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A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL
NATURÓLOGO
Monografia apresentada ao Centro Integrado
de Estudos e Pesquisas do Homem como
requisito parcial para obtenção do grau de
Especialista em Acupuntura.
Florianópolis, agosto de 2010
CENTRO INTEGRADO DE ESTUDOS E PESQUISAS DO HOMEM
PÓS-GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM ACUPUNTURA
A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL
NATURÓLOGO
Elaborado por
LETÍCIA LENZI
COMISSÃO EXAMINADORA:
_______________________________ Profa. Ms. Luísa Regina Pericolo Erwig
Orientador / Presidente de Banca
_______________________________ Prof. Marcelo Fabián Oliva
Membro de Banca
_______________________________ Profa. Analyce Claudino dos Santos
Membro de Banca
Florianópolis, agosto de 2010
RESUMO
Título: A Medicina Tradicional Chinesa na formação do profissional Naturólogo Autor: LENZI, Letícia Orientador: Profa. Ms. Luísa Regina Pericolo Erwig Esta pesquisa tem por objetivo analisar os paralelos entre os pressupostos epistemológicos e metodológicos da naturologia e da medicina tradicional chinesa, permitindo compreender o campo de atuação deste profissional e a relevância dos estudos da tradição médica chinesa na sua formação. O naturólogo trabalha de forma complementar, utilizando recursos e práticas naturais para a manipulação constante da saúde dando ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. A MTC consolida-se como disciplina formal do curso de naturologia. Entretanto, a necessidade de aprofundamento neste conhecimento para saber utilizá-los como fundamento para a aplicação das práticas naturais, levam os naturólogos a ingressarem principalmente em cursos de especialização em acupuntura e massoterapia chinesa. Ao lado da Medicina Ayurvédica e da Medicina Xamãnica, a MTC é assim um dos pilares da naturologia, preconizando um olhar holístico, a educação em saúde e a atuação focada no campo energético para a promoção da saúde e da qualidade de vida dos seres humanos. Palavras-chave: Naturologia, Medicina Tradicional Chinesa, Práticas Naturais.
ABSTRACT
Title: The Traditional Chinese Medicine in the Natural Therapist career. Author: LENZI, Letícia Supervisor: Profa. Ms. Luísa Regina Pericolo Erwig
This research aims to examine the parallels between the epistemological and methodological assumptions of Naturology and TCM, enabling to understand the relevance of the studies of the Chinese medical tradition for the career of the natural therapist. The Natural therapist works in a complementary way, using natural resources and practices for handling constant health with emphasis on listening, welcoming, in developing the therapeutic relationship and the integration of humans with the environment and society. TCM is consolidated as a formal discipline in the Naturology major course. However, the need to deepen this knowledge to learn to use them as grounds for the application of natural practices, have led the therapists to join in specialized courses of acupuncture and Chinese massage therapy. Beside of Ayurvedic Medicine and Shamanic Medicine, TCM is thus one of the pillars of Naturology, through the holistic look, health education and the therapeutic action focused on the energy field to promote health and quality of life for human beings.
Key-words: Naturology, Tradicional Chinese Medicine, Natural Therapies.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 01 – Ideograma do Qi................................................................................21
Ilustração 02 – A pirâmide biológica...........................................................................22
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1
1.1 Objetivo geral ......................................................................................... 3
1.2 Objetivos específicos .............................................................................. 3
1.3 Metodologia ........................................................................................... 3
2 A NATUROLOGIA APLICADA ....................................................................... 3
2.1 Naturologia como conhecimento Transdisciplinar...................................... 9
2.2 O profissional naturólogo na área da saúde ............................................ 11
3 A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA E A NATUROLOGIA ........................ 13
3.1 Bases epistemológicas da MTC e a Naturologia ..................................... 14
3.2 MTC e a Naturologia como prática do Cuidado. ...................................... 17
4 FUNDAMENTOS DA BIOENERGÉTICA E AS PRÁTICAS NATURAIS ........... 21
5 CONCLUSÃO ............................................................................................. 25
6 REFERENCIAS BILBIOGRÁFICAS .............................................................. 26
Dedico este trabalho aos meus queridos pais, Liliane e Alceu Lenzi, pelo suporte e amor incondicional.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus amigos por tornarem minha vida mais feliz, por redobrarem
minhas alegrias, cortarem os males pela metade, pelo consolo, pelo alento, pelas
risadas. Agradeço aos meus amigos por me fazerem sentir a vida leve, por fazerem
senti-la por inteiro, por permitirem Ser quem realmente eu Sou. Muito obrigada.
Se todos nós, todos os europeus, ocidentais, modernos, não seguimos a natureza, talvez o outro, o estrangeiro, o não europeu, o oriental, nos oriente. Mas com isso, tudo que logramos é não perceber que junto de nós há vários caminhos distintos de ciência, talvez mais rigorosos, aos quais, em função de um tabu, não nos atentamos. Em que medida eu poderia naturalmente seguir o rumo da minha existência sem com isso cruzar o caminho dos outros? Com que poder poderíamos dividir eu de outro? A natureza é uma casa onde todos são hóspedes. Naturalmente tudo está abarcado na mesma naturalidade. Importa não tanto a coisa “natureza”, mas a qualidade de ser natural das coisas.
Fernando Maurício da Silva
1
1 INTRODUÇÃO
A naturologia aplicada, através de um projeto transformador na área da
saúde, procura estabelecer um novo campo de conhecimento e pesquisa,
priorizando o estudo rigoroso de práticas e métodos de higienização, isto é, de
técnicas de manipulação constante da saúde. O objetivo do curso visa desenvolver
uma nova consciência para programas preventivos, articulando saberes produzidos
pelas ciências e culturas tradicionais, contribuindo para prevenir, restabelecer e
promover a saúde integral1 do ser humano.
Nesta perspectiva, a estrutura do curso compreende uma série de disciplinas
que perpassam as áreas biológicas, humanas e da saúde, proponde-se a uma
atuação baseada em três pilares: na Medicina Tradicional Chinesa,2 Medicina
Tradicional Ayurveda3 e na Medicina Tradicional Xamânica4. O estudo sistemático
destas tradições visa resgatar a visão do ser humano como um todo, como um
organismo complexo e dinâmico com aspectos físicos, bioquímicos, psicológicos e
energéticos inter-relacionados e integrados com o meio externo que devem estar em
harmonia para que o ser humano goze de boa saúde. As técnicas terapêuticas
desenvolvidas por estas tradições buscam manipular a saúde continuamente, prática
esta renegada no ocidente nos últimos séculos, que deteve sua atenção
exclusivamente a uma manipulação traumática da doença.
Após finalizar o curso de graduação em naturologia aplicada iniciei meus
estudos de especialização em acupuntura, quando tive a oportunidade de conviver
com diversos profissionais da área da saúde, como enfermeiros, farmacêuticos,
médicos, psicólogos, educadores físicos, nutricionistas e fisioterapeutas. Ao interagir
com estes profissionais, percebi que há grande dúvida a respeito do que é a
naturologia e a clareza sobre seu campo de atuação dentro da área da saúde. Além
1 Promoção à saúde define-se tradicionalmente de maneira bem mais ampla que prevenção, pois refere-se a medidas que “não se dirigem a uma determinada doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais. (CZERESNIA, 1999). 2 Corpo de conhecimento empírico-filosófico e terapêutico que envolve práticas corporais, acupuntura, dietoterapia, fitoterapia e massoterapia. A partir daqui, usarei a sigla MTC para abreviar tal termo. 3 Segundo Edde (2002), Ayurveda em sânscrito significa conhecimento da vida humana. A Medicina Ayurvédica é parte da ciência védica e utiliza na sua abordagem terapêutica: plantas medicinais, dieta, exercícios físicos, meditação, yoga, massagem, aromaterapia, gemoterapia, entre outros. 4 O Xamanismo, de acordo com Eliade (1998), é um fenômeno religioso, complexo, que pode ser presente em diversas regiões do mundo. De acordo com Capra (1982), as terapias xamanisticas destacam a recuperação da harmonia, ou do equilíbrio, dentro da natureza, nas relações humanas e nas relações com o mundo sagrado.
