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A mão invisível nos serviços de saúde: será * Outubro de 1982 que ela cura? * Cláudio de Moura Castro** Nilton Romeu Solon Magalhães Vianna **CNRH/IPEA - As opiniões e perspectivas dos autores não refletem necessariamente as posições do IPEA. Recebido para publicação em 28/08/85 A MÃO INVISÍVEL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE: SERÁ QUE ELA CURA? Sejam quais forem as suas formas de prestação, os serviços de saúde tem de ser remumerados simplesmente, as pessoas não trabalham de graça. Todavia, as configurações de mercado e os sistemas de preço interferem com a forma de prestação. Portanto, não podem ser ignorados ou tratados com ingenuidade. O presente ensaio discute, no contexto brasileiro, quatro casos de interação entre mercados e sistema de prestação de serviços de saúde. a) Alguns administradores sempre insistiram para que Enfermeiros (nível universitário) tratassem os pacientes. Mas isso jamais aconteceu, devido à escassez relativa dessa mão-de-obra de escolaridade quase igual a dos médicos. Essa escassez relativa conduz a salários incompatíveis com a generalização desse tipo de atendimento. b) A enorme expansão do número de médicos não gerou a grande redução no preço das consultas, ao nível dos consultórios particulares. Ao invés, foram criados inúmeros esquemas de seguros e empresas de prestação de serviços médicos que, em última análise, compram "por atacado" o trabalho dos médicos e o revendem por via de variados planos assistenciais. c) A remuneração paga pela Previdência Social (salário ou honorário) parece corresponder a um preço de equilíbrio do mercado. Todavia, considerando-se sub-remunerados, os médicos ajustam seus rendimentos pelos expedientes de encurtar - unilateralmente - a jornada de trabalho, prolongar tratamentos ou adotar terapêuticas de custo mais alto. d) Inúmeras escolas de medicina foram criadas nas maiores cidades brasileiras, na suposição de que a abundância de médicos nessas cidades levaria a sua migração para comunidades menores. Todavia, por muitas razões, isto não aconteceu.

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A mão invisível nos serviços de saúde: será* Outubro de 1982 que ela cura? *

Cláudio de Moura Castro**Nilton RomeuSolon Magalhães Vianna

**CNRH/IPEA - As opiniões eperspectivas dos autores nãorefletem necessariamente as

posições do IPEA.

Recebido para publicação em28/08/85

A MÃO INVISÍVEL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE: SERÁQUE ELA CURA?Sejam quais forem as suas formas de prestação, os serviçosde saúde tem de ser remumerados — simplesmente, as pessoasnão trabalham de graça. Todavia, as configurações demercado e os sistemas de preço interferem com a forma deprestação. Portanto, não podem ser ignorados ou tratadoscom ingenuidade.O presente ensaio discute, no contexto brasileiro, quatrocasos de interação entre mercados e sistema de prestação deserviços de saúde.a) Alguns administradores sempre insistiram para queEnfermeiros (nível universitário) tratassem os pacientes.Mas isso jamais aconteceu, devido à escassez relativa dessamão-de-obra de escolaridade quase igual a dos médicos. Essaescassez relativa conduz a salários incompatíveis com ageneralização desse tipo de atendimento.b) A enorme expansão do número de médicos não geroua grande redução no preço das consultas, ao nível dosconsultórios particulares. Ao invés, foram criados inúmerosesquemas de seguros e empresas de prestação de serviçosmédicos que, em última análise, compram "por atacado" otrabalho dos médicos e o revendem por via de variadosplanos assistenciais.c) A remuneração paga pela Previdência Social (salário ouhonorário) parece corresponder a um preço de equilíbrio domercado. Todavia, considerando-se sub-remunerados, osmédicos ajustam seus rendimentos pelos expedientes deencurtar - unilateralmente - a jornada de trabalho,prolongar tratamentos ou adotar terapêuticas de custo maisalto.d) Inúmeras escolas de medicina foram criadas nas maiorescidades brasileiras, na suposição de que a abundância demédicos nessas cidades levaria a sua migração paracomunidades menores. Todavia, por muitas razões, isto nãoaconteceu.

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Sejam quais forem as suas formas de prestação, os servi-ços de saúde terão de ser pagos. De fato, médicos e enfer-meiros, ou quaisquer outras categorias, não trabalham gra-tuitamente. As configurações de mercado e a estrutura depreço prevalescentes terão conseqüências sobre o sistema deprestações. Em outras palavras, existe um mercado, distri-buindo renda, gerando incentivos e até mesmo distorcendoas intenções dos planejadores ou administradores. Por todaparte, está a mão invisível. Ela pode curar ou, parafraseandoJoan Robinson, pode estrangular.

