a natureza do ensino de línguas para fins especificos

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Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485 62 A NATUREZA DO ENSINO DE LÍNGUAS PARA FINS ESPECÍFICOS (ELFE) E AS POSSIBILIDADES DE AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS 1 Renata Mourão GUIMARÃES 2 Magali BARÇANTE 3 Vanessa Cristina da SILVA 4 RESUMO Este artigo apresenta uma reflexão quanto à natureza do ensino de línguas para fins específicos (ELFE), partindo dos pressupostos das duas macro abordagens de ensinar (gramatical e comunicativa). Buscou-se, também, articular as características de ELFE à Operação Global de Ensino (OGEL), justificando a natureza de um curso a partir de análise de objetivos. Palavras-chave: ELFE, Abordagens, Aquisição/Aprendizagem. 1 Trabalho final da disciplina “Ensino de Línguas em Contexto Superior Tecnológico ”, ministrada pela professora Dr. Magali Barçante do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA) da Universidade de Brasília (UnB). 2 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA/2014) da Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Espanhola do Instituto Federal de Brasília (IFB). [email protected] 3 Docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA) da Universidade de Brasília (UnB) e professora de inglês da Faculdade de Tecnologia de Indaiatuba (FATEC). [email protected] 4 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA/2013) da Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Espanhola do Instituto Federal de Brasília (IFB). [email protected]

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Revista Contexturas, n. 23, p. 62 - 80, 2014. ISSN: 0104-7485

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A NATUREZA DO ENSINO DE LÍNGUAS PARA FINS

ESPECÍFICOS (ELFE) E AS POSSIBILIDADES DE

AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS1

Renata Mourão GUIMARÃES2

Magali BARÇANTE3

Vanessa Cristina da SILVA4

RESUMO

Este artigo apresenta uma reflexão quanto à natureza do ensino de línguas

para fins específicos (ELFE), partindo dos pressupostos das duas macro

abordagens de ensinar (gramatical e comunicativa). Buscou-se, também,

articular as características de ELFE à Operação Global de Ensino (OGEL),

justificando a natureza de um curso a partir de análise de objetivos.

Palavras-chave: ELFE, Abordagens, Aquisição/Aprendizagem.

1 Trabalho final da disciplina “Ensino de Línguas em Contexto Superior Tecnológico ”,

ministrada pela professora Dr. Magali Barçante do Programa de Pós-Graduação em

Linguística Aplicada (PGLA) da Universidade de Brasília (UnB).

2 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA/2014) da

Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Espanhola do Instituto Federal de

Brasília (IFB). [email protected]

3 Docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA) da

Universidade de Brasília (UnB) e professora de inglês da Faculdade de Tecnologia de

Indaiatuba (FATEC). [email protected]

4 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA/2013) da

Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Espanhola do Instituto Federal de

Brasília (IFB). [email protected]

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ABSTRACT

This article presents a reflection on the nature of teaching language for

specific purposes (TLSP), based on the assumptions of the two macro

approaches (grammar and communicative). In addition, we sought to

articulate the characteristics of Teaching Language for Specific

Purposes with the Language Teaching Overall Operation Model (OGEL), so

as to justify the nature of Foreign Language Courses based on its objectives

analysis.

Key-words: TLSP, Approaches, Acquisition / Learning.

Introdução

Tratar do ensino de línguas para fins específicos (doravante ELFE)

nos remete à própria escolha lexical sobre o que é específico e o que é geral

no processo de ensino e aprendizagem de línguas. Além disso, a natureza

desse tipo de ensino também nos leva a refletir sobre o cerne desse processo,

qual seja, o conceito de linguagem humana que, por sua vez, influencia e

determina o que entendemos hoje por abordagens de ensinar, conforme

publicações de Almeida Filho (1993, 2009; 2010; 2011; 2012).

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Entendemos que o processo de aprendizagem/aquisição5 e ensino de

línguas (AELin) é determinado por uma dada abordagem. Abordagem pode

ser compreendida como uma filosofia de ensinar, como uma força potencial

e abstrata, que orienta as decisões e ações do professor (ALMEIDA FILHO,

1993, 2010), materializadas em quatro dimensões, no planejamento de

cursos e de currículo, na produção e/ou seleção de materiais didáticos, na

construção de oportunidades para se vivenciar a língua-alvo (o método ou a

maneira de se ensinar) e na avaliação do processo.

Tendo o conceito de língua(gem) como central em sua natureza e

definição, concordamos com o autor quando discorre sobre duas abordagens

de ensinar, aquela que se constitui pelo entendimento de que a língua(gem)

humana é de natureza dialógica, interacional e, portanto serve a propósitos

comunicativos, e a que se constitui pela compreensão de língua(gem) que se

circunscreve a sua gramática e vocabulário. O conceito de língua(gem), por

manter relação com o ensino-aprendizagem de línguas (ALMEIDA FILHO,

2012), o determina e influencia.

Diante disso, nos perguntamos qual a relação do ELFE com o

conceito de língua(gem), já que este ensino nasce de uma nova percepção do

que é ensinar e aprender, influenciado pelas mudanças ocorridas no campo

da linguística e pelas novas psicologias educacionais (RAMOS, 2005).

O ELFE e as abordagens

5 Neste trabalho não faremos distinção entre esses dois termos.

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Conforme dissemos, consideraremos neste trabalho, duas vertentes

ou abordagens de ensinar línguas, a de base gramatical e a de base

comunicativa. Não é incomum haver confusão conceitual entre abordagem e

método e entre esse e técnica usada em sala de aula. Almeida Filho (1993),

tomando como base o modelo proposto por Anthony (1963) e ao definir

abordagem como uma filosofia de ensinar, abstrata por excelência, entende

método como as oportunidades criadas para se experienciar a língua, ou a

maneira de se ensinar, e como técnica procedimentos usados em sala de aula,

a que acrescentamos imitáveis porque tangíveis. O método, no modelo

proposto, estaria, se imaginarmos uma ilustração, abaixo da abordagem,

compondo as quatro dimensões ou materialidades da operação global de

ensino (OGEL), mencionadas acima.

Grosso modo, o movimento comunicativo começa a partir da

década de 70 como uma resposta ou reação às insatisfações quanto aos

resultados obtidos com o uso de padrões estruturalistas no ensino de línguas,

e junto a ele surgem, também, nomenclaturas novas, que refletem a

concepção de língua(gem) enquanto uso e interação com propósitos

comunicativos, entre elas: funções comunicativas, temas, tópicos, tarefas,

projetos, cenários, necessidades dos alunos, interação, especificação de

objetivos etc. A materialização ou a transposição didática de um conceito

não é tarefa simples, especialmente se esse conceito se constrói a partir de

algo difícil de ser “congelado”, dada a sua natureza dinâmica e imprevisível,

como as interações humanas permeadas pela língua (estrangeira). Isso pode

explicar, em parte, porque fazer recortes comunicativos é uma tarefa

complexa.

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Dentre essas novas nomenclaturas, que refletem uma concepção de

língua(gem), a especificação de objetivos e as necessidades dos alunos nos

levam a pensar no que é específico no processo de ensino e aprendizagem.

Se os objetivos podem ser bem definidos, delimitados, atendendo a

necessidades/interesses dos aprendizes, teremos então um curso de ELFE.

Considerando-se que o levantamento de necessidades é o ponto de

partida para um curso de ELFE (HUTCHINSON e WATERS, 1987;

DUDLEY-EVANS e ST JOHN, 1998; ROBINSON, 1991; AUGUSTO-

NAVARRO, 2008; RAMOS, 2005), e que o aluno é o centro do processo de

AELin, as materialidades (planejamento, materiais didáticos, experiências de

vivenciar a língua-alvo e avaliação) devem ser baseadas nos objetivos

(necessidades, interesses, fantasias e projeções) dos alunos, como previsto na

OGEL (ALMEIDA FILHO, 1993).

Quando os objetivos são bem definidos e bem marcados, quer dizer,

passando do nível 4 (projeções) e 3 (fantasias) e englobando mais fortemente

o nível 2 (interesses) e 1 (necessidades), podemos definir o curso como o

ELFE.

