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Escola E. B. 2,3/S. D. Sancho II PORTUGUÊS -12.º Ano 1

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Page 1: A MENSAGEM Apontamentos

Escola E. B. 2,3/S. D. Sancho II

PORTUGUÊS -12.º Ano

Prof. ª Maria Clara Vaz Monteiro

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Mensagem de

Fernando Pessoa

Page 2: A MENSAGEM Apontamentos

Capa da edição ilustrada da Oficina do Livro Capa da 1.ª edição

MENSAGEM de Fernando PessoaBenedictus Dominus Deus Noster Qui Dedit Nobis Signum

(Bendito seja Deus, Nosso Senhor, que nos deu o sinal)

A obra Mensagem de Fernando Pessoa foi publicada no dia 1 de Dezembro de 1934 e concorreu ao prémio Antero de Quental da SPN, tendo obtido o prémio de 2.ª categoria (o prémio de 1.ª categoria foi atribuído ao livro Romaria de Vasco Reis).

Tópicos do programa:

Estrutura e valores simbólicos; O Sebastianismo, o mito do Quinto Império; Relação intertextual com Os Lusíadas.

Objetivos:

O aluno:

- identifica a génese da obra; - caracteriza o seu contexto sociocultural; - analisa poemas, conjugando conteúdo e forma; - define a estrutura da obra; - explicita as coordenadas ideológicas subjacentes; - detecta a mensagem - chave do poema; - infere do seu carácter épico - lírico; - exercita a leitura comparativa de textos da Mensagem e de Os Lusíadas- deteta as semelhanças e diferenças relativamente ao texto camoniano

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Page 3: A MENSAGEM Apontamentos

1- O Título: MENSAGEMO título MENSAGEM é derivado por

anagrama1 de Mens ag(itat moll)em2- cujo significado é :" a mente faz mover a matéria". O título salienta a importância do espírito sobre a matéria e visa transmitir a seguinte mensagem: a Pátria moribunda precisa que os portugueses sejam capazes de, à semelhança dos heróis do passado,

restaurar a glória perdida. Só assim estarão à altura do destino que Deus lhes traçou - a da construção do Quinto Império3 - esse império espiritual e cultural em que muitos, antes e depois de Pessoa, acreditaram.

2- A génese da obra

Pessoa escreveu Mensagem ao longo de quase toda a sua vida - de 21 de Julho de 1913 (data do poema “Gládio”, depois chamado "D. Fernando, infante de Portugal") a 26 de Março de 1934. Sabe-se ainda que ele queria dar a esta obra o nome de Portugal mas, por sugestão do amigo Cunha Dias, mudou de ideias.

2.1. O Saudosismo, o Sebastianismo e o Nacionalismo

As raízes da Mensagem encontram-se no Saudosismo e no Sebastianismo.O Saudosismo - movimento filosófico e literário cujos mentores foram Leonardo Coimbra,

Jaime Cortesão e Teixeira de Pascoaes- afirma que a saudade é a principal característica da alma portuguesa - é ”o sangue espiritual da raça” (Pascoaes)- e só através deste sentimento - ideia, seria possível afirmar Portugal como a base da futura civilização europeia. Esta filosofia foi divulgada através de A Águia (1910-1932) órgão da sociedade literária “Renascença Portuguesa” e onde F. Pessoa participou com uma série de artigos sobre “A Nova Poesia Portuguesa”(1912). Neles, Pessoa defendia a necessidade de aparecer um Super - Portugal e um Super -Camões.

A Mensagem surge como um apelo aos portugueses para sacudirem a letargia e as forças negativas que impedem o crescimento do país, para que estejam à altura da missão que lhes cabe – a da construção de um Mundo Novo – o Quinto Império, este já não de ordem material, mas um império espiritual e cultural.

A Mensagem é "um livro de versos nacionalista" (Páginas Íntimas, pg. 437), um livro "abundantemente embebido em simbolismo templário e rosicruciano" (idem), ao mesmo tempo marcado por tonalidades épicas e messiânicas.

O Sebastianismo é de extrema importância na Mensagem. Nesta obra, a figura mítica de D. Sebastião tem grande relevo. Para um Portugal renascido, é essencial a vinda de um ser providencial capaz de nos arrebatar de novo , impelindo- nos a ir mais além, atrás do sonho. Esse ser é D. Sebastião, o Encoberto que anunciaria o Quinto Império.

“E a nossa grande raças partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas ‘daquilo de que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante- remedo, realizar – se - á divinamente.”

Textos de Crítica e Intervenção e A Nova Poesia Portuguesa

3- A Estrutura da Mensagem

1 Figura de estilo em que uma palavra gera outra palavra pela alteração da ordem dos seus grafemas.2 Frase de Anquises ao filho Eneias, na Eneida de Virgílio.3 Os outros impérios foram: 1.º o grego; 2.º o romano; 3.º o cristão, 4.º o europeu.