Portanto, o planejamento dos serviços de saúde requer,entre outras coisas, uma lúcida utilização da análise micro-econômica. O mercado não é um deus ex machina, gerandoresultados determinísticos e incontroláveis. Não obstante,não podemos ignorá-lo ou tratá-lo com ingenuidade. Esteensaio discute quatro exemplos de funcionamento de mer-cado no setor de saúde:

i) as forças do mercado podem prevalescer sobre as in-tenções dos administradores, gerando padrões de serviço eníveis de renda que fortemente discrepam dos planos ini-ciais. Por exemplo: enfermeiros treinados a nível universitá-rio não tratam diretamente dos pacientes, como idealizado;ao invés disso, trabalham como administradores de enferma-rias. Assim, os pacientes são tratados por pessoas de forma-ção técnica mais singela. As condições de oferta e demandasão incompatíveis com a utilização de recursos humanoscom níveis de escolarização tão elevado, para tarefas relati-vamente simples em sua grande maioria.

ii) Rigidez, corporações de ofícios e cartelização podemrestringir o livre jogo das forças de mercado. Como resulta-do, surgem outras formas de ajustamentos de preços, em de-corrência das novas formas de organização dos serviços mé-dicos. O crescimento extremamente rápido na oferta de mé-dicos no Brasil deveria ter reduzido o preço médio da con-sulta médica. As associações médicas, contudo, estabelecemum valor mínimo para as consultas. A oferta crescente demais e mais médicos pôde ser — em boa medida - acomoda-da, por via da criação de novas organizações que assalariammédicos, vendendo serviços em bases atuariais ou através dearranjos feitos diretamente com organizações voluntárias deempregadores. Os salários usualmente pagos a esses médi-cos, se traduzidos em preços de consulta, indicariam níveissignificativamente mais baixos que o mínimo fixado pelaAssociação Médica. Em outras palavras, a tentativa de con-trolar os preços "no varejo" levou à criação de esquemas decompra "por atacado" em mercados menos controlados,

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transferindo-se parte das diferenças de preços para os consu-midores, parte em forma de lucro, para as empresas empre-gadoras de mão-de-obra médica.

iii) Os salários pagos aos médicos dos quadros da Previ-dência Social são considerados por esses profissionais comoexcessivamente baixos, em comparação com suas aspira-ções.. Para compensar, os médicos reajustaram suas taxas deremuneração horária, pelo expediente de trabalhar menostempo do que prescrito legalmente. As suas cotas mínimasde consultas são mantidas, mas a duração de cada consultaé reduzida. Nos casos em que o pagamento seja uma taxa fi-xa por consulta, como acontece com os profissionais "cre-denciados", alguma compensação pode ser obtida, sejaadiando parte dos procedimentos para consultas subseqüen-tes, seja incorporando à consulta outros procedimentos me-lhor remunerados.

iv) Tentativas ingênuas de predizer os comportamentosdo mercado podem fracassar. Irracionalidade? Diferentesfunções de bem-estar? Ou, talvez, apenas predições canhes-tras ou inadequadas? As escolas médicas estão tradicional-mente localizadas nas cidades maiores. A crescente concen-tração dessas faculdades foi tolerada, por acharem algunsque a ocorrência de desequilíbrios regionais na distribuiçãode médicos criaria diferenciais de renda capazes de estimu-lar sua migração para áreas menos populosas. Mas, na verda-de, isto não aconteceu no Brasil. Talvez a atração das gran-des cidades justifique a renda perdida por não migrar paraáreas onde haja maior escassez de médicos. Talvez os dife-renciais de renda não sejam significativos, devido à maiorriqueza dos grandes centros e por uma expansão da deman-da de médicos induzida pela oferta. Ou mesmo, talvez, a di-cotomização da medicina em dezenas de especialidades e su-bespecialidades obstacularizaria o exercício profissional emáreas desprovidas de diversificado aparato para complemen-tação diagnóstica e terapêutica.

A LÓGICA DO MERCADO E A LÓGICA DOSPLANEJADORES: QUEM DECIDE O PAPEL DOENFERMEIRO?

Esta seção explora um caso em que os educadores criaramsoluções que contrariam a lógica de mercado. A escassez re-lativa de enfermeiros revelou-se mais importante do que osrequisitos técnicos, na determinação de como funciona aenfermagem no Brasil.

Os médicos brasileiros educam-se em um curso pós-secundário de seis anos. Isto segue de perto a tradição euro-péia, na qual a educação médica é oferecida a nível de gra-duação. Por outro lado, a enfermagem, que é uma profissãode desenvolvimento mais recente, teve o seu perfil educati-

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vo formado no momento em que a influência norte-ameri-cana na educação brasileira era muito maior, isto é, no pe-ríodo de pós-guerra. A decisão de treinar enfermeiros porquatro anos, a nível universitário, deve ter sido influenciadapela tradição americana de adiar o conteúdo vocacional ouprofissional da escola. De fato, naquele país, oferecem-se anível superior muitas profissões que em outras partes sãooferecidas no secundário. É de se notar que, mais do quemera idiossincrasia, este padrão simplesmente reflete aabundância relativa de pessoal de nível superior.