2
disso, muitas vezes era questionada qual a relação entre naturologia e medicina
chinesa não só por ser uma disciplina de grande destaque dentro da grade curricular
do curso, mas também pela grande procura de cursos de especialização em
acupuntura e massoterapia chinesa pelos profissionais naturólogos.
Desta forma, esta pesquisa nasceu do interesse em afirmar o lugar e valor da
naturologia enquanto projeto inovador e complementar dentro da área da saúde,
tendo como horizonte teórico a relação da naturologia com os fundamentos da MTC,
esclarecendo as razões pelas quais é cada vez mais freqüente a procura de cursos
de aprofundamento em técnicas da MTC pelos naturólogos. Esta pesquisa tem
como proposta ressaltar as contribuições que a MTC oferece como conhecimento
fundamental tanto em termos técnicos, como em seus fundamentos filosóficos,
epistemológicos e metodológicos para a formação do naturólogo.
Embora a MTC seja considerada um dos pilares da naturologia, há grande
dificuldade para encontrar material bibliográfico que justifique seu lugar privilegiado
como disciplina formal do curso de graduação em naturologia. Em contrapartida este
foi mais um motivo que me impulsionou na investigação e formulação deste trabalho
como convite a reflexão sobre aspectos transculturais que ampliam nossa
perspectiva e nos ajudam ver sob nova luz as ideias atuais acerca dos métodos de
cuidado e promoção da saúde e qualidade de vida.
Por ser ainda uma área muito recente no universo acadêmico brasileiro, a
tendência na expansão e valorização da profissão do naturólogo já é um fato a
consolidar-se, haja vista a necessidade de um profissional com uma visão
diferenciada do ser humano no que tange os processos terapêuticos de cunho
preventivo a serem inseridos no sistema de saúde pública e nos mais diversos
contextos da sociedade contemporânea. Para que isso seja possível é necessário
que os profissionais da área da saúde e a população em geral tomem conhecimento
sobre a importância de um trabalho continuado, de cuidado, integrando a educação
e a saúde, sendo este um dos focos centrais da naturologia.
A MTC apresenta-se como um rico arsenal teórico-prático que contribui para
consolidar este projeto inovador, que surge como aspiração de nossa época e
sociedade, como uma forma de ampliar os horizontes e superar os limites
paradigmáticos de uma visão fragmentada e especializada para a promoção da
saúde e qualidade de vida.
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1.1 Objetivo geral
Apresentar contribuições dos pressupostos teóricos da Medicina Tradicional
Chinesa para a formação do profissional naturólogo.
1.2 Objetivos específicos
- Analisar o conceito de naturologia.
- Indicar fatores históricos que impulsionaram o surgimento da naturologia aplicada.
- Relacionar os aspectos epistemológicos da Naturologia e da MTC estabelecendo
uma relação entre estas duas práticas no cuidado e atenção a saúde.
- Apontar os fundamentos bioenergéticos da MTC.
- Identificar o campo de atuação comum das práticas naturais e da MTC.
1.3 Metodologia
Esta pesquisa consiste em uma revisão bibliográfica – leitura e fichamentos
de trabalhos acadêmicos, monografias e artigos científicos, produzidos em cursos de
especialização em Medicina Tradicional Chinesa, na graduação de naturologia
aplicada e outras bibliografias relevantes para contribuir com o objetivo proposto.
2 A NATUROLOGIA APLICADA
Toda disciplina se define pelo seu objeto de estudo, isto é, a partir daquilo que
centraliza o interesse de seu discurso ou daquilo que pretende conhecer. No
entanto, a naturologia não pode ser definida pelo foco de interesse de sua
investigação. Isso porque ela não é o estudo ou discurso sobre a natureza, o que o
termo naturo-logia pode indicar em primeira instância.
Em um ensaio sobre a História da Naturologia, Silva (2004) destaca a
necessidade dos termos natura e logia serem entendidos como termos correlatos,
isto é, não se definindo por si, mas em mútua referência. Neste contexto, a bi-
implicação deste conceito sugere que a compreensão genuína do significado da
naturo-logia só é possível mediante a análise da sua proposta epistemológica. A
razão disso é que se considerarmos apenas a raiz etimológica do conceito corre-se
4
o risco de compreender a naturologia como uma disciplina naturalista, onde se
busca objetivar, explicar, falar sobre (logos), a natureza (natura). Responder o que
significa naturologia é, portanto, ser capaz de apontar esta diferença conceitual
essencial.
Tradicionalmente a natureza é concebida “como um conjunto articulado de
seres e acontecimentos ligados por relações necessárias de causa-efeito” (CHAUÍ,
1997, p. 263). A visão naturalista fixa a natureza num domínio de objetos, como um
sistema de leis causais que são passiveis de experimentação e explicação. “A
tentativa de explicação consiste sempre numa teoria, num sistema dedutivo, que nos
permite explicar o explicando pelo fato de associarmos logicamente com outros
fatos”. (POPPER, 1989, p. 80). Por conseguinte, toda explicação cientifica consiste
em indicar os fatores determinantes de certo evento num dado espaço e tempo.
A partir do fato da natureza ser regida por leis, considera-se que tudo pode
ser mensurável e quantificável. Essa calculabilidade passa a ser o traço fundamental
da natureza, e estando esta por sua vez, condicionada à mensurabilidade, como
elucida o filósofo Heidegger:
Na ciência contemporânea encontramos o querer ordenar a natureza, o tornar útil, o poder calcular antecipadamente, o predeterminar como processos da natureza que devem se desenrolar para que eu possa agir com segurança perante eles. A segurança e a certeza são importantes. Exige-se uma certeza no querer ordenar. O que se pode calcular de antemão, antecipadamente. O que pode ser medido é real e apenas isso. (HEIDEGGER, 1987, p. 23)
Como resultado, conhecimento válido é aquele obtido através de um método
objetivo, passível de explicação, previsão e mensurabilidade. Segundo Figueiredo,
ao método científico cabe garantir a assepsia do conhecimento ante as tendências
anticientíficas do homem, “a sensibilidade idiossincrática, ilusória e efêmera que
bloqueia ou deforma a leitura do livro objetivo da natureza” (FIGUEIREDO, 1995, p.
15).
A partir dos dois últimos séculos surgiram movimentos intelectuais que
questionaram estes fundamentos epistemológicos, quebrando o imperialismo do
objetivismo e a pretensão de neutralidade do método científico, abrindo um novo
campo de possibilidade, para que ao lado do método das ciências naturais, surjam
outros modos igualmente válidos de desenvolver conhecimento.
5
A Naturologia não legitima a si mesma; quem a faz é algum acontecimento que nos dois últimos séculos a motivou no Ocidente. Deve-se admitir que tanto o existencialismo quanto a fenomenologia, representam passos fundamentais para a possibilidade do surgimento da Naturologia, de modo a representarem métodos familiares (uma vez que ambos rompem justamente com o conceito tradicional de natureza) (SILVA, 2004, p. 07).
A fenomenologia pode ser definida como "o estudo das formas como algo
aparece ou se manifesta, em contraste com estudos que procuram explicar as
coisas a partir de relações causais ou processos evolutivos" (KING, 2001, p. 10).
Sua importância para o desenvolvimento da naturologia como campo de pesquisa
rigoroso deve-se ao fato de dar ênfase, em sua metodologia, a alguns aspectos
como:
- A busca de uma compreensão particular daquilo que se estuda, não se preocupa
com generalizações, princípios e leis, “o foco da atenção é centralizado no
específico, no peculiar, no individual, almejando sempre a compreensão do que é
dado”. (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 23).
- Do ponto de vista epistemológico, o método fenomenológico é contrário às idéias
que isolam o sujeito ou o objeto para o desenvolvimento de estudos, concebendo-os
como correlacionados. Há, portanto, o entendimento que numa relação entre sujeito
e objeto, um não pode existir sem o outro.
- Tanto o sujeito como o fenômeno estudado está no mundo-vida com outros
sujeitos, que também percebem e vivenciam os fenômenos. Sujeitos que participam
de experiências vividas em comum, compartilham entendimentos, interpretações,
comunicações, estabelecendo-se assim, a esfera da intersubjetividade5.
