplicado em vista do disposto no art. 22, II da Lei 11.340/06,
mas a Lei prevê tal medida acaso a vítima requeira.
Sobre o assunto, explana Campos29:
Em que pese a possibilidade descrita no item anterior, ressalta-se
29
CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodriges. Diretos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2007. p. 419.
27
a evidência de que a prioridade da Lei é sempre a de afastar o
acusado da residência comum, como dispõe o art. 22 desta Lei,
até por ser muito mais prático que o agressor sozinho deixe a
casa e busque abrigo num hotel ou na casa de parentes e amigos,
do que faça a vítima e seus dependentes, não podendo se
considerar nem raciocínio diverso.
No que diz respeito à separação de corpos (inciso IV),
verifica-se que a presente medida encontra respaldo no art. 888 do Código de
Processo Civil, qual seja:
Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da
ação principal ou antes de sua propositura:
[...]
Vl - o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do
casal;
Ocorre que, sob à égide da Lei Maria da Penha, tal medida
tem caráter de urgência, visando garantir a integridade da vítima contra a
violência doméstica e familiar, não se submetendo à exigência de propositura de
ação principal no prazo de 30 dias, por não possuir caráter preparatório ou
incidente.30
Por fim, quanto às medidas de cunho patrimonial (art. 24 da
Lei), percebe-se que, ao criá-las, o legislador visou resguardar os bens da
sociedade conjugal e os de propriedade da mulher, aplicando as medidas nos
casos em que os sujeitos da ação são casados ou vivem em união estável, sendo
que, no caso de bens comuns ao casal, a meação da mulher é protegida.
Nesse diapasão, Dias31 afirma que:
Todas essas são medidas com natureza extrapenal, que podem
ser formuladas perante a autoridade policial quando do registro da
ocorrência. Desencadeiam o procedimento de medida protetiva de
30
CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodriges. Diretos Humanos das Mulheres. p. 420.
31 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p.91.
28
urgência a ser enviado a juízo (art. 12, III). Essas mesmas
pretensões podem ser veiculadas por meio das ações cautelares
de seqüestro, busca e apreensão, arrolamento de bens, ou
mediante outras medidas provisionais.
Percebe-se, desse modo, que ao criar as medidas protetivas
de urgência, o legislador visou assegurar não só a integridade física e psicológica
da vítima, mas também de sua prole, dispondo, inclusive, sobre os procedimentos
que devem ser adotados para a efetividade dessas medidas, o que será analisado
no capítulo seguinte.
CAPÍTULO 2
APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
2.1 ATUAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL
Conforme estabelece o caput do art. 10 da Lei Maria da
Penha, diante da iminência, ou da prática de violência doméstica, cabe à
autoridade policial adotar de imediato as providências legais cabíveis.
A prática da violência é facilmente determinada, pois é
analisada a posteriori, ou seja, quando já foi consumada e visível, ou, ainda,
tentada32.
Já no que diz respeito à iminência da violência, a autoridade
policial deve agir cuidadosamente, pois, como bem ensina Hermann33:
A violência doméstica e familiar tem por reduto relações e
ambientes onde permeiam afetividade, intimidade, vínculo,
convivência intensa, e até coabitação. Sua prática é
caracteristicamente continuada, com alternâncias de elevo, amor
e reconciliação, em especial no âmbito da conjugalidade e das
relações parentais (pais e filhos). Compreende-se, portanto, que a
lei se refere à iminência ou prática de atos o condutas violentas
criminais no âmbito doméstico e/ou familiar.
Assim, após analisadas as circunstâncias ocorridas no
âmbito da violência doméstica, a autoridade policial pode prender o agressor em
flagrante delito, representar pela sua prisão cautelar (temporária ou preventiva –
em conformidade com os requisitos e pressupostos definidos em lei), para além
de solicitar medidas de caráter probatório, como a quebra do sigilo telefônico.
Salienta-se que tais providências também devem ser
32
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 66.
33 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha. Lei com nome de mulher. p. 150.
30
tomadas quando há o descumprimento das medidas protetivas de urgência
deferidas, conforme consta no parágrafo único do artigo em comento.
O art. 11 da Lei Maria da Penha traz alguns exemplos de
condutas que devem ser tomadas pela autoridade policial, em situações de
violência doméstica e familiar contra a mulher, veja-se:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência
doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras
providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de
imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao
Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para
abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a
retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio
familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os
serviços disponíveis.
O inciso I dispõe sobre a garantia da proteção policial, ou
seja, aí está presente mais uma cautelar introduzida pela Lei Maria da Penha, a
qual deve estar sempre vinculada à necessidade, ou seja, ao fummus boni iuris34.
Concernente ao encaminhamento da ofendida ao hospital,
Cunha e Pinto35 esclarecem que:
Uma das finalidades do encaminhamento da ofendida ao hospital
ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal é atestar,
34
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 71.
35 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica . Lei Maria da Penha.
Comentada artigo por artigo. p. 56.
31
incontinenti, o tipo e grau da lesão sofrida, evitando que eventuais
vestígios se apaguem ou sejam alterados antes de serem
examinados.
Quanto ao inciso III, entende-se que seu objetivo é dar
segurança à ofendida, de modo que ela não tenha medo de ser perseguida, já
que sua localização poderá ser mantida em sigilo, caso necessário.
No que diz respeito ao inciso IV, é válido ressaltar que, se os
pertences da vítima estiverem no domicílio que somente o agressor ocupa, devem
ser observadas as normas constitucionais que versam sobre a inviolabilidade
domiciliar (art. 5º, XI da CRFB/88). Ou seja, talvez seja necessária ordem judicial
para que os pertences da vítima sejam retirados da residência do autor36.
Concernente ao disposto no inciso V, Hermann37 explana:
Não é raro que vitimas de violência, psicologicamente
manipuladas, moralmente ofendidas, amplamente agredidas e
exploradas pelo(s) agente (s) violador (es), cultivem temores
infundados e anacrônicos: medo de perder a guarda do filhos se
abandonarem o lar; medo de perder direitos de meação quanto ao
patrimônio comum e – com grande freqüência – medo de ter de
voltar pra casa por não encontrar abrigo. Quando a autoridade
policial, investida de credibilidade pela própria função, se
preocupa em informar à ofendida os direitos e ela conferidos nesta
Lei e os serviços disponíveis para sua assistência e proteção,
oferece-lhe novos horizontes de esperança e tranqüilidade,
marcos iniciais para que possa reestruturar a própria vida.
Seguindo nas medidas que a autoridade policial deve tomar,
torna-se necessário explanar sobre a instauração de inquérito policial (art. 12 da
Lei), que embora não tenha sido mencionado de forma expressa, é decorrência
natural de uma notícia que descreva prática delituosa.
Frise-se que a autoridade policial pode adotar outras
medidas que entender cabíveis, haja vista que o rol disposto no artigo em
36
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 66.
37 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha. Lei com nome de mulher. p. 155.
32
comento é exemplificativo e não taxativo.
Sobre o tema, ensina Souza38:
Embora o legislador não o tenha dito expressamente, não há
dúvida de que, além das providências listadas neste art. 12, a
autoridade policial deverá também, presentes os requisitos
respectivos, principalmente no que diz respeito à existência de
justa causa em relação à prática de crime de violência doméstica
e familiar contra a mulher, proceder à instauração de inquérito
policial, nos moldes do ainda vigente Título II, do Livro I, do
Código de Processo Penal (aplicável por força do disposto na
parte final da cabeça deste artigo), com as alterações introduzidas
por esta lei, merecendo recordar que, na forma do disposto no art.
41 da Lei sob comento, restou abolida a possibilidade de
instauração ou de elaboração de termo circunstanciado a que se
refere à Lei 9.099/95.
Sabe-se que para a devida oficialização judicial dos fatos
apresentados pela ofendida, a Lei 11.340/06 exige a promoção do registro da
ocorrência, documento no qual deverá conter a declaração da vítima, com as
circunstâncias do ilícito, a identificação do agressor e demais informações 39.
Com o registro da ocorrência, a autoridade policial deve
adotar alguns procedimentos, os quais estão estabelecidos no art. 12 da Lei Maria
da Penha, que são, em suma, a instauração de inquérito policial, com todos os
elementos de prova cabíveis.
Destarte, nota-se que, com o advento da Lei 11.340/06, o
papel da autoridade policial tornou-se muito mais importante, principalmente nas
Comarcas em que já existem Delegacias de Atendimento à Mulher, com
profissionais especializados, os quais podem colocar em prática o que consta na
Lei.
38
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 74-75.
39 CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Diretos Humanos das Mulheres. p.
343.
33
Por fim, destaca-se que o diferencial encontrado na Lei de
combate à violência doméstica recai sobre o expediente de concessão de
medidas protetivas, mas este será analisado posteriormente, quando do estudo
dos procedimentos para a aplicação das referidas medidas.
2.2 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Segundo dispõe o art. 127 da CRFB/88, o Ministério Público
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado e a ele é
incumbido a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
Com efeito, a Lei 11.340/06, nos artigos 25 e 26,
regulamentou a sua atuação, dispondo que o Órgão Ministerial poderá intervir nas
causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar praticada
contra a mulher.
Sobre o papel do Ministério Público, Souza40 afirma:
Nesta Lei a sua atuação está vinculada principalmente à defesa
da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. No que diz respeito aos crimes cuja competência
consta desta Lei, o Ministério Público agirá na sua principal
função, que é de proteção da ordem jurídica quando afetada na
esfera criminal (CRFB, art. 129, inc. I), agindo como parte, ao
passo que, em relação aos demais atos que reclamam a sua
intervenção, estará agindo no resguardo dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, principalmente na dignidade da vítima de
violência doméstica (CRFB, art. 1º, III e art. 129, inc. IX), na
maioria das vezes como fiscal da lei (custos legis).
Como bem esclarecido acima, o Ministério Público tem o
grandioso papel de adotar as medidas necessárias para assegurar a aplicação da
lei e, por meio de alguns instrumentos que lhe foram concedidos legalmente,
promover a garantia dos direitos humanos.
40
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 135-
136.
34
Foi neste contexto que o legislador estabeleceu, no art. 26
da Lei Maria da Penha, algumas atribuições da Instituição em comento:
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras
atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de
educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de
atendimento à mulher em situação de violência doméstica e
familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou
judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades
constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher.
No que diz respeito ao inciso I, tem-se que o poder de
requisição de serviços públicos está inserido no exercício da função ministerial e
tal está condicionada ao princípio da legalidade, devendo ser formulada motivada
e fundamentadamente.
Se não houver o cumprimento das requisições ministeriais,
poderá ser proposta Ação Civil Pública, decorrente, pois, da responsabilidade dos
entes estatais.
Quanto à requisição de força policial, esta pode ser uti lizada
para fins de condução coercitiva.
O inciso II trata da fiscalização dos espaços de atendimento
à ofendida, atribuindo ao Ministério Público a adoção de medidas administrativas
ou judiciais.
Ainda que a lei não tenha regulamentado sobre a forma de
apurar eventuais irregularidades, sabe-se que os procedimentos previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso são cabíveis, tendo
35
em vista a aplicação subsidiária dessas legislações, como bem preconiza o art. 13
da Lei 11.340/0641.
A mais inovadora atribuição do Ministério Público criada pelo
legislador foi a descrita no inciso III, que trata dos cadastros dos casos
decorrentes de violência doméstica.
Sobre o assunto, Souza e Kumpel42 explanam:
Esta providência deve ser adotada no âmbito de cada Promotoria,
devendo esses dados ser reunidos no âmbito do Estado, podendo
o Ministério Público criar Grupo de Atuação Especial ou até um
Centro de Apoio exclusivo para tanto, estabelecendo, a partir daí,
uma política estadual de enfrentamento do problema pelo Parquet,
nada impedindo, até sendo recomendável, que os dados
estaduais sejam condensados num amplo acervo federal, para
orientar medidas gerais de proteção à mulher, tanto preventivas,
como repressivas.
Mister ressaltar que, a atuação do Ministério Público não se
restringe àquelas descritas no Capítulo III da Lei, isto porque o legislador, em
vários outros dispositivos, entendeu a participação do Órgão Ministerial essencial
para o combate violência doméstica contra a mulher.
Nesse contexto, resumidamente, Dias43 ensina:
A participação do Ministério Público é indispensável no âmbito
judicial, intervindo obrigatoriamente tanto nas ações cíveis como
nas criminais (art. 25) Sua presença justifica-se. Ainda que a
vítima seja maior e capaz, e mesmo que esteja acompanha de
advogado, em face da violência sofrida encontra-se em situação
de vulnerabilidade a recomendar atenção do agente ministerial.
Dispõe de legitimidade para agir na condição de substituto
processual (arts. 19, §3º, e 37) e como fiscal da lei (art. 25 e 26,
II). Deve ser intimado das medidas protetivas aplicadas (art. 22,
§1º), podendo requerer outras providências (art. 19) ou a
41
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 75.
42 SOUZA, Luiz Antônio de. KUMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06 2.ed. São Paulo: Método, 2008.
43 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 75.
36
substituição por medidas diversas (art. 19, §3º). Essa
possibilidade em nada se incompatibiliza com a previsão de que é
iniciativa da vítima o pedido de adoção das medidas protetivas
(art. 12, III). Depois de buscada a tutela de urgência, para garantir
seu adimplemento é que cabe ação vigilante do agente ministerial.