Em conseqüência, os médicos e as enfermairas brasileirassão preparados ao nível de escolarização. Os médicos apenaslevam um pouco mais de tempo para terminar seu curso.Daí serem ambos recrutados do subconjunto de pessoas queterminam o segundo grau e são capazes de serem aprovadosno exame vestibular. Para o país como um todo, isto signifi-ca um número relativamente pequeno de pessoas. Conside-re-se que, hoje em dia, dos cem que chegam à escola, dezterminarão o secundário e seis entrarão num programa denível superior. Recrutar de um subconjunto tão pequeno dapopulação significa restringir-se a um conjunto de pessoascom qualificações prévias atingidas por uma fração diminu-ta da população. Por isso, são elevadas suas expectativas derendas.

Em termos dos custos de escolarização, a diferença é in-significante. De fato, muitas escolas de enfermagem, sendopequenas e subutilizadas, podem ter custos por aluno/anomaiores do que certas escolas médicas.

Quando planejadores de saúde prescrevem a utilização depessoal médico, eles apenas repetem os papéis convencio-nais de médicos e enfermeiros. Enfermeiros, mesmo treina-dos a nível universitário, supõe-se que devam cuidar de pa-cientes. De resto, o currículo de enfermagem reflete essapercepção de requisitos técnicos para a prestação de tais ser-viços. Esse é o exercício usual realizado pelas pessoas quefazem análise ocupacional e planejamento educacional.

Também trivial é a observação ex post facto de quetais exercícios valem de muito pouco, quando contrariam ascondições de oferta e procura. De fato, os requisitos educa-cionais - não apenas para as profissões de saúde — depen-dem mais da oferta corrente de escolarização do que de exi-gências técnicas.

Convencionalmente se repete no Brasil que "para cadamédico, cinco enfermeiros são necessários". Isto tem sidoum dogma bastante repetido. Não é difícil demonstrar avulnerabilidade de afirmativas tão descuidadas, se interpre-tadas literalmente.

Se há alguma proporcionalidade entre esforços educa-cionais e categorias profissionais, isto é, entre custo e bene-

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fício, deve-se esperar que níveis de formação similares ge-rem perfis de renda que não sejam excessivamente diferen-ciados. Vale dizer, esperar-se-ia que os salários de médicos eenfermeiros não diferissem demasiado, apesar da maioriados serviços de enfermagem ser considerada mais simples doque muitos dos atos privativos dos médicos.

Claramente, os enfermeiros treinados a nível universitá-rio não estariam dispostos a trabalhar por muito menos doque a classe média dos graduados de nível superior, em car-reiras tidas como de menor prestígio, os quais, de toda ma-neira, recebem salários mais elevados do que graduados dosegundo grau. Simplesmente, estas pessoas prefeririam ou-tros trabalhos ou escolheriam outras profissões. E aquelesresponsáveis pela administração e operação dos serviços desaúde não pagariam salários similares para as tarefas intrin-secamente mais simples que são as predominantementerealizadas pelos enfermeiros.

Examinando os números envolvidos, vemos também al-gumas constatações óbvias: o Brasil tem cerca de 100.000médicos, daí, necessitaria de 500 mil enfermeiros. Numasituação de equilíbrio, cinco vezes mais enfermeiros do queestudantes médicos adicionariam 128 mil estudantes de en-fermagem a uma matrícula universitária de 1,5 milhões. Mas,para alcançar a relação 1:5, digamos em dez anos, essa po-pulação escolar deveria aumentar em 150 mil alunos, so-mando um total de 278 mil estudantes de enfermagem. Istorequereria expandir as escolas de enfermagem por um fatorde 17. Esses cenários são claramente inviáveis. Ademais, nãohá vontade política para suportar o custo de tal tour deforce.

No entanto, quando examinamos a situação vigente, en-contramos que o mercado redefiniu a descrição ocupacionale o perfil da função do enfermeiro. O mercado para pessoalde enfermagem treinado a nível universitário é de fato está-vel, exceto que os integrantes dessa categoria não trabalhamcomo enfermeiros, mas como administradores de enferma-rias. Em essência, eles supervisionam os serviços de enferma-gem realizados por outras pessoas e recebem salários compa-tíveis com a responsabilidade e complexidade de tais fun-ções administrativas.

O contato com o paciente é realizado na maioria doshospitais brasileiros por atendentes e outros auxiliares, mui-tas vezes com treinamento precário apenas no local de tra-balho. A essas funções correspondem salários muito modes-tos, significativamente menores do que os dos médicos edos enfermeiros.

Quando examinamos os números, por exemplo, no Es-tado do Rio de Janeiro (que exibe a taxa recorde de ummédico por 250 habitantes), encontramos 18 mil médicos.

