saco invisível

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ESCOLA SECUNDÁRIA INFANTA DONA MARIA O saco invisível da mãe do João Miguel Oficina de Teatro 7ºC João Santos 01-11-2013

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Texto dramático para Oficina de Teatro - 7º ano - 2013 - 2014

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Page 1: Saco Invisível

ESCOLA SECUNDÁRIA INFANTA DONA MARIA

O saco invisível da mãe do João Miguel

Oficina de Teatro – 7ºC

João Santos

01-11-2013

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1º ATO A História tem início no quarto de um menino de dez anos, chamado

João Miguel. Hoje é sexta-feira à noite, e ele acaba de escutar mais uma

história contada pela mãe, antes de dormir.

JOÃO MIGUEL - Vá lá mãe, mais uma. Conta-me outra história que não

tenho sono e amanhã é sábado. Ninguém as sabe contar como tu. Prometo-te que

se me inventares uma eu não fujo de noite para a tua cama como das outras

vezes. Eu prometo… e com anões e coelhos e sapos, mãe, está bem!? Pode ter

sapos e anões. Tu sabes que eu gosto de sapos às cores e de bolos de aniversários

e de festas, como aquela festa maluca da Alice no País das Maravilhas em que

aparece o Chapeleiro Louco… vá lá mãe, faz-me a vontade! Conta! Conta lá…

MÃE J.M. - Acalma-te João, credo! Até parece que as histórias vão

acabar. Tu sabes que é o saco invisível da mãe que guarda as histórias de que tu

tanto gostas. Hoje, deixou-me retirar as duas que te contei e não sei se ele

aceitará oferecer-te mais uma sem ficar zangado. É um abuso pedir-lhe três

histórias de uma vez.

JOÃO MIGUEL - Pede-lhe uma mais pequena, eu não me importo. Mas

tem de ter anões, coelhos e sapos às cores, está bem mãe, pede uma com sapos

às cores.

MÃE J.M. - Era uma vez, há muito, muito tempo, numa escura floresta,

vivia um anão feio e vaidoso chamado Zebedeu. A casa onde morava mal se

percebia. Estava escondida debaixo de um tronco de um castanheiro centenário,

e era ali que ele se sentia bem.

O anão não gostava de se lavar e, por esse motivo, não apreciava dias

chuvosos, nem os dias de muito sol e calor. Também não gostava dos dias em

que nevava, nem de dias ventosos, nem de dias primaveris. Não gostava de

formigas nem de mosquitos porque o impediam de descansar, não gostava de

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mochos nem de corujas porque cantavam de noite e não o deixavam dormir, não

gostava de grilos nem de cigarras porque cantavam de dia e não o deixam

dormir. Zebedeu só gostava dele próprio, da sua cara feia e de um gigantesco

espelho onde passava horas a admirar-se.

O anão Zebedeu tinha centenas de cremes de beleza dentro de boiões de

vidros coloridos no seu quarto de banho. Não tinha banheira, lavatório nem

bidé, mas foi ali que pendurou na parede o famoso e gigantesco espelho capaz

de o refletir de alto abaixo e em frente ao qual passava grande parte dos seus

dias.

JOÃO MIGUEL - Posso fazer-te uma pergunta, mãe?

MÃE J.M. - Sim meu querido, qual é?

JOÃO MIGUEL - Porque é que o Zebedeu vivia na floresta se tantas

coisas nela o incomodavam? Vê se no livro há resposta para isto.

MÃE J.M. - Zebedeu vivia na floresta de Okatonga porque só aí se

conseguiam encontrar os ingredientes necessários para o fabrico dos seus

cremes de beleza. Ele era um anão alquimista especializado em cremes naturais

que não só embelezavam como conseguiam retardar o envelhecimento. Por esse

motivo o anão escondeu-se no lado mais sombrio de Okatonga. Todos

desejavam os seus famosos produtos. Zebedeu ganhou muita fama e riqueza mas

cansou-se de aturar tanta gente. Um dia, decidiu desaparecer para sempre ou,

pelo menos, durante um bocadinho de sempre.

JOÃO MIGUEL - Mamã, isso não pode ser! Ninguém consegue

desaparecer durante um bocadinho de sempre.

MÃE J.M. - - Pode sim, João Miguel! O anão Zebedeu decidiu

desaparecer por uns tempos porque ninguém o deixava descansar.

JOÃO MIGUEL - Mãe, não te esqueças dos sapos e dos coelhos! Quando

será que eles aparecem na história?

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MÃE J.M. – Já chega de histórias, João Miguel. Agora é hora de dormir!

Adeus meu querido, dorme bem e até amanhã.

Pé ante pé, o menino sai do quarto para o corredor e avança

silenciosamente até às escadas. Desce sem barulho para o piso inferior e

desloca-se para a cozinha. Abre a porta da despensa.

JOÃO MIGUEL - É hoje! Nada me vai impedir de ver o que está

guardado na mais alta das prateleiras. Já sinto o mau cheiro do anão Zebedeu

que nunca toma banho. Consigo escutar os mais de mil viajantes que todos os

dias chegam a Okatonga. Vejo a gruta escura que têm de atravessar e até sinto a

humidade que faz crescer as estalagmites e as estalactites. Vejo a luz esverdeada

que indica a saída e consigo ver a floresta perdida em toda a sua extensão. OH!

Não pode ser verdade!? Eu consigo MESMO ver a floresta perdida de Okatonga.

Está mesmo ali, no fim daquela luz esverdeada. Mas como é que eu aqui

cheguei?

Os seus olhos vivos bebem agora a beleza da paisagem de Okatonga.

A floresta ocupa toda a linha do horizonte e abrange tudo aquilo que a vista

alcança. O João Miguel não tem medo de a explorar. Não tem medo das

consequências que a sua investigação lhe possa trazer.

*

CORONEL-SAPO - Olá João Miguel! Sê bem-vindo a Okatonga e à sua

famosa floresta perdida. Estávamos à tua espera.

JOÃO MIGUEL - Olá! Mas quem és tu? A tua voz parece sair das

árvores e da montanha e até do céu!

CORONEL-SAPO - Hmm, Hmm… É com grande alegria que recebemos

o Visitante! Esta é uma data que ficará, para sempre, na história do nosso país.

Como todos sabem, é ao Visitante que devemos a nossa existência. Ele pediu à

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sua mãe uma história onde aparecessem sapos coloridos e, obedecendo a essa

sua vontade, aqui estamos nós para lhe agradecer. Obrigado, Visitante, por

tanto nos teres desejado! É uma honra para nós, uma grande honra, e este dia

especial ficará eternamente marcado na história de Okatonga! Tenho dito!

Acabadas as palavras, o coronel-sapo entrega uma caixa branca de

cartão ao João Miguel.

CORONEL-SAPO - Visitante! Este é um presente para ti. Será

fundamental para o teu passeio por Okatonga. Esperamos que gostes e, até

breve!

O sapo desaparece aos saltos, num abrir e fechar de olhos, para o

mesmo local escuro de onde há bem pouco tinha aparecido.

BELCHIOR - Um, dois, três, quatro, semeada no jardim

Cinco, seis, sete, oito, uma flor carmesim

Nove, dez, onze, doze, com perfume de jasmim

Um, dois, três, quatro, semeada no quintal

Cinco, seis, sete, oito, uma flor do olival

Nove, dez, onze, doze, com perfume outonal

Um, dois, três, quatro, semeada na planura

Cinco, seis, sete, oito, uma flor cor de doçura

Nove, dez, onze, doze, com perfume de aventura

Um, dois, três, quatro, semeadas pelo campo

Cinco, seis, sete, oito, as flores cor de sarampo

Nove, dez, onze, doze, brilham como o pirilampo

Um, dois, três, quatro, está na hora de saltar

Cinco, seis, sete, oito, temos tanto para andar

Nove, dez, onze, doze, antes do dia acordar

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O meu nome é Belchior. Estou aqui para te ajudar…

mas antes que tu perguntes

dou-te uma informação

eu falo sempre a rimar

por causa da tradição

é hora de levantar

precisamos de fugir

antes do sol acordar

e esta gruta ruir

O João Miguel só tem tempo para pegar na caixa branca pois

Belchior já saltita veloz na direção de Okatonga. O coelho faz muitos gestos

e sinais para que ele o siga.

JOÃO MIGUEL - Espera, espera por mim Belchior! Não saltes assim tão

depressa… espera por mim!

E é assim, desta maneira acelerada que o João Miguel se aventura

pela escura e gigantesca floresta de Okatonga. Corre muito atrás do coelho

e para junto a um velho pedaço de tronco abandonado. Sentado, olha para

as calças de pijama rasgadas e para os pés maltratados.

JOÃO MIGUEL - Bolas! Mas que coelho maluco! Convidou-me para o

seguir e depois fugiu sem me dar qualquer pista. E acabei de estragar o pijama

que a avó Dulce me ofereceu. Ela vai ficar muito zangada.

ESMERALDA - Porque não abres o presente? Vá lá, abre o presente!

Não tens curiosidade em saber o que o coronel-sapo te ofereceu?

O menino roda a cabeça em todas as direções, tentando descobrir a

dona desta voz. Levanta-se, olha para a grande árvore, olha para cima e

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para baixo, olha junto ao solo, olha por detrás dela, olha para dentro dela,

olha, volta a olhar e… nada!

ESMERALDA - Anda, vem abrir o teu presente! Quero saber o que te

ofereceu o coronel. Deve ser coisa importante! Já viste bem o tamanho desta

caixa?

JOÃO MIGUEL - Olá, eu sou o João Miguel! E tu? Como te chamas?

ESMERALDA - Chamo-me Esmeralda! Gostava mesmo muito que tu

abrisses a prenda. Sou curiosa e fico irritada, mesmo muito irritada quando não

me fazem as vontades. Se queres a minha ajuda, tens de abrir o presente! Então?

O que é que está aí dentro?

O João Miguel abre a tampa, levanta a caixa e olha para o seu

interior. Tira de lá de dentro umas botas militares.

ESMERALDA - HA, HA, HA, mas que engraçado Isto tem realmente

muita graça!

JOÃO MIGUEL - O que foi? São apenas umas botas da tropa. É por isto

que tanto te ris?

ESMERALDA- Claro! Tem muita piada! Andaste este tempo todo a

correr descalço pela floresta, a ferir os pés, as canelas e os joelhos, a perseguir o

Belchior feito um doido, e tinhas este presente debaixo do braço? É de morrer a

rir!! Não achas?

JOÃO MIGUEL - Tens razão. Não sei porque não abri logo o presente, e

eu que sou tão curioso.

O João Miguel acabou por dar razão a Esmeralda e os dois riem-se

da situação. Sem perderem tempo, Esmeralda ajuda o João Miguel a calçar

as botas e a dar dois nós bem apertados com os resistentes atacadores.

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ESMERALDA - Perfeito! Agora sim, estás pronto para explorar a

floresta! As botas protegem-te os pés e as canelas. Já podes correr e saltar, já

podes atravessar os riachos e as cascatas, e até acompanhar o veloz coelho

Belchior. Vais conseguir fazer tudo isso, e muito mais.

JOÃO MIGUEL - Tens de me ajudar! Eu não sei nada acerca de

Okatonga. Esta é a minha primeira visita, sinto-me perdido no meio desta

floresta, e apesar de já ter umas botas novas, ainda me doem muito os pés.

Esmeralda! Esmeralda! Onde estás?? Esmeralda… não me deixes aqui sozinho!

Ajuda-me! Não sei onde estou nem para onde ir. Esmeralda!

Mas Esmeralda não responde, nem volta a aparecer. João Miguel dá

voltas e mais voltas ao redor da grande árvore, escava, escava, e volta a

escavar… mas nada.