Quando a vítima manifestar interesse em desistir da
representação, o promotor precisa estar presente na audiência
(art.16). Pode requer a prisão preventiva do agressor (art. 20) ou
sua prisão temporária. Também pode pedir quebra do sigilo
bancário, sigilo telefônico bem como a interceptação telefônica,
tanto na fase de investigação criminal como durante a instrução
processual penal. Igualmente lhe cabe exercer a defesa dos
interesses e direitos transindividuais (art. 37).
Percebe-se, deste modo, que as atribuições que são
incumbidas ao Ministério Público, o tornam essencial para a efetividade da Lei
Maria da Penha.
2.3 PROCEDIMENTO PARA A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE
URGÊNCIA
Como já explanado anteriormente, a autoridade policial deve
remeter ao juiz competente, no prazo de 48 horas, expediente apartado com o
pedido da ofendida para a concessão das medidas protetivas de urgência.
Sobre o expediente, Souza44 explica que:
Esse expediente deve conter o mínimo de formalidade, dele
constando a autoridade remetente e aquela à qual é endereçado,
o propósito, a representação pela imposição de possíveis medidas
protetivas de natureza criminal que a autoridade policial entenda
compatível e necessária, servindo principalmente para
encaminhar o boletim de ocorrência formulado pela vítima ou seu
representante. Poderá ter a forma de “ofício” como é comum no
serviço público, ou mesmo de um documento de
encaminhamento, pré-formulado.
44
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 100-
101.
37
O art. 18 da Lei Maria da Penha dispõe que, ao receber o
expediente, cabe ao juiz, no prazo de 48 horas, conhecer do mesmo e do pedido
e decidir sobre as medidas protetivas de urgência (inciso I); determinar o
encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o
caso (inciso II); e comunicar ao Ministério Público para que adote as providências
cabíveis (inciso III).
O prazo fixado na lei é exíguo justamente porque as
medidas protetivas têm caráter de extrema urgência, visando que o juiz decida, de
forma prioritária, o que fazer para preservar a integridade física e psicológica da
vítima e de seus familiares45.
Vale salientar, pois, que, no primeiro momento, a autoridade
policial tem o prazo de 48 horas para remeter o expediente ao juiz; feito o
encaminhamento, haverá a distribuição e a entrega do mesmo no Cartório
competente, o qual irá adotar as providências administrativas para depois remeter
os autos ao Magistrado, momento em que o início do prazo irá fluir46.
Dessa forma, verifica-se que, em casos extremos, esse
lapso temporal do requerimento das medidas até o deferimento das mesmas,
pode ser longo demais, motivo pelo qual, havendo justa causa inconteste, a
ofendida pode requerer as medidas protetivas diretamente ao juiz competente,
bem como ao Ministério Público, o qual irá tomar a termo a sua declaração e,
posteriormente, elaborar parecer requerendo as medidas solicitadas e a
instauração de inquérito policial para elucidação dos fatos narrados pela vítima.
É válido ressaltar que, nos crimes de ação penal privada, a
ofendida também pode solicitar as medidas protetivas por intermédio de queixa-
crime.
O art. 12, III da Lei Maria da Penha dispõe sobre a
legitimidade exclusiva da ofendida de pleitear as medidas protetivas, no entanto,
45
CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Diretos Humanos das Mulheres. p.382.
46 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 101.
38
nota-se que no caput do art. 19 do referido diploma legal, tal legitimidade foi
estendida ao Ministério Público.
Sobre o tema, leciona Hermann47:
A exegese coerente da disposição legal conduz à conclusão de
que a legitimidade ativa do Ministério Público cinge-se às
situações de incapacidade da vítima, seja por deficiência ou
doença mental comprovada, seja por se tratar de criança ou
adolescente. Fora de tais hipóteses o requerimento formulado
deve, necessariamente, vir instruído por representação da
ofendida e termo de declaração expressa, caso em que, em última
análise, o pedido parte, na verdade, da própria ofendida.
A confirmação do acima explanado está contida no § 1º do
mesmo artigo, o qual dispõe que as medidas protetivas poderão ser concedidas
de imediato, sem manifestação do Ministério Publico, devendo este ser
prontamente comunicado.
O presente dispositivo, também se refere que as medidas
podem ser concedidas sem a oitiva das partes, vítima e agressor, ou seja, o juiz
pode deferir a medida inaudita altera parte.
Neste prisma, destaca-se julgado do egrégio Tribunal de
Justiça de Santa Catarina:
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE
DETERMINOU A APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE
URGÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. PRETENDIDA
CASSAÇÃO DO DECISUM. ALEGADA OFENSA AOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA, SOB ARGUMENTO DE QUE NÃO FOI
OPORTUNIZADO AO RECORRENTE O DIREITO DE DEFESA.
NÃO OCORRÊNCIA. PERMITIDA CONCESSÃO DE TAIS
MEDIDAS DE IMEDIATO, SEM AUDIÊNCIA DAS PARTES, A
TEOR DO ART. 19, § 1º, DA LEI N. 11.340/06. ALMEJADO
RETORNO DO AGENTE AO IMÓVEL QUE, SEGUNDO ELE,
MORAVA SOZINHO. IMPOSSIBILIDADE. PROVAS JUNTADAS
47
HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha. Lei com nome de mulher. p. 174
39
AOS AUTOS QUE COMPROVAM JUSTAMENTE O
CONTRÁRIO. RECURSO DESPROVIDO [...]48
Verifica-se, pois, que o legislador preocupou-se em
possibilitar a concessão de medidas protetivas independentemente da audiência
das partes, visando resguardar a vítima e seus familiares, optando por não
colocá-los em risco, garantindo uma tutela jurisdicional eficaz49.
De acordo com o §2º, também do art. 19 da Lei Maria da
Penha, as medidas protetivas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente,
bem como poderão ser substituídas a qualquer tempo, por outras mais eficazes.
Isso poderá ocorrer porque, dependendo da situação fática,
as medidas protetivas ora deferidas podem não estar surtindo efeitos, devendo o
juiz tomar as providências cabíveis, ex officio, a fim de proteger integralmente a
vitima.
Da mesma maneira, o Magistrado pode conceder novas
medidas ou rever aquelas já concedidas, a requerimento do Ministério Público ou
da ofendida (§3º do art. 19 da Lei Maria da Penha).
Sendo assim, percebe-se que a Lei 11.340/06 visa garantir a
proteção da vítima em todas as esferas, tendo em vista que as medidas protetivas
podem ser alteradas a qualquer tempo, em conformidade com as necessidades
da vítima, de seus familiares e do patrimônio desses.
2.4 A POSSIBILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO AGRESSOR
O art. 20 da Lei Maria da Penha prevê que, em qualquer
fase do inquérito policial ou da instrução criminal, o juiz pode, de ofício, mediante
requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade
policial, decretar a prisão preventiva do agressor.
48
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 2010.001294 -1, de Biguaçu. Rel. Des. Tulio Pinheiro, julgado em 22/06/2010.
49 CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Diretos Humanos das Mulheres.
p.388.