- Atitude de abertura do sujeito para apreender o que de fato se mostra, procurando
estar livre de conceitos ou pré-definições no estudo do fenômeno. Isso significa que
5 É a capacidade do homem de se relacionar com o seu semelhante. O homem possui a capacidade de inter-relacionamento com seu semelhante, ou seja, a intersubjetividade. O relacionamento acontece entre o Eu e o Tu, e denomina-se relacionamento Eu-Tu. A inter-relação envolve o diálogo, o encontro e a responsabilidade, entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto.
6
o pesquisador deve deixar de olhar o fenômeno de uma forma comum,
abandonando assim os preconceitos e pressupostos em relação aquilo que está
interrogando.
Em resumo pode-se dizer que a contribuição da fenomenologia se dá
primeiramente por destacar a primazia da esfera da subjetividade e da
intersubjetividade. A naturologia, em sua proposta holística e sistêmica de pesquisa,
exige por princípio a unidade entre terapeuta e interagente, reforçando a construção
de conhecimento a partir da intersubjetividade – uma concepção crítica do dualismo
eu - outro. Isso significa considerar que, embora sejamos distintos, num mesmo
ambiente e no mesmo mundo, eu e o outro que não somos o mesmo, ainda assim
somos juntos. “De que adiante destruir o dualismo corpo e alma se com isso
continuamos com a crença de que eu, indivíduo formado por um todo de corpo e
alma, sou separado do outro, do mundo e do tempo?”. (SILVA, 2006, p. 06).
Além disso, a fenomenologia colocou em evidência a importância da noção de
mundo na construção do conhecimento. “A tarefa da Fenomelonogia é revelar o
mundo vivido antes de ser significado, mundo onde estamos, solo de nossos
encontros com o outro, onde se descortinam nossa história, nossas ações, nosso
engajamento, nossas decisões”. “(...) o homem está no mundo e é no mundo que ele
se conhece” (ZUBEN, 1984).
Em suma, esta concepção de mundo é essencial para compreender o logos
em naturo-logia, como afirma Silva (2004) o logos deve ser entendido em sua
acepção existencial, e isso quer dizer: “o pensamento situado em um mundo do qual
ele não pode prescindir para pensar. Conseqüentemente, o mundo aí pensado não é
o objeto do pensamento, pois este não pode sair do mundo para ser o que é”.
(SILVA, 2004, p.06). Entretanto, revelar o mundo vivido não é o objetivo na
naturologia, o que a diferencia da fenomenologia, mas a natureza, não como objeto,
mas como estrutura temporal que se manifesta em um mundo.
Há na constituição de mundo uma estrutura chamada "Natureza", que designa um movimento ambíguo, não dos entes físicos, nem da psique humana, mas do próprio modo de viver do homem. A ambiguidade mais fundamental que o conceito de Natureza permite entender é justamente a relação corpo e espírito, o objeto da Naturologia. Entretanto, aqui deve-se escapar a qualquer fisiologia e psicologia – a Naturologia não se confunde com estas disciplinas. Como se enunciou, a natureza não deve ser entendida como princípio, como causa ou como permanência. Todos estes
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conceitos pensam a Natureza em sentido atemporal. O que aqui se pretende é o contrário disso: o modo como o homem, na mesma medida em que pensa e age, vivencia tanto o corpo quanto o espírito. Não cabe para a Naturologia as categorias de Espírito e Corpo em suas acepções clássicas; eles devem ser entendidos em sua ambigüidade existencial. Portanto, chamamos natureza a condição encarnada de uma vivência temporal humana. (SILVA, 2004 p. 05).
Como elucida Silva (2004) a naturologia não se ocupa de uma natureza
determinada em qualquer sentido atemporal, mas sim da manifestação da natureza
em uma vivência, na qual o homem experiencia seu corpo e espírito como uma
totalidade. Assim naturo-logia diferencia-se de fisio-logia, que embora contenha o
mesmo radical conceitual, esta última assume a natureza em sua concepção
naturalista.
Portanto para que a naturologia esteja em conformidade consigo mesma, ela
deve ter um método natural e não um conhecimento a ser construído como um
edifício, que possui uma lógica ou lei determinante: o método em seu sentido
naturalista. Tendo em vista o que foi exposto, é possível entender neste momento
a bi-implicação do termo natura e logia, ao qual me referia no início deste trabalho –
não uma logia da natureza (concepção critica ao naturalismo), mas antes de tudo
uma logia natural. A naturologia então pode ser concebida “como um conhecimento
que não precisa inventar, industrializar, mas que é e sempre foi naturalmente”.
(SILVA, 2006 p. 04)
Mas o que é logos naturalmente? Logos, do grego significa palavra, discurso, como falamos naturalmente na maioria das vezes? Falamos na dúvida, procurando a audição do outro, confiando ao outro que possa nos ouvir. Mas, o que é falar assim, naturalmente, num diálogo que dois assumem simultaneamente a posição de ouvinte e falante? O que é isso senão a terapia? (SILVA, 2006, p. 03).
Por conseguinte, o logos natural não é um falar sobre a natureza, mas um
falar com o interagente, um diálogo entre agentes que vivenciam a manifestação de
sua natureza complexa. “Logos ou discurso natural: estar junto ao outro, deixar que
ali surja espontaneamente o diálogo e junto a este diálogo, permanecer ouvindo
atentamente”. (SILVA, 2006, p. 03).
Assim interagem logos e natura, isto é, um conhecimento e autoconhecimento
que se dá naturalmente no momento vivente de relação dialógica entre o naturólogo
e o interagente. A naturologia deve integrar o investigador e o outro, respeitando
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suas naturezas distintas e irreconciliáveis, em um convívio reconciliável e totalizante.
Do mesmo modo, para se fazer naturologia não há como separar o conhecimento da
terapia de um lado e o interagente de outro. Se o naturólogo quer aprender sobre o
outro, deve ir à interagência. A terapia é a da interagência. Para concluir, a definição
de Naturologia exige observarmos dois aspectos:
- Trata-se de uma logia, mas a sua razão exige um método distinto. Um método de
conhecimento intrínseco a natureza, ou seja, que se dá naturalmente,
espontaneamente em uma relação de diálogo. Não um saber sobre a natureza, mas
um logos natural ou um naturalmente saber com o outro.
-Trata-se de um conhecimento da natureza, mas o natural referido não precisa ser
compreendido no sentido das ciências naturais, como objeto. A natureza como
estrutura complexa e total, vivenciada por mim e pelo outro, não separada do mundo
e do tempo.
Ao invés de “paciente” (que remete à passividade) e “cliente” (utilizado no
âmbito comercial) o termo interagente (aquele que interage) “é designado à pessoa
cuidada, onde essa deixa de ser passiva e passa a fazer parte fundamental de seu
próprio tratamento, em vez de depositar sobre o terapeuta a total responsabilidade
pela sua saúde” (PAGANI,1999).
Neste processo não há um que sabe e outro que não sabe, mas dois que
sabem coisas diferentes. O naturólogo deve, portanto, reconhecer o conhecimento
popular do interagente para a geração de novos saberes. “A influência mútua que
ocorre no processo terapêutico faz com que o Ser cuidado passe a ser agente
transformador de si mesmo e o cuidador busque, nesta relação, uma nova maneira
de ser no mundo” (MARTINS, 2008). A interagência, por conseguinte pode ser
pensada como uma educação onde naturólogo ajuda o interagente, em um processo
de autoconhecimento, permeado pela autonomia, a atingir um estado de saúde
diário. Também o naturólogo, nesta relação, reforça sua capacidade de vir-a-ser,
manifestando-se de forma cada vez mais ampla, transformando-se a cada relação
estabelecida.
Em todos os momentos de uma interagência, educa-se e se é educado, pois existe uma constante troca nesta relação. Ao longo das interagências,
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o aprender se torna um fato. Durante esse momento terapêutico, existe uma mescla de valores, em que a educação que foi recebida dos pais, do meio social, cultural, religioso, se liga à que estará sendo posta em prática durante a interagência. Portanto, na relação terapêutica, a aprendizagem deve ser vista transcendendo as idéias de uma simples educação moral, baseada em leis, e percebida como movimento ético, como forma de evolução do estado vivido. Strieder (2002) menciona a educação como forma de reavivar a chama desejante de vivenciar a aprendizagem, porque se deu conta dessa grande carência. (MARTINS, 2008).