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44 mil enfermeiros (nível universitário) e 27 mil "outros".Evidentemente, os serviços de enfermagem são realizadospela categoria "outros". Somando a esse grupo de "outros"os enfermeiros universitários e comparando com o númerode médicos, encontramos uma relação de 7:1 De fato, aOPS* sugeria uma relação de 2,4:1 como objetivo a ser al-cançado na América Latina até 1980. Tais cifras fazem mui-to mais sentido do que a relação de 5 para 1 idealizada pelatradição local.

Entretanto, muitos planejadores de saúde insistem emresponder às demandas por enfermagem com exigências es-colares excessivas, quando o mercado para enfermeiros denível superior é estável, com um enfermeiro para cada cincomédicos. Isto, provavelmente, corresponderia à demandapor administradores de enfermaria, enfermagem de unida-des de terapia intensiva e outras especialidades sofisticadas.

Do ponto de vista do sistema de saúde, essa solução en-volve dois erros. Em primeiro lugar, devota-se atenção insu-ficiente à preparação das pessoas que vão ser "reais" enfer-meiros. A custos muito modestos, um nível de competênciaconsideravelmente maior poderia ser obtido para o enormeexército de pessoal de nível elementar e secundário, que es-tá, de fato, ocupado com os pacientes. No presente, o seutreinamento é deplorável. Empregadas domésticas, apenasalfabetizadas, são freqüentemente colocadas em posição deconsiderável responsabilidade, sem qualquer treinamento; oque talvez explique parte da prevalência de doenças iatrogê-nicas, como a infecção hospitalar.

Em segundo lugar, os médicos terminam realizando tare-fas simples, tais como anotações, registros, tomadas de pesoe temperatura, por exemplo, que poderiam ser delegadas aoutras pessoas*, liberando tempo para uma anamnese maiscuidadosa ou para o atendimento de mais pacientes. Isto re-sulta do fato de que há um hiato de competência excessiva-mente grande entre os médicos e os auxiliares, já que muitopouca atenção foi devotada á preparação do pessoal de ní-vel médio e elementar.

A lição é claríssima: as forças do mercado podem preva-lescer sobre as intenções ingênuas dos planejadores. E, emúltima análise, os resultados não são necessariamente os me-lhores que se poderiam obter, dado o nível de recursos.

O QUE ACONTECE QUANDO HÁ MÉDICOS DEMAISE NÃO SE PERMITE QUE CAIA O PREÇO DA CONSULTA?

Cerca de duas décadas atrás, havia uma taxa de 2,5 milhabitantes para cada médico no Brasil. Pensava-se que maismédicos significariam mais cuidados de saúde e, suposta-mente, a competição entre eles reduziria as quase-rendas de-rivadas do seu poder de monopólio sobre serviços de saúde.

* ORGANIZACIONPANEMAERICANA DE LASALUD - Plan Decenal de Saludpara las Américas; informe finalWashington, OMS, 1973(Documento Oficial, 118)"Reunión Especial de Ministrosde Salud de las Américas,Santiago, 1972".

* Tal desperdício de tempo éfuncional, no sentido de quemantém a demanda para médicosa níveis elevados.

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* Conselho Federal de Medicina.Código de Ética Médica.

Diário Oficial da República,Janeiro /1965.

A expansão no ensino médico, a partir do final da déca-da de 60, foi impressionante. O número de graduados pas-sou de 1,5 mil, em 1960, para mais de 8 mil em 1980, e arelação entre habitante/médico caiu para 1.200:1. No Es-tado do Rio de Janeiro, o número de graduados subiu de350 para 1.360, entre 1960 e 1980.

Esses números são significativos e espelham um enormeesforço financeiro. Com uma oferta mais abundante de mé-dicos, esperar-se-ia que o preço "de balcão" dos serviçosmédicos caísse consideravelmente. Entretanto, isto nãoaconteceu - exceto em circunstâncias muito restritas. Naverdade, as entidades médicas tem sido muito ativas na car-telização da prática privada, impedindo de fato que o preçodas consultas caia. Tomando o Rio de Janeiro como umexemplo extremo de um local onde esta queda deveria teracontecido, podemos observar que as consultas continuamcaras. O preço mínimo estabelecido pela Associação Médica(1982) é da ordem de US$ 16.00 por consulta.

Por outro lado, um dos fatores mais importantes paraimpedir a redução dos preços das consultas tem a ver com oCódigo de Ética Médica que explicitamente condena a con-corrência* . Mais ainda, a noção equivocada, bastante difun-dida entre os consumidores, de que a qualidade da atençãomédica é medida pelo preço da consulta pode também im-pedir a sua redução. Consultas mais baratas talvez nãoatraiam um número adicional de pacientes suficiente paragerar receitas mais elevadas.

Causa perplexidade o fato de que o preço dessas consul-tas não se reduza. Pressão dos pares, manipulação corporati-va e ignorância do consumidor, provavelmente contribuempara essa inelasticidade de preços. Mas, permanece o fato detratar-se de um mercado de livre entrada a todos os que têmdiploma de médico.