40
Percebe-se, portanto, que a novidade está no rol de
legitimados para requerer a segregação cautelar, visto que este foi diminuído em
relação ao art. 311 do CPP, eis que a vítima, na condição de querelante, não
pode requerê-la50.
O parágrafo único do artigo em comento também dispõe que
o juiz pode revogar a prisão cautelar no curso do processo se verificar a falta de
motivo para que a subsista, bem como decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.
Com efeito, o legislador também trouxe alterações ao
Estatuto Processual Penal, pois o art. 42 da Lei 11.340/06 dispõe que o art. 313
do CPP passa a vigorar acrescido do inciso IV, qual seja:
Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo
anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos
crimes dolosos:
[...]
IV- se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência
Verifica-se, pois, que a novel legislação possibilitou o
cabimento da segregação cautelar nos crimes punidos com detenção,
independentemente das circunstâncias descritas nos incisos II e III do art. em
comento.
Sobre o tema, Cabette51 assinala:
O dispositivo é providencial, constituindo-se em um utilíssimo
instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção
preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa
50
SOUZA, Luiz Antônio de, KUMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a
mulher: Lei 11.340/06. p.
51 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, a. 11, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/8822>, acesso em: 7 de abril de 2011.
41
modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher ficaria privada do instrumento coercivo da Prisão
Preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no
artigo 312, CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento
arrolados no artigo 313, CPP.
Sendo assim, tem-se que a pena do crime em si não obsta
a prisão preventiva do agressor, tendo em vista que, preliminarmente, deve ser
levada em consideração a integridade física da vítima.
Frise-se, entretanto, que para a segregação cautelar ser
decretada, devem estar presentes os pressupostos para a mesma, como o
fummus boni iuris e o periculum in mora.
Para corroborar, traz-se à baila alguns julgados:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AMEAÇA. LEI MARIA
DA PENHA. MEDIDA PROTETIVA. PRISÃO PREVENTIVA
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA.
1. A prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a
condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se
evidenciada a necessidade da rigorosa providência.
2. Na hipótese, a decisão que decretou a custódia do paciente se
justifica não apenas pelo descumprimento da medida protetiva
anteriormente imposta, mas também porque baseada na
possibilidade concreta de ofensa física à vítima.
3. Diante da presença dos requisitos do art. 312 do Código de
Processo Penal e, em especial, da necessidade de assegurar a
aplicação das medidas protetivas elencadas pela Lei Maria da
Penha, a prisão cautelar do agressor é medida que se impõe.
4. Ordem denegada52
52
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 109.674 - MT (2008/0140371-5); Rel.
Min. OG Fernandes; julgado em 6 de novembro de 2008.
42
HABEAS CORPUS. - Após a concessão de medidas protetivas e
a realização de audiência preliminar, o Ministério Público requereu
fosse decretada a prisão do ora paciente, ressaltando que "o
acusado não esperou sequer 24h a partir da audiência para voltar
a fazer ameaças à vítima". A decisão que decretou a prisão do
paciente está suficientemente fundamentada, considerando as
circunstâncias do caso concreto. [...] Assim, demonstrado o
descaso do paciente com as medidas anteriormente decretas e a
grande possibilidade de reiteração da conduta, impõe-se a
manutenção da decisão vergastada.[...]53
Vale salientar, por fim, que quanto às medidas protetivas de
caráter civil, a prisão do agressor é inviável, como bem ensinam Cunha e Pinto54:
Com efeito, se a medida protetiva é de caráter civil, a decretação
da prisão preventiva, em um primeiro momento, violará o disposto
nos arts. 312 e 313 do CPP, que tratam, por óbvio, da prática de
crimes. E pior, afrontará princípio constitucional esculpido no art.
5º, LXVII, que autoriza a prisão civil apenas para as hipóteses de
dívida de alimentos ou depositário infiel.
Destarte, não há dúvidas quanto à viabilidade da prisão
preventiva do agressor que descumpre as medidas protetivas, desde que
presentes os requisitos para sua decretação e manutenção, já que a qualquer
tempo ela pode ser revogada pelo magistrado, se ele assim entender.
53
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70040255135, Rel. Des. Marco Aurélio de Oliveira Canosa, julgado em 17/01/2011.
54CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.
Comentada artigo por artigo. p. 82.
CAPÍTULO 3
A NATUREZA JURÍDICA E A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS
PROTETIVAS DE URGÊNCIA ELENCADAS NO
ART. 22 DA LEI 11.340/06
3.1 NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O
AGRESSOR
Conforme explanado anteriormente, a Lei Maria da Penha
visa tutelar juridicamente a mulher vítima de violência física, psicológica, moral,
patrimonial e sexual, e proporcionar amparo legal e condições sociais
indispensáveis ao resgate à sua dignidade humana55.
Dentre os mecanismos que visam coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, tem-se um dos mais inovadores e eficazes:
a concessão de medidas protetivas de urgência, as quais foram divididas em duas
ordens, as que obrigam o agressor e as que se dirigem à ofendida.
Por serem medidas inéditas, muito se discute acerca da
natureza jurídica das medidas protetivas, o procedimento a ser adotado para sua
aplicação e o tempo de duração das mesmas.
Desta feita, acreditando-se que as medidas protetivas que
obrigam o agressor são aplicadas com mais freqüência pelo juiz, visando proteger
a integridade física da vítima, desde que constatada a violência doméstica e
familiar, analisar-se-á a natureza jurídica da mesma.
As medidas protetivas que obrigam o agressor estão
elencadas no art. 22 da Lei e dispõem sobre a suspensão da posse ou restrição
55
SUMARIVA, Gracieli Firmino da Silva. Lei Maria da Penha e as medidas protetivas a mulher.
Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 12 de abril de 2007. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/24411, acesso em 30 de abril de 2011
44
do porte de armas, com comunicação ao órgão competente; afastamento do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas
condutas, entre as quais: aproximação da ofendida, de seus familiares e das
testemunhas, fixando limite mínimo de distância entre estes e o agressor; contato
com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação; frequentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos
dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço
similar; e prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
A maioria dos autores, ao tratar da natureza jurídica das
medidas protetivas, ainda que indiretamente, denominam as mesmas como
medidas cautelares.
Neste sentido, Dias56 explana:
Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de
medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de
caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medida
protetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar
a sua origem. [...] Não se está diante de processo crime e o
Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária (art. 13). Ainda
que o pedido tenha sido formulado perante a autoridade policial,
devem ser minimamente atendidos os pressupostos das medidas
cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas
„inaudita altera pars‟ ou após audiência de justificação e não
prescindem da prova do „fumus boni juris‟ e „periculum in mora.
Percebe-se que a referida autora, assim como Cunha e
Pinto57, entende que as medidas protetivas se equiparam as medidas cautelares,
uma vez que podem ser deferidas independentemente de audiência das partes e
devem preencher os pressupostos consistentes no fumus boni iuris e no
periculum in mora.