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A obra é composta por 44 poemas estruturados em três partes, intituladas: Brasão - onde se refere o nascimento Mar Português - onde se apresentam os heróis e momentos do apogeu. O Encoberto (decadência ou morte e a que se seguirá o renascimento ou ressurreição.)

Esta estrutura tripartida reveste um significado esotérico resultante de uma perspetiva sobre Portugal de base ocultista. O ocultismo remete para o mistério, para o lado oculto da realidade e que é habitualmente indecifrável para a maioria dos mortais.

No ocultismo há três espaços com elementos correspondentes: - o histórico o Homem - o mítico o Universo- o místico Deus.A utilização de expressões latinas enfatiza a dimensão espiritual de cunho religioso pelas

referências explícitas a Deus. A frase em epígrafe: Benedictu Dominus Deus noster que dedit nobis signum (Bendito Seja Deus Nosso Senhor que nos deu o sinal) anuncia, de imediato, o sentido simbólico e messiânico que a atravessa. Cada uma das partes do poema inicia-se também com uma expressão latina:

1.ª BRASÃO

19 poemas

Bellum sine bello (Guerra sem guerra)

Sugere, pelo jogo dos oxímoros que, no início, havia um espaço que tinha de ser conquistado, pois fazia parte de um desígnio. - O Nascimento

2.ª MAR PORTUGUÊS

12 poemas

Possessio maris (Posse do mar)

Traduz o domínio dos mares e a expansão - o apogeu

3.ª O ENCOBERTO

13 poemas

Pax in excelsis (Paz nos céus)

Remete para a decadência presente, mas aponta para a

realização da utopia sonhada - o Quinto Império - A Decadência e a esperança de Ressurreição.

A obra termina com um Valete Frates ( Felicidades, irmãos) que traduz a crença num mundo onde a Paz e a Fraternidade serão determinantes, assumindo esta frase o carácter de incentivo ("Força, irmãos") para a construção desse Portugal .

1.ª Parte : - BRASÃO -Bellum sine bello (guerra sem guerra) - 19 poemas.-Nascimento do Império. Fala de personagens reais ou ficionais, mitica e simbolicamente relacionadas com obrasão.

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I- Os Campos (2)(A terra, a Pátria)

1.º “O dos Castelos” (Portugal) - A descrição da Europa como uma mulher reclinada e a referência à sua matriz cultural grega e romântica e a Portugal como o rosto da Europa, olhando enigmaticamente “O Ocidente, futuro do passado”. Visão profética e providencial de Portugal.2.º “O das Quinas” - As Quinas simbolizam as chagas de Cristo – salientam a dimensão espiritual e mística. Simbolizam a importância do sofrimento, inerente à humanidade, para se ser imortal.

II- Os Castelos (7)(a segu-rança , o refúgio)

1.º-“Ulisses” -Refere a importância do mito na construção da realidade: Ulisses de facto não existiu, mas bastou a sua lenda para nos inspirar. Ulisses é o arquétipo do marinheiro, do aventureiro, prova de que o mito, ao penetrar na realidade, dá sentido à vida.

2.º “Viriato”- (? – 139 a.C.) foi um dos líderes da tribo lusitana que confrontou os romanos na Península Ibérica e personificou o instinto de independência e o espírito de resistência que determinaram a nossa existência”Assim se Portugal formou”.

3.º “O Conde D. Henrique” (1066- 1112)- Foi o fundador do Condado portucalense .O poema enfatiza a ideia de predestinação e de providencialismo. Ele atua como agente de Deus, comandado transcendente: ”Todo o começo é involuntário/Deus é o agente”. Um percurso espiritual que valoriza o espírito (os valores)

4.º “D. Tareja ” (1080 - 1130) “mãe de reis e avó de impérios”. Mas Portugal envelheceu e é preciso renascer, por isso, as súplicas”, Vela por nós”, "Por ele reza” e “De novo o cria”, a fim de tornar possível o ressurgimento. 5.º “D. Afonso Henriques” (1109- 1185) - O fundador do reino, a quem se dirige a prece, pedindo a coragem e a bênção. 6.º “D. Dinis” (1261-1325) - Símbolo da importância da poesia e da cultura na construção do Mundo. O rei foi um visionário, “o plantador de naus a haver” tendo lançado as sementes dos Descobrimentos . O som do vento nos pinhais “é a voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de aventura, de grandeza. 7.º “D. João I”( 1357 –1433) , “D. Filipa de Lencastre”(1359-1415)- Os fundadores da dinastia de Avis e pais da ínclita geração. A importância da predestinação para que o homem cumpra a sua missão e saiba interpretar os desígnios de Deus. D. João é o guardião da liberdade e da independência portuguesas por vontade divina; a D. Filipa, que ”só génios concebia” o "eu" poético pede proteção ”Volve a nós teu rosto sério (…)/Madrinha de Portugal!”