Subitamente, saltando vindo não se sabe de onde, o veloz Belchior

aparece, agarra na caixa branca vazia e volta a saltitar pelo interior de

Okatonga ao som de uma nova canção:

BELCHIOR - Um, dois, três, quatro, semeada na floresta

Cinco, seis, sete, oito, uma flor muito funesta

Nove, dez, onze, doze, com perfume de giesta

Um, dois, três, quatro, semeada nesta banca

Cinco, seis, sete, oito, uma caixa de cor branca

Nove, dez, onze, doze, com perfume de tamanca

Um, dois, três, quatro, vem agora atrás de mim

Cinco, seis, sete, oito, se quiseres comer pudim

Nove, dez, onze, doze, na festa do meu jardim

Sem pensar duas vezes, o João Miguel arranca em perseguição do

coelho Belchior.

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BELCHIOR - Um, dois, três, quatro, vem agora atrás de mim

Cinco, seis, sete, oito, se quiseres comer pudim

Nove, dez, onze, doze, na festa do meu jardim

Um, dois, três, quatro, está aqui o Visitante

Cinco, seis, sete, oito, este menino importante

Nove, dez, onze, doze, corre mais do que o Gigante

Dois gatos estão de lanças cruzadas a barrar a entrada da famosa

vila de Zebedeu. Os gatos olham para ele e ele para os gatos. Ninguém fala.

Ninguém se mexe. Os gatos olham para o menino e o menino para os gatos.

E é então que o João Miguel pergunta:

JOÃO MIGUEL - Olá! O meu nome é João Miguel. Podem dizer-me se

esta é a famosa vila de Okatonga?

Um gato espreguiça-se e abre a boca. Ensonado, coloca de novo as

patas no chão mas agora muito mais perto das botas negras do João Miguel.

Estica-se, estica-se muito, estica-se até não poder mais.

O outro gato não gosta da atitude do companheiro e grita exaltado:

MEDINA - Para imediatamente com esse disparate! Vem já para aqui!

Põe-te direito e cumpre o teu dever! Estou farto destas tuas parvoíces!

SARMENTO - Deixa-me em paz! Quem és tu para dar ordens? Enquanto

ficas para aí de pé, como uma estátua felpuda, ando eu pela floresta a fazer o teu

e o meu serviço, NÃO É? – e virando-se para o João Miguel, explica – Tu não

sabes, meu rapazinho, mas ali o Medina, com aquele ar de gato feroz e

assanhado, tem medo de ratos e tem medo do escuro. Vejam lá! Missões

noturnas de caça e patrulha não são para ele, coitadinho! Mas ficar aqui ao

portão, elegantemente vestido, de lança e capacete reluzentes, isso, já não se

importa de fazer! Caríssimo Visitante, eu sou o Sarmento e aquele ali é o

Medina, o gato mais medroso da vila! Mas quem não o conheça…

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MEDINA - Para imediatamente com esses dispartes! Volta para aqui e

cumpre o teu dever!

SARMENTO - Sim, sim… grita para aí o que quiseres gato maluco! Ai,

ai! Para imediatamente com essas parvoíces, diz o valente Medina, o valente e

elegante guarda Medina! Vê-se logo que já tomaste o pequeno-almoço e que

dormiste o teu sono de beleza. Mas enquanto tu dormias e comias, andava eu à

caça e em missões de reconhecimento na escuridão da floresta… a FAZER O

MEU E O TEU TRABALHO! Por isso, não me chateies!

Os animais avançam um contra o outro de unhas bem afiadas e com

as lanças em riste decididos a guerrear.

JOÃO MIGUEL – Esta história da minha mãe é muito estranha. Vocês

sabem para onde terá ido o coelho Belchior? Estou com sede e já sinto a barriga

a dar horas.

ESMERALDA - - JOÃO MIGUEL!!! JOÃO MIGUEL!! ANDA POR

AQUI!!! Depressa, antes que o Mestre Tino e o Belchior apareçam!

Ela agarra-o imediatamente pelo braço e puxa-o vigorosamente para

dentro de uma casa de porta vermelha. A sala daquela casa para é muito

escura.

JOÃO MIGUEL - Tenho fome Esmeralda! Não como nada desde que

aqui cheguei. Será que nesta casa não há nada para comer?

Ao redor de uma imensa mesa da sala estão sentados sete animais.

Bebem leite e comem bolachas de grandes travessas. Do lado direito da

mesa estão sentados os gatos siameses Amora e Aroma e também o gato

Medina. Do lado esquerdo estão sentados o porco Baltasar, o macaco

Isidoro e a raposa Judite, entretidos a mastigar bolachas e a beber leite de

cabra fresco por bonitos copos de cristal. Ao topo da mesa está sentado o

grande buldogue Mestre Tino.

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MACACO ISIDORO - Queres beber leite connosco? Vem sentar-te à

nossa mesa, isto não é um convite, é uma ordem, caso não tenhas entendido.

MESTRE TINO - Acaba de beber o leite e de comer as tuas bolachas!

Ninguém sai da mesa sem terminar a refeição! Mas que macaco tão mal

comportado. Menina Esmeralda, venha sentar-se à mesa mais o seu amigo. Sou

eu quem convida.. Já mandei fazer bolo de chocolate recheado para o nosso

convidado. Ouvi dizer que é a sua sobremesa predileta.

O macaco Isidoro leva o copo de leite à boca e salta-lhe metade do

líquido para o corpo, tal é a sua sofreguidão.

O porco Baltazar fica molhado com o leite que Isidoro derrama para

cima de si. Grunhe de descontentamento e cospe uma nuvem de migalhas

para a cara do macaco que logo lhe puxa o focinho.

A raposa Judite aproveita a ocasião para retirar as bolachas dos

pratos de Isidoro e de Baltasar. Ela tem muita fome e como eles estão mais

preocupados em guerrear do que em comer, assim procede.

Aroma e Amora lançam olhares enfurecidos à raposa enquanto ela

mastiga as bolachas que acabou de furtar. Com a boca cheia, retribui aos

gatos siameses olhares trocistas e provocadores.

Quem permanece alheio a toda a barafunda é o Medina que bebe o

leite e mastiga a última bolacha com toda a delicadeza. Depois de terminar

a refeição, limpa os cantos da boca e os longos bigodes grisalhos e observa a

luta entre o porco e o macaco que se vão mordendo com ferocidade.

O Mestre Tino coloca as patas em cima da mesa e sorri de satisfação.

Palita os dentes com um pequeno garfo de prata enquanto a briga vai

acontecendo em cima da mesa.

MESTRE TINO - Então, o que estão a achar do combate? Com o Isidoro

nunca há monotonia. Não existe ninguém como ele em toda a Okatonga! Nunca

nos deixa ficar mal. Comam e bebam à vontade, não façam cerimónia! Dentro de

pouco tempo o Belchior vai trazer-nos o bolo de chocolate recheado para que

nunca mais se esqueçam deste esplêndido pequeno-almoço!

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GATO AMORA - Mestre Tino, está um pedaço de cristal partido ali

junto à porta vermelha!

GATO AROMA - Descobri outro pedaço de cristal partido ali junto à

porta vermelha, Mestre Tino. Pode ser muito perigoso.

GATOS AROMA E AMORA – Estão muitos pedaços de cristal junto à

porta vermelha, Mestre Tino. Podem ser muito perigosos.

MESTRE TINO - TRAZ IMEDIATAMENTE O BOLO DE

CHOCOLATE! Ouviste Belchior? TRAZ JÁ O BOLO OU CORTO-TE A

CABEÇA!

JOÃO MIGUEL - Credo! Nenhum bolo é motivo para que se corte a

cabeça de alguém. Eu já matei a fome com estas deliciosas bolachas, Mestre

Tino, e o leite fresco também está muito bom. Não mande cortar cabeças por

causa de um pequeno atraso num bolo de chocolate, por favor!

O buldogue está enfurecido e não escuta até ao fim as palavras do

menino. Salta da sua poltrona, desembainha uma luzidia espada de lâminas

afiadas e corre desalmado na direção da sala por onde sai o perfume

achocolatado para onde vocifera:

MESTRE TINO - É AGORA QUE AS VOSSAS CABEÇAS VÃO

ROLAR! AS ORDENS SÃO PARA CUMPRIR E EU ORDENEI QUE O

BOLO FOSSE SERVIDO!

ESMERALDA - Vamos! Temos de fugir para a floresta! Lá estaremos

em segurança. Segue-me João Miguel, temos de alcançar a floresta antes que

Mestre Tino dê conta da nossa fuga. Corre, corre depressa.

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Nenhum dos animais no salão se apercebe das intenções. O menino

segue Esmeralda e os dois correm para longe daquela barafunda. É na

pressa da corrida que o João Miguel tropeça num sapo e o faz cair.

SAPO RENATO- AAAUUUUUU!!!! Bolas e rebolas e ainda mais

bolas!!! Estou todo dorido! Ajudem-me, alguém me acuda que eu não me

consigo levantar.

O menino resolve prestar-lhe auxílio. Segura-o por detrás por

debaixo dos braços, e levanta-o do chão.

JOÃO MIGUEL - Pronto, já está! Foi um valente trambolhão mas agora

já estás em pé, já estás bem…Vou ter de me despedir… adeusinho e até logo…

JOÃO MIGUEL ( fala sozinho ) - Tenho de ser rápido para a alcançar. O

sapo atrasou-me, mas precisava de ajuda e estava assustado. Ainda bem que o

ajudei.

Depois de muito correrem, os dois chegaram de novo à floresta.

ESMERALDA - - BOA JOÃO MIGUEL! CONSEGUIMOS! Foi por

pouco, foi mesmo por pouco. Nesta floresta estaremos a salvo de Mestre Tino e

dos seus súbitos ataques de loucura.

JOÃO MIGUEL - UFA, mas que grande correria. Espera só um

bocadinho enquanto eu me recomponho antes de voltarmos a correr.

SAPO RENATO - OLÁ! Desculpem o mau jeito. O meu nome é Renato.

Estou aqui para vos agradecer! Mais uma vez, muito e muito obrigado pela

vossa amabilidade. Eu tinha de agradecer a gentileza deste menino que me

ajudou a levantar. Muito e muito obrigado.

JOÃO MIGUEL - De nada. Foi um prazer. Agora temos mesmo de ir

andando, não nos leves a mal, mas temos coisas muito importantes para resolver

e o tempo não para.

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ESMERALDA - Pois é! O tempo não para e nós temos coisas muito

importantes para resolver. Adeus Renato, até breve.

O sapo Renato observa-os enquanto eles desaparecem com rapidez

pelas sombras do denso arvoredo. Está parado a coçar o alto da sua testa.

Está parado a pensar, a refletir, a decidir, e é então que resolve saltar até ao

local mais escondido da floresta:

SAPO RENATO - Olha, não é nada má ideia aproveitar a ocasião! Já que

estou do lado de fora da grande muralha, vou também correr e saltar na direção

da grande floresta.

Após muitos pulos e saltinhos, eis que Renato chega ao CORAçÂO

PERDIDO DA FLORESTA.

RENATO: Cheguei! Estou no mais sombrio e afastado lugar de toda a

floresta. Vou subir ao topo da árvore mais alta para apreciar a paisagem. Quem

sabe se lá de cima não consigo descobrir os dois meninos, quem sabe!

ARANHA SUSETE - Quem és tu e o que fazes aqui? Não aprecio

visitas, não gosto que alguém se atreva a subir e me perturbe o descanso. A

última vez que isso aconteceu foi há uma dúzia de anos quando um ouriço

insolente resolveu incomodar-me.