56
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 75.
57 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.
Comentada artigo por artigo. p. 87.
45
Ressalta-se, no entanto, que a mesma doutrinadora 58, ao
dispor sobre o prazo de duração da medida protetiva, entende que ela não está
sujeita à aplicação do art. 806 do CPC59:
As medidas deferidas, em sede de cognição sumária, não
dispõem de caráter temporário, ou seja, não é imposto á vítima o
dever de ingressar com a ação principal no prazo de 30 dias.
Todas têm caráter satisfativo, não se aplicando à limitação
temporal imposta na lei civil.
Corroborando tal entendimento, o Congresso sobre a “Lei
Maria da Penha – um ano de vigência” realizado pela Corregedoria Geral da
Justiça e Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 12 de setembro de
2007, concluiu que “não caducam em 30 (trinta) dias as medidas protetivas de
urgência, aplicadas pelo juízo criminal, mesmo que não seja ajuizada ação na
esfera cível que a assegure” 60.
Discordando que a medida protetiva tem caráter satisfativo,
Campos e Corrêa61 explicam que:
As medidas protetivas de urgência não se confundem com as
medidas cautelares previstas no Código de Processo Civil, uma
vez que podem constituir um fim em si mesmas,
independentemente da propositura de qualquer açao, não se
definindo como medidas cautelares satisfativas, pois, conforme
prevê os §§ 2º e 3º, elas poderão ser substituídas a qualquer
tempo por outras, de maior eficácia, sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados [...] Pode-se
dizer, portanto, que as medidas protetivas de urgência funcionam
como liminares satisfativas, usualmente concedidas inaudita altera
parte, cabíveis para a tutela imediata de direitos absolutos e
fundamentais, como o direito à vida e em questões relativas à
família, que necessitam de prestação jurisdicional urgente, tal qual
58
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 80.
59 CPC, art. 806: Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.
60 Disponível em http://diarios-oficiais.com/br/diarios-dos-tribunais-de-justica-tj/sao-paulo-tj-sp/4-1a-instancia-parte-ii/2010-11-26/7527-pg.852, acesso em 30 de abril de 2010
61 CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodriges. Diretos Humanos das Mulheres.
p.391-392.
46
a prestação alimentar devida à prole.
Destaca-se que, ao tratar da medida protetiva de prestação
de alimentos provisórios e provisionais, Cunha e Pinto 62 entendem que:
Tratando-se, outrossim, de medida cautelar, deve-se obediência
às regras dos arts. 796 e seguintes do CPC. Dentre elas,
especialmente, a que impõe a propositura da ação principal no
prazo de 30 dias, a ser contado da data da efetivação da medida,
à luz do art. 806 do mencionado codex. Vale dizer, concedida pelo
juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
a medida cautelar, fixando alimentos, cumprirá à autora, no prazo
de 30 dias, propor a ação principal, que pode ser de separação
judicial, reconhecimento e dissolução de sociedade de fato,
anulação ou nulidade de casamento etc., ou mesmo a ação de
alimentos principal, propriamente dita.
Em outro norte, sobre a caducidade da medida cautelar de
alimentos provisionais, disposta no art. 85263 e seguintes do CPC, importa
consignar os ensinamentos de Marinoni e Arenhart64:
[...] é de se questionar se, concedida a medida de alimentos
provisionais, seja em liminar ou em sentença final, deve o
requerente ajuizar a ação principal no prazo de trinta dias, sob
pena de caducidade da proteção provisória, nos termos do que
prescrevem os arts. 806 e 808, I do CPC. A resposta caminha
pela inaplicabilidade dos preceitos indicados no caso presente.
Isto porque, como visto anteriormente, não se está aqui,
propriamente, diante de medida de natureza cautelar. Os
alimentos provisionais se servem do procedimento das medidas
cautelares, mas não possuem natureza cautelar, e sim satisfativa.
[...] Desse modo, ainda que não deva permitir que a medida de
alimentos provisionais vigore indefinidamente, também não se
aplica aqui, de modo peremptório, a caducidade que impera no
campo das medidas efetivamente cautelares.
62
CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica . Lei Maria da Penha. Comentada artigo por artigo. p. 92.
63 CPC, art. 852: É lícito pedir alimentos provisionais:I - nas ações de desquite e de anulação de
casamento, desde que estejam separados os cônjuges;II - nas ações de alimentos, desde o despacho da petição inicial; III - nos demais casos expressos em lei.
64 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo
cautelar. p. 284-285.
47
Percebe-se, desse modo, que a medida protetiva de
prestação de alimentos, se for considerada como cautelar, deve ser acessória, ou
seja, depende de uma ação principal, a qual pode ou não ser proposta no prazo
de trinta dias.
De outra banda, torna-se necessário explanar sobre o
entendimento de que a medida protetiva ostenta natureza jurídica de tutela
inibitória e, portanto, deve seguir o procedimento adotado na lei processual civil.
A tutela inibitória tem por objetivo impedir a violação de um
direito e pode ser voltada a inibir a prática de um ato contrário ao direito, sua
repetição ou continuação65.
Assim sendo, Bechara66, contrariando e criticando
severamente o entendimento de que as medidas protetivas são medidas
cautelares, sustenta seu posicionamento da seguinte maneira:
[...] medidas cautelares são tutelas de urgência com as quais se
busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais
satisfaça o direito invocado.Nessa lógica, deveriam as medidas
protetivas obedecer aos requisitos mínimos de instrumentalidade,
de temporariedade e de não-satisfatividade. Entretanto, por serem
tais características incompatíveis com sua finalidade, não há como
sustentar-se tal tese. Com efeito, como cautelar, a protetiva
deveria fazer referência a um processo principal, conforme artigo
796 do Código de Processo Civil. Para alguns, é possível que se
entenda que o principal é o processo criminal. Todavia, essa
vinculação traria os inconvenientes acima apontados, em especial
a desproteção da mulher em caso de retratação da representação,
ou a manutenção dessa para garantia de vigência da ordem.
Ademais, não se pode admitir que medida de natureza cível
vincule-se a processo principal de caráter criminal. Para outros,
então, principal seria o processo a ser ajuizado na vara de família,
como o de divórcio, o de reconhecimento e dissolução de união
estável, o de alimentos. Ainda que tal entendimento seja
65
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo
cautelar. p. 70
66 BECHARA, Julia Maria Seixas. Violência doméstica e natureza jurídica das medidas protetivas de urgência. Jus Navigandi, Teresina, a. 15, n. 2661, 14 out. 2010. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/17614>, acesso em: 30 de abril de 2011.