III-As Quinas (5)

(Chagas de Cristo -o espiritual)

1.º “D. Duarte, rei de Portugal”( 1391-1438) -Viveu o fim do seu curto reinado com o remorso da prisão do irmão Fernando, o infante santo, na falhada expedição a Tânger. Não tinha prazer na vida.

2.º “D. Fernando, infante de Portugal” (1402 -1437) - inicialmente chamado "Gládio", foi o primeiro poema a ser escrito (em 1913). O Infante Santo, morto como refém em Marrocos, cumpre o destino ”Deu- -me Deus o seu gládio, por que eu faça/A sua santa guerra”.

3.º “D. Pedro, regente de Portugal” (1392 -1449)"indiferente ao que há em conseguir que seja só obter"- não fui movido pelo desejo de posse; não fui ambicioso de bens materiais. "Dúplice dono, sem me dividir, de dever e de ser"- eu e o meu dever fomos um só. 4.º “D. João, infante de Portugal” (1400 -1442)-Os irmãos de D. João tiveram tal grandeza que o ofuscaram -"é do português querer só isto: o inteiro mar ou a orla vã desfeita"- para um português: ou tudo ou nada 5.º “D. Sebastião, rei de Portugal” (1554 —1578) foi símbolo da loucura audaciosa e aventureira e da importância do sonho. A loucura é o que dá ao homem a razão para existir. D. Sebastião, apesar de ter falhado o sonho, morreu por uma ideia de grandeza, e isso é que importa; por isso no areal “Ficou meu ser que houve, não o que há ".É o sonho (loucura) que dá sentido à vida e à morte: «Minha loucura, outros que me a tomem / Com o que nela ia. / Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?».

IV-A Coroa (1) (poder)

“ Nun’ Álvares Pereira” (1360- 1431) – poema onde o herói de Aljubarrota é o iluminado que nos pode guiar, pois só ele tem a pureza para ser o herdeiro dos cavaleiros da Távola Redonda, em demanda do Graal.

V-O Timbre (3) (marca de poder legítimo)

1.º A cabeça do grifo -“O Infante D. Henrique” (1394 - 1460) -O grifo é uma ave mitológica com bico e asa de águia e corpo de leão - simboliza a união do humano e do divino. Ele é o único senhor do mar e do mundo. O poema lembra a figura do pioneiro e representa a visão de águia e a capacidade para “Entre o brilho das esferas”, na cosmografia, na ciência da descrição dos astros (“esferas”) e decifrar os sinais 2.º Uma asa do grifo - “D. João, o Segundo” (1455 -1495) Foi ele quem preparou a expansão: ”O seu formidável vulto solitário” assusta e faz recear “ao mundo vário /Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu”. 3.º A outra asa do grifo - “Afonso de Albuquerque” (1453 -1515), - O poema fala do desempenho de A. de Albuquerque na Ásia, por contraste com o seu descrédito na corte de Lisboa motivado por invejas. Podia ser imperador, mas foi fiel do Rei D. Manuel. Refere as conquistas de Goa (na Índia), Malaca (na Malásia) e

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Ormuz, no Golfo Pérsico ;