O sapo está petrificado de medo e não se consegue mexer.

ARANHA SUSETE - Então, o gato comeu-te a língua? Quem és tu e o

que fazes aqui? Está alguém em casa? Perdeste o juízo? Ficaste mudo de

repente? O que foi que te trouxe até tão distantes paragens? Desembucha, senão

terei de te comer como fiz com o ouriço! Preferes falar ou ser comido?

SAPO RENATO - - Hmmmm….hmmmm, desculpe… desculpe senhora

aranha, mil perdões. A última coisa que desejava era incomodar tão formosa

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criatura. Os meus olhos jamais admiraram animal tão belo e nunca viram tanta

formosura. A senhora dona aranha é bela e muito simpática.

DONA SUSETE - Madame Susete! O meu nome é Susete, Madame

Susete. E tu, como te chamas?

SAPO RENATO - Eu sou Renato, um simples soldado às ordens do

coronel-sapo, às ordens do ministro Belchior, às ordens do presidente Mestre

Tino. Vim aqui ter por mero acaso. Um simpático rapaz auxiliou-me quando

tombei. Saiba a Madame Suzete que eu sou muito desajeitado e caio com muita

facilidade. Passo mais tempo deitado do que de pé. Esse menino seguiu,

acompanhado de Esmeralda, pelo interior da floresta. Mal eu lhes agradeci a

gentileza, correram velozes em direção ao coração da floresta e nunca mais os

vi. Tentei segui-los, tentei alcançá-los, saltei, pulei, corri e foi assim que acabei

por aqui chegar.

MADAME SUSETE - Se tu conseguiste cá chegar, também esses dois

aventureiros de que me falas são capazes de repetir a tua proeza, e isso não me

agrada mesmo nada.

A aranha começa a produzir uma teia pegajosa para enrolar o

Renato. A cabeça é a única parte do corpo que fica a descoberto.

SAPO RENATO - Madame Suzete, por favor, não me deixe aqui preso

desta maneira. Que mal fiz eu para merecer este castigo?

ARANHA SUSETE - Caluda! Estás com sorte por eu estar sem apetite,

caso contrário já te tinha engolido. Vou partir em busca dos teus amiguinhos,

cheira-me que devem ser bem gostosos e tenrinhos. Assim que eu os encontrar,

virei ter contigo para fazer uma bela sopa de sapo.

SAPO RENATO - MALVADA MADAME SUZETE! MALVADA,

MALVADA, MALVADA….!

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2º ATO

João Miguel persegue Esmeralda pela densa floresta de Okatonga.

JOÃO MIGUEL - Para, Esmeralda, para quê continuar a correr a esta

velocidade? O meu pijama está cada vez mais rasgado e esta clareira é ótima para

descansarmos um pouco.

A menina abranda e acaba por ceder a algum do cansaço provocado pela

grande correria.

ESMERALDA - Tens razão! A cidadela já está bem longe e não falta

muito para chegarmos ao nosso destino.

JOÃO MIGUEL - Para chegarmos ao nosso destino? Mas que destino é

esse de que falas? Eu ainda não consegui entender nada do que se tem passado

desde que cheguei a este estranho lugar. Estou outra vez perdido na floresta e

tenho uma montanha de perguntas para ti. Tens de me ajudar a compreender

tudo o que aqui acontece. De quem é que andamos a fugir?

ESMERALDA - Acalma-te, vá lá, não fiques assim que não vale a pena.

Senta-te aqui ao pé de mim que eu explico-te tudo.

João Miguel obedece e senta-se em frente de Esmeralda.

ESMERALDA - Esta floresta onde nos encontramos faz parte do grande

círculo de proteção da cidadela de Okatonga. É um imenso labirinto que foi criado

pelos governantes para impedir a fuga aos visitantes. Quando Zebedeu começou a

fabricar os extraordinários bálsamos e poções, foi difícil impedir que a fama dos

seus produtos chegasse aos povos vizinhos. Foram muitos os que começaram a

chegar e mais ainda os que destruíram partes importantes das nossas grutas e dos

nossos vales. Zebedeu não apreciava a publicidade e não lhe agradou a ideia de ter

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de trabalhar mais para satisfazer as vontades dessa gente. Eram tantos e tantos

visitantes, alguns tão ricos, que tudo se modificou. Os visitantes começaram a

fazer filas aos milhares, filas que percorriam todas as ruas, ruelas, becos e

avenidas. Alguns ficavam dias e noites a aguardar a sua vez para serem atendidos

por Zebedeu. O alquimista deixou de conseguir fabricar as poções para os

habitantes de Okatonga. Um dia, fechou-se dentro de casa e os visitantes

começaram a fazer muito barulho, ameaçaram partir as portas e as vidraças da

casa e acabaram a guerrear uns contra os outros. Nesse dia o anão resolveu

desaparecer para sempre. Mas antes de partir de vez, Zebedeu doou um grande

tesouro, composto por milhares de frascos, garrafinhas, potes e boiões com as

suas poções mais valiosas, aos nossos Reis Alberto e Alberta. E desde então,

coisas muito estranhas começaram a acontecer.

JOÃO MIGUEL - Mas então, se Alberto e Alberta são os reis de

Okatonga, o que foi que lhes aconteceu para ser o Mestre Tino a reinar?

ESMERALDA - Essa oferta de Zebedeu aos nossos reis deu origem ao

início da era da grande cobiça. Quadrilhas de malfeitores e de ladrões sem

escrúpulos tentaram roubar o tesouro real vezes sem conta. Foi então que, com

grande malvadez, o chefe da guarda do palácio, juntamente com oito dos seus

mais fiéis seguidores, resolveram revoltar-se para tomarem o poder e passarem a

controlar o tesouro doado por Zebedeu aos nossos reis. E tu já os conheces, João

Miguel. Estivemos sentados à mesa com eles. Mestre Tino é esse chefe e os seus

discípulos são Baltasar, Aroma e Amora, Medina, Judite, Isidoro e Belchior. O

grande buldogue aliciou o coronel-sapo para ele não dar voz de comando às tropas

na defesa da família real e a sala do tesouro foi facilmente tomada pelos traidores.

No dia seguinte, os reis Alberto e Alberta foram feitos prisioneiros e agora estão

fechados nas masmorras.

JOÃO MIGUEL - É por isso que o coelho Belchior atrai os visitantes à

cidadela? Foi por isso que o coronel-sapo me ofereceu estas botas? Foi por isso

que me fizeram aquela estranha receção em Okatonga? Tudo isso para fazerem de

mim um prisioneiro?

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ESMERALDA - Nada do que aqui se passa acontece como no teu

mundo, João Miguel. Se pensares bem, tudo o que aqui acontece tem motivos

bem fortes que moram no mais profundo de ti.

Sem os dois meninos darem conta, a silenciosa dona Suzete aproxima-se

lentamente da clareira onde a conversa acontece. Ela tenta alcançar os dois

amigos que continuam distraídos.

SUSETE - Assustá-los ou comê-los? Que beleza ter estas dúvidas

deliciosas. Vou comê-los! Está decidido, e não vale a pena pensar mais no

assunto.

Dona Suzete avança com a firme intenção de os comer. Esmeralda

levanta-se instintivamente, tira um frasco minúsculo da pequena bolsa que

traz a tiracolo, e bebe o seu conteúdo incolor com avidez. Ordena, com

gestos, para que o João Miguel faça o mesmo, e ele bebe o resto do líquido

sem se levantar. Instantes antes de Dona Suzete os devorar, Esmeralda e

João Miguel desaparecem misteriosamente da clareira deixando a grande

aranha branca com cara de poucos amigos.

SUSETE - Mas como é que isto pode ter acontecido? Onde se terão

metido as duas tenras criaturas? Desapareceram misteriosamente, de um

momento para o outro, mesmo em frente dos meus quatro olhos. Será que estou

a ver bem ou preciso de dois pares de óculos? Isto é coisa muito misteriosa.

Ainda sinto o cheiro perfumado das crianças espalhado pela clareira. Magia,

Feitiçaria! É isso que aqui se está a passar?

BELCHIOR - Um, dois, três, quatro, encontrar o João Miguel

Cinco, seis, sete, oito, levá-lo para o quartel

Nove, dez, onze, doze, são ordens do coronel

Um, dois, três, quatro, segui-lo por este troço

Cinco, seis, sete, oito, prendê-lo num calabouço

Nove, dez, onze, doze, antes da hora de almoço

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Um, dois, três, quatro, tenho de o descobrir

Cinco, seis, sete, oito, impedi-lo de fugir

Nove, dez, onze, doze, não me posso distrair

Belchior salta e corre e pula com tanto empenho e concentração, que

nem dá conta da presença de Dona Suzete junto à clareira. Choca com ela e

os dois ficam tombados no meio do chão de barriga para o ar. A aranha é

rápida a reagir, vira-se com destreza e avança até ao coelho cinzento.

Começa a envolvê-lo com uma teia, fina mas poderosa, enquanto pergunta:

SUSETE - Como te atreves a atacar-me desta maneira traiçoeira? Não

sabes com quem te acabaste de meter, coelho louco e insolente? A tua hora

chegou, encontraste Suzete no pior dos dias para provocar a sua ira.

BELCHIOR - Desculpe senhora aranha

Não era minha intenção

Mil perdões pela façanha

Do fundo do coração

Tento encontrar o João

Um menino visitante

“é um perigo para a nação”

Palavras do presidente

Mestre Tino me enviou

Para dar conta do recado

Mas agora que me apanhou

Ai de mim, estou condenado

Dona Suzete pensa duas vezes antes de engolir o apetitoso coelho

Belchior. Se calhar, é boa ideia dar uso ao animal saltitante para conseguir

encontrar as crianças desaparecidas.

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SUSETE - Falas desse tal menino mas, na verdade, ele anda

acompanhado de uma rapariga que não tem ar de visitante. São dois os fugitivos,

não apenas um! Que raio de ordens te deu esse tal presidente Tino?

BELCHIOR: Palavra de Belchior

É palavra verdadeira

Ficar vivo é bem melhor

Que morrer nesta clareira

Prometo que os persigo

Prometo que vou correr

Eu sou muito vosso amigo

Salve-me, não quero morrer

SUSETE – Segue, então, leva-me até esse lugar onde eles se esconderam.

BELCHIOR - Nunca mais irei esquecer

Este gesto de bondade

Agora irei viver

Com maior felicidade

Belchior segue a saltitar, sem pressas, para a zona norte da floresta

de Okatonga, levando atrás de si a abespinhada Dona Suzete que não para

de barafustar.

*

Page 21: Saco Invisível

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3º Ato Está muito calor no interior profundo da grande floresta de

Okatonga. Os pés do João Miguel ardem-lhe dentro das negras botas que os

protegem. Foram gastas muitas horas a caminhar. A tarde caiu, é quase

noite outra vez.

JOÃO MIGUEL - Estou cansado, Esmeralda, muito cansado, e ainda está

muito calor! Podemos descansar um pouco, só um instante, antes de

continuarmos a avançar? Já não sinto as pernas, tenho os braços e as mãos

feridos, trago o cabelo carregado com folhas e galhos e estou farto de caminhar.

Acho que estamos perdidos. Mas para onde é que tu nos estás a levar?

ESMERALDA - É ali, João Miguel, lá em baixo, junto àquela acácia

centenária, que acaba a nossa viagem. Só falta mesmo um bocadinho.

- Ali, João Miguel, é ali em baixo que fica aquilo que procurava!

Chegámos ao nosso destino!

A menina coloca-se de joelhos bem pertinho do João Miguel. As

mãos estão coladas às dele e os seus olhos verdes brilham de contentamento.

ESMERALDA - Chegámos ao domínio privado do famoso anão

Zebedeu! Ali em baixo fica o lugar que todos gostariam de descobrir, é o local

mais secreto e procurado de toda a floresta de Okatonga. Tu não sabes, mas foi

ele que me pediu para eu te ajudar mal tu chegaste a Okatonga.

JOÃO MIGUEL - É verdade o que me contas? Esta viagem trouxe-nos

até à casa de Zebedeu? Terei muito prazer em o conhecer.

ESMERALDA - Sim, João Miguel, é mesmo verdade. Ali em baixo é o

refúgio de Zebedeu, a quem prometi trazer-te são e salvo. Assim o fiz, conforme

destinado. A tua presença em Okatonga é um acontecimento importantíssimo!

Page 22: Saco Invisível

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Os dois param junto à grande árvore centenária.

João Miguel olha para Esmeralda e entende que ele terá a honra de

ser recebido pelo famoso anão alquimista.

ESMERALDA - Vai, não tenhas receio. O grande tronco da árvore é oco.

Entrarás nele por entre as suas imensas raízes e encontrarás a porta de entrada da

casa de Zebedeu. Aí fará frio, muito frio, e estará muito escuro também.

Perderás a noção do espaço, escutarás ruídos estranhos e cheirará muito mal.

Vais sentir-te perdido e abandonado pois ele demora muito tempo a abrir a porta.

JOÃO MIGUEL - E ele saberá quando eu lá chegar?

ESMERALDA - Zebedeu sabe tudo aquilo que acontece em Okatonga.

Não te preocupes que ele vai saber quando tu lá chegares. Agora vai, faz como

eu te disse e tudo correrá bem.

Esmeralda não espera para ver o João Miguel a desaparecer por

entre as longas raízes do grande carvalho. Ela não quer que o amigo dê

conta do que sente o seu coração.

O João Miguel sente-se só, muito só e abandonado. Nunca se tinha

sentido assim tão perdido. Este é o pior lugar onde já esteve.

Pensa na mãe, pensa na sua cama confortável e quente e pensa na

avó Dulce. Este lugar deixa, por instantes, de lhe parecer assim tão

assustador.

Tenta manter-se calmo.

Tenta não chorar. Ele é um menino corajoso e aventureiro, e

meninos assim não se deixam derrotar por acontecimentos como este. O

pior de tudo é mesmo o mau-cheiro que torna o ar denso, espesso,

irrespirável.

Aqui em baixo não se consegue ver nada.

JOÃO MIGUEL - Estou perdido neste lugar onde, supostamente, mora

Zebedeu. Quanto tempo demorará até abrir a porta?

Page 23: Saco Invisível

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Ruídos de passos escutam-se ao longe. O barulho dos passos informa

que o misterioso viajante está a curtíssima distância de João Miguel.

SARMENTO - Olá! Não te assustes! Vou fazer brilhar os meus olhos

para iluminar este lugar.

JOÃO MIGUEL - SARMENTO?????!! És mesmo tu, Sarmento! Mas, …

mas, o que é que estás aqui a fazer? – pergunta João Miguel, muito admirado e

satisfeito com a presença do gato-guarda neste lugar tão sombrio.

SARMENTO - Esta é a porta da casa de Zebedeu. Deve estar a

descansar, ou então a trabalhar, ou então a dormir, ou então a experimentar

poções e bálsamos nele mesmo, ou então está a admirar-se ao espelho, ou a

comer, ou está a limpar os frascos mais antigos, ou então está a ler as suas

enciclopédias botânicas, ou está a consultar os compêndios de anatomia, ou

então está a verificar os meus últimos relatórios, deve ser isso que ele está a

fazer, está a verificar os meus últimos relatórios sobre tudo aquilo que se passa

em Okatonga! Por isso, ainda é capaz de demorar! Os meus relatórios são muito

metódicos e detalhados, contam tudo o que de mais importante acontece na

cidadela e na floresta. Eu sei quem tu és, o que fazes aqui, de onde vens, quem te

ajuda e ajudou, quem te tentou apanhar, porque saltaste de cima de mim, porque

tens medo do escuro, e de doenças, e de que alguma coisa má possa acontecer à

tua mãe ou à avó Dulce. Sei que gostas de bolo de chocolate recheado com

creme de chocolate, sei que gostas de histórias novas e cheias de perigos, sei que

gostas de fazer perguntas e de explorar. Eu sei tudo, tudo, tudo, e, às vezes,

torna-se aborrecido saber tanto acerca de todas as coisas. E também adoro pregar

partidas ao tolo do Medina, esse preguiçoso, nada me dá mais prazer do que

enervá-lo, principalmente desde que ele decidiu fazer parte do bando de Mestre

Tino, nesse dia de má memória.

O Sarmento sorri, e continua:

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SARMENTO: E que tal umas bolachas? Estas são do teu agrado. Quanto

a mim, prefiro os rabos de ratazana e as espinhas de arenque e sardinha que são

uma verdadeira especialidade. Se quiseres podes experimentar, sabem melhor do

que aquilo que parecem, acredita no que te digo.

O João Miguel aceita as deliciosas bolachas que o gato lhe ofereceu e

come-as como se fossem o mais delicioso dos manjares.

JOÃO MIGUEL - Obrigado, Sarmento! Estava mesmo com muita fome,

e estou contente por te ver. Não esperava encontrar alguém por aqui, a não ser o

anão Zebedeu.

SARMENTO - Já falta pouco para o anão Zebedeu vir abrir a porta. Não

te esqueças que ele é perfeitamente normal, absoluta e perfeitamente normal.

Nós, todos os outros, é que somos muito, mesmo muito esquisitos! Tu também

és muito esquisito, João Miguel! Olha bem para ti! Um menino minúsculo,

vestido com um pijama sujo e rasgado, calçado com umas botas negras da tropa.

Mas o mais esquisito de todos nós é o palerma do Medina, esse gato vaidoso e

preguiçoso. Ele é um vergonhoso pateta peneirento.

Ao acabar estas palavras, Sarmento salta por cima do João Miguel e

deixa, de novo, o menino no meio da escuridão.

Inesperadamente, uma chave entra numa das fechaduras metálicas da

velha porta de madeira, dando duas voltas e depois mais duas.

Uma segunda chave entra na outra fechadura e mais quatro voltas se

escutam antes da porta se abrir.

ZEBEDEU - NÃO GOSTO DE RATOS, DE JEITO NENHUM! Não

gosto de ratos, nem de morcegos. São uma autêntica praga, e são os únicos

animais de Okatonga que se atrevem a descer até aqui. Já lhes mandei tirar os

olhos, mas mesmo assim ainda conseguem cá chegar. Maldita bicharada, cega e

irritante. Nem o Sarmento dá conta do recado. Entra, de que é que estás à espera,

João Miguel? Entra, se tens assim tanta vontade. Vais finalmente conhecer o

Zebedeu da história da tua mãe.

Page 25: Saco Invisível

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O menino fica espantadíssimo com o aparecimento repentino do

famoso anão alquimista. A porta está aberta e ele entra, sem hesitar, em

dois saltos dados com grande agilidade. As duas chaves que abriram a velha

porta de madeira, voltam a fechá-la novamente.

JOÃO MIGUEL - Que casa tão estranha! Para onde terá ido o Zebedeu?

Zebedeu? Zebedeu? Onde estás tu, Zebedeu? Posso entrar?

ZEBEDEU - Ainda aí estás? Segue-me até ao meu gabinete, não sejas

preguiçoso!

JOÃO MIGUEL - Tu não cheiras nada mal Zebedeu. A mãe contou-me

que não gostas de te lavar, mas até cheiras muito bem.

ZEBEDEU - Se calhar a tua mãe não conhece a minha história!

JOÃO MIGUEL - Mas isso não é possível! A história de Okatonga é a

nova história da mãe. Todas as histórias da mãe nascem num saco que ela guarda

na despensa da cozinha, e as histórias que o saco lhe conta não são mentirosas. A

mãe diz que todas elas aconteceram, ou estão para acontecer!

ZEBEDEU - Mas o que se passa contigo aqui em Okatonga, não é a

história do saco da tua mãe! Onde é que tu foste buscar essa ideia?

JOÃO MIGUEL - Tu estás a ver se me enganas, não é verdade? Tu és

Zebedeu, o célebre anão alquimista da cidadela de Okatonga, e é verdade que

não gostas de tomar banho!

ZEBEDEU - Hummm! Se calhar, és mesmo capaz de ter razão. Eu não

gosto muito de tomar banho. É um desperdício de água e de tempo estar para ali

deitado na banheira a esfregar o corpo. Não tenho alma de peixe e preciso de

tempo para trabalhar

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JOÃO MIGUEL - Tu tens um laboratório onde fabricas os bálsamos,

cremes e poções, não é verdade? Deve ser maravilhoso! Eu gostava tanto que me

mostrasses o lugar onde trabalhas. Posso ver o teu laboratório, Zebedeu?

ZEBEDEU - Sim, eu mostro-te esse lugar que todos gostariam de visitar.

Mas aviso-te que vais ficar desapontado.

O alquimista salta da cadeira com agilidade, e monta uma bicicleta

que estava esquecida no chão, junto a uma mesa.

ZEBEDEU - Anda, segue-me, se fores capaz! Corre atrás de mim, não

temos tempo a perder. Vou transportar-te até ao lugar que desejas conhecer.

Podes parar, já chegámos!

JOÃO MIGUEL - Tens a certeza absoluta de que já chegámos?

O anão sorri, de pé, agarrado ao volante da bicicleta, toca por três

vezes a sua campainha. Depois, por mais três vezes, repete a função. As

paredes vermelhas do corredor sobem como um pano de boca de cena.

Revelam um gabinete mal iluminado, sujo, desorganizado, desarrumado,

bem mais alto do que largo e comprido.

João Miguel está deslumbrado, e sabe que nunca ninguém ali entrou.

ZEBEDEU - Como vês, não é nada de especial. Eu bem te disse! Ias ficar

desapontado. Está tudo sujo, desorganizado e malcheiroso, bem ao contrário dos

modernos laboratórios onde o brilho e a limpeza é tanta, que até se pode comer

no chão.

JOÃO MIGUEL - O teu laboratório é igualzinho ao que eu tinha

imaginado, Zebedeu. Tudo está no seu devido lugar, até as teias de aranha. É um

laboratório muito antigo, com muitas centenas de anos, não é verdade? Como foi

que vieste aqui parar? Como é que te tornaste um alquimista, e quem foi que te

ensinou? E porque me trouxeste até aqui? Estou muito feliz, mas continuo sem

entender… porque fui eu a primeira pessoa que aqui deixaste entrar?

Page 27: Saco Invisível

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ZEBEDEU - Tu és mesmo muito curioso, e isso vai-te ser muito útil! Se

não formos curiosos, se não tentarmos encontrar respostas para as muitas coisas

que nos preocupam e inquietam, acabamos por não aprender nada. Isso seria

uma verdadeira tragédia! Eu sou alquimista porque o meu pai, o meu avô, o meu

bisavô, o pai do meu bisavô, o avô do meu bisavô, o bisavô do meu bisavô, e

todos os outros antes deles, também foram alquimistas. Todos os seus

ensinamentos estão guardados neste pequeno laboratório, escondidos no coração

da labiríntica floresta de Okatonga.

O anão abre uma garrafa de aguardente que se encontra

abandonada no meio da mesa e leva-a à boca. Bebe metade de um só trago e

limpa as beiças à parte de trás da mão, junto ao seu pulso.

ZEBEDEU - Não tenho nada para te ensinar, meu rapaz, nem sequer

posso fazê-lo! A minha condição de alquimista não o permite. São regras

antigas! Vais ter de ser tu a descobrir o que aqui vieste procurar. Será um mapa o

que tu procuras? O que foi que te trouxe até aqui, João Miguel?