A educação deve ser dialógica e participativa, implicando em atuações
conjuntas, embora com papéis distintos, sem o domínio de nenhuma das partes,
mas sim através de diálogo e compromisso entre elas.
Briceño-León destaca que a educação em saúde deve reforçar a confiança dos indivíduos em si mesmo, contribuindo com a possibilidade de mudanças por suas próprias ações. Precisa ainda procurar valorizar o modelo de conhecimento esforço/recompensa, mais do que criticar ou apontar os erros. Necessita fomentar a responsabilidade individual e a cooperação coletiva, para que neste sentido, os envolvidos na educação sintam-se parte integrante do mundo. (MARTINS, 2008).
A naturologia aplicada, nesta direção, caracteriza-se por uma abordagem “de
relação de interagência – de diálogo – vivência, do ser humano com o próximo,
consigo e com o meio ambiente, com o objetivo de promoção, manutenção e
recuperação da saúde e da qualidade de vida6, concentrando-se no estudo rigoroso
de práticas naturais inseridas em uma metodologia de exercício do cuidado, aspecto
que será abordado mais adiante.
No Brasil, desde o início dos anos 80, começaram a ocorrer discussões que
se estendem e fazem surgir questões ligadas aos métodos de aplicação das práticas
naturais inseridas em um novo modelo e paradigma de atendimento e tratamento
para a saúde. Ao propor-se a criação de um curso de graduação em Naturologia
Aplicada, pretendeu-se exatamente garantir e contribuir no contexto social em que
se inserem as práticas naturais baseadas em conhecimentos que privilegiam a
pesquisa, o ensino e a extensão nesta área.
2.1 Naturologia como conhecimento Transdisciplinar
N Fórum Conceitual de Naturologia, realizado de 05 a 07 de novembro de
2009 em Santa Catarina, definiu-se de forma oficial e homologada a Naturologia
6 APANAT - ABRANA - I Fórum Conceitual de Naturologia, Florianópolis SC, 2009
10
como: um conhecimento transdisciplinar que atua em um campo igualmente
transdisciplinar.
Transdisciplinaridade sugere muitos significados, desde aqueles capazes de incitar atraentes movimentos reflexivos, investigativos, até reações de forte resistência e desconfiança, principalmente se considerarmos a perspectiva polissêmica que a palavra é capaz de inspirar. (RODRIGUES, 200).
O sentido do termo da transdisciplinaridade que a naturologia empresta é
aquele de que potencializa a idéia de caminhar, de ultrapassar as fronteiras das
disciplinas e de ousar transitar por elas. A transdisciplinaridade, como propõe
Basarab Nicolescu7, é um movimento que se estabelece entre, através e para além
das disciplinas cuja dinâmica consolida-se na coerência, na legitimidade e na
articulação de saberes que se desdobram de seu difícil exercício. Como nos explica
Nicolescu: “Todo o conhecimento ocidental assenta sobre a eficácia da
especialização, o que é para mim uma ideia justa”. Mas, “a Transdisciplinaridade
não é uma nova disciplina”, e “não diz respeito nem ao método (nem, portanto, à
transferência do método), nem à justaposição de conhecimentos que fazem parte de
uma disciplina já existente”. É antes “uma atitude rigorosa em relação a tudo o que
se encontra no espaço que não pertence a nenhuma disciplina” (NICOLESCU, apud
SANTOS, 1995 p. 02). Dito de outra forma, a Transdisciplinaridade é complementar
da aproximação disciplinar; ela faz emergir da confrontação das disciplinas, novos
dados que as articulam entre si e que nos dão uma nova visão da natureza e da
realidade.
A transdisciplinaridade surge como possibilidade para o alargamento da compreensão do real, como renascimento do espírito e de uma nova consciência, de uma nova cultura para enfrentar os perigos e horrores desta época. Instiga a tomar consciência da gravidade do momento e a colocar em conexão os conhecimentos e as capacidades de pensar para transformar a si mesmo e o mundo em que vivemos, levando a termo uma nova praxis. Ser histórico e compreender-se historicamente não significa somente o entendimento de uma lógica cuja razão crítica está na base de explicações conjunturais e econômicas, mas sim e também, reconhecer-se trans-histórico e responsável por um pensamento de si, do contexto e do complexo."A prática de um olhar transdisciplinar, muito alerta à contextualização dos conceitos, não visa a conversão de sua eficácia heurística de um domínio para outro, mas a multiplicar os ângulos de aproximação que complexificam o objeto". Está em questão para além da "modalidade do fazer humano", a necessidade de reaprender a religar conhecimentos, problematizar o contexto, articulando todo o saber à vida; a
7 Basarab Nicolescu, físico, presidente e fundador do C.I.E.R.T. - Centro Internacional de Epistemologia e Reflexão Transdisciplinar
11
necessidade de realizar uma reforma do pensamento (que no dizer de Morin é uma questão antropológica e histórica) capaz de promover a cultura de uma consciência humanitária que se funde na capacidade de integração entre a vida, a conduta e o conhecimento. (RODRIGUES, 2000).
A naturologia, como conhecimento transdisciplinar, ao contrário de outras
atitudes contemporâneas, decididamente não pretende ser um mero movimento
new-age, nem uma reunião de esoterismos onde se mistura distintos campos de
conhecimento e culturas que a faça perder sua substância e aquilo que a legitima. A
naturologia propõe a coordenação do conhecimento em um sistema rigoroso, que
permite o livre trânsito de um campo de saber para outro, ultrapassando a
concepção de disciplina (embora não a eliminando) e enfatizando o desenvolvimento
de todas as nuances e aspectos da vida e do comportamento humano. Desta forma,
a naturologia se estabelece como um conhecimento transdisciplinar e como dito por
Rodrigues (2000), instiga a colocarmos em conexão os conhecimentos, práticas e as
capacidades de pensar para transformar a si mesmo e o mundo em que se vive.
2.2 O profissional naturólogo na área da saúde
A tendência da medicina ocidental tem sido negligenciar os sentimentos tanto
do paciente quanto do médico, concentrando-se exclusivamente nas descobertas no
corpo do paciente ou em sintomas objetivos. No pólo oposto do quadro dualista, o
trabalho dos psicólogos tem revelado a tendência de procurar explicar a maior parte
das moléstias como objetos subjetivos da mente. Ambas as alternativas
apresentadas permanece o fato de que em cada um desses métodos o paciente é
encarado como implicitamente dividido em duas partes distintas – corpo e mente.
O naturólogo, embora reconheça o valor das realizações em ambos os
campos, o faz com certas ressalvas. A sua concepção do ser humano deve ser de
um todo que não pode ser dividido em duas partes ou concebido como uma
dualidade. Para ele, as manifestações físicas e mentais dos seus interagentes são
as manifestações inseparáveis de uma só e inalterável entidade. Vale lembrar, no
que foi exposto acima sobre a naturologia, que se objeto não é a natureza mas sua
manifestação complexa na vivência do homem, quanto ente que vivencia seu corpo
e espírito em sua totalidade. A naturologia, portanto, é contrária a ideia dualista
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clássica, que separa corpo e espírito, ou corpo e mente, defendendo uma
concepção holística do organismo humano.
Em uma acepção holística o ente humano é visto como um sistema vivo cujos
componentes estão todos interligados e interdependentes. Capra (1998) ainda
ressalta que em um aspecto mais amplo, a concepção holística reconhece também
que este sistema é integrante de sistemas maiores, o que subentende que um
organismo individual está em interação contínua com seu meio ambiente físico e
social, sendo constantemente afetado por ele, mas podendo também agir sobre ele
e modificá-lo.
Nesta direção, através da utilização de recursos e práticas naturais, o
naturólogo visa contribuir para a promoção, manutenção e recuperação da saúde
holística e integral do interagente, não focando aspectos psicológicos e fisiológicos
de forma individualizada e fragmentada. Assim, o naturólogo, dentro da área da
saúde, é o profissional responsável por identificar e avaliar hábitos causadores de
moléstias, pesquisar técnicas, analisar as necessidades individuais, recomendar os
tratamentos complementares mais adequados a cada interagente e detectar
possíveis problemas de saúde, sempre visando a integridade do interagente.