Evidência prima fade sugere que tal rigidez de preçospode ter contribuído para a estagnação e mesmo a reduçãoda prática privada em medicina. No início da década de 80,na cidade do Rio de Janeiro, apenas 2,4% dos médicos naprática privada tinham menos do que trinta anos, enquantoque 33% tinham pelo menos cinqüenta anos.

O que acontece com esse número crescente de jovensmédicos que encontram preços de consulta inelásticos euma quantidade de demanda por consultas que cresce auma taxa muito menor do que o seu número? Vendem seusserviços em outros mercados não regulados. A Previdênciavem se expandindo muito rapidamente, absorvendo, hoje,nos seus próprios hospitais e centros médicos, 25.400 médi-cos, sendo 8.700 no Rio de Janeiro. Mas isto é apenas parteda estória. Os contratos de trabalho-padrão na previdênciasocial - 20 horas por semana - deixam muito tempo livre e

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um "déficit" significativo no orçamento pessoal dos médi-cos, já que os salários mensais para tais contratos atingem,em média, perto de US$ 450.00.

Por outro lado, somente os pobres estariam dispostos aaceitar os desconfortos da Previdência (filas etc), para rece-ber serviços de qualidade medíocre (consultas sumárias,atendimento impessoal, etc).

Assim, sobra muito tempo para os médicos, enquantofalta muita atenção de saúde com um certo nível de quali-dade. Contudo, não aos preços regulados. Note-se que osserviços são regulados ao "varejo", deixando o mercado de"atacado" livre de restrições. Daí observar-se uma tendênciaclara à criação de esquemas que permitam aos "fregueses devarejo" comprarem a preços de "atacado".

Em última análise, tais esquemas envolvem a contrata-ção de profissionais em base mensal, ao invés de por consul-ta. Essas soluções requerem organizações intermediárias pa-ra contratar os médicos e distribuir os seus serviços.

Diversos esquemas têm sido observados. As firmas po-dem contratar médicos e oferecer os seus serviços grátis oua taxas nominais aos seus empregados. Empresas de serviçosmédicos contratam com grandes firmas para servir aos seusempregados. Planos atuariais, patrocinados por empresas deserviços médicos, permitem aos participantes serviços segun-do suas necessidades e pagar suas contas médicas a "preçosde desconto".

Esquemas como esses, e as numerosas permutações quepermitem, parecem estar crescendo muito rapidamente*.Parecem atender a uma classe-média em expansão que nãopode pagar os preços da prática privada e aspira ao confor-to e atenção personalizada incomuns, para dizer o mínimo,nos ambulatórios previdenciários.

Talvez valha a pena descrever algumas das variedadesmais comuns. Grandes firmas estão dispostas, por diferentesmotivos, a oferecer aos seus empregados fringe benefitsna área de saúde. O esquema mais simples é contratar médi-cos e oferecer consultas gratuitamente aos seus empregados.O que interessa para nosso argumento é que o custo da con-sulta para a firma é muito menos do que o empregado paga-ria se utilizasse a prática privada. Em outras palavras, osfringe benefits valem mais para o empregado do que a em-presa paga por eles.

Alternativa cada vez mais freqüente são os "pacotes" en-tre firmas e médicos participantes. A firma - como compra-dor atacadista de serviços médicos - oferece um preço de"desconto" para seus empregados. Dependendo do preçooferecido, eles poderão atrair um segmento diferente domercado. Com 10 a 30%, ou até mais abaixo dos preços cor-rentes, até alguns dos melhores médicos estariam dispostos

*A "medicina de grupo " empregahoje trinta mil pessoas, incluindodoze mil médicos, e cobre mais de10 milhões de pessoas.

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*De fato, aumenta a pressão,atualmente, para congelar ou

mesmo reduzir a matrícula nasescolas médicas. "Saturação"domercado e a qualidade deficiente

da educação médica são asjustificativas explícitas.

a participar. Para eles, significa atrair um número significan-te de clientes novos, de acordo com a velha lógica do des-conto para quantidade. Alternativamente, a firma pode fi-xar preços muito mais baixos, tentando atrair profissionaismais jovens que não têm uma clientela extensa. Nesses ca-sos, uma clínica ou um hospital poderia servir de intermedi-ário para o empregador contratante.

Os custos para tais esquemas são compartilhados pelaempresa e pelos empregados. Usualmente, os empregadosconcordam em pagar o custo de uma certa proporção (diga-mos 50%) do preço de "desconto" mais baixo de todos.Aqueles empregados que preferem as alternativas mais caraspagariam uma fração maior do preço da consulta.