(Figura 1 - modelo 1993 e 2012 - com adaptações)

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Na década de 90, o ELFE começa a ser criticado por uns e

repensado por outros. Augusto (1997) atribui esse fato à dificuldade de se

definir o que seja exatamente o ELFE. Para Hutchinson e Waters (1997),

Ramos (2005, 2009) o ELFE deve ser considerado como uma abordagem

para a aprendizagem de uma língua que se fundamenta na necessidade do

aluno. Para os autores, uma abordagem instrumental.

Borges (2011, p.827) aponta uma “tensão” sobre o uso do termo

instrumental (ELFE) entre diversos pesquisadores da Linguística Aplicada,

abaixo elencados.

Widdowson (UniVie, Áustria): o comunicativo e o instrumental não

são separados, são parte de um mesmo desenvolvimento. Foi de

muitas formas o precursor do comunicativo como uma abordagem

geral de ensino de língua.

Prabhu (pesquisador independente): o instrumental é guiado pelo

propósito de aprendizagem, com uma visão de linguagem que se

adéqua a usos particulares; o comunicativo é guiado por uma visão

de linguagem como constituindo um significado ou processo de

comunicação;

Kumaravadivelu (SJSU, EUA): o instrumental é um tema do

comunicativo;

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Swales (UMich, EUA): o instrumental e o comunicativo

compartilham interesses;

Almeida Filho (UnB, Brasil): o instrumental faz parte do paradigma

comunicacional;

Moita Lopes (UFRJ, Brasil): o instrumental e o comunicativo

possuem a mesma visão de linguagem, mas diferentes propósitos de

aprendizagem;

Paiva (UFMG, Brasil): o instrumental faz parte do paradigma da

simplificação e o comunicativo do paradigma da complexidade;

Celani (PUC/SP, Brasil): o instrumental é uma abordagem, e é

comunicativa, o instrumental está incluído na abordagem

comunicativa;

Scaramucci (UNICAMP, Brasil): o instrumental se insere dentro de

uma abordagem comunicativa.

Todos os especialistas entrevistados, com exceção de Prabhu e

Paiva, concordam que o instrumental (ELFE) e o comunicativo mantêm uma

relação.

Essa é uma, dentre outras questões, que são discutidas no âmbito da

Linguística Aplicada, mas precisamente na AELin em relação ao ELFE, e

que vem ganhado força em nosso país por meio de pesquisas, eventos

nacionais e regionais, projetos e livros voltados para a área. As contribuições

têm sido para a definição da melhor terminologia; para a desconstrução dos

mitos (RAMOS, 2005) e ideias errôneas (AUGUSTO-NAVARRO, 2008)

que circundam este ensino, como por exemplo: que instrumental é sinônimo

de leitura, que esse tipo de curso deve ser dado em língua materna, que tem

foco exclusivamente em uma das habilidades linguísticas; e também

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contribuições em relação ao levantamento das necessidades/interesses de um

determinado grupo ou de uma determinada área de atuação, construção de

planejamentos de cursos de ELFE entre outros. Segundo Barçante (texto

online6), outras iniciativas vêm sendo tomadas, no que se refere à busca de

reunir inquietações e proposições para o ELFE e cita, por exemplo, a

realização do I Congresso Brasileiro de Línguas Estrangeiras na Formação

Tecnológica7 e a edição especial da Revista Reverte

8.

O programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA) da

Universidade de Brasília (UnB) tem buscado, também, suscitar discussões e

reflexões sobre o ensino de ELFE, e para isso, desde 2010 tem ofertado a

disciplina Ensino de Línguas9 em Contexto Superior Tecnológico, na

modalidade semipresencial. Além da oferta de tal disciplina o programa tem

incentivado a produção de dissertações e artigos, desde 2006, sobre o ELFE

e mais especificamente sobre o ensino da LE em contexto de educação

técnica e tecnológica, por citar alguns10

: Chaves (2006); Bonfim (2006);

Santos (2010); Santos (2010); Sousa (2013); Brasil (2013); Souza (2013).

6 BARÇANTE, M. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de

Brasília. Projeto de pesquisa. Disponível em:

<http://www.pgla.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=155:magali-

barcante-alvarenga&catid=3:pesquisa&Itemid=62> Acesso em: 30/05/14.