2ª parte: MAR PORTUGUÊS (Possessio maris =Domínio do mar) - 12 poemasRefere:-a fase do apogeu do Império marítimo graças às descobertas; as figuras e acontecimentos marcantes dos Descobrimentos; a exigência da luta contra o desconhecido e os elementos naturais1.º “O Infante”( 1394 –1460) símbolo do Homem universal que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus. Transmite uma conceção messiânica da História, mostrando que a concretização do sonho depende de uma causa primeira que é a vontade divina de que o Homem é o agente e cuja consequência ou efeito é a Obra. (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”) 2.º “Horizonte”- o medo do desconhecido é o temor infundado produto da imaginação. Exemplifica, dizendo que não havia monstros ou tempestades que afundassem os navios porque, quando vencemos o medo só encontrámos o sucesso. Essa prova - vencer o medo e ousar é um ritual de iniciação de que o conhecimento geográfico era também elemento determinante. É pela vontade de perseguir o sonho e ser capaz de antever o que é oculto aos demais que os portugueses conquistaram o Longe."Sul sidério" - Sul sideral, isto é, sul celeste - é a constelação Cruzeiro do Sul que indica o pólo sul.3.º “Padrão”-Diogo Cão chegou à foz do Zaire, estabeleceu as primeiras relações com o Reino do Congo e introduziu a utilização dos padrões de pedra, em lugar das cruzes de madeira, para assinalar a presença portuguesa. A 1.ª estrofe diz-nos que o homem,imperfeito,estará sempre aquém dos desígnios de Deus. No entanto, a vontade, do encontro com o divino (a alma) leva o Homem a transcender-se sempre .O padrão é a marca simbólica da realização da obra de Deus. Na 3.ª estrofe, Diogo Cão assume essa “febre (…) de navegar como Viagem que leva o Homem em busca do “porto sempre por achar” .4.º “O Mostrengo”– símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho; “O Mostrengo” , uma alegoria do medo, tenta impedi-los de cumprirem o seu destino. Poema de exaltação da coragem, audácia e capacidade de superar os medos, do povo português simbolizado no homem do leme ."Aqui ao leme sou mais do que eu /Sou um povo que quer o mar que é teu" 5.º “Bartolomeu Dias”( 1450 —1500)- Dobrou o Cabo das Tormentas, depois Cabo da Boa Esperança e abriu o caminho para a Índia. Em 1500, acompanhou Pedro Álvares Cabral quando este descobriu o Brasil. A caminho da Índia, o navio em que ia naufragou e ele morreu junto do Cabo que o tornou famoso. Ao ter “Dobrado o Assombro” já ninguém teme o mar.6.º Os Colombos” - Referência a Cristóvão Colombo (1451 —1506),à América e a todos os navegadores estrangeiros (generica e maldosamente chamados "Colombos") cuja glória, diz, é apenas um reflexo da luz das descobertas portuguesas.

7.º “Ocidente” - A ação humana/ o divino - as duas mãos que permitiram desvendar…a face do mundo. Esse gesto de ousadia só foi possível porque “Foi Deus a alma e o corpo Portugal”.

Fernão de Magalhães ( 1480 -1521) - Se formos ousados, saberemos atingir os nossos ideais. Os Titãs festejam a morte de Fernão de Magalhães “Que quis cingir o materno vulto “isto refere a viagem de circum -navegação, ousadia paga com a morte. Foi o 1.º a atravessar o estreito que hoje tem o seu nome e o 1.º europeu a navegar no Pacífico. Morreu nas Filipinas.

9.º “Vasco da Gama” (1460— 1524-)“Os deuses da tormenta e os gigantes da terra/(…) pasmam.(…)"- referência à guerra entre os titãs e os deuses do Olimpo, que parou devido ao espanto e ao assombro causado pelo “Argonauta”, nome dado a Vasco da Gama o ousado capitão da armada portuguesa que descobriu o caminho marítimo para a Índia.(Argonauta - navegador de "Argos" a nau de Jasão, que partiu para a Cólquida, à procura do velo de ouro - aventuras narradas por Apolónio de Rodes.)

10.º “Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma supra-nação, implica o sacrifício do povo (“Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”). Simboliza a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho. A tragédia marítima não é feita só de heróis, mas também daqueles que esperam e sofrem pela causa comum.A 1.ª estrofe tem um ambiente simultaneamente épico e darmático ; já a 2.ª é reflexiva e procura responder à pergunta essencial” Valeu a pena?”. A resposta afirmativa certifica que é difícil e árduo o caminho da Glória.11.º “A última Nau” - A ultima nau onde ia D. Sebastião, não voltou mais e o sonho ficou por cumprir. Se o homem quiser e Deus permitir, D. Sebastião há-de voltar. Este poema é uma espécie de introdução à 3.ª parte de Mensagem. Anuncia-se a morte, com a qual virá a ressurreição da alma portuguesa. Na 2.ª estrofe, pergunta em que ilha misteriosa ele teria aportado e se um dia voltará. Só Deus sabe do futuro dos homens e só o revela no mistério, no sonho escuro e breve. Na 3.ª estrofe, quanto mais a decadência toma conta de Portugal, mais o sujeito poético louva os exemplos do passado, designadamente o de D. Sebastião. Na 4.ª estrofe, afirma-se a certeza do regresso, mesmo que demore. Quando isso acontecer, “Surges ao sol em mim, e a névoa finda”.12.º “Prece” (oração) - poema marcado por um tom de nostalgia onde se faz uma radiografia do estado anímico de Portugal condenado a viver a Saudade “restam-nos hoje, no silêncio hostil/ o mar universal e a saudade” .O sujeito poético suplica ao Senhor para que, de novo, através do sonho, sejamos capazes de conquistar “a Distância” .