O Naturólogo utiliza técnicas e práticas naturais de tratamento para prevenção, a promoção e a manutenção da saúde tendo como apoio pesquisas e estudos que contribuam para a validação das mesmas. Não visa em hipótese alguma realizar o diagnóstico físico do ser humano, deixando esse aspecto para as áreas médicas competentes. (ESTEVES; PEREIRA, 2009).
A avaliação não visa obter um diagnóstico pautado sobre a condição
patológica do interagente, área que é estritamente de competência médica. A
avaliação tem por objetivo reunir dados específicos sobre a condição de saúde diária
do interagente, possibilitando o naturólogo traçar os melhores caminhos terapêuticos
que serão utilizados por ele no tratamento. A avaliação é um processo do qual o
interagente deve participar ativamente, contribuindo com informações consideráveis
acerca de seu modo de vida. Cada interagente é um caso único que apresenta um
grande número de variáveis a serem levadas em conta. A avaliação terapêutica
apóia-se em juízos subjetivos do naturólogo e do interagente, baseando-se num
conjunto de dados qualitativos e quantitativos, obtidos pelo naturólogo através de
13
seus próprios sentidos – tato, ouvido e visão – e da estreita interação com o
interagente.
O processo naturológico visa em primeira instância, o tratamento do ser humano com seus processos de saúde e doença focalizando trabalhar em conjunto com outras áreas da saúde, pois o naturólogo tem o importante papel de fazer um trabalho complementar (e não alternativo) observando seu campo de atuação diante de um caso clínico, mas também fazendo os devidos encaminhamentos para os demais profissionais da saúde - fisioterapeutas, médicos, psicólogos, dentistas, nutricionistas, entre outros. (ESTEVES, P; PEREIRA, M. 2009)
O naturólogo trabalha de forma complementar, utilizando recursos e práticas
naturais para a manipulação constante da saúde. O campo de atuação do
naturólogo contempla sistemas complexos e recursos terapêuticos, os quais são
também denominados pela Organização Mundial de Saúde – OMS – de medicina
tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA). Tais sistemas e recursos
envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de promoção
e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes, com ênfase na escuta
acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser
humano com o meio ambiente e a sociedade. Outros pontos compartilhados pelas
diversas abordagens abrangidas nesse campo são a visão ampliada do processo
saúde doença e a promoção global do cuidado humano, especialmente do
autocuidado. Como exemplo, em sua abordagem terapêutica, o naturólogo é
capacitado a trabalhar com técnicas de massoterapia, aromaterapia, geoterapia,
cromoterapia, hidroterapia, terapia floral, técnicas corporais, fitoterapia, iridologia
entre outras.
3 A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA E A NATUROLOGIA
Uma vez esclarecido o significado da naturologia e o perfil do naturólogo,
cabe ressaltar algumas semelhanças entre a MTC e a Naturologia, indicando porque
uma medicina de uma tradição tão distante torna-se estudo fundamental na
formação do naturólogo. O primeiro paralelo a ser apresentado são as bases
epistemológicas da MTC em consonância com logos em naturologia. Outro ponto
importante a ser desenvolvido é a semelhança metodológica da MTC e da
14
Naturologia, ambas pautadas em uma metodologia do cuidado. Dando sequência,
pretende-se apresentar os fundamentos bioenergéticos da MTC, que servem como
rico suporte teórico para a uma avaliação energética da condição de saúde do ser
humano, que visa auxiliar o naturólogo em sua proposta terapêutica através das
práticas naturais.
3.1 Bases epistemológicas da MTC e a Naturologia
Por volta do século VI. a. C, nas colônias jônicas da antiga civilização grega,
surge a filosofia. Este novo movimento espiritual do povo grego teve inicio através
da insatisfação de alguns com o tipo de explicação mitológica que abarcava toda
realidade. Assim, os primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos, buscavam
na própria natureza, a explicação para a origem e a transformação de todas as
coisas. É por este motivo que estes filósofos também podem ser chamados de
filósofos da natureza, ou filósofos da physis. Na mesma época, na China, ocorreu
um movimento semelhante. Os chineses também iniciavam sua busca pela
explicação dos fenômenos naturais sem mais se referir a forças divinas ou
misteriosas, como os deuses ou ancestrais. Como elucida Jacques (2003) “assim
como os gregos, os chineses buscavam arrolar em categorias a totalidade do mundo
material e explicar a criação, existência, e transformação de todos os fenômenos por
meio da interação mútua de suas categorias”. (JACQUES, 2003 p.08).
Entretanto o pensamento chinês, que se afastava das explicações
sobrenaturais da realidade, desenvolveu-se através noções centrais distintas da
filosofia grega e do pensamento científico ocidental. Granet (1997) elucida certos
traços da cosmovisão chinesa:
As idéias conjuntas de Ordem, Totalidade e Eficácia dominam o pensamento dos chineses. Eles não se preocupam em distinguir reinos da natureza. Toda realidade é total em si. Todo universo é como o Universo. A matéria e o espírito não aparecem como dois mundos opostos. Não confere ao homem um lugar à parte [...] a não ser na medida em que, possuindo uma posição na sociedade, é digno de colaborar na manutenção da ordem social, fundamento e modelo da ordem universal. [...]. Essas idéias coadunam-se com uma representação do mundo que se caracteriza não pelo antropocentrismo, mas pela predominância da noção de autoridade social. (Granet, 1997, p.211).
A ideia de totalidade, representada pelo tao, é o principio fundamental do
taoísmo que teve influência decisiva em toda a construção do que hoje se conhece
15
por Medicina Tradicional Chinesa, principalmente pelas teorias yin e yang e a dos
cinco movimentos. A MTC compreende um conjunto de conhecimentos e práticas
terapêuticas milenares que só pôde ser desenvolvida a partir destas bases
filosóficas aplicadas a área da saúde humana.
Como destaca Oliva (2002), na antiga China, a escola que mais se destacou
e que influenciou todo o desenvolvimento da medicina chinesa foi a escola yin/yang.
Em resumo, esta teoria postula que todas as coisas, fenômenos e situações do
universo possuem dois aspectos e polaridades opostas e complementares. Yin e
yang são duas polaridades interdependentes que compõe tudo que existe. Estas,
mantendo uma interação de oposição e interdependência, permitem todo o
movimento e mutação em um equilíbrio interno de todos os fenômenos.
Assim, todos os fenômenos e situações podem ser observados interpretados
segundo a interação de yin e yang, o frio só existe porque há o calor, o feminino o
masculino, a secura a umidade, a luz a escuridão e assim sucessivamente. O
diagrama yin corresponde ao lado de uma montanha que está na sombra e ao passo
que o diagrama yang, o lado da montanha que está ao sol. Eles, no entanto, não
retém um significado específico como forças ou substâncias, mas servem como
emblemas para caracterizar duas linhas de correspondência: na linha yin estão
enrolados os fenômenos mais materiais, mais densos, mais profundos, frios, inertes
e escuros, ao passo que na linha yang os fenômenos mais imateriais, voláteis,
quentes, claros e assim por diante.
Afastando-se das teorias cosmológicas chinesas, Oliva (2002) aponta a
relação entre esta teoria yin/yang e o processo de conhecimento do povo chinês:
Dentro de la epistemología de la Medicina Tradicional China, y en particular me refiero a la teoría YIN/YANG, podemos ver que la mayor contribución al pensamiento general que la cultura china nos dio, fue el de no permanecer como observadores dentro del proceso de creación del conocimiento. Volviendo a ver las bases filosóficas que desarrollaron la cosmología y posteriormente la de procesos de conocimiento, el oriental se siente totalmente dentro de este concepto haciendo de éste, su método y estructura básica para el acto del conocer. Esto significa que cuando conocemos (visto desde el hombre chino) lo hacemos desde nos sentirnos Yin/Yang, a donde el aspecto yin del conocer esta plasmado en el ser del conocimiento, que es simplemente ser y se contenta en ser lo que es, mientras que el aspecto yang se refiere al acto del movimiento y del buscar, trabajo del conquistar y dirigirse hacia fuera, hacia la realidad, que permite la acción descubridora del ser. Por un lado el ser que necesita el conocer para ser plenamente, y por otro lado el conocer que precisa del ser para ser conocimiento efectivo. Es de esta forma que el conocer se transforma en una praxis de desarrollo del sujeto, haciendo que todo el
16
conocimiento descubierto sea un impulso de acción para el conocer interior. Citando a Zimmer podemos decir que “la filosofía oriental va acompañada y auxiliada por la practica de una forma de vida” (OLIVA, 2002, p. 08)
Pode-se afirmar, desta maneira, que a epistemologia chinesa não pode ser
separada da esfera ontológica. Vida e conhecimento se entrelaçam. Por
conseguinte, o que aqui se pretende ressaltar é que o conhecimento, para os
antigos chineses, não pode ser realizado por puro raciocínio ou especulações
filosóficas. Além disso, segundo as conjecturas de Oliva (2002), o investigador que
busca o conhecer não pode ser simplesmente sujeito observador do conhecimento
que está criando, e sim sujeito ativo, imerso no universo único do processo de
conhecer, sendo este mesmo parte do próprio conhecimento.