Novamente o subsídio (ou os fringe benefits) não é oque interessa. A questão é a redução no pagamento quepercebem os médicos. Uma variante do esquema acima sãoas empresas médicas que atendem às grandes firmas empre-gadoras. Esse talvez seja o exemplo mais transparente doque estamos tentando descrever nesta seção. Essas organiza-ções de saúde contratam médicos a um salário mensal e ven-dem consultas às empresas a preços de "desconto". Comu-mente alcançam uma considerável margem de lucros, mas,ainda assim, conseguem oferecer serviços que estão a umpreço muito mais baixo do que o "varejo".

Os planos médicos em bases atuariais também começama crescer. Algumas organizações vendem seguros de saúdecom um prêmio mensal. Parece razoável acreditar que o va-lor real do serviço esteja abaixo dos preços de mercado.

Que aprendemos no exame desses casos? Inicialmente, acartelização tem um êxito apenas parcial*. Se o preço dasconsultas privadas não pode cair, alguns participantes en-contrarão outras modalidades para contratar serviços médi-cos. Esses tendem a convergir a preços de equilíbrio maisbaixos, permitindo que um volume maior de serviços sejatransacionado.

Para os médicos e para os clientes, essa é uma solução dotipo "mal-menor". Tais esquemas permitem o equilíbrio domercado, contornando a rigidez dos preços de varejo. Entre-tanto, introduz-se uma classe de intermediários do mercado,que obtém lucros e cobra taxas por seus serviços. Esse exce-dente do consumidor poderia ter sido apropriado pelosclientes e pelos médicos. Mais ainda, burocratiza os serviçosmédicos dos hospitais, das organizações médicas e das em-presas participantes. Papelório e os salários dos burocratassão incorporados ao sistema, sem que se materializem asvantagens de formatos mais integrados de atendimentomédico.

Quem se beneficia? Principalmente os médicos mais ex-perientes, com prática privada consolidada e que podem se

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proteger da competição de preço das novas levas de douto-res que entram no mercado. Com consultas mais baratas,alguns clientes aceitariam profissionais menos experimenta-dos, mas, se os preços são os mesmos, por que se satisfazercom menos do que experiência e notoriedade?

O QUE ACONTECE QUANDO O MAIOR EMPREGADORDE MÉDICOS PAGA POUCO?

A Previdência Social brasileira (INAMPS) assalaria25% dos 100.000 médicos brasileiros. Outros 16% sãocontratados por prestação de serviços (credenciamento).Trata-se, naturalmente, do maior empregador do sistema desaúde. Dada a grande expansão das escolas médicas e a carte-lização da prática médica, a Previdência é oligopsonística,operando num mercado de compradores. Portanto, estabe-lece preços que são muito baixos, comparados com os pre-ços tradicionais e convencionais da prática privada, oumesmo com aqueles das organizações médicas voltadas pa-ra a classe média. Contudo, dada a estrutura de mercadoque prevalece, eles não encontram problemas de encontrarcandidatos para as suas posições. De fato, o número de can-didatos para o concurso de 1976 atingiu 77% de todos osmédicos brasileiros.

Não obstante, os médicos estão insatisfeitos com a suaremuneração. Entendem que o seu nível de salário conflitacom sua noção de um "preço justo" para os seus serviços.

Tais percepções subjetivas talvez não tivessem maioresconseqüências, se a administração das unidades de saúdenão fosse exercida por médicos, os quais se identificam comseus colegas eventualmente subordinados. A única soluçãopara aumentar a taxa de remuneração é reduzir o total dehoras trabalhadas. De acordo com as regras estabelecidas, osmédicos têm uma cota mínima de pacientes para ser aten-dida. Uma prática bastante comum é atender a esses pacien-tes em menos tempo do que o contratual e sair mais cedo.Não seria possível neste ensaio tentar quantificar a freqüên-cia de tais reduções de carga de trabalho.

A Previdência compra também serviços de hospitais e clí-nicas. O formato usual é pagar aos produtores uma taxa-pa-drão por consulta. Esta taxa situa-se em 13% do valor míni-mo defendido pela Associação Médica para consulta privada.Novamente, esta taxa é percebida como excessivamentebaixa pelos médicos, ainda que as condições de oferta e de-manda indiquem que não está abaixo do preço de equilí-brio. A maneira de contornar esta remuneração é procrasti-nar, multiplicando o número de consultas ou adicionandooutros procedimentos melhor remunerados. Por exemplo,exames de laboratórios são pedidos para que se adie o diag-

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* Cerca de 30% de todos osmédicos brasileiros trabalham na

cidade do Rio de Janeiro.

nóstico. Procedimentos que poderiam ser realizados numaúnica consulta são transferidos para a próxima ou rotuladoscomo de emergência para, às vezes, apenas justificar cobran-ças adicionais. Em resumo, esta seção descreveu uma situa-ção onde as instituições que contratam médicos redefinemos preços de equilíbrio diferentemente das tendências demercado e eventualmente contra os seus próprios interesses.A explicação parece residir nas noções acerca do que seja o"preço justo" para consultas por parte dos administradoresde saúde que sejam médicos de formação.