O menino não sabe como responder. O alquimista falou tanto sobre

coisas tão importantes, que as suas ideias ficaram momentaneamente

bloqueadas.

ZEBEDEU: Agora vou deixar-te. Tens de ser tu, sozinho, a investigar. A

minha missão está cumprida. Lê tudo o que precisares de ler, escreve acerca de

tudo o que necessitares de escrever, e experimenta tudo o que achares necessário

experimentar. Ali ao fundo existe uma pequena cozinha, para quando tiveres

fome, e lá encontrarás água fresca, fruta e comida. Diverte-te! Adeus, até

qualquer dia!

O anão pega num pequeno frasco verde, e leva-o à boca.

Demorou menos de um segundo a desaparecer.

João Miguel pega num livro muito antigo de capa empoeirada.

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JOÃO MIGUEL - Este livro é muito grosso e tão pesado! ( a ler o texto )

“ Compreender a natureza, reproduzir a natureza, transformar a

natureza. Descobrir os processos naturais é sinal de máxima inteligência. Os

segredos alquímicos são mais antigos do que a história da humanidade,

nasceram com o homem que entendeu o fogo e o controlou. As cinzas que dele

germinaram, regeneram. O homem entendeu-as e utilizou-as para resistir ao

tempo.

Ora, lê, lê, relê, trabalha e encontrarás.

Procura, lê e relê todos os livros. O último livro lido ou relido mostrará

os conhecimentos anteriores e o primeiro dos livros ajudará a entender a última

leitura. Depois pratica, todos os dias e a todas as horas.

Sê paciente.

Experimenta.

Fixa-te na leitura dos compêndios que melhor te agradem e volta a

praticar a todas as horas de todos os dias.

Mantém-te atento a todas as transformações, aos detalhes, às linguagens

da natureza.

Observa, interpreta e procura, dia-a-dia, a todos os instantes, em todos

os momentos.

Sê dedicado e perseverante. Não te deixes tentar pela facilidade da

desistência. Um alquimista não revela os seus segredos, nem ao próprio filho.

O que está em cima é como aquilo que se encontra em baixo.

Nada desaparece nem nada é criado, tudo é transformado e conservado,

tudo é transmutado. O caos é a ordem e a ordem é o caos.

Respeita a natureza e todos os seus constituintes para que se possa

manter a harmonia de todas as coisas.

Reaprende a ver, a sentir e a escutar. Observa as cores, desde o branco

mais puro ao negro mais intenso.”

João Miguel adormece, vencido pelo cansaço, sem ter encontrado

uma pista concreta sobre o que ali desejava encontrar.

Uma voz forte e tenebrosa invade o gabinete com estas palavras:

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ANASTÁCIA - Quem és tu senão a entrada da caverna, uma pequena

centelha que se prepara para servir de luz à escuridão. Terás de salvar os reis do

nosso reino. Terás de salvar os reis do nosso reino, terás de salvar os reis do

nosso reino.

João Miguel acorda, com a gravidade da voz, e pergunta:

JOÃO MIGUEL - Quem és tu? Onde estás? O que desejas de mim?

Aparece que não te consigo ver.

ANASTÁCIA - Não estejas preocupado a tentar descobrir quem eu sou,

pois isso não importa! Já te disse que eu sou a razão pela qual tu chegaste até

aqui, e sou eu quem te diz tudo aquilo que desejas escutar.

JOÃO MIGUEL - Se tu és aquela que me diz tudo o que desejo escutar,

então diz-me como te chamas! Eu sou o João Miguel e continuo cheio de sono.

ANASTÁCIA - Há muito tempo que aqui não vinha um visitante! Sê

bem-vindo ao nosso mundo subterrâneo. Estávamos à tua espera, João Miguel,

desde que iniciaste o teu passeio por Okatonga. A tua vinda é um motivo de

alegria, apesar dos obstáculos que ainda terás de ultrapassar. O meu nome é

Anastácia, sou a grande toupeira cinzenta de nariz rosado e estes são os meus

domínios.

O menino não vê. Levanta o corpo e senta-se, com as pernas

esticadas, para descansar um pouco.

JOÃO MIGUEL - Olá! Escuto e agradeço a sua ajuda preciosa, senhora

Anastácia. Não a consigo ver, pois está muito escuro. Nunca estive num lugar

como este, onde a escuridão até tem peso!

ANASTÁCIA - Não te preocupes! Dentro de pouco tempo deixarás de

recordar estes túneis escuros e gelados. Aqui, tudo acaba por cair no

esquecimento. Eu sabia que ias chegar e sei que terás de libertar os nossos reis

Page 30: Saco Invisível

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Alberto e Alberta. Se fizeres um pequeno esforço serás capaz de recordar que é

assim que tudo terá de acontecer.

João Miguel escuta tudo com muita atenção.

ANASTÁCIA - Sabes, João Miguel, aqui em baixo nesta rede de túneis

aventuram-se, de vez em quando, alguns jacarés de dentes afiados e andar

ligeiro.

JOÃO MIGUEL - O quê? Jacarés de dentes afiados? Estás a dizer que

estes barulhos que escutamos são jacarés de dentes afiados?

ANASTÁCIA - Sim! É verdade! Estou a dizer-te que este barulho pode

muito bem ser provocado por um enorme jacaré de dentes afiados, enviado por

Mestre Tino para te encontrar. Agora agarra-te a mim com todas as tuas forças.

É isso e só isso que eu te peço!

O menino faz duas pequenas festas na cabeça de Anastácia, dizendo-

lhe que assim irá proceder.

ANASTÁCIA- Escuta, ouve bem o que tenho para te dizer! Não me

faças mais perguntas! Concentra-te! Agarra-te a mim e abandona de uma vez por

todas essas preocupações! Muito bem João Miguel, é isso mesmo! Deixa que os

ventos gelados percorram o teu corpo. Aprende! Vê, observa e interpreta esta

mensagem da natureza. Tu és a centelha que servirá de luz à escuridão! Aprende

como todos os anteriores alquimistas e aprendizes de alquimistas aprenderam

antes de ti! Estás a crescer e a tornar-te um homem, estás a começar a parte mais

importante da tua jornada. O desconforto causado pelos ventos gelados e por

tanta escuridão fazem parte do processo.

A toupeira para de avançar pelos túneis labirínticos do subsolo de

Okatonga. O menino deixa de sentir o corpo morno e felpudo do animal e

cai de costas no meio do chão.

*

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Subitamente, uma voz forte e tenebrosa repete as mesmas palavras:

ANASTÁCIA - Quem és tu senão a entrada da caverna, uma pequena

centelha que se prepara para servir de luz à escuridão. Terás de salvar os reis do

nosso reino, terás de salvar os reis do nosso reino, terás de salvar os reis do

nosso reino…

João Miguel acorda, sobressaltado, com a gravidade da voz. Olha ao

seu redor, muito estremunhado, e vê o laboratório de Zebedeu.

ZEBEDEU - Então, João Miguel, o que achaste do meu laboratório? Eu

bem te disse que este laboratório não tinha nada de extraordinário.

JOÃO MIGUEL - Zebedeu? Mas…mas…como… que grande surpresa!

Não estava mesmo nada à tua espera!

ZEBEDEU - Se pudesses ver a tua cara, João Miguel! Se tu pudesses ver

a tua cara neste momento… Agora vem comigo, não podes perder mais tempo.

Eu sei que tu também sabes que chegou a hora de partires.

Os dois amigos saem por uma misteriosa parede do laboratório que

se move como as águas cristalinas de um lago. Do lado de fora, à espera do

João Miguel, encontra-se um belo triciclo dourado preparado para viajar.

ZEBEDEU - Este é o meu velho triciclo de ouro. Sobe, senta-te nele e

pedala. De que é que tu estás à espera? É ele que vai indicar-te o caminho de

volta à floresta, desde que não pares de pedalar!

JOÃO MIGUEL - Obrigado, muito obrigado por tudo! Jamais irei

esquecer esta prova de amizade!

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O menino monta o velocípede de ouro. Agarra o volante com muita

força. Fixa com vigor as botas militares nos pedais do triciclo. Dá uso às pernas

e arranca, com um formidável impulso inicial, numa velocidade estonteante.

Já passaram quase três horas desde que a viagem começou. Uma maçã

vai saber-lhe bem e ele guardou duas para momentos como este. Vira-se para

trás para retirar a fruta da sacola que se encontra guardada na cesta do triciclo.

RENATO - Olá João Miguel! Bom-dia! Será que me podes oferecer uma

maçã?

JOÃO MIGUEL - Credo! Estás doido, Renato? Estavas sentado aí atrás

sem dizer nada! Pregaste-me um susto tão grande que quase me despistei.

RENATO - Não estás contente por me ver? Preferes continuar sozinho a

viagem? Eu posso voltar a desaparecer, se for esse o teu desejo.

JOÃO MIGUEL - É claro que estou contente por te ver, Renato! Gosto

da tua companhia. Não sei como conseguiste saltar para o cesto sem que eu

tivesse dado conta. Podes abrir o saco e comer a outra maçã. Trouxe-as do

laboratório de Zebedeu e são muito sumarentas.

SAPO RENATO - Maçãs do laboratório de Zebedeu! Vou trincar uma

maçã que veio do gabinete do alquimista! Sou o sapo mais sortudo deste mundo!

São as maçãs da sabedoria, João Miguel! Todos os animais de Okatonga

sonham, um dia, poder comer uma destas maçãs. Acabaste de fazer de mim o

sapo mais feliz e instruído de toda a Okatonga.

Começa a chover uma chuva miudinha.

SAPO RENATO - Anda, João Miguel! Pega na tua sacola e salta para as

minhas costas! Vamos continuar a viagem rumo à cidadela de Okatonga onde

todos esperam por ti.

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BELCHIOR - Um, dois, três, quatro

Saltei o mais que podia

Cinco, seis, sete, oito

Fosse de noite ou de dia

Nove, dez, onze, doze

Sempre em grande correria

Um, dois, três, quatro

A aranha está perdida

Cinco, seis, sete, oito

Derrotei-a na corrida

Nove, dez, onze, doze

Ficou com uma pata ferida

Um, dois, três, quatro

Já podemos regressar

Cinco, seis, sete, oito

Está na hora de pular

Nove, dez, onze, doze

E nossos reis libertar

Cai uma chuva copiosa!

O sapo Renato, o João Miguel e o Belchior estão completamente

encharcados. O menino fica surpreendido com este súbito regresso do

coelho, que só diz coisas estranhas, e não confia em nada do que ele afirma.

O amigo batráquio resolve começar a perseguir o animal felpudo

com o menino a tentar alterar a situação.

JOÃO MIGUEL - Renato, não sigas o louco do Belchior! Ele é estranho.

Estás a ouvir-me Renato? Por favor, não vás atrás dele, escuta o que te digo!

RENATO! RENATO! Para de seguir o coelho, Renato! Por favor, faz o que eu

te digo! RENATO, POR FAVOR, NÃO SIGAS O COELHO BELCHIOR, ELE

É MUITO, MUITO ESTRANHO…

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E, desta vez, o sapo responde à prece do João Miguel:

RENATO - Calma, não te apoquentes. Eu sei aquilo que faço. O Belchior

é mesmo assim, um coelho felpudo e meio lunático, mas precisamos da sua

ajuda para sairmos das profundezas de Okatonga, caso contrário arriscamo-nos a

andar por aqui às voltas para todo o sempre!