48
compatível com a natureza cível da protetiva, é certo que essa
não guarda o traço da referibilidade àquelas demandas. A
proibição de contato do ofensor com a vítima não seria
instrumento de sucesso da ação de alimentos, para se dar um
exemplo. No mais, há casos em que vítima e ofensor não têm
pendências judiciais a serem resolvidas, como na violência entre
irmão e irmã ou entre namorados. Outro problema diz com o prazo
de cessação da eficácia da tutela, nos termos do artigo 808 do
referido diploma legal. Assim, uma vez deferida a protetiva, a
vítima teria o lapso de trinta dias para ajuizamento do processo
principal, sob pena de perda da eficácia da ordem.Tal
conseqüência, por demais gravosa, vai de encontro à razão de
existência das próprias medidas protetivas. Se, de um lado, se
constatam dificuldades para o ajuizamento das demandas, como o
acesso à célere assistência jurídica, a obtenção de documentos
necessários à propositura da ação ou mesmo a instabilidade
emocional, de outro lado é possível que sequer exista a
necessidade de outro feito, como mencionado anteriormente. De
tal modo, a exigência de futura propositura de ação significaria
nova desproteção à vítima, em atendimento a formalismo
incompatível com o mecanismo de solicitação da ordem. Isso
posto, conclui-se que a medida protetiva, porque autônoma e
satisfativa, não é tutela de natureza cautelar, mas sim tutela
inibitória.
Nota-se que os fundamentos acima expostos são de grande
valia, eis que expõem, de fato, que se as medidas protetivas ostentam natureza
cautelar, automaticamente, não garantem a proteção à vítima, tendo em vista a
sua dependência com uma ação principal.
De outro modo, ostentando natureza de tutela inibitória, por
serem medidas urgentes, elas serão concedidas em sede de antecipação de
tutela, em conformidade com o art. 273 do CPC67 e seguirão o procedimento
aplicado no processo de conhecimento do referido diploma legal.
Frise-se que a Lei 11.340/06 prevê no §4º do art. 22 a
67
CPC, art. 273: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde qu e, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.
49
aplicação do art. 461 do Código de Processo Civil, o qual dispõe sobre as
providências para assegurar o resultado prático das obrigações - de fazer ou não
fazer - impostas.
Em outra senda, Didier e Oliveira68 sustentam que as
medidas protetivas são espécies de medidas provisionais:
[...] as chamadas medidas protetivas de urgência seguem o
modelo das “medidas provisionais”, com algumas adaptações
históricas. [...] As medidas provisionais podem ser obtidas pela
instauração de um procedimento cautelar embora sem conteúdo
cautelar (ou seja, de caráter satisfativo). A demanda para a
obtenção de tais medidas é satisfativa, mas se processa pelo
procedimento cautelar, que é mais simples. As medidas
provisionais ainda caracterizam-se por relacionar-se a uma
parcela da lide: o demandante dirigi-se ao judiciário e pede uma
providência que diz respeito a apenas parte do seu problema.
Verifica-se, pois, segundo os autores, que as medidas
protetivas tem natureza jurídica de medida provisional, uma vez que só adota o
procedimento cautelar, no entanto, não depende de uma ação principal, desde
que os motivos ensejadores do pedido continuem persistindo.
Em outra vertente, destacam-se os ensinamentos de
Campos e Corrêa69:
[...] a medida protetiva tem natureza acautelatória especial, visto
que não é submetida ou outras condições do Código de Processo
Civil, tratando-se, efetivamente, de uma tutela de amparo sui
generis. Assim, enquanto perdurar a necessidade vivenciada pela
vítima, necessária é a manutenção das referidas medidas,
devendo a vítima, contudo, ser encaminhada à Defensoria [...]
para a formulação de suas pretensões definitivas, momento em
que poderá ser solicitado, no feito a ser ajuizado, de forma
peremptória, a não aproximação do requerido da vítima/autora, o
68
DIDIER, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais civis da Lei Maria da Penha (violência doméstica e familiar contra a mulher). Disponível em:
http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=449, acesso em: 03 de maio de 2011.
69 CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodriges. Diretos Humanos das Mulheres.
p.386.
50
que será apreciado pelo magistrado, ao final, através de sentença
judicial, mantendo-se, de tal forma, a devida preservação da
integridade psicológica e física da vítima.
Destarte, verifica-se que há grande divergência no que diz
respeito à natureza jurídica das medidas protetivas de urgência, notadamente no
que diz respeito à sua eficácia.
Isto porque, uma vez cautelares, elas são acessórias e
dependem do ajuizamento de uma ação principal, respeitando ou não, o prazo de
trinta dias para tanto. Contudo, sabe-se que nem todas as medidas que obrigam o
agressor possuem ação respectiva e, sendo assim, o único modo de garantir as
medidas protetivas a seu favor seria a deflagração de uma ação penal em face do
autor.
Concernente ao entendimento de que as protetivas ostentam
natureza de tutela inibitória, observa-se que os fundamentos são plausíveis, no
entanto, afasta a incidência do direito penal, o que, certamente, não foi o objetivo
da Lei Maria da Penha.
No que diz respeito à medida protetiva como espécie de
medida provisional, deve-se atentar que, mesmo satisfativas, algumas medidas
que obrigam o agressor dependem da propositura de uma ação principal.
Desse modo, tem-se que a lacuna que a Lei Maria da Penha
deixou está permitindo posicionamentos diversos e incompatíveis entre si,
gerando, pois, tratamentos diferenciados às vítimas de violência doméstica, o que
será analisado doravante.
3.2 (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS APÓS A RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA
O art. 16 da Lei Maria da Penha dispõe que nas ações
penais públicas condicionadas à representação da ofendida, será admitida a
renúncia à representação perante o juiz, em audiência designada para tal
finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
51
Primeiramente, insta destacar que o legislador equivocou-se
ao utilizar o termo “renúncia à representação”, tendo em vista o fim a que se
destina o artigo em comento. Entende-se que o objetivo da Lei foi dispor sobre o
direito de retratação da vítima, uma vez que a renúncia só pode ocorrer antes do
direito de representação.
Neste sentido, ensina Moreira70:
Desde logo, atentemos para a impropriedade técnica do termo
“renúncia”, pois, se o direito de representação já foi exercido
(tanto que foi oferecida a denúncia), obviamente não há falar-se
em renúncia; certamente o legislador quis referir-se à retratação
da representação, o que é perfeitamente possível, mesmo após o
oferecimento daquela condição específica de procedibilidade da
ação penal.
A representação tratada pela Lei Maria da Penha é levada a
cabo no momento em que a vítima registra a ocorrência e suas declarações são
tomadas a termo pela autoridade policial (art. 12, I), oportunidade em que o
inquérito policial é instaurado. Assim, existindo indícios suficientes de autoria e
materialidade do crime, o Ministério Público irá oferecer denúncia em face do
indiciado, sendo que, até o seu recebimento a vítima poderá se retratar, ou seja,
desistir do prosseguimento do feito71.
Salienta-se que o art. 25 do Código de Processo Penal
possibilita a retratação da vítima antes do oferecimento da denúncia,
diferentemente do art. 16 da Lei Maria da Penha que trata da retratação antes do
recebimento da exordial acusatória.