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3ª parte : O ENCOBERTO (Pax in Excelsis = paz nas alturas) - 13 poemasSurge a desintegração, o sofrimento, mas surge a esperança de ressurgimento, pois “Falta cumprir-se Portugal”

I

“Os símbolos”(5)- a imagem de Portugal moribundo

1.º “D. Sebastião”- é a figura omnipresente na obra: aparece cinco vezes explicitamente. Neste poema, D. Sebastião afirma o seu regresso e com ele traz o sonho de glória, pois como diz: não importa “(…) a morte e a desventura/Se com Deus me guardei”2.º “O Quinto Império” -Poema que faz a apologia do sonho e que declara o descontenta -mento como condição de humanidade “Ser descontente é ser homem”. É símbolo da necessidade de ousadia e de aventura como fator de progresso. Lamenta os que ficam no imobilismo e na comodidade (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”). O sonho evita a mediocridade da vida e possibilita a grandeza da alma; passados os quatro impérios que a tradição estabeleceu, surgirá o Quinto Império: a idade perfeita, a eterna luz, a paz universal; este apenas se concretizará com o regresso de D. Sebastião que como a Fénix, fará surgir das cinzas o Império Universal, cuja cabeça será a pátria lusitana.3.º “O Desejado” -D. Sebastião é convocado “Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo/(…) A alma penitente do teu povo/À Eucaristia Nova”. É ele o Mestre da Paz, que poderá revelar ao mundo “O Santo Graal”- o Símbolo da verdade- a concretização do sonho4.º “As ilhas afortunadas”- As ilhas – a solidão, o mistério, o segredo, o fascínio do desconhecido e a esperança de algo.5.º O Encoberto - É a vinda do Encoberto mistério a decifrar por vontade de Deus. As referências ao símbolo dos Rosa- Cruz -a rosa - , remetem para a ideia de perfeição.

II

“Os Avisos” (3)manifesta a crença na regeneração anunciada por símbolos e avisos

1.º O Bandarra - Referência ao sapateiro de Trancoso que “Não foi santo nem herói”, mas que ajudou a difusão do mito do Encoberto e por isso foi “Não português, mas Portugal”.2.º António Vieira“ - O imperador da língua portuguesa”evocado pela sua capacidade de acreditar no mito de D. Sebastião e no 5.º Império e pela capacidade oratória. Na 2.ª estrofe, o “meditar” de Vieira “constelado de forma e de visão”, é iluminado e cheio de pensamento, de raciocínio e ideias claras. E assim aparece, “prenúncio claro do luar / El-Rei D. Sebastião”.Na 3.ª estrofe,o luar afinal é “luz do etéreo”, que vem do alto, para iluminar com nova e divina verdade a escuridão humana. “É um dia; e, (…) a madrugada irreal do 5.ºImpério”.3.º “Terceiro”- “Screvo meu livro à beira-mágoa”- A escrita como sofrimento mas também como criação e construção. A inquietação e a ânsia e a saudade do “encoberto/Sonho das eras português” Esse é o único poema onde Pessoa fala de si, da sua ”mágoa”, da sua escrita e do sentido para a vida encontrado na esperança da vinda de um Messias .

III

“Os Tempos” (5) A esperança do Quinto Império.

1.º Noite” - Perdeu-se o poder, perdeu-se a fama; o que ficou poderá reencontrar a glória e o poder, mas só com autorização de Deus.2.º “Tormenta” - A situação de Portugal – aproxima-se a Tempestade.3.º “Calma”- “Depois da tempestade vem a bonança”…para partir em busca de outra dimensão – a do conhecimento.4.º“Antemanhã”Anúncio da manhã, princípio de qualquer coisa nova. Oposição trevas/dia.

5.º “Nevoeiro” – o tema é a é a crise que Portugal atravessa (1928) e a urgência de fazer algo para mudar esse status-quo; é a visão de Portugal , no presente , reino da confusão e do caos, metaforizados no Nevoeiro ("Portugal a entristecer" face à “apagada e vil tristeza” de que fala Camões ). Porém, algo dentro de nós anseia pela mudança “Que ânsia distante perto chora?” ,Por isso é também símbolo de esperança/promessa de um novo dia: depois do nevoeiro, vem a claridade, isto é, a definição, a realização da esperança. Indissociável do mito do Encoberto, o nevoeiro assume aqui o simbolismo da promessa que urge fazer cumprir - a de um Portugal renascido na glória do Quinto Império. A exclamação final: “É a hora!”- é uma exortação, um chamamento dos que sentem essa necessidade de um Portugal maior. É o toque a rebate para que a comunidade dos irmãos (fratres) se junte para concluir a obra que a Divina Providência predestinou para Portugal. É pois uma saudação e um apelo à luta. “Valete fratres” - saudação rosacruciana que remete para a associação secreta, alemã (1604), cujo objetivo era a renovação da igreja romana e da sociedade e cujo símbolo era uma rosa vermelha no centro da cruz .

7

Page 8: A MENSAGEM Apontamentos

4- Síntese da Mensagem «Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da Humanidade»

Fernando Pessoa

O assunto de Mensagem é Portugal e a sua missão por cumprir.