O menino fica mais tranquilo. Agarra-se como pode ao sapo veloz

que persegue o semialucinado Belchior que pula à frente deles a uma

velocidade ainda mais estonteante. O Renato calculou mal a força que

aplicou neste último pulo. O salto termina com um valente mergulho nas

águas mornas do grande lago.

Belchior olha para as águas do lago e tenta descobrir os seus

perseguidores que ainda não regressaram à superfície.

BELCHIOR - Um, dois, três, quatro

Neste lago tão profundo

Cinco, seis, sete, oito

Do tamanho deste mundo

Nove, dez, onze, doze

Vive o velho Dom Raimundo

Um, dois, três, quatro

Se tiverem atenção

Cinco, seis, sete, oito

O Renato e o João

Nove, dez, onze, doze

Depressa o descobrirão

Nas profundezas do lago gigante, uma sombra aproxima-se dos dois

nadadores que acabaram de ali chegar. É o célebre Dom Raimundo.

João Miguel abre a sacola de onde tira um pequeno frasco branco de

porcelana com uma rolha esférica cor-de-laranja. De olhos bem abertos e

com o ar a faltar-lhe, abre-o, leva-o à boca e bebe o líquido de uma só vez.

Page 35: Saco Invisível

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Renato sorri. O João Miguel passou a ser tão anfíbio como ele.

Os olhos de Dom Raimundo brilham de satisfação. O velho jacaré

não se lembra da última vez que teve visitas e está muito, muito satisfeito.

DOM RAIMUNDO - Olá! Que dia tão maravilhoso! Estou contentíssimo

por me terem vindo fazer companhia. Sou Dom Raimundo, o jacaré mais antigo

do lago e um dos mais antigos habitantes de Okatonga. Estive muitos anos à

espera desta visita e tenho novidades para contar.

O sapo treme, treme muito, todo enrolado como uma pequena bola

de borracha de um verde sumido.

RENATO - Ai, ai, João Miguel! O que será que nos irá acontecer? Ai

minha mãezinha, estou com tanto, tanto medo! Preferia voltar a estar preso na

teia da Dona Suzete. O jacaré vai acabar por nos engolir! Ai de mim, ai de nós!

Estamos fritos!

JOÃO MIGUEL - Ó Renato, não estejas assim tão nervoso. Se Dom

Raimundo nos quisesse comer, com certeza já o teria feito.

DOM RAIMUNDO - Então? Estão a gostar do meu lago? Eu sei quem

vocês são. As notícias de Okatonga chegam aqui mais depressa do que à casa de

Zebedeu. O gato Sarmento já me conhece há mais anos do que aqueles que

trabalha para o anão. Antes de lhe ir contar as novidades, fala primeiro comigo.

Bebemos umas cervejas enquanto conversamos, jogamos umas partidas de

damas e fumamos um charuto. Só depois é que ele abala até à morada do

alquimista. Por isso eu sei que Okatonga está virada do avesso, e sei que tu tens

de salvar os reis de nosso reino! És tu que terás de salvar os reis do nosso reino,

porque eu já me sinto velho e cansado.

O Renato sabe que os gatos não são de confiança. Se o Sarmento

falou, Mestre Tino e os ministros já sabem da existência do lago e devem ter

enviado as suas tropas.

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RENATO - Estou muito preocupado, João Miguel, mesmo muito

preocupado!

JOÃO MIGUEL - O que foi, Renato? O que é que te preocupa agora?

Ainda tens medo que Dom Raimundo nos possa comer?

RENATO - Não, é pior, muito pior! Tenho a certeza absoluta que Dom

Raimundo nos vai levar para uma margem do lago onde estão tropas de Mestre

Tino para nos prender.

JOÃO MIGUEL - O que é que tu estás para aí a dizer? Mas que ideia a

tua, Renato! Só te passam tragédias pela cabeça.

RENATO - AI TU ACHAS QUE EU ESTOU A BRINCAR, ACHAS?

ISTO É TUDO UM PLANO BEM ESTUDADO! SERÁ QUE AINDA NÃO

PERCEBESTE, JOÃO MIGUEL? É UM PLANO ENGENHOSO PARA TE

PRENDEREM! É ISSO QUE ELES PRETENDEM! TEMOS DE SAIR DAQUI

O QUANTO ANTES, TEMOS DE FUGIR O MAIS RÁPIDO QUE

CONSEGUIRMOS!

O menino reage por instinto às palavras chocantes do sapo Renato.

Abre a sacola e espalha pimenta Habanero para cima da língua do velho

jacaré, que logo solta um espirro tremendo.

DOM RAIMUNDO - ATCHIIIIIMMMMMMMMMMMM………….

O jacaré está aflitíssimo. Espirra sem parar nas profundezas do

grande lago. Os seus olhos estão embaciados com lágrimas de dor. Renato e

João Miguel aproveitam e nadam velozes para bem longe dali.

JOÃO MIGUEL - Só espero que tenhas razão, Renato, caso contrário

devemos um milhão de desculpas ao velho jacaré.

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RENATO - Manter a tua liberdade é o que mais importa, João Miguel.

Tens de cumprir a missão, tens de salvar os reis do nosso reino. Foi por um triz

que conseguimos chegar até à costa. Descansa um pouco, recupera as tuas forças

que ainda temos um longo caminho a percorrer.

JOÃO MIGUEL - O que devo fazer para libertar os reis Alberto e

Alberta? És capaz de me dizer, Renato? O que vou fazer para cumprir com êxito

a minha missão?

RENATO - Tens de acreditar em ti, como todos nós acreditamos!

Okatonga depende de ti para continuar a existir. Tu és o menino mais valente de

todo o mundo, e agora que és aprendiz de alquimista, nada nem ninguém te

poderá vencer.

A enseada está escura e deserta, mas alguém os continua a arrastar

pelo meio do nevoeiro que acaba de se formar. O menino e o sapo demoram

a entender o que se está a passar.

ESMERALDA - Venham, não podemos perder nem mais um segundo!

As tropas do coronel-sapo estão quase a chegar. Estavam à vossa espera na

margem mais a norte, viram-vos alcançar a enseada e dirigem-se para aqui!

JOÃO MIGUEL - Esmeralda! És mesmo tu? Que boa surpresa!

ESMERALDA - A Dona Suzete, o gato Medina e o coelho Belchior

acompanham as tropas do coronel-sapo. Vieram escoltados por uma centena de

escaravelhos e mais o macaco Isidoro. Eles querem prender-te, pois essa foi a

ordem dada por Mestre Tino, o tirano que agora nos governa. Tens de sair daqui,

João Miguel, e bem depressa!

Os três avançam pela floresta, seguindo as orientações de Esmeralda.

Ela conhece-a muito bem. É aqui que mora e é aqui que passa a maior parte

do tempo.

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4º Ato O coelho Belchior vira-se para o coronel-sapo e começa a cantar:

BELCHIOR Um, dois, três, quatro, o exército enganado

Cinco, seis, sete, oito, não pode ficar parado

Nove, dez, onze, doze, vai seguir para aquele lado

Um, dois, três, quatro, as ordens do Mestre Tino

Cinco, seis, sete, oito, são para prender o menino

Nove, dez, onze, doze, cumpra-se esse destino

Para o menino prender

Vamos saltar na floresta

Sabemos o que fazer

Vai ser uma grande festa

JOÃO MIGUEL - OLHEM PARA O CÉU! São milhares e milhares de

pássaros a juntarem-se aos bandos! O que será que está a acontecer?

RENATO - AI MINHA RICA MÃEZINHA!

ESMERALDA - Não podemos parar, João Miguel! As tropas do coronel-

sapo devem estar quase a alcançar-nos. Escuto os passos de Dona Suzete que

deve estar mortinha para se vingar.

JOÃO MIGUEL - E se eu me entregasse e me deixasse prender? Assim

acabava a correria de uma vez por todas. Eu conheço Mestre Tino, já comi à sua

mesa, já estive sentado ao seu lado e não acho que ele seja assim tão assustador.

Então, não acham que é uma boa ideia?

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Esmeralda e Renato param de imediato.

O menino também está parado na floresta a olhar para eles.

A menina e o sapo gritam a uma só voz:

RENATO e ESMERALDA - É A IDEIA MAIS TOLA QUE PODIAS

TER TIDO!

ESMERALDA - Não podes desistir! Não te podes entregar dessa

maneira, João Miguel! Não é só a tua vida que está em jogo. Não são apenas as

vidas dos nossos reis Alberto e Alberta que estão em perigo. Se te deixares

apanhar, o Mestre Tino atirar-te-á para o fundo do poço do esquecimento e

Okatonga deixará de existir. O nosso mundo desaparecerá para sempre, tu

desaparecerás e ninguém te recordará. Será como se nunca tivesses existido.

JOÃO MIGUEL - É A IDEIA MAIS TOLA QUE EU PODIA TER

TIDO! Como é que fui capaz de pensar uma coisa destas?

ESMERALDA - Vá lá, não se fala mais no assunto! Temos de continuar

a correr para alcançar o coração da floresta. Ninguém o conhece tão bem como

eu.

Quando se preparam para recomeçar com a louca correria, uma

coruja enorme de porte imperial, rosto branco, redondo, e de olhos muito

negros, fala do alto da sua morada:

BEATRIZ - Não me parece ser boa ideia correr nessa direção. Vocês

estavam tão entretidos a conversar que nem deram conta da minha presença.

ESMERALDA - Senhora Dona Beatriz! Que grande honra!

RENATO - Se…Senho…Senhora Do… Senhora Dona Bea… Beatriz! O

me… O meu no… O meu nome é Re… Rena… Renato. Sou um sim… sou um

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simples sa… um simples sapo que se sente muito honrado em poder

cumprimentá-la!

JOÃO MIGUEL - Senhora Dona Beatriz, boa-tarde. Chamo-me João

Miguel e estes são os meus amigos Esmeralda e Renato.

A coruja sacode as asas por duas vezes antes de começar a discursar:

BEATRIZ - Sei muito bem quem vocês são. Tu não podes continuar a

corrida pois todos os caminhos estão cercados. A aranha Suzete construiu

armadilhas com fios resistentes e cristalinos. E se, mesmo assim, as conseguisses

evitar, fica a saber que a raposa Judite, o porco Baltasar e os gémeos Aroma e

Amora acabaram de se juntar ao Medina, ao Isidoro, ao coelho Belchior e às

tropas do coronel-sapo. Como vês, a tua fuga tornou-se difícil. A situação piorou

e o tempo passou a ser teu inimigo.

O menino não reage. A coruja é tão bonita que até as más notícias

lhe soaram bem. Esmeralda dá-lhe dois safanões para o fazer sair desta

espécie de transe.

ESMERALDA - João Miguel! Então? Acorda! Tens de pedir à Dona

Beatriz para te levar depressa daqui para fora. Estás a ouvir-me, João Miguel?

Pede ajuda à coruja das torres, ela pode carregar contigo às costas e salvar-te

desta grande complicação.

BEATRIZ - Perdeste a língua, miúdo? Será que tens medo das alturas?

JOÃO MIGUEL - Senhora Beatriz, será que me pode ajudar a sair desta

terrível situação?

Com um simples bater de asas a coruja Beatriz levanta voo com o

menino às costas.

Page 41: Saco Invisível

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JOÃO MIGUEL - ESMERALDA, RENATO, OLHEM PARA MIM!

ESTOU AQUI EM CIMA! ESTOU A VOAR! A DONA BEATRIZ

COLOCOU-ME NAS SUAS COSTAS E LEVANTOU VOO! DONA

BEATRIZ, DONA BEATRIZ, DEIXEI DE VER A ESMERALDA E O

RENATO! DEVEM ESTAR EM PERIGO, JÁ SÓ VEJO SOLDADOS A

TOMAR CONTA DA CLAREIRA!