Verifica-se, pois, a colisão entre as leis, no entanto, o
resultado prático, independentemente de qual instituto for aplicado, é a extinção
da punibilidade do agente, em conformidade com o art. 107, VI do Código Penal.
70
GUIMARÃES, Isaac Sabbá e MOREIRA, Rômulo de Andrade. A lei Maria da Penha. Aspectos criminológicos, de política criminal e do procedimento penal. 2 ed Salvador: Jus Podivm: 2011. p.117
71 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. p. 114.
52
Com a extinção da punibilidade do autor, tem-se que as
medidas protetivas perdem sua eficácia, uma vez que não há amparo legal para
que as mesmas subsistam.
Neste sentido, colaciona-se o seguinte julgado do Tribunal
Gaúcho:
APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ARTIGO 129 - § 9º, DO
CP). Descabe a manutenção de medidas protetivas se já foi
extinta a punibilidade do indiciado, eis que a própria vítima
renunciou ao direito de representação, na audiência conciliatória.
APELO PROVIDO, COM A CASSAÇÃO DAS MEDIDAS
RESTRITIVAS IMPOSTAS. 72
Todavia, sabe-se que o fato de a ofendida não representar
criminalmente contra o agressor, não significa que ela não teme pela sua
integridade física, somente que ela não deseja vê-lo ser processado
criminalmente, uma vez que tal sanção poderá acarretar danos irreparáveis e ela
não quer se sentir culpada por isso.
Entretanto, há que se levar em conta que não há como
garantir a eficácia de algumas medidas eternamente, porquanto restringem,
direta, ou indiretamente, a liberdade do agressor.
Fazendo referência às medidas protetivas elencadas no art.
22 da Lei Maria da Penha, assim esclarece Souza73:
As ordens de proteção e as restrições previstas neste artigo
consistem em limitações à liberdade do (a) suposto (a) agressor
(a) e, como tal, devem estar subordinadas aos requisitos previstos
das cautelares em geral e ainda a um prazo de duração, já que
não podem durar eternamente. Cremos que a medida aplicada
cautelarmente, deve perdurar durante toda a vigência da ação
penal ou cível respectiva [...]
72
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 70019552579; Rel. Des. José Antônio Cidade Pitrez, julgado em 13/09/2007.
73 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p.120.
53
Observa-se, nesta senda, que as medidas protetivas que
tem previsão na legislação civil, podem ser efetivadas com a propositura da ação
na esfera competente para analisar a lide. Em contrapartida, as medidas que não
tem previsão em legislação específica, estão atreladas a uma ação penal.
Prado74, por sua vez, discorre que:
Afastada desde o início a intervenção penal, por exemplo, pelo
fato de a vítima não ter representado no prazo legal, em caso de
crime cuja ação penal dependa de representação, as medidas de
proteção da Lei Maria da Penha não poderão ser implementadas
no Juizado. Nada obsta, porém, que o sejam em sede civil. Nessa
hipótese, as medidas de proteção obedecerão às regras gerais
pertinentes à antecipação de tutela e, se for o caso, às cautelares
em âmbito civil (artigo 806 do Código de Processo Civil). Na
esfera do juizado, portanto, as medidas de proteção hão de ser
instrumentais ao processo penal condenatório, direta ou
indiretamente.
A solução prevista acima parece aceitável, no entanto, há
que se atentar que, seguindo o rito previsto na legislação processual civil, não
será cabível a prisão preventiva para assegurar a execução da medida protetiva,
tão somente a aplicação dos §§ 5º e 6º do art. 461 do CPC.
3.3 (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS APÓS A SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
Outra questão controvertida no que diz respeito às medidas
protetivas de urgência recai sobre a perda da eficácia das mesmas quando do
trânsito em julgado da sentença condenatória.
Acredita-se que com a punição do agressor, não há razões
para que as medidas de proteção continuem existindo, pois elas visam garantir a
proteção da vítima enquanto perdurar a instrução criminal75.
74
PRADO, Geraldo. Artigo 19. In: MELLO, Adriana Ramos de (Org.). Comentários à Lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 101.
75 CAMPOS, Amini Haddad. CORRÊA, Lindinalva Rodriges. Diretos Humanos das Mulheres.
p.392
54
Seguindo esse entendimento, traz-se à baila um julgado do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 147 DO CÓDIGO PENAL.
AMEAÇA DE MORTE. ATUAÇÃO LIVRE E CONSCIENTE DO
AGENTE. TEMOR DA VÍTIMA. CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO
NÃO DECRETADA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS
DESFAVORÁVEIS. REDUÇÃO DA PENA-BASE.
IMPOSSIBILIDADE. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI 11.340/06.
EXCEPCIONALIDADE. NATUREZA CAUTELAR. MARCO FINAL.
TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL
CONDENATÓRIA. - Restando comprovado que o agente agiu de
forma livre e consciente ao proferir a ameaça de morte contra a
vítima, infundindo-lhe temor, não há como reconhecer a
atipicidade da conduta e decretar sua absolvição. - Impossível
reduzir a pena-base fixada pelo Juízo 'a quo' quando existem
circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado.- As
excepcionais medidas PROTETIVAS do artigo 22 da Lei
11.340/06, consistentes na proibição de determinadas condutas
ao agressor (inciso III), têm natureza cautelar, ou seja, visam
assegurar o proveito prático do processo e garantir a eficácia da
decisão final, devendo perdurar, pois, até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, sob pena de desvirtuamento do seu
caráter cautelar e de se tornarem mais gravosa para o acusado do
que a própria sanção penal.76
Há que se ressaltar, contudo, que no mesmo tribunal, há
entendimento divergente, veja-se:
[...] AMEAÇA - ABSOLVIÇÃO - AUSÊNCIA DE DOLO
ESPECÍFICO - EMBRIAGUEZ E USO DE DROGAS -
VOLUNTARIEDADE - IMPOSSIBILDIADE - PENA -
MANUTENÇÃO. Configura o delito previsto no artigo 147 do
Código Penal, a conduta do réu de ameaçar a mãe adotiva, com
palavras e com pedra, de causar-lhe mal injusto e grave,
consistente em tirar-lhe a vida, sendo irrelevante o estado etílico
ou o efeito de droga do agente, estes que somente têm relevância
para o afastamento da pena quando proveniente de caso fortuito
ou força maior, o que não é o caso dos autos. Nos termos do
76
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação criminal n. 1.0223.07.232286-8/001, de
Divinópolis. Rel. Des. Renato Martins Jacob, julgado em 04.12.2008
55
artigo 28, II, do CP, a embriaguez voluntária ou culposa, pelo
álcool ou substância de efeitos análogos, não exclui a
imputabilidade penal do agente, mantendo-se a pena como fixada.
MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA - MANUTENÇÃO
QUANDO DA CONDENAÇÃO - POSSIBILIDADE - CONTEXTO
DO ART. 22, § 4º, DA LEI 11.340/06. A natureza material das
obrigações de não fazer declinadas como medidas protetivas de
urgência na Lei Maria da Penha, não supõem sua condição
cautelar, se não decisão antecipatória de tutela, porque a própria
legislação lhe deu contornos para se tornarem definitivas, ao
declinar no § 4º, do art. 22, da referida legislação, a aplicação do
contexto do art. 461 do Código de Processo Civil, tornando
absolutamente lícita a opção de torná-las definitiva quando da
sentença penal condenatória, de modo que a única limitação real
à sua manutenção seria a reabilitação do réu, que por sua
natureza comporta revogação. Recurso onde se rejeitam as
preliminares e se dá provimento parcial. 77
No presente caso, denota-se que o julgador não vislumbrou
óbice na manutenção das medidas protetivas quando da sentença condenatória,
aliando-se à possibilidade de a mesma ser definitiva, garantindo os direitos
requeridos pela vítima.
Outra possibilidade que deve ser levantada é de que,
persistindo os motivos ensejadores da medida protetiva após a sentença
condenatória, o Magistrado poderá prorrogá-la, dentro do período de execução da
pena imposta, reavaliando conforme necessário, adotando procedimento similar
ao previsto no art. 121, §2º da Lei 8.069/9078 (Estatuto da Criança e do
Adolescente)79.
As diversas interpretações permitem suprir a lacuna deixada
pela Lei 11.340/06 no que concerne à eficácia e ao prazo de duração das
medidas protetivas de urgência, no entanto, nota-se que os posicionamentos
diferenciados estão infringindo alguns dispositivos da Lei Maria da Penha e tiram
77
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 1.0702.02.021666-0/001, de Uberlândia.
Rel. Des. Geraldo Augusto, julgado em 07.10.2008
78 Lei 8.069/90, art. 20: a medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses
79 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 120.
56
o seu objetivo principal: coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
3.4 INCLUSÃO DO TERMO “MEDIDAS CAUTELARES” NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PELA LEI N. 12.403/11
Em 4 de maio de 2011, a Presidente da República, Dilma
Rousseff decretou e sancionou a Lei 12.403, alterando algumas disposições do
Título IX do Código de Processo Penal.
Destaca-se a inclusão do termo “medidas cautelares”, a
mudança do art. 282 do CPP, bem como a introdução do capítulo V, o qual dispõe
sobre as medidas cautelares diversas da prisão, o que será objeto de análise em
comparação com as medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha.
O art. 282 do CPP passará a ter a seguinte redação:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser
aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou
a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para
evitar a prática de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do
fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou
cumulativamente.
§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício
ou a requerimento das partes ou, quando no curso da
investigação criminal, por representação da autoridade policial ou
mediante requerimento do Ministério Público.
§ 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia
da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar,
determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de
cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo
os autos em juízo.
57
§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações
impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério
Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a
medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar
a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
§ 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la
quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como
voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível
a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).
Observa-se que os requisitos e pressupostos para a
aplicação das medidas cautelares são semelhantes aos das medidas protetivas
de urgência da Lei 11.340/06, notadamente no que diz respeito à necessidade,
adequação e fungibilidade das mesmas.
Verifica-se, ainda, que algumas medidas previstas na Lei
Maria da Penha foram trazidas para o CPP, senão veja-se:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
[...]
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco
de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando,
por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou
acusado dela permanecer distante; [...]
Denota-se, dessa forma, que mais uma vez o legislador
deixou uma lacuna na lei, possibilitando entendimentos divergentes no que diz
respeito à eficácia e ao prazo de duração dessas medidas, porquanto ao dispor
que elas podem ser aplicadas para evitar a prática de infrações penais, não há
como presumir até quando essa situação irá perdurar.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Maria da Penha veio para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher e, portanto, criou diversos mecanismos a fim de garantir
amparo jurídico à ofendida, dentre eles, as medidas protetivas de urgência, as
quais visam assegurar a vítima e seus familiares quando constatada a prática de
violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
A presente monografia teve como objeto o estudo da
natureza jurídica e a (in)eficácia das medidas protetivas de urgência elencadas no
art. 22 da Lei Maria da Penha, por serem comumente aplicadas pelo Magistrado.
Tendo em vista o rol exemplificativo das medidas de
proteção que obrigam o agressor, foi avaliado o estudo da natureza jurídica das
mesmas, seu prazo de duração e sua (in) eficácia frente à retratação da
representação e após a sentença penal condenatória.
Analisou-se, no capítulo primeiro, o histórico da Lei Maria da
Penha, as formas de violência doméstica e familiar, bem como as medidas
protetivas de urgência.
Já no capítulo segundo estudou-se a aplicação das medidas
de proteção, a atuação da autoridade policial, do Ministério Público e a
possibilidade da prisão preventiva do agressor.
Por fim, o capítulo terceiro tratou da natureza jurídica das
medidas protetivas que obrigam o agressor e sua in(eficácia) ante à retratação da
representação e após a sentença penal condenatória.
Analisado o conteúdo desta monografia, passa-se, agora, à
confirmação ou não das hipóteses levantadas na introdução:
Primeira hipótese: As Medidas Protetivas do artigo 22 da
Lei 11.340/06 são de natureza cautelar.
59
Essa hipótese restou parcialmente confirmada, tendo em
vista que somente as medidas protetivas que tem caráter cível, como a prestação
de alimentos provisórios ou provisionais e a restrição ou suspensão de visitas aos
dependentes menores, são acessórias e dependem de um processo principal, no
entanto, verificou-se que a propositura da ação não precisa ser no prazo de 30
dias.
Segunda hipótese: As Medidas Protetivas do artigo 22 da
Lei 11.340/06 perdem a eficácia com a retratação da representação.
Essa hipótese também restou parcialmente confirmada,
tendo em vista que com a retratação da vítima, extingue-se a punibilidade do
autor e não há como manter as medidas protetivas, pois não há amparo legal
para tanto.
No entanto, considerando os outros entendimentos acerca
da natureza jurídica das medidas de proteção, tem-se que a vítima poderá
requerê-las na esfera cível.
Terceira hipótese: As Medidas Protetivas do artigo 22 da
Lei 11.340/06 perdem a eficácia com a sentença penal condenatória.
Essa hipótese, da mesma maneira, restou parcialmente
confirmada, pois há julgado no sentido de que a medida protetiva é cautelar e,
portanto, assegura o processo e a eficácia da sentença e deve cessar com a
sentença penal condenatória transitada em julgado, entendendo-se que a
manutenção da mesma pode ser mais gravosa para o acusado do que a própria
pena.
Em outra banda, entende-se que as medidas protetivas
anteriormente aplicadas podem ser mantidas a fim de garantir a integridade física
da vítima que se sente atemorizada.
60
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