Cooper, define este trazo característico con la siguiente frase: “en oriente la filosofía es considerada inútil si no tiene repercusión sobre el carácter” Com esto nos encontramos frente a una realidad científica muy diferente de aquella que estamos acostumbrados, no podemos conocer manteniéndonos ajenos al acto del conocer, desde este sentido podemos decir que el fin último de creación de conocimiento no es el filosofar sobre él, y si el experimentar la vida a partir de él (OLIVA, 2002, p. 09).
De forma alguma se pretende igualar este modo de conhecer a realidade
natural ao logos naturológico, tendo em vista a grande barreira cultural, histórica e
lingüística que as separam, mas, sobretudo o estudo do pensamento chinês abre um
novo horizonte epistemológico que vai de encontro a proposta da naturologia.
Como mencionado anteriormente, o logos como conhecimento deve ser
construído a partir da relação entre o naturólogo e o interagente em suas vivências,
o conhecimento não pode ser separado do mundo-vida de ambos, portanto o
conhecimento deve ser sempre um autoconhecimento. Em outras palavras, a
naturologia preconiza a construção de conhecimento a partir da vida, ou melhor, da
vivência de pessoas envolvidas em uma interação, e não um conhecimento sobre a
vida. Não há mais uma relação de sujeito-objeto, mas de sujeito-sujeito, que vivem e
compartilham conhecimento daquilo que são ou pretendem ser, dos hábitos e
caminhos que procuram trilhar. O naturólogo não é aquele que investiga a natureza
em laboratório, mas sua manifestação no mundo vivido, com seus significados e
contradições onde a natureza é uma estrutura que se desvela e se expressa na
vivência dos protagonistas de uma relação de interagência terapêutica.
17
Como aponta Martins (2008), é importante, para uma Relação de Interagência
profícua, que o Naturólogo esteja em uma constante busca do autoconhecimento e
também busque conhecer o Ser assistido em suas particularidades, sem pré-
conceitos. Isso, juntamente com a noção das sabedorias milenares tradicionais,
traduz-se para determinadas habilidades como a arte do Cuidar.
3.2 MTC e a Naturologia como prática do Cuidado.
Hipócrates distingui claramente o conceito de medicina e higiene, em grego
hygiainein que significa tratar. A medicina é uma prática que intervém, ao passo que
a Higiene trata. A primeira tem por objetivo curar e a outra cuidar. Higiene possui o
mesmo radical que Hygéia, deusa da saúde na mitologia grega, de modo a consistir
então no constante trato com a vida. Logo, a higiene não é traumática e
descontínua, de modo que por definição também não pode ocupar-se dos fatores
externos diretamente tal como é o objetivo da medicina.
Higiene deve significar a ação imediata no indivíduo e não ação mediada
sobre o organismo. Com efeito, medicina designava, em grego, mediação entre o
homem e a natureza, mediação esta dada pelo médico. “A higiene por outro lado,
pretende ser uma manipulação, mas imediata entre o individuo e seu mundo
encarnado. Não há um meio entre o homem e a natureza sobre o qual se deve agir,
a própria natureza é entendida como meio encarnado no homem”. (SILVA, 2004, p.
11). A higiene nestes termos é a atividade de lidar com a saúde diretamente na sua
condição natural.
Se levarmos em consideração o sentido de natureza, como estrutura temporal
encarnada no mundo, como exposto anteriormente, a naturologia é o estudo e a
prática rigorosos de métodos de higienização (que envolve técnicas de saneamento,
prevenção, educação, saúde pública etc.). É isto que justificaria dentro da
naturologia estudos de técnicas corporais, tanatoterapia, fitoterapia, musicoterapia,
entre outras. Todas estas terapias são técnicas de manipulação constante da
integridade individual, e não técnicas de intervenção descontínua. A naturologia não
é medicina em nenhum sentido da palavra. “Ela não busca curar, senão tratar ou
cuidar, embora não exclua sua possibilidade, assim como a medicina procura curar
sem excluir de todo possibilidades de cuidado” (SILVA, 2004, p. 11).
18
De acordo com as palavras de Silva, a naturologia estabelece para si uma
teoria rigorosa em higiene capaz de determinar a saúde em sua continuidade e
manipulá-la tanto qualitativamente quanto qualitativamente.
O naturólogo tem por objetivo específico a manutenção da saúde, que pode ser entendido em termos de educação, higiene, saúde pública, prevenção e cuidados psicofísicos permanentes. Como a naturologia não é uma técnica de cura, por não fundar-se em um método de intervenção imediata, o naturólogo não será o mediador entre a natureza externa e a natureza própria do interagente, pois a Naturologia não conceberá o interagente como exterioridade objetiva. O interagente é necessariamente interno a natureza e o próprio naturólogo é interno a ela; conseqüentemente, o naturólogo não possui critério absoluto e pré- determinado para intervir sobre um indivíduo. Logo, o naturólogo é aquele que cuida do interagente, mas não fornece nenhum pharmacon final, tanto em termos físicos quanto em termos psicológicos. Metaforicamente, o naturólogo guia o caminho do interagente sem consistir um caminho propriamente. (SILVA, 2004, p. 22).
Tratamos agora a semelhança destes pressupostos com os fundamentos da
medicina chinesa. Na MTC a noção de cura é igualmente ilegítima, tanto devido aos
seus fundamentos teóricos quanto aos seus limites técnicos. Para compreender esta
afirmação, antes é necessária uma análise mais aprofundada sobre a concepção
chinesa concernentes aos processos de saúde e doença ou de normal e patológico.
Capra (1982) elucida que na concepção chinesa de saúde, o equilíbrio8 é o
conceito fundamental. Os clássicos afirmam que as doenças tornam-se manifestas
quando o corpo perde o equilíbrio e o Qi não circula apropriadamente nos
meridianos ou canais de energia. São múltiplas as causas para tais desequilíbrios.
Através de uma dieta sofrível, da falta de sono, de exercício, ou por se encontrar em
um estado de desarmonia com a família e a sociedade, o corpo pode perder seu
equilíbrio, e é em momentos como esse que começam a ocorrer disfunções
orgânicas. Entre as causas externas, os chineses citam as mudanças sazonais
como sendo forte fator de influência sobre o corpo, podendo causar enfermidades.
Já entre as causas internas, atribuem-se os desequilíbrios ao estado emocional da
pessoa, classificados e associados a órgãos internos específicos.
8 Equilíbrio deve ser entendido como equilíbrio dinâmico. Este é um conceito útil para definir saúde. Dinâmico é aqui de importância crucial, indicando que o equilíbrio necessário não é um equilíbrio estático, mas um modelo flexível de flutuações. A saúde, portanto, é um experiencia de bem-estar resultante de um equilíbrio dinâmico que envolve os aspectos físicos e psicológicos do organismo, assim como suas interações com o meio ambiente natural e social. (CAPRA, 1982, p. 316).
19
A doença, nesta perspectiva, não é considerada um agente intruso, mas um
resultado de um conjunto de causas que culminam em desarmonia e desequilíbrio.
Entretanto, a natureza de todas as coisas, incluindo o organismo humano, é tal que
existe uma tendência natural para adquirir um estado dinâmico de equilíbrio. As
flutuações entre equilíbrio e desequilíbrio são vistas como um processo natural que
ocorre ao longo de todo o processo vital.