Mensagem é um poema simbólico e mítico. É a expressão poética dos mitos. O poeta considera a insatisfação da alma como a maior virtude dos conquistadores portugueses e assume que tem como pretensão mitificar esse espírito português:. É pelo mito que se pode atingir a paz universal. o mito é tudo: sem ele a realidade não existe, pois é dele que ela parte (poema “Ulisses”).

Mensagem é um cântico de exaltação dos heróis, apresentados aos portugueses como modelos a imitar. Só assim poderá ser cumprida a missão que lhes foi confiada e para a qual estão consagrados - a de construção do Quinto Império, um império de teor espiritual, uma supra-nação, através da ligação ocidente/oriente.

Na Mensagem os heróis são, símbolos , figuras arquetípicas e modelares que consubstanciam as virtudes a imitar. O herói é enaltecido através da espiritualização progressiva, tirando partido do mito sebastianista. O herói na Mensagem é o homem dotado de valores espirituais, capacidades intelectuais e crente no poder da justiça, lealdade, coragem e respeito pelo poder moral e espiritual.

Na Mensagem, Pessoa assume-se como cantor do fim do império português, de um tempo de decadência e ocaso. Não é como Camões o poeta de um período áureo. No entanto, em Pessoa transparece a certeza de que esse fim, a que se seguiu a indefinição simbolizada no “Nevoeiro”, dará lugar a um tempo novo . Pessoa acredita que Portugal há-de reerguer-se , cumprindo a missão que lhe foi confiada por Deus - a construção do 5.º império. Por isso, ele sente que deve dar o seu contributo escrevendo esta obra.

Na Mensagem, Pessoa usa uma linguagem épica – lírica. Apresenta, com um tom de exaltação, feitos históricos -a matéria épica, mas ao impregná-los de subjetivismo e simbolismo compõe uma obra híbrida que poderemos classificar literariamente como epo - lírica(ou épico -lírica).

Na Mensagem o providencialismo é notório. Segundo Pessoa, Deus é o agente da história; ou seja, nós somos os instrumentos que realizam a sua vontade. É assim que a obra nasce e se atinge a perfeição.

A Mensagem enaltece e sublinha a importância do sonho porque é aquilo que dá vida ao homem: sem ele a vida não tem sentido e limita-se à mediocridade; Portugal encontra-se em estado de decadência. Por isso, é necessário voltar a sonhar, voltar à arriscar, de modo a que se possa construir um outro império que não se destrói, por não ser material; é o Quinto Império, o Império Civilizacional – Espiritual.

D. Sebastião é a figura mais importante da Mensagem. Cinco poemas são-lhe dedicados: “D. Sebastião” (Brasão), “A Última Nau” (Mar Português) “D. Sebastião” (O Encoberto),”O Desejado” e "O Encoberto" Ele é o exemplo a seguir (pois deixa-se levar pela loucura/sonho), é o salvador, aquele que trará de novo a glória ao povo português e que virá completar o sonho, cumprindo-se assim Portugal.

6. Semelhanças e Diferenças entre Os Lusíadas e a Mensagem

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Page 9: A MENSAGEM Apontamentos

António Quadros, um estudioso de Pessoa diz que Mensagem é um “poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética d' Os Lusíadas (Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, p. 249, Publicações D. Quixote). Será assim? Vamos observar o quadro comparativo e tirar a conclusão.

Os Lusíadas MensagemDiferenças

   Homens reais com dimensões heróicas mas verosímeis; Heróis de carne e osso, bravos mas nunca infalíveis;

Heróis mitificados, desencarnados, carregando dimensões simbólicasBrasão ® Terra ® Nun’ Álvares PereiraMar Português ® Mar ® Infante D. HenriqueO Encoberto ® Ar ® D. Sebastião(Da terra parte-se à descoberta do mar e constrói-se um império. Depois o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz ,a esperança de um Quinto Império)

      Herói coletivo: o povo português      Herói com virtudes e manhas

      Heróis individuais exemplares (símbolos)

      D. Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados; D. Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade

D. Sebastião – o mito e o símbolo da “loucura sadia”.Elogio do Sonho, ambição (repare-se que de D. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, transmitindo a ideia de que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento, num longo período de letargia).