7 http://www.fatecid.com.br/1/index.php/eventos-externos/cbtecle.html

8 http://fatecindaiatuba.edu.br/reverte/index.php/revista/issue/view/10/showToc

9 No cenário brasileiro de pós-graduação, no âmbito da Linguística Aplicada, esta é a única

disciplina ofertada sobre o ELFE na modalidade semipresencial.

10 CHAVES, Daniele Fonseca (2006). O ensino de línguas para fins específicos como uma

proposta de abordagem da língua estrangeira no ensino médio; BONFIM, Rafaela (2006). BABEL DE VOZES: crenças de professores de inglês

instrumental sobre tradução;

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Embora muitos desses trabalhos já tenham levantado características

do ELFE, crenças de professores sobre este ensino, tipos de planejamentos e

materiais desejáveis para estes cursos, ou, ainda, mapeado necessidades de

alunos e de áreas em diferentes contextos, ainda existem lacunas que

precisam ser preenchidas.

Almeida Filho (2008) chama a atenção para a ausência de projetos

de investigação dessa modalidade no país, da escassez de revistas

especializadas, de livros e de artigos que orientem novas práticas para o

ensino de línguas estrangeiras, principalmente no contexto técnico e

tecnológico, bem como a necessidade de se entender melhor o papel da LE,

nesses cursos. Mapear as necessidades de uso da língua estrangeira, segundo

Barçante (texto online), nesses contextos, é um possível caminho para se

entender melhor algumas questões do ELFE, sem perder de vista a

perspectiva educativa do processo de ensinar línguas, no diálogo franco entre

a instituição formadora e a situação-alvo.

Análise de objetivos

SANTOS, Eduardo Ferreira dos (2010). Crenças sobre o ensino-aprendizagem de inglês

(LE) em contexto de formação profissional: um estudo de caso;

SANTOS, Liberato Silva (2010). Sob Medida: uma proposta de produção de material

didático de Língua Estrangeira (inglês) para aprendizes de um curso do Ensino Médio profissionalizante de jovens e adultos, na modalidade PROEJA;

SOUSA, Alessandra Silva de (2013). O Ensino de Língua Espanhola no Instituto Federal

de Brasília: o Dito, o Feito e o Pretendido;

BRASIL, Paolla Cabral Silva (2013). ¿Piedras en el camino? ¡Construyamos un castillo!

Necessidades e interesses de aprendizes de espanhol de um curso técnico integrado;

SOUZA, Sheilla Andrade de (2013). Ressignificando o ensino de inglês instrumental em

contexto profissional de nível médio: uma proposta baseada em sequência didática.

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A natureza de um curso é definida a partir dos objetivos, quando os

objetivos são difusos podemos dizer que o curso é de natureza geral; quando

os objetivos são bastante definidos, com necessidades/interesses dos alunos

bem específicos e localizados, dizemos que este curso é para fins

específicos. Assim, a análise de objetivos se torna uma etapa imprescindível

em um curso de ELFE, pois é essa análise que guia o planejamento desses

cursos, indicando o que é específico com relação à LE (AUGUSTO-

NAVARRO, 2008). A autora sugere que essa análise seja processual,

investigando-se todo o ambiente e os contextos de uso da língua-alvo na vida

profissional e/ou acadêmica dos alunos, bem como o nível de conhecimento

linguístico dos alunos na língua-alvo.

Para definir os objetivos do curso, segundo Almeida Filho (2013,

p.39) é necessário que o professor conheça a situação ou contexto de ensino

e antecedentes. Para conhecer tal situação ou contextos o professor-

planejador deve buscar “dados sobre os alunos, história do curso, perfis de

formação de professores que o implementarão, cultura de aprender dos

alunos e cultura de ensinar da escola, papel da língua-alvo na comunidade”.

O autor explica que, “geralmente se coletam os registros com informações

no próprio local com pessoas familiarizadas com a situação através de

conversas, entrevistas e questionários”.

Para Viana (2009) essa etapa de levantamento de objetivos deve

incluir dados do contexto, como por exemplo, questões de política

educacional, número de aulas, recursos físicos e humanos; e aspectos

individuais dos alunos - necessidades, interesses, motivações, fantasias,

desejos, conhecimento prévio, disponibilidade de tempo, entre outros.