Os textos tradicionais (chineses) não traçam uma linha divisória nítida entre saúde e doença. Tanto a saúde quanto a doença são consideradas naturais e partem de uma seqüencia contínua. São aspectos do mesmo processo, em que o organismo individual muda continuamente em relação ao meio ambiente inconstante. (CAPRA, 1982, p. 309).
Como a doença será, em dados momentos, inevitável no processo vital, a
saúde perfeita não é o objetivo principal do paciente ou do médico. A finalidade da
medicina chinesa é antes realizar a melhor adaptação possível do indivíduo ao meio
ambiente como um todo.
É fácil perceber que um sistema de medicina que considera o equilíbrio e a harmonia como meio ambiente a base da saúde enfatiza necessariamente as medidas preventivas. Com efeito, o papel principal dos médicos chineses sempre foi o de evitar o desequilíbrio de seus pacientes. Dizia-se que os médicos na China só costumavam ser pagos enquanto seus pacientes estivessem bem de saúde, e que o pagamento cessava quando eles adoeciam (CAPRA, 1982, p. 309).
Na MTC a saúde não coincide com o normal. Sentir-se saudável significa
extrapolar a normalidade, ou seja, o estado de variação por reação ao meio. Ser
capaz de fazer o organismo exercer atividades em um ritmo de variação que no
mínimo interaja com o meio, sem meramente reagir, significa não padecer das
próprias condições. Não padecer das próprias condições significa um estado de
saúde. A questão que se coloca é: como curar um paciente em nome de uma
normalidade que é inteira variação?
Assim, a MTC procura estabelecer um método que seja capaz de manipular o
estado condicional de um indivíduo em seu ambiente cotidiano. A palavra que traduz
o ato de manipulação da normalidade à saúde (e não da doença à normalidade)
chama-se cuidado, e não cura.
20
O conjunto de práticas terapêuticas desenvolvidas pela tradição chinesas,
como a dietoterapia, a acupuntura, reflexologia, massoterapia chinesa e suas
diversas modalidades apresentam-se como um rico arsenal prático de manipulação
contínua da saúde em vistas ao equilíbrio dinâmico do homem com o meio. Estas
práticas, sem dúvida, só puderam ser desenvolvidas pelo modo como uma teoria
das doenças (patologia) e das atividades normais (fisiologia) foram compreendidas
na tradição chinesa. Esta concepção, como exposta anteriormente, legitima o
exercício do cuidado como diretriz clínica da MTC, em semelhança as diretrizes que
guiam o trabalho do naturólogo dentro da área da saúde, através das práticas
naturais complementares.
Observemos que as práticas complementares, desde as antigas até as mais recentes, afiliadas ou não a racionalidades médicas, dedicam-se eminentemente ao cuidado com a saúde dos indivíduos. Se a noção de "indivíduo" é uma invenção recente da modernidade européia, devemos reconhecer que o cuidado com a saúde individual, no sentido de voltado para a pessoa, é tradição comum das culturas. A concepção de pessoa pode ser mais relacional que o indivíduo moderno, mas isso não obscurece o fato de que são baseadas nas pessoas e suas relações que as práticas tradicionais e suas racionalidades se desenvolveram. Inclusive, várias racionalidades médicas insistem em que o cuidado com a saúde é um meio para o objetivo final de realização enquanto ser humano (discurso também da promoção da saúde), concebendo um processo de transformação e realização pessoal como trajetória individual, ainda que seja para religar e re-harmonizar a pessoa com o cosmo, o mundo, os outros. Esse é o objetivo do caminho das práticas tradicionais do yoga ou do tai chi chuan, inseridas nas racionalidades médicas tradicionais da Índia e da China. (TESSER, 2009).
Portanto, observamos que algumas racionalidades médicas vitalistas e suas
práticas (como exemplo a homeopatia, medicina tradicional chinesa, medicina
ayurvédica) estruturam-se e agem em termos de uma conceituação positiva de
saúde. Proporcionam técnicas, saberes e ações especificamente promotoras da
saúde e, por vezes, integram com elas cuidados terapêuticos, estimulando
potenciais autoreguladores para o fortalecimento da saúde. Isso é permitido, por
exemplo, pelo uso de noções como a de sopro ou energia vital – Qi, que interliga a
pessoa interna e externamente. Por mais misteriosas que possam parecer tais
noções para nossas mentes ocidentais, é mister reconhecer que elas organizam de
modo operacional a promoção e a terapêutica e que há aprendizado disciplinado e
organizado para compreensão, percepção, treino e uso da matéria prima da saúde
21
que é essa energia vital, para o cuidado e para a promoção da saúde. Sobre a
noção desta energia é o que passo a explorar, no tópico a seguir.
4 FUNDAMENTOS DA BIOENERGÉTICA E AS PRÁTICAS NATURAIS
A MTC caracteriza-se por uma terapêutica baseada em um enfoque biológico
distinto do modelo ocidental. Parte-se do princípio da existência de uma substância
imaterial, invisível aos nossos olhos, que chamamos de energia e que é
responsável, em primeira instância, por qualquer alteração biológica. Perez (2006)
lembra que a energia é o princípio básico da MTC, sendo esta fonte integradora e
reguladora da toda forma físico-química. Esta energia não é privativa dos seres
vivos, senão todas as situações que se produzem no universo têm lugar por sua
existência. Esta energia é denominada Qi – energia cósmica primária e tem diversas
formas de manifestação, podendo mover os astros, modificar o tempo, fazer circular
o sangue, criar os campos psíquicos de atuação, dar calor, frio, etc.
Em resumo, o Qi é a origem de tudo e para os orientais constitui o objeto
primordial de seus estudos, independentemente de suas múltiplas formas de
apresentação. Está representado no diagrama a seguir:
Ilustração 01 IDEOGRAMA DO QI
Fonte: www.meusestudosdeacupuntura.blogspot.com/
Este símbolo se compõe de duas partes. A primeira um movimento de
ascensão até o céu como uma forma de vapor, imaterial e intangível. A segunda
representa um grão de arroz que simboliza o elemento material, tangível. A forma
física que sustenta a vida material. Dominar este princípio supõe controlar suas
manifestações em proveito do ser humano e de seu desenvolvimento harmônico.
22
Perez (2006) afirma que a concepção terapêutica que parte desta axiomática
energética em sua linha de atuação pode ser chamada de vitalista. A partir desta
concepção, considera-se que a enfermidades e moléstias acontecem primeiramente
em um campo energético e, na medida em que este desequilíbrio vai se acentuando
produz reações bioquímicas, funcionais e por fim orgânicas como demonstrado na
pirâmide a seguir:
Ilustração 02 A PIRÂMIDE BIOLÓGICA
Fonte: Acupuntura I. Fundamentos de Bioenergética, 2006
De acordo com o quadro exposto, a enfermidade inicia como um desequilíbrio
energético. Neste estágio evolutivo, já é possível traçar técnicas de manipulação
terapêutica para manter um equilíbrio dinâmico do interagente e impedir que
desequilíbrios energéticos se transformem em alterações bioquímicas, funcionais e
orgânicas. Vemos a direita da ilustração à proposta terapêutica especifica em cada
estágio. As práticas naturais como a massoterapia, cromoterapia, aromaterapia,
terapia floral e muitas outras são exemplos eficazes que atuam no campo
23
energético, ao lado de muitas técnicas terapêuticas da MTC, como a acupuntura, o
QI Gong, Tuina, entre outras.
Assim, a naturologia tem como proposta utilizar as práticas naturais na
promoção da saúde, atuando em um nível energético. Portanto a aplicação destas
práticas não visa, em última instância, agir sobre uma debilidade orgânica já
estabelecida, embora possa ajudar de forma eficiente na recuperação de quadros
agudos de alteração físico-química. É neste sentido que os fundamentos energéticos
vitalistas da MTC, dos processos de saúde e doença que mais podem ser chamados
de desequilíbrios apresentam-se como uma rica fonte de conhecimento teórico e
prático no direcionamento da terapêutica naturológica com as práticas naturais. É
importante esclarecer alguns destes fundamentos:
- A energia é fonte integradora e reguladora e de toda forma físico-quimica. (PEREZ,
2006, p. 27)
- A enfermidade é considerada uma alteração anatomo-fisico-funcional e tem, como
causa etiológica habitual, um desequilíbrio energético. Assim, a enfermidade não
tem nome, é um estado de desequilíbrio energético que se pode manifestar por uma
carência ou um excesso. (PEREZ, 2006, P. 27).