  Celebração do passado – História   Glorificação do futuro – símbolos   Messianismo, a mola real de Portugal          

   Narrativa comentada da História de Portugal    Metafísica do Ser português   Três mitos basilares:o  Adamastor - as dificuldadeso Velho do Restelo - o imobilismoa A ilha dos amores – a divinização dos portugueses

   Tudo é mito: “o mito é o nada que é tudo”

   Ação    Contemplação   Façanhas dos barões assinalados    Matéria dos sonhos   Temporalidade    Atemporalidade mística    Síntese do pagão e do cristão    Síntese total (sincretismo religioso)  Superioridade dos portugueses sobre os povos da Antiguidade

   Portugal como instrumento de Deus(os heróis cumprem um destino que os ultrapassa)

   Cabeça da Europa    Rosto da Europa que aguarda expectante o que virá Império material e terreno feito e acabado  Império espiritual e cultural, atemporal  Foram compostos no início do processo de dissolução do império

  Foi publicada na fase terminal de dissolução do império;

 O tema é o real, o histórico, o factual (os acontecimentos, os lugares)

  O tema é a essência de Portugal e a necessidade de cumprir uma missão;

  Os deuses olímpicos regem os acidentes e as peripécias do real quotidiano;

  Os deuses são superados pelo destino, que é força abstrata e inexorável

Semelhanças Poemas sobre Portugal Concepção mística e missionária/missionante da História portuguesa, Estrutura rigorosamente arquitetada Sacrifício voluntário em nome da PÁTRIA. Glória marcada pelo sofrimento e lágrimas D. Sebastião, ser eleito

7. Classificação Literária da obra MENSAGEM

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Page 10: A MENSAGEM Apontamentos

Mensagem é uma obra épico - lírica (ou epo - lírica) porque apresenta, simultaneamente:

Características épicas Características líricas

O tom de exaltação épica dos heróis individuais.

O tom heróico de exaltação do herói coletivo - o povo português (cf. O Mostrengo).

A referência histórica aos fundadores da nacionalidade.

A evocação da história Trágico-Marítima “Ó mar salgado”.

Forma fragmentária,

contemplativa;

Atitude introspetiva A interiorização das situações históricas - a matéria épica - tornando-as subjetivas. A importância do mito “O mito é

o nada que é tudo”- Apresenta personagens míticas e históricas que se mitificam - uma criação mítico - poética.

O ocultismo. O simbolismo Aponta para o futuro - a concretização de um Império espiritual - o Quinto Império. O tempo não é cronológico - é um tempo da alma. Platonismo ( Pessoa canta um Império espiritual e exalta o sonho, o mito e a "loucura" que não existem no mundo sensível - esfera sensível)

E ainda porque :

Glosa a ideia da predestinação nacional – visão providencialista da História portuguesa

( Deus age pelo braço dos heróis)

Exprime a crença no sebastianismo

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8. Simbologia dos números na Mensagem

3(três)

é o número perfeito , exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 = 1,o céu + dois, a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.

5(cinco)

é o número da evolução espiritual do homem. Está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosor. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, Roma, a Cristandade e a Europa pós - renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas: D. Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião. O Brasão está dividido em 5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos, Quinas, Coroa e Grifo.

N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.

7(sete)

É o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.7 foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .

7 foram os dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da criação.

O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos do mundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia).

Note-se que cada período lunar tem 7 dias e existem 4 fases que fecham o ciclo. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com o masculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão e Eva, o Sol e a Lua.

8(oito)

O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem

12(doze)

É o número da ação . Assume relevância na segunda parte da Mensagem - "Mar Português". 12 são os poemas de "Mar Português" , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 os Cavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zodíaco. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado na vida ativa (a posse dos mares).

9. Textos complementares: Sebastianismo11

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Quinto Império

É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas, ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de muito longe na mitologia judaico - cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão destruídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império universal, que não terá fim. (...)

Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito universal, refletido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a conquista, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades, infinitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade. Não há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se realizaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda» de D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o início do reino do sol».

Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 404-406.

Sebastianismo Morto D. Sebastião em Alcácer Quibir, e tendo sido Portugal anexado pela Espanha em 1580, Portugal estava perante o período mais negro da sua História: perdera toda a opulência e grandiosidade do início do século, com a batalha de Alcácer Quibir perdeu o melhor da sua juventude e dos seus militares, ficou endividado com o pagamento dos resgates e sofreu o domínio castelhano, que o vai oprimir. Nasce então uma versão particular de messianismo, sobretudo de influência judaica, o Sebastianismo: crê-se que toda esta opressão, todo este sofrimento, toda esta miséria, toda esta crise será vencida com o aparecimento de D. Sebastião (numa manhã de nevoeiro...), que libertará Portugal dos castelhanos e da sua opressão e lhe restituirá a antiga grandeza. Defende-se que D. Sebastião não morreu nem podia ter morrido. E aparecem então os falsos "D. Sebastião", tendo sido presos uns e mortos outros. Este sonho é sustentado e difundido por várias pessoas e de várias maneiras, em que sobressaem as Trovas do Bandarra de Trancoso - e, já no nosso século, a Mensagem de Fernando Pessoa. Primeiro clandestinamente, depois mais à luz do dia, esse movimento influencia a revolta do Manuelinho de 1637, em Évora, e vai propiciar o 1.o de dezembro de 1640, pelo entusiasmo posto na sua execução e pela confiança que a todos transmite. O Sebastianismo transforma-se num mito: quando há épocas de crise aparece como uma esperança de melhores dias, de mais justiça e de maior grandeza. O mito (como é próprio dos mitos) foi sendo adaptado às

realidades de cada momento. Em 1640, por alturas da restauração da independência nacional, era D. João IV o "Encoberto". Infopédia