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Para a realização dessa análise, os instrumentos mais frequentes são

questionários, entrevistas, observação, texto, consultas informais com

empregadores, alunos e outros (HUTCHINSON e WATERS, 1987). Existe

também, a análise documental, que considera o que é produzido na área

específica, como as publicações, seminários, correspondências, fóruns de

discussão etc., e a análise da situação-alvo, em que se examinam os

ambientes onde a língua-alvo é usada (ROBINSON, 1991 apud AUGUSTO-

NAVARRO, 2008). Essa análise não deve ser vista como uma atividade

acabada, ela deve ser contínua durante todo o processo.

Por meio do levantamento dos objetivos de aprendizagem e da

situação-alvo é possível definir as atividades comunicativas ou recortes

comunicativos de determinada situação de uso social da língua, seja ela

relacionada à necessidade do aluno e/ou da situação onde o aluno irá atuar

socialmente nesta língua (em seu cotidiano profissional, acadêmico etc.); e a

partir daí definir qual será a ênfase em relação às habilidades que serão

trabalhadas no curso, em maior ou menor proporção.

(Figura 2 11

)

11

Essa figura foi criada a partir de leituras e discussões realizadas durante os cursos de

“Abordagens no Ensino de Línguas” e “Ensino de Línguas em Contexto Superior

Tecnológico”, no PGLA da UnB, ministrados respectivamente pelos professores José Carlos

Paes de Almeida Filho e Magali Barçante.

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A noção de recorte comunicativo é introduzida por Almeida Filho

em 1989; para o autor a tarefa de uso da língua requer tipicamente um

recorte comunicativo (atividades socialmente reconhecíveis e que integra as

habilidades), isso porque na vida real, as atividades que realizamos em sala

de aula, e mesmo fora dela poucas vezes se restringirão a uma única das

quatro habilidades, como "falar", por exemplo (op. cit, p. 63). Assim um

recorte comunicativo pode ser sinônimo, também, de prática social.

É possível fazer recorte de uma determinada atividade comunicativa

e verificar quais habilidades estão presentes, isto serve para guiar e facilitar o

planejamento de curso, bem como a produção de materiais didáticos e as

avaliações. Em um curso de ELFE, “uma habilidade pode ser o objetivo

central, mas as demais podem ser trabalhadas colateralmente, inclusive

dando suporte ao desenvolvimento da habilidade prioritária” (AUGUSTO-

NAVARRO, 2008, p. 119-120). Para essa autora, não existe sentido em se

segmentar a língua em habilidades nesse tipo de curso, deve-se apenas

mudar o foco central de acordo com a necessidade mais pertinente em cada

momento, pois o ELFE não é mono-skill, ou seja, não se trabalha apenas

com uma única habilidade. Este é um entre muitos mitos que circundam

sobre o ELFE, segundo Ramos (2005).

Retomando o que nos fala Ramos (op.cit.) acerca dos mitos, a autora

historiciza o momento de criação do Projeto Nacional de Inglês Instrumental

em Universidades Brasileiras, na década de 80, que teve como objetivo o

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ensino do inglês para leitura de textos acadêmicos e científicos, pois a

necessidade dos alunos à época era a de ter acesso às bibliografias de suas

áreas de atuação. Logo, instrumental (ELFE) se tornou sinônimo de curso de

leitura, sendo esse modelo também adotado em outras universidades e

escolas técnicas e tecnológicas, chegando a influenciar, também a construção

dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), sem observar que o modelo

instrumental (leitura) do Projeto atendia àquela realidade no final da década

de 70 e não necessariamente a outras realidades.

Almeida Filho (2008) ressalta que, desde essa época, prevaleceu no

país uma prática instrumental que suprimia a presença da oralidade nas salas,

com uso de textos escritos da área, foco sistemático nas estratégias de

leitura, restrição de conteúdo temático das áreas de formação profissional,

instrução na língua materna, alguns tópicos gramaticais e vocabulário, não

aportando assim para os alunos uma aprendizagem realmente significativa.