BEATRIZ - Não te preocupes, João Miguel, dei ordens a todos os

pássaros para que atacassem os ministros, a aranha Suzete, e as tropas do

coronel-sapo. Eles não fazem ideia nenhuma do que lhes vai cair em cima.

Beatriz atravessa o céu como uma flecha graciosa.

JOÃO MIGUEL - Eu gostava de ter asas como tu, Beatriz. Seria

maravilhoso! Podia percorrer longas distâncias, passar por cima de montanhas,

de vales e de rios, podia visitar cidades distantes. És uma felizarda.

BEATRIZ - Já se conseguem ver as muralhas da cidadela ao longe, bem

no meio da densa floresta!

JOÃO MIGUEL - Não desças ainda Beatriz, não desças, por favor!

Continua a voar mais um pouco. Eu jamais conseguirei ver Okatonga como

daqui de cima, e jamais ficarei tão maravilhado como agora. Não desças Beatriz,

não desças já, faz-me esta vontade!

Beatriz passa uma última vez sobre a cidadela antes de aterrar junto

ao portão da capital. O menino desmonta com cuidado e dá-lhe um sentido

abraço em torno do pescoço.

JOÃO MIGUEL - Adeus dona Beatriz! Muito obrigado pela ajuda e pela

viagem que me ofereceste. Jamais te irei esquecer!

BEATRIZ - Afinal de contas, não perdeste a língua, e tens dentro de ti a

coragem de um verdadeiro guerreiro das alturas!

Page 42: Saco Invisível

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Após a despedida, a coruja das torres ergue o corpo no ar com um

impulso das pernas, e voa para o interior da floresta de Okatonga.

João Miguel começa a caminhar com o máximo cuidado.

Mal dá os primeiros passos as portas e as janelas das casas abrem-se

de par em par. A voz poderosa de Mestre Tino sai de dentro delas como um

temporal ameaçador:

MESTRE TINO - NÃO QUERES REGRESSAR A CASA, MIÚDO?

NÃO SENTES SAUDADES DA TUA MÃE, DA TUA AVÓ E DA TUA

CAMA CONFORTÁVEL? AINDA PODES VOLTAR PARA TRÁS E

REGRESSAR PELA MESMA GRUTA POR ONDE AQUI CHEGASTE! A

TUA PASSAGEM POR OKATONGA NÃO TERÁ PASSADO DE UM

SIMPLES SONHO AGITADO! ENTÃO? O QUE ACHAS DA MINHA

PROPOSTA, JOÃO MIGUEL? CONFESSA, RAPAZ, JÁ ESTÁS COM

MEDO! TREMEM-TE AS PERNAS E A TUA PELE ESTÁ ARREPIADA.

Achas que a coruja Beatriz te deixou sozinho porque tem confiança em ti? É isso

que pensas, rapaz? ESTÁS MUITO ENGANADO! NINGUÉM SE ATREVE A

DESAFIAR O PODER SUPREMO DE MESTRE TINO, NINGUÉM!

JOÃO MIGUEL - Será que é agora que eu vou morrer?

Sem barulho, sem ruídos e vagarosamente, cinco tartarugas de

carapaça empedrada chegam perto do menino, que não consegue disfarçar o

espanto. Os répteis olham para ele como se já o conhecessem. Sorriem,

trocam olhares cúmplices entre si, olhares de satisfação. De repente, dão

início a uma estranha conversa:

AMÁLIA - AI, AI, AI, o raio da velhice!

AMÉLIA - Em que dia é que estamos?.

ADÍLIA - Temos de nos despachar que eu tenho muitas coisas para fazer.

AURORA - Eu não posso perder muito tempo, pois a minha família

depende de mim.

AUGUSTA - Quantos dias vamos ficar por aqui?

Page 43: Saco Invisível

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AMÁLIA - Isso é algo complicado de se saber.

AMÉLIA - Ai, ai, parece que foi apenas ontem que aqui estivemos pela

última vez!

ADÍLIA - O meu marido não me queria deixar vir.

AURORA - Este negócio das aventuras com meninos perdidos devia pagar

impostos, ou ser sujeito a uma licença. São coisas complicadas e nós já estamos a

ficar velhotas para os ajudar.

AUGUSTA - Quem é que teria coragem de cobrar uma taxa a meninos

aventureiros? Quem? Depressa deixaríamos de existir se isso acontecesse. Vocês

estão a ficar meio tolas com a idade!

O menino fica confuso.

AMÁLIA - Vamos lá ver o que irá acontecer. Tenho a impressão de me

ter esquecido de algo muito importante.

AMÉLIA - Um destes dias esqueci-me da chave de casa e não consegui

abrir a porta. Estava do lado de dentro da fechadura.

ADÍLIA - No próximo sábado vou mudar as dobradiças das portas.

Andam a fazer uns ruídos muito irritantes.

AURORA - Ai, Ai, que vida a minha! Devo andar adoentada. Sabem que

perdi mais de seis quilos?

AUGUSTA - Vocês são mesmo umas teimosas! Gostam de me arreliar.

Estão fartinhas de saber que eu não gosto de fazer estas coisas. – informa a

quinta tartaruga.

AMÁLIA - Não faço ideia do que estás a falar. Sabes tão bem como

qualquer uma de nós o que viemos aqui fazer.

AMÉLIA - Sim, temos de executar aquilo que está estabelecido.

ADÍLIA - Todas sabíamos que isto iria acontecer. Repararam como o

tempo mudou na passada sexta-feira? Não existe um aviso melhor do que esse.

AURORA - Temos de nos dirigir ao palácio. É lá que tudo tem de

acontecer.

AUGUSTA - E tu, pequeno rapaz? Terás de nos seguir. Vamos indicar-te

o local por onde deverás entrar para alcançar as masmorras reais. É lá que

Mestre Tino mantém prisioneiros os nossos reis Alberto e Alberta.

Page 44: Saco Invisível

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MESTRE TINO - ENTÃO ESTA É A TUA RESPOSTA, MIÚDO?

PREFERES CONTINUAR COM A TUA AVENTURA. JULGAS-TE CAPAZ

DE ME ENFRENTAR? AS VELHAS TARTARUGAS NÃO TE VÃO

PROTEGER DA MINHA IRA. NEM SABES O QUE TE ESPERA. PENSA

MELHOR, JOÃO MIGUEL, PENSA BEM! ESTOU A DAR-TE A

DERRADEIRA HIPÓTESE DE REGRESSARES A CASA PELA MESMA

GRUTA POR ONDE AQUI CHEGASTE. APROVEITA, ESCUTA O MEU

CONSELHO, ESTE É O MEU ÚLTIMO AVISO!

O menino olha para as botas militares e vê que elas perdem parte do

seu brilho, enquanto o malvado Mestre Tino berra pela cidade.

As tartarugas prosseguem o passeio com serenidade, como se nada

tivesse acontecido.

AMÁLIA- Ouviu alguma coisa Dona Amélia?

AMÉLIA - Não, nada, nadinha de coisa nenhuma Dona Amália. Será que

ouviu alguma coisa Dona Adília?

ADÍLIA - Não, nada de nada. Será que alguém disse alguma coisa, Dona

Aurora?

AURORA - Mas do que é que vocês estão a falar? Eu não escutei nada. E

a Dona Augusta, será que ouviu alguma coisa?

AUGUSTA - Se eu escutei alguma coisa? Mas será que estão boas da

cabeça? Claro que não! Não ouvi nadinha de coisa nenhuma. E tu, meu

rapazinho? Será que tu escutaste algum ruído em Okatonga?

JOÃO MIGUEL - Eu ouvi a voz de Mestre Tino. Estava muito arreliado

e berrava pela cidadela inteira. Será possível que as senhoras tartarugas não o

tenham escutado?

Amália, Amélia, Adília, Aurora e Augusta voltam-se para ele com

cara de poucos amigos.

AMÁLIA, AMÉLIA, ADÍLIA, AURORA e AUGUSTA - Parece impossível!

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AMÁLIA - Parece impossível mas é verdade!

AMÉLIA - O menino está a chamar-nos surdas.

ADÍLIA - O menino tem de cumprir a sua missão, mas tem de saber

comportar-se com senhoras idosas como nós.

AURORA - O menino é inteligente mas ainda tem tanto para aprender!

AUGUSTA - Acho que me vou embora!

As tartarugas escondem as cabeças no interior das imponentes

carapaças de pedra.

JOÃO MIGUEL - Mas, mas, o que é que as senhoras queriam que eu

dissesse? Eu não podia mentir. Se faltasse à verdade estaria a ser mal-educado.

Eu não minto, a mãe sempre me disse que é feio mentir, é a pior coisa que

podemos fazer! E a avó Dulce costuma dizer que as mentiras têm perna curta.

AMÁLIA, AMÉLIA, ADÍLIA, AURORA e AUGUSTA - As mentiras são

como nós, têm pernas curtas!

AMÁLIA - HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA HA!

Não ligues às velhotas, João Miguel! Nós já nem sabemos bem a nossa idade,

mas gostamos imenso de nos divertir! Adoramos enervar este malvado buldogue

que aprisionou os nossos reis, mas estamos demasiado estafadas para o derrotar.

AMÉLIA - É ali, naquela prisão farol, que encontrarás os calabouços do

palácio. Uma vez lá chegado, terás de ser um bravo guerreiro para conseguires

cumprir a tua missão. A partir de agora apenas podes contar contigo, pois

ninguém virá em teu auxílio.

O menino faz questão de responder ao tirano num tom de voz ainda

mais ameaçador:

JOÃO MIGUEL - SE PENSAS QUE VOU DESISTIR ASSIM TÃO

FACILMENTE, ESTÁS MUITÍSSIMO ENGANADO!

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E sem mais demoras, o menino despede-se das imponentes senhoras

tartarugas, que desaparecem pelo escuro funil que dá acesso aos misteriosos

subterrâneos de Okatonga.

Respira fundo três vezes, fecha os olhos e prepara-se para

interpretar mais esta mensagem da natureza:

JOÃO MIGUEL - Estou a crescer! Estou a deixar de ser criança. Esta é a

parte mais importante da viagem. É por isso que sinto frio e este estranho

desconforto. Tudo faz parte do processo. Escuto, com clareza, as palavras da

chuva e dos ventos gelados. Eles fazem parte de mim. Eu sou a centelha que

servirá de luz à escuridão.

João Miguel resolve dar pequenos passos na direção do farol de onde

chegam, com clareza, duas vozes reais.

REI ALBERTO e RAINHA ALBERTA - Aqui, estamos aqui, João

Miguel! É no alto do farol que terás de nos vir salvar! Aqui, estamos aqui em

cima, João Miguel! É no alto deste farol que terás de nos vir salvar!

BELCHIOR - Um, dois, três, quatro, semeada no jardim

Cinco, seis, sete, oito, uma flor carmesim

Nove, dez, onze, doze, com perfume de jasmim

Um, dois, três, quatro, semeada no quintal

Cinco, seis, sete, oito, uma flor do olival

Nove, dez, onze, doze, com perfume outonal

Um, dois, três, quatro, semeada na planura

Cinco, seis, sete, oito, uma flor cor de doçura

Nove, dez, onze, doze, com perfume de aventura

Um, dois, três, quatro, semeadas pelo campo

Cinco, seis, sete, oito, as flores cor de sarampo

Nove, dez, onze, doze, brilham como o pirilampo

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Um, dois, três, quatro, esta bela brincadeira

Cinco, seis, sete, oito, torna a história verdadeira

Nove, dez, onze, doze, vai durar a vida inteira

E do alto do farol as vozes repetem, aflitas, o mesmo apelo:

REI ALBERTO e RAINHA ALBERTA - Aqui, estamos aqui, João

Miguel, no alto deste farol! Terás de o subir para nos salvar!