POR QUE OS MÉDICOS NÃO EMIGRAM DE UMMERCADO SATURADO?

Os livros-texto de Economia afirmam que os produtoresmaximizam seus lucros. Desequilíbrios de mercados entreregiões deveriam gerar fluxos migratórios, sendo abandona-dos os locais onde o excesso de produtores reduza os pre-ços. No caso oposto, nos locais onde a oferta é mais escassa,os preços sobem, atraindo produtores de fora.

Como já mencionado, o Rio de Janeiro é um bom exem-plo de um centro cultural e economicamente desenvolvido.Além de ter um grande número de escolas médicas, atraimédicos de outros estados*. O resultado de tal polarizaçãoem torno do Rio é uma relação de médicos por habitantemuito acima da média nacional.

Esse desequilíbrio na oferta de médicos no Rio de Janei-ro seria auto-corrigível; pelo menos assim se esperaria. O ex-cesso na oferta de médicos puxaria para baixo a sua renda,tornando outras localidades mais atraentes, sobretudo paraos recém-graduados.

Entretanto isso não vem acontecendo. Apesar dos sinaisclaros de um mercado deprimido, a emigração não ocorreem números consideráveis. De acordo com um relatório daAssociação Médica, publicado em 1979, apenas 12% dosmédicos deixam o Rio após haverem trabalhado lá.

Onde está o erro? Por que não houve emigração? Seráque a teoria de mercado fracassa na descrição de seu com-portamento? Teria o comportamento dos médicos poucaracionalidade?

Antes de prosseguir, cabe discutir algumas questões demétodo. Qual o significado das expressões: "comportamen-to irracional" e "a teoria do mercado não funciona"?

Os economistas tem uma noção muito estreita do que se-ja racionalidade ou a sua ausência. Diz-se que o comporta-mento é irracional se este é inconsistente ou intransitivo.Em outras palavras, se A é preferido a B, B não pode serpreferido a A na próxima vez. Além disso, se A é preferidoa B, B é preferido a C, então A deve ser preferido a C.

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Gostar mais de amarelo do que de verde, gostar mais delazer do que de dinheiro, preferir engarrafamentos a mos-quitos são preferências cuja legitimidade não pode ser dis-cutida e que está implícita na "preferência revelada" dosindivíduos. Nenhum economista competente diria que ocomportamento é determinado por razões puramente pecu-niárias. Daí "comportamento irracional" é um termo quedescreve um comportamento estranho.

A teoria de preços está errada? Provavelmente não. Podeser tautológica, o que é ainda pior, mas não errada; a nãoser que estivéssemos igualando teoria dos preços à teoria daconcorrência perfeita.

O problema com a introdução de imperfeições e comple-xidades nos mercados é que a teoria perde o seu poder pre-ditivo. Já que a importância relativa dos múltiplos fatoresnão pode ser quantificada, ou mesmo avaliada, o resultado éimprevisível. Neste sentido, torna-se algo tautológica. Ocomportamento observado é o que permite a identificação ea escolha desta ou daquela explicação.

Seja como for, é um exercício instrutivo refletir sobre ocaso do excesso de médicos no Rio de Janeiro, já que este éum bom exemplo de sua concentração em grandes áreas me-tropolitanas do país. De fato, há realmente um desequilí-brio na densidade de médicos, quando comparado com ci-dades menores. Por outro lado, observa-se que a emigraçãonão é mais alta do que imigração. Portanto, poderíamosdizer que, ou os atrativos econômicos para a emigração sãofracos, ou esses são obliterados por considerações não-eco-nômicas.

Várias explicações são cabíveis:i) a redução de renda como resultado da concorrência

não é suficiente para criar uma vantagem líquida para emi-gração. Grandes centros como o Rio podem ter uma rendaper capita tão mais alta que outras áreas, que os médicospermaneceriam em situação melhor, apesar do crescimentode seu número. Foi observado que a oferta de serviços mé-dicos cria a sua própria demanda* . Este pode ser o caso noRio: não haveria um excesso; apenas mais médicos e maisdemanda por eles. Infelizmente, dados completos de rendapessoal não estão facilmente disponíveis para verificar estahipótese**.

ii) a decisão de emigrar é praticamente irreversível. Leva-se muitos anos para desenvolver uma reputação e um círcu-lo de clientes. Nenhum deles pode ser trazido mais adiantepara o Rio. Os médicos consideram as cidades pequenas co-mo indesejáveis do ponto-de-vista de sua carreira. A logísti-ca, os serviços auxiliares e o fluxo de informações são inade-quados, considerando-se que as escolas de medicina estimu-lam perfis de carreira altamente especializados. Em outras

* Karen Davis "Implications ofan Expanding Supply ofPhysicians: Evidence from across-sectorial analysis". TheJohns Hopkins Medical Journal150 no 2 (February 1982).