Objetivos contemporâneos

Considerando-se que diferentes situações impõem diferentes

objetivos segundo o contexto histórico-social, ao se planejar um curso de

ELFE deve-se considerar quais são as situações de uso da língua, em que

contexto essa língua será utilizada e quem são os alunos - pessoas

específicas, segundo Robinson (1991). Faz-se necessário verificar ademais

dos objetivos específicos dos aprendizes e da situação-alvo, os chamados

objetivos contemporâneos dos alunos. No tocante aos objetivos, segundo

Almeida Filho (2011, p.117), o foco hoje está no desenvolvimento da

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capacidade de uso da língua-alvo e “da habilidade de se comunicar com

propriedade social e cultural”, e não apenas com precisão de aspectos

linguísticos.

Consideramos, desta forma, que todos os aprendizes buscam como

objetivo final “adquirir uma competência de uso que lhes sirva de base para

circular socialmente nessa língua-alvo pretendida e para nela fazer coisas ou

obter efeitos” (op. cit., 2011, p.52).

“Circular Socialmente” e “Fazer coisas” na contemporaneidade

implicam, principalmente, acesso às tecnologias. Almeida Filho (2008, p.

220-221) assim explica

Vivemos a era do valor do conhecimento e parece

certo pressupor que passaremos a ensinar línguas

na vigência de valores e condições que o novo

tempo vai nos impondo. A produção do

conhecimento se faz mediante uso específico de

língua, seja na L1 ou noutras que se façam úteis ou

necessárias.

O autor argumenta que para ser possível viver de maneira mais

integrada com as novas características da sociedade do conhecimento e aos

novos requisitos do âmbito da formação tecnológica em expansão há

necessidade de acesso ao conhecimento produzido. Mais uma vez, em tal

aspecto, “as línguas desempenham um papel crucial” (p.221).

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Desde a década de 70, os estudos têm sistematizado a existência de uma

preocupação por parte dos professores e uma vontade por parte dos alunos

em desenvolver uma competência comunicativa na língua-alvo. Diante

disso, é pretendido que o professor busque ensinar para a aquisição. Isso

significa ensinar menos língua (ALMEIDA FILHO, 2011) e ensinar mais

linguagem O autor ressalta que para isso o professor pode trazer ou criar nas

aulas amostras de uso de linguagem em forma de discurso autêntico,

trabalhar com materiais realistas que possibilitem uma comunicação efetiva

na nova língua e o desenvolvimento de pensamento crítico. Entendemos que

de igual modo, o professor deva promover a participação efetiva, interação e

troca de experiências entre os alunos, criando em sala um ambiente

comunicativo.

Para atender esses objetivos, é possível trabalhar com temas, tarefas

comunicativas, projetos etc. Os temas devem ser relevantes e pertinentes

para os alunos, devendo ser considerados como elementos motivadores para

a interação. Por terem o foco no sentido, as tarefas comunicativas

apresentam um resultado e um propósito comunicativo semelhantes com as

experiências fora da sala de aula, alcançados pela interação. O projeto são

atividades “temáticas de longa ou média duração em que os alunos são

levados a se envolver, fazer buscas e aprofundar conhecimentos para a

apresentação posterior de um trabalho completo aos colegas” (ALMEIDA

FILHO, 2012, p.77). Um aluno de ELFE pode trabalhar, por exemplo, com a

resolução de problemas e cumprimento de tarefas e/ou projetos, a partir de

um tema gerador ou ainda a partir dos recortes comunicativos que poderão

ser levantados por meio da análise de objetivos (dos alunos e da situação-

alvo).

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Considerações finais

Apesar das “tensões” entre os especialistas no que se refere ao

ELFE, entendemos que este ensino compartilha dos pressupostos da

abordagem comunicativa. Portanto, em um curso de ELFE as quatro

materialidades (planejamento, material, método e avaliação) têm como foco

o aprendiz e seus objetivos (necessidades, interesses), e mais timidamente

suas fantasias e projeções.

Pelas características de um curso de ELFE, e por sua natureza

comunicativa podemos vislumbrar oportunidades de aquisição/aprendizagem

de língua, ou seja, se utilizamos planejamento com foco no aluno, em seus

objetivos, bem como desenvolvemos um ensino com foco no sentido, na

aprendizagem significativa e na interação propositada entre os sujeitos,

acreditamos ser possível que o aluno adquira uma competência de uso na

língua-alvo, em um curso de ELFE.

Ser específico não retira de um planejamento desse tipo a natureza

dialógica e interativa da linguagem.

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