- Não há enfermidades, senão enfermos. Portanto há que individualizar o
tratamento. Isto implica dar uma terapia adequada a cada modalidade de sintomas,
tendo em conta os componentes psicossomáticos. Assim, podem existir dois
pacientes com sintomatologias distintas e tecer o mesmo tratamento, ou apresentar
duas sintomatologias aparentemente iguais que precisem de diferentes tratamentos
(PEREZ, 2006, p. 26).
- A enfermidade, uma vez instaurada, leva a um processo evolutivo, que por seguir
leis estabelecidas, pode-se determinar e prever. (PEREZ, 2006, p. 27)
- Existe um sistema capaz de transmitir e receber toda a bioinformação energética
que constantemente nos envia nosso meio vital. (PEREZ, 2006, p. 46).
- Todos os nossos órgãos estão relacionados entre si de tal forma que a alteração
de um deles pode repercutir em qualquer outro de acordo com a predisposição
genética ou adquirida. Desta forma, um mesmo distúrbio como causa etiológica,
pode originar quadros patológicos em diversos órgãos e sistemas (PEREZ, 2006, p.
46).
24
- Os estímulos bioenergéticos do meio provocam reações seletivas sobre os órgãos
e sistemas de acordo com sua freqüência, intensidade e longitude de onda. (...)
Todo o estímulo bioenergético provoca uma reação de hiperemia. (PEREZ, 2006, p.
46)
Pode-se concluir que atuando sobre os campos energéticos do organismo se
pode prevenir alterações bioquímicas conseqüentes de um desequilíbrio de
polaridades. Como mencionado, as práticas naturais visam atuar sobre estas bases
energéticas. Vale lembrar, no entanto, que se requer uma manipulação constante da
saúde. O naturólogo não intervém no corpo com o objetivo de curar, agindo sobre
uma patologia especifica com o objetivo de reverter um quadro patológico. A
naturologia aplicada, no âmbito da saúde, utiliza as práticas naturais de forma
continuada visando promover a saúde em termos qualitativos, no âmbito energético.
Isso não exclui, no entanto, a possibilidade de reversão de um quadro em que há
estabelecida uma disfunção orgânica diagnosticada.
Por conseguinte, um conhecimento preciso sobre a fisiologia energética do
ser humano é necessário, para poder atuar com eficiência, otimizando os resultados
das práticas naturais para melhorar a condição de saúde do interagente. A
naturologia, no entanto, procura atuar de forma transdisciplinar, não se restringindo
a conhecimentos especializados.
O naturólogo será o profissional capacitado a tratar e dirigir indivíduos em sua condição tanto natural quanto social e cultural. Pelo modelo em que o curso está estruturado, não se formarão especialistas distintos por suas regiões de atuação. Admitem-se técnicas diferentes, mas não, intenções metodológicas diferentes, o que permite ao naturólogo o conhecimento prático e teórico como um elo de ligação entre os diversos ramos do conhecimento humano de relação com a natureza, que consistem tanto em meios culturais quanto em meios orgânicos (SILVA, 2004, p. 23).
A procura por cursos de especialização em acupuntura, cada vez maior por
parte dos naturólogos pode ser vista como uma forma de compreender os
fundamentos energéticos da MTC principalmente a teoria yin yang, cinco elementos9
9 A teoria dos cinco movimentos, corresponde aos cinco processos básicos, as qualidades, as fases de um ciclo ou a capacidade inerente de modificação de um fenômeno. Assim, água, fogo, terra, metal e madeira, simbolizam cinco qualidades inerentes diversas e expressam todos os fenômenos naturais. (MACIOCIA, 1996).
25
e zang-fu10. Estes estudos são fundamentais na compreensão holística chinesa da
saúde e ajudam a atuar de forma precisa, embora não especializada, na utilização
dos mais diversos recursos naturais para a promoção da saúde e qualidade de vida
dos interagentes.
5 CONCLUSÃO
Investigar os métodos para promoção e cuidado com a saúde e saber aplicá-
los a cada ser humano, reconhecendo suas necessidades, levando em conta, sem
prejuízo, as variáveis dos aspectos biopsicossociais que integram a vida e o mundo
de cada um, exige uma postura do naturólogo que ultrapassa os limites da
teorização e objetividade cientifica. Isto é, a naturologia assume que a construção de
conhecimento não pode ser tecida apenas sob uma perspectiva cientifica, aos
moldes naturalistas, uma vez que “qualquer teoria é redutora e incapaz de dar conta
da totalidade dos fenômenos de saúde e do adoecer” (CZERESNIA apud MARTINS,
2008).
É precisamente na relação entre seres humanos, dispostos a compartilhar
experiências e vivências, através da comunicação genuína, de um logos dialógico,
que o conhecimento e o autoconhecimento se dão naturalmente. A interagência é o
campo fecundo que possibilita este encontro de vivências e mundos distintos, mas
com a mesma abertura para compartilharem e crescerem conjuntamente.
O naturólogo é o profissional que possibilita um encontro onde as pessoas
envolvidas naturalmente se percebam como agentes criadores de conhecimento e
transformadores de realidades. Através da educação, o naturólogo orienta o
interagente a estar no mundo de forma mais saudável, defendendo, afirmando e
ampliando cada vez mais a vida. Neste mesmo processo o naturólogo sempre
aprende com o interagente, com seus conhecimentos, experiências, transformando-
se a cada relação, pois como dia Briceño Leon “não há seres educados e não
educados, estamos todos nos educando”.
10 A teoria Zang-Fu trata dos órgãos e das vísceras do corpo humano e da relação entre eles. Para os chineses existem cinco órgãos yin e cinco órgãos yang, fundamentais no corpo humano, são eles: coração, pulmão, baço-pâncreas, rins, fígado, intestino delgado, intestino grosso, estômago, bexiga e vesícula biliar. Segundo Reichmann (2002), o aparecimento de um desequilíbrio é atribuído a anormalidades nas relações entre órgãos internos. Por isso, no tratamento, além de se observar o órgão em questão, deve-se também levar em conta os outros órgãos a ele relacionado.
26
Cumprindo com seu papel educativo, o naturólogo dentro da área da saúde,
tem como objetivo promover novos conceitos e práticas para manutenção e
promoção da saúde, em termos qualitativos e quantitativos, através de uma
metodologia do cuidado, isto é, atendendo continuamente, com atenção e zelo para
manter um estado de equilíbrio dinâmico.
A tradição chinesa, em sua proposta holística, coloca em conexão educação e
saúde, quando reassume a responsabilidade do ser cuidado para a manutenção ou
recuperação de sua saúde. Os indivíduos só podem ser responsabilizados na
medida em que têm a liberdade de cuidar de si mesmos. A MTC preconiza que,
como indivíduos temos o dever e a responsabilidade de manter nosso organismo em
equilíbrio, respeitando algumas regras de comportamento no que se refere ao sono,
a alimentação e aos exercícios físicos
Além disso, a MTC contém um vasto conjunto de práticas terapêuticas que
visam atuar em um campo energético como a dietoterapia, técnicas corporais,
acupuntura, massoterapia. Estas práticas enfatizam o caráter preventivo da
medicina chinesa, que entende como base da saúde o equilíbrio e a harmonia com o
meio ambiente interno e externo.
Tendo em vista estas características, o estudo da MTC consolida-se como
disciplina formal do curso de naturologia, enfatizando o entendimento das noções
fundamentais desta tradição filosófica, apresentando algumas técnicas corporais e
de manipulação corporal assentada sobre a noção de Qi. Entretanto, a necessidade
de aprofundamento neste conhecimento para saber utilizá-los como fundamento
para a aplicação das práticas naturais, levam os naturólogos a ingressarem
principalmente em cursos de especialização em acupuntura e massoterapia chinesa.
Ao lado da Medicina Ayurvédica e da Medicina Xamãnica, a MTC é assim um dos
pilares da naturologia, preconizando um olhar holístico, a educação em saúde e a
atuação focada no campo energético para a promoção da saúde e da qualidade de
vida dos seres humanos.
6 REFERENCIAS BILBIOGRÁFICAS APANAT - ABRANA - I Fórum Conceitual de Naturologia, Florianópolis SC, 2009
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