E sem se saber como, o coelho cinzento desaparece de forma tão

misteriosa como aparecera.

JOÃO MIGUEL - Mas que coelho mais apalermado! Como será que ele

aqui chegou? Deve ter usado uma poção de Zebedeu, e isso não é bom sinal. E

agora, TENHO DE CUMPRIR COM A MINHA MISSÃO! Tenho de salvar os

reis de Okatonga, tenho de salvar Alberto e Alberta antes que algum pesadelo

possa alterar, por completo, o rumo da história.

Do alto da construção, as vozes continuam a lançar aos ventos apelos

impacientes:

REI ALBERTO e RAINHA ALBERTA - Aqui em cima! É aqui em

cima, no alto do farol, que terás de nos vir salvar!

JOÃO MIGUEL - Esta é a única porta que existe! Seria bom se

aparecessem umas escadas para eu conseguir subir.

REI ALBERTO e RAINHA ALBERTA - Aqui em cima, João Miguel!

Depressa! Tens de nos vir salvar! O farol começou a rodar! Tens de ser muito

rápido a subir, ou OKATONGA DESAPARECERÁ PARA SEMPRE! Os túneis

do esquecimento vão engolir a cidadela, a floresta, todos os oceanos de todos os

mundos, e tudo o que já aconteceu, acontece e está por acontecer! O TEMPO É

TEU INIMIGO; JOÃO MIGUEL, TENS DE O DOMINAR PARA

CONSEGUIRES CUMPRIR A TUA MISSÃO!

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5º Ato Os ministros de Mestre Tino começam a chegar à cidadela.

A raposa Judite vem à frente, seguida de perto pelo macaco Isidoro e

pelos siameses Aroma e Amora. O porco Baltasar, o gato Medina e o

coronel-sapo, chegam logo a seguir.

MEDINA - Podem ficar descansados! O miúdo está no jardim, perto do

farol-prisão, mas nunca encontrará maneira de lá entrar. Jamais será capaz de

salvar os reis do nosso reino!

JUDITE - Tens certeza absoluta do que acabas de afirmar, Medina?

Estou farta de ser enganada pela esperteza do miúdo. Ele é bem mais astuto e

corajoso do que nós pensávamos.

ISIDORO - FARTO! ESTOU FARTO DESTA MACACADA! Temos

de estar completamente seguros de que o rapazinho não sobe ao alto da prisão! E

se isso acontecer, a culpa será toda tua, Belchior. NUNCA VI COELHO MAIS

APALERMADO! Não sei o que me impede de te dar um valente puxão de

orelhas!

AMORA - A culpa disto estar a acontecer é toda tua, Aroma! É TODA

TUA, SÓ TUA! Devias ter amordaçado os reis do nosso reino, como eu te disse!

AROMA - A culpa disto estar a acontecer é toda tua, Amora! É TODA

TUA, SÓ TUA! Devias ter amarrado os reis do nosso reino, como eu te disse!

MEDINA - Calem-se, não sejam ridículos! Se existe um culpado por esta

situação, esse culpado sou eu! Se tivesse percebido que o Sarmento não estava

do nosso lado, esse gato traidor nunca teria ajudado o rapaz a escapar da

cidadela.

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Uma trovoada ameaçadora aproxima-se da capital do reino. Os

trovões escutam-se, ao longe.

CORONEL-SAPO - PAREM COM A DISCUSSÃO! Nada disto vai

fazer com que o miúdo desista de tentar libertar os reis do nosso reino. Temos de

unir os nossos esforços, e não passar o tempo a argumentar!

BALTASAR - Ouviram o que disse o sapo? PAREM TODOS DE

DISCUTIR! Se o João Miguel encontrou o jardim e o farol-prisão, então ele é o

adversário mais poderoso e esperto que o Mestre Tino alguma vez defrontou!

Chegou a hora de unirmos forças, mas sem invejas nem egoísmos, caso contrário

os reis serão libertados e o nosso futuro será tão negro como a tempestade que se

aproxima.

MESTRE TINO - UM BANDO DE INÚTEIS, É ISSO QUE VOCÊS

SÃO! VOLTARAM A MENOSPREZAR UM ADVERSÁRIO! COMETERAM

OS MESMOS ERROS DE SEMPRE, E O RAPAZ SOBE, A ESTA HORA, OS

DEGRAUS DO FAROL!

Nuvens escuras como a noite tomam conta dos céus azuis de

Okatonga. A cidadela mergulha numa tempestade tremenda, que se estende

até aos jardins do palácio real.

João Miguel vai contando os degraus enquanto sobe. O menino corre

pelas escadas acima o mais depressa que consegue. A terrível tempestade

faz com que as luzes do farol brilhem como nunca.

JOÃO MIGUEL - MAJESTADES! ALTEZAS REAIS! REI ALBERTO,

RAINHA ALBERTA, CONSEGUEM ESCUTAR-ME? VOSSAS REALEZAS

ESTÃO BEM? MAJESTADES, ONDE ESTÃO? CONSEGUEM ESCUTAR-

ME?

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ALBERTO e ALBERTA - SIM, AQUI EM CIMA! ESTAMOS AQUI!

CONSEGUIMOS ESCUTAR-TE! Estás perto, muito perto. Deve faltar pouco

para aqui chegares.

JOÃO MIGUEL - Duzentos e dezassete, duzentos e dezoito, duzentos e

dezanove, duzentos e vinte, duzentos e vinte um e duzentos e vinte e dois!

CHEGUEI! Até que enfim! Estou no topo do farol. Onde estão suas majestades?

No meio da sala, sentados em dois tronos feitos de prata, os reis

Alberto e Alberta olham para o menino com satisfação.

ALBERTA- Olá! Estamos aqui à tua espera desde que a história

começou!

ALBERTO - Olá! És um menino aventureiro e muito corajoso. Nunca

duvidei que serias capaz de nos vir salvar.

A rainha Alberta desce do trono de prata e aproxima-se da parede

envidraçada por onde o menino os observa.

ALBERTA - Olá, João Miguel! Foi por muito pouco que Okatonga não

desapareceu para sempre nos túneis do esquecimento. A tua coragem salvou-nos

a todos. Temos uma dívida de gratidão eterna para contigo. Sabemos que o anão

Zebedeu te acolheu no lugar secreto onde se esconde. Mestre Tino não te

conseguiu prender! Agora, que conseguiste ultrapassar o derradeiro desafio, a

tempestade vai acalmar, a cidadela deixará de se enervar, e a floresta abrirá de

novo o seu coração a todos os que a desejem visitar.

As nuvens escuras dão lugar a um bonito céu azul de fim de tarde.

JOÃO MIGUEL - E agora? Como vos posso ajudar a sair desta prisão?

O rei Alberto desce do trono de prata e avança até à parede de vidro

por onde o menino os espreita.

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ALBERTO - És um valente, meu rapaz! Um verdadeiro valente! A tua

façanha é digna de um herói! O alquimista deve estar orgulhoso de te ter como

seu aprendiz. Mas ainda falta um pequeno detalhe na história. Terás de te

encontrar com Mestre Tino para que ele te entregue as chaves do nosso cárcere.

O buldogue ditador perdeu o jogo, e já deve estar lá em baixo à tua espera com

as chaves entre os dentes!

João Miguel fica contente com as palavras do rei Alberto. Vira-se, e

desce as escadas sem grandes pressas. Delicia-se a contar, novamente, os

duzentos e vinte e dois degraus feitos de pedra. A aventura desfila na sua

memória enquanto faz a contagem.

Mestre Tino está à entrada do farol de olhos entristecidos, com um

conjunto de chaves. Os gatos Aroma e Amora colocam-se ao lado direito de

Tino, com a raposa Judite e o porco Baltasar. O gato Medina esgueira-se

para o lado esquerdo do cão, tal como o macaco Isidoro, o coronel-sapo, o

coelho Belchior e a aranha Susete. Apenas falta Dom Raimundo, que já

sobe as escadas de acesso à porta do farol onde todos se encontram

reunidos. O velho jacaré escolhe o lado direito do buldogue, perto de

Baltasar, para terminar a marcha, e é então que Belchior começa a cantar:

BELCHIOR - Um, dois, três, quatro, os animais reunidos

Cinco, seis, sete, oito, estão muito arrependidos

Nove, dez, onze, doze, mil perdões te são devidos

Um, dois, três, quatro, és um grande campeão

Cinco, seis, sete, oito, venceste a competição

Nove, dez, onze, doze, cumpriste com a missão

O grande buldogue foi derrotado.

A notícia da vitória de João Miguel espalhou-se com rapidez pelo

reino de Okatonga, e depressa chegou à capital.

*

Page 52: Saco Invisível

52

MESTRE TINO - Toma, João Miguel. Este é o teu prémio. Sobe as

escadas do farol e usa esta chave dourada para libertares os reis do nosso reino,

conforme mandam as regras. É a primeira vez que fui derrotado.

JOÃO MIGUEL - Então, isto que aconteceu, foi apenas um jogo? O que

teria acontecido se eu não tivesse chegado a tempo às masmorras reais?

MESTRE TINO - Serias transformado numa estátua feita de insetos, e o

reino de Okatonga teria desaparecido para todo o sempre. Vai, João Miguel, não

esperes mais! Sobe as escadas e liberta os nossos reis! Zebedeu já sabe tudo

acerca do teu grande triunfo, e está muito feliz. A ele se ficou a dever a tua vinda

a Okatonga. Ele sabia que eras tu quem podia salvar os reis e tornar-se no mais

fantástico aprendiz de alquimista de todos os tempos.

E sem que João Miguel desse conta, Esmeralda aparece e abraça-o

João com carinho. Dá-lhe um grande beijo, e torna-se invisível pela última

vez.

JOÃO MIGUEL - ESMERALDA! ESMERALDA, espera por mim, onde

estás? Deixa-me olhar para ti, não desapareças assim tão depressa. Esmeralda,

ESMERALDA!

Mas a menina não regressa, nem lhe deixa qualquer pista.

*

Falta-lhe apenas subir os duzentos e vinte e dois degraus do farol

para libertar os reis caracol. Mal começa a subida da escadaria de pedra,

logo o seu coração bate mais depressa. Ao chegar ao cimo, os degraus

começam a parecer-lhe tão familiares. Os degraus que o menino agora sobe

já não são do farol. João Miguel não reparou, mas as escadas de pedra

transformaram-se nas escadas da sua própria casa, quando faltavam menos

de dez degraus para chegar ao topo.

Page 53: Saco Invisível

53

*

O menino alcança, sem dificuldade, o corredor do primeiro piso de

sua casa, onde fica o seu quarto, o quarto da mãe e o quarto da avó Dulce.

Tem as botas militares calçadas, ainda húmidas, o pijama rasgado e roto

nos dois joelhos e o saco de pele do anão Zebedeu a tiracolo.

JOÃO MIGUEL - Nem pensar em dizer uma só palavra acerca disto à

mãe!

O menino avança, sem ruído, até à porta do seu quarto.

Entra devagar, devagarinho, descalça-se e guarda o saco de cabedal e as

botas pretas debaixo da sua cama.

Com um sorriso luminoso, ele deita-se, tapa-se, e fica muito quieto.

JOÃO MIGUEL - Esta é mesmo a minha casa e este é mesmo o meu

quarto!

Antes de fechar os olhos, jura ter escutado o coaxar do sapo Renato,

do lado de fora da janela, junto ao choupo, a dar-lhe as boas-noites e a

desejar-lhe um soninho descansado!

RENATO - QUACH!!!

FIM

João Santos 2013