“Navegar é preciso”

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Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso;  viver não é preciso".   Quero para mim o espírito [d]esta frase,    transformada a forma para a casar como eu sou:  

Viver não é necessário;  o que é necessário é criar.   Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.   Só quero torná-la grande,    ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.   Só quero torná-la de toda a humanidade;    ainda que para isso tenha de a perder como minha.   Cada vez mais assim penso.   Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue    o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir   para a evolução da humanidade.   É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

Fernando Pessoa, Obra Poética

10. Dissertações e propostas de redação

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A

Num texto expositivo - argumentativo de 100-200 pp refere um dos mitos significativos da Mensagem. Fundamenta a tua opinião com argumentos decorrentes da tua experiência de leitura da obra.

Exame de Português, 12.º ano – 2004 (1.ª fase)

Mensagem é uma obra que se estrutura a partir de uma consciência mítica e de uma visão mítica da

História e das figuras que a construíram, sendo, pois, difícil escolher o mito mais significativo. No

entanto, o mito aglutinador do poema parece-nos ser o mito sebastianista.

Com efeito, Pessoa, a partir da figura histórica de D. Sebastião, reformula o sebastianismo

retrógado e passadista, característico do temperamento nacional, dotando-o de um sentido novo e

diferente. O sebastianismo pessoano não nega o passado, mas serve-se das glórias desse mesmo passado,

para ultrapassar o cinzento do presente (“Nevoeiro”) e construir um futuro brilhante.

A este futuro alia-se outro mito indissociável do sebastianismo, o do Quinto Império.

Este império da língua e da cultura portuguesas, movido pela inteligência poética e liderada por um

Super-Camões, estenderá o domínio cultural da língua portuguesa a uma dimensão universal (“ O

Quinto Império”).

Assim o mito definido pelo poeta como “o nada que é tudo” aparece não só como

fundamento da nacionalidade (“Ulisses”), mas também como o impulsionador dos grandes momentos da

pátria (“D. Dinis”, “O Infante”) e como esperança de um futuro redentor.

In Abordagens, Português, 12.º ano, Porto Editora

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B

Oculto no seu corpo e no seu nome(Aranha que negava a própria teiaQue tecia),Poeta da PoesiaSibilina e cauta,Foi o vidente filho universalDum futuro-presente PortugalOutra vez trovador e argonauta.          Miguel Torga, in Poemas Ibéricos, Ed. de Autor, 1965

Lê o poema de Miguel Torga e, centrando a tua atenção nos três últimos versos, mostra como eles espelham o diálogo Os Lusíadas /mensagem

Redige um texto expositivo-argumentativo de cem a duzentas palavras.

Os Lusíadas e Mensagem, dois poemas épicos separados no tempo, desenvolvem dois temas estruturantes: o mar e o valor da poesia.

Com efeito, quer no poema camoniano, quer no de Pessoa, o mar (simbolizado em Torga pelo vocábulo “argonauta”) é o espaço da construção do herói português: o herói real, ligado à descoberta de novos mares e novas terras (Os Lusíadas); o herói que conquistará uma nova “Distância” e enformará o Portugal do futuro (Mensagem).

Assim, a epopeia quinhentista canta uma história factual, real, enquanto Pessoa desenha os contornos de um Portugal a haver, um Portugal a construir pelo poder do sonho e da poesia.

Contudo, não é apenas em Pessoa que heróis e impérios se erguem pela palavra poética, também Camões de um modo diferente, o consegue. Efectivamente, quando o poeta refere D. Sebastião que só o registo dos nossos feitos heróicos nos tornará grandiosos e eternos, está também a atribuir à poesia uma dimensão superior.

Camões e Pessoa conciliam, assim, a condição de “trovador” e “argonauta” apresentando cada um, distintamente, um Portugal presente - marcado nos dois poemas pela “apagada e vil tristeza de “”um nevoeiro sem brilho”- que redimirá e se encontrará num futuro inadiável

In Abordagens, Português 12.º ano, Porto Editora

Nota final:Sem querer fazer uma lista bibliográfica exaustiva, esclarece-se que , para a elaboração desta síntese, foram

consultados todos os materiais didáticos editados sobre a Mensagem e/ou Fernando Pessoa, com particular destaque para os vários manuais da disciplina de Português, a obra Como Preparar os Exames Nacionais ( Porto Editora) e ainda vários sites da Internet .

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