** Tabulações não-publicadas dosdados das declarações do Impostode Renda sugerem que os saláriosmédicos (não a renda) são maisbaixos que na maioria dos outrosEstados. Infelizmente, ainterpretação não é clara, dadaspossíveis diferenças na freqüênciacom que os médicos têmmúltiplos empregos (a médianacional está próxima de dois).

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palavras, os médicos tomam uma perspectiva de longo pra-zo para suas carreiras e percebem os grandes centros comouma escolha melhor, apesar das dificuldades iniciais.

iii) uma outra explicação tem a ver com o risco e faltade informação. Podem ser fatores suficientes para impedira emigração. Mudar-se para um local desconhecido, onde háfalta de informação acerca do potencial do mercado, alémdo medo de excessivas responsabilidades em locais onde hápouca assistência médica especializada.

iv) razões freqüentemente mencionadas são as amenida-des e o pluralismo das opções de lazer disponíveis nos gran-des centros. Os estilos de vida e os padrões culturais das ci-dades maiores não compensariam os diferenciais de rendaexistentes. Em outras palavras, os médicos estariam dispos-tos a abrir mão de alguns benefícios econômicos, a fim depreservar certos hábitos e estilos de vida.

Seja qual for a explicação, os médicos preferem ficar noslocais onde as estatísticas de densidade sugerem um excessode oferta. Eles têm suas razões, sejam econômicas ou de ou-tros tipos. A lição que se pode derivar desse exemplo é quenão se pode esperar que desequilíbrios na densidade de mé-dicos gerem uma migração compensatória. Não fica claro seas taxas de salário não refletem essas discrepâncias quantita-tivas, ou se os incentivos econômicos não são suficientes pa-ra superar as vantagens locacionais dos grandes centros. Masuma conclusão é clara: não se pode especializar grandes á-reas urbanas como produtoras e exportadoras de médicos.Os médicos devem ser treinados não muito longe de onde seespera que eles trabalhem, se é que deve permanecer a sualiberdade de escolha de local de trabalho.

LIÇÕES

Neste ensaio, discutimos quatro exemplos de estruturade mercado no setor saúde. No caso dos enfermeiros, as for-ças de mercado foram ignoradas pelos educadores. Não obs-tante, tais forças são poderosas e levaram a resultados total-mente diferentes do que se esperava. De fato, os enfermei-ros encontraram outro mercado: a administração de serviçose o treinamento de auxiliares.

O oposto aconteceu com os desequilíbrios geográficos naoferta de médicos. Supunha-se que os incentivos de merca-do levassem à migração. Não obstante, esta nunca se mate-rializou. Os médicos permaneceram nos grandes centros, on-de se graduaram. Por alguma razão, os incentivos não foramsuficientes. A rigidez de preços, de alguma forma, impediuque o aumento na oferta de médicos levasse a uma quedano preço das consultas. Ao invés, outras formas menos dis-pendiosas de prestação de serviços médicos foram desenvol-

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vidas. A prática privada permanece protegida, enquanto oaumento na oferta de médicos pressiona a medicina insti-tucionalizada.

Os salários dos médicos empregados na Previdência sãoconsiderados excessivamente baixos, em contraste com assuas expectativas. Estranhamente, essas preconcepções so-bre "preço justo" parecem ter um papel importante, já queos administradores de serviços de saúde são médicos quetambém compartilham de tais noções.

Para resumir, o setor saúde apresenta estruturas de mer-cado complexas e nada óbvias. São difíceis de compreendere algumas vezes vão ao arrepio de predições pouco sofistica-das. Contudo, elas influenciam criticamente os padrões deatendimento médico. Portanto, não podem ser ignoradas.

THE INVISIBLE HAND IN HEALTH: DOES IT HEAL?

Health services have to be paid for, regardless of theprevailing economic system. Pricing systems and marketstructures interfere with the deployment of health services,therefore have to be dealt wity realistically.This essay discusses four cases of interactions betweenmarkets and health delivery systems in Brazil.a) Generally, health administrators indicated thatuniversity-trained nurses should treat patients. This hasnever happened due to the relative scarcityand consequenthigh wages - of nurses trained, at levels almost equivalentto that of doctors.b) Since price of consultations is taken as a measure ofquality, the enormous expansion in the number of medicaldoctors did not lead to lower prices that could clear themarket. Instead, a very large number of insurance andmedical sevice firms were created to purchase doctors' timeat "wholesale " and resell it under a variety of health plans.c) Social Security services pay physicians salaries and feeswhich are competitive in the market but are considered toolow by the doctors. As a consequence, doctors decrease, ontheir own initiative, the number of hours worked orprocrastinate treatment in order to require moreconsultations.d) Several medical schools were created in the large Braziliancities, under the assumption that the oversupply of doctorswould generate an outflow of graduates towards smallercommunities. For several reasons this never materialized.