a linguagem na formação da criança

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AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NO COTIDIANO DAS CRIANÇAS Cristiane Januario Gonçalves Débora Andrade Antonio As cem linguagens da criança 1 A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos cem pensamentos cem modo de pensar de jogar e de falar. Cem sempre cem modos de escutar, de maravilhar de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos de fazer sem a cabeça de escutar e de não falar de compreender sem alegrias de amar e de maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir um mundo que já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação o céu e a terra a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe enfim: 1 Poesia de Loris Malaguzzi: Invece il cento c’è publicada in: Edwards, C., Gandin, L. i Forman, G. I cento linguaggi dei bambini. Edizione Junior, Italia, 1995 e recente mente publicada em português pelas Artes Médicas como: As Cem Linguagens da Criança. Com ilustração de TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. (trad. Patrícia Chittoni Ramos). Porto. Alegre: Artes Médicas, 1997.

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A Linguagem Na Formação Da Criança, pré-escolar, anos inciais

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  • AS MLTIPLAS LINGUAGENS NO COTIDIANO DAS CRIANAS

    Cristiane Januario Gonalves

    Dbora Andrade Antonio

    As cem linguagens da criana

    1

    A criana feita de cem.

    A criana tem

    cem mos

    cem pensamentos

    cem modo de pensar

    de jogar e de falar.

    Cem sempre cem

    modos de escutar,

    de maravilhar de amar.

    Cem alegrias

    para cantar e compreender.

    Cem mundos

    para descobrir.

    Cem mundos

    para inventar.

    Cem mundos

    para sonhar.

    A criana tem

    cem linguagens

    (e depois cem cem cem)

    mas roubaram-lhe noventa e nove.

    A escola e a cultura

    lhe separam a cabea do corpo.

    Dizem-lhe:

    de pensar sem as mos

    de fazer sem a cabea

    de escutar e de no falar

    de compreender sem alegrias

    de amar e de maravilhar-se

    s na Pscoa e no Natal.

    Dizem-lhe:

    de descobrir um mundo que j existe

    e de cem

    roubaram-lhe noventa e nove.

    Dizem-lhe:

    que o jogo e o trabalho

    a realidade e a fantasia

    a cincia e a imaginao

    o cu e a terra

    a razo e o sonho

    so coisas que no esto juntas.

    Dizem-lhe enfim:

    1

    Poesia de Loris Malaguzzi: Invece il cento c publicada in: Edwards, C., Gandin, L. i Forman, G. I cento

    linguaggi dei bambini. Edizione Junior, Italia, 1995 e recente mente publicada em portugus pelas Artes

    Mdicas como: As Cem Linguagens da Criana. Com ilustrao de TONUCCI, Francesco. Com olhos de

    criana. (trad. Patrcia Chittoni Ramos). Porto. Alegre: Artes Mdicas, 1997.

  • que as cem no existem.

    A criana diz:

    ao contrrio, as cem existem.

    5.1. INTRODUO

    A linguagem permeia o trabalho na educao infantil, junto com a

    brincadeira e a interao, constitui os eixos da ao pedaggica junto s crianas.

    Por vezes quando falamos em linguagem comum remetermos

    linguagem verbal e escrita, igualmente fundamental para o desenvolvimento infantil, no

    entanto, algumas professoras acabam priorizando essas duas formas de linguagem na

    educao das crianas, em detrimento de outras, privando-as de novas vivncias, novas

    experincias que ampliem seus conhecimentos.

    Nesse sentido, a educao infantil vem buscando superar esse

    entendimento de linguagem e considerando que a criana se comunica e se expressa por

    meio de mltiplas linguagens, de cem linguagens como escreve Loris Malaguzzi em sua

    poesia.

    O contedo do presente artigo visa apresentar e promover a reflexo sobre

    algumas das mltiplas linguagens presentes na educao das crianas. Aborda a

    importncia e as possibilidades de trabalhar essas formas de comunicaes e expresses

    como linguagem na educao das crianas pequenas.

    Nosso projeto A Arca de No centrou-se no tema linguagens, pois, em

    nossas observaes do cotidiano das crianas e em conversas com as educadoras do grupo

    identificamos a necessidade de promover situaes significativas para as crianas que

    desencadeassem o desenvolvimento da oralidade.

    O grupo 4A como descrevemos anteriormente no captulo trs desse

    relatrio tem entre dois anos e cinco meses a trs anos e cinco meses e esto desenvolvendo

    a habilidade de falar. Algumas das crianas desse grupo esto num processo mais avanado

    de aquisio dessa linguagem, outras num processo inicial.

    Por fim, pautadas nas manifestaes, interesses e necessidades das

    crianas, priorizamos quatro das mltiplas linguagens presentes no cotidiano da educao

    infantil, so elas, a linguagem oral, a contao de histria, a linguagem audiovisual e a

    linguagem por meio das artes visuais (pintura, colagem, modelagem).

  • 5.2. A LINGUAGEM ORAL NO DESENVOLVIMENTO DAS CRIANAS

    A linguagem oral um dos eixos norteadores da ao pedaggica com

    crianas. por meio da linguagem que a criana se comunica e interage com o mundo ao

    seu redor constituindo-se e desenvolvendo-se. Sabemos que a criana constituda de

    mltiplas linguagens, por isso, no focaremos essa discusso na linguagem oral, e sim nas

    possibilidades de desenvolvimento e ampliao dessa linguagem na criana.

    A linguagem oral faz parte do cotidiano das crianas e dos adultos, logo,

    est presente, na instituio de educao infantil e na vivncia das crianas com suas

    famlias. As crianas falam umas com as outras, os adultos se comunicam entre si e com as

    crianas, transmitem idias, vontades, sentimentos.

    Fotos: Arlete de Costa Pereira

    As crianas d o grupo 4A esto desenvolvendo a linguagem oral. Para

    Piaget (1975 apud Luiz Zorzi, 1993 p.16) a criana passa por vrios estgios de

    desenvolvimento. No estgio pr-operatrio ou inteligncia simblica, ocorrer o

    aparecimento da linguagem e da brincadeira simblica que:

    (...) est ligado formao da funo simblica que diz respeito capacidade

    de representar. Tal funo envolve, alm da linguagem e da brincadeira

    simblica as imagens mentais, a imitao diferida e a resoluo de problemas

    por combinao mental de aes. O simbolismo, enfim, se estende a todas as

    condutas que revelam a capacidade de evocar coisas ou situaes ausentes, que

    vo alm daquilo que pode ser percebido.

  • Aqui a criana comea a representar, em si mesma, as aes rotineiras de

    sua vida, como tomar banho, comer, dormir. Depois que a criana passa por esta fase do

    esquema simblico, ela comea a aplicar estas aes rotineiras em outros; passa a dar

    comidinha pra sua amiga ou sua boneca:

    Algumas meninas brincavam com panelinhas, potinhos na areia, a estagiria

    Dbora se aproximou e perguntou o que faziam, Stefany disse que estava fazendo

    bolo de nanana (bolo de banana). Eduarda ficou olhando para Dbora, ento a

    estagiria perguntou o que ela estava fazendo, e ela continuou a olhar, ento

    Dbora perguntou se ela tambm estava fazendo bolo de banana, e ela confirmou

    com um sorriso. Ficaram nessa brincadeira: delas fazerem bolo e darem para

    experimentar, isto durou um bom tempo.

    (Registro de observao 07/06/2006)

    Para Vygotsky como assinala Kohl (1995. p. 47):

    (...) por volta dos dois anos de idade, o percurso do pensamento encontra-se

    com o da linguagem e inicia uma nova forma de funcionamento psicolgico: a

    fala torna-se intelectual, com funo simblica, generalizante, e o pensamento

    torna-se verbal, mediado por significados dados pela linguagem. Enquanto que

    no desenvolvimento filogentico foi necessidade de intercmbio dos

    indivduos durante o trabalho que impulsionou a vinculao dos processos de

    pensamento e linguagem, na ontognese esse impulso dado pela prpria

    insero da criana num grupo cultural. A interao com membros mais maduros

    da cultura, que j dispem de uma linguagem estruturada, que vai provocar o

    salto qualitativo para o desenvolvimento verbal.

    Vygotsky deixa claro a importncia da mediao do outro no processo de

    aquisio da linguagem oral. Nesse sentido, o trabalho nas instituies de educao infantil

    devem caminhar para possibilitar o desenvolvimento dessa linguagem nas crianas.

    Procuramos estabelecer prticas como, conversas com as crianas durante

    os momentos de higiene, alimentao, nas rodas, isto , interagir de forma a tornar

    presentes na educao das crianas pequenas linguagem oral. Quanto mais a criana

    puder falar em diferentes situaes como contar histria, explicar uma brincadeira, solicitar

    ajuda, contar o que fez em casa mais ela ampliar sua capacidade comunicativa.

    Por volta dos dois anos que a palavra comea a funcionar como signo

    (Kohl, 1995), esses que possibilitam o inicio no s a comunicao, relao interpessoal,

    como tambm, habilidade de narrar (Girardello, s.d.). O adulto oferece uma relevante

    contribuio ao desenvolvimento da competncia narrativa, possibilitando assim, a

    interao verbal.

  • A linguagem a mediao entre o sujeito e o ambiente. Toda a fala

    interao social. Quanto mais enriquecemos a linguagem das crianas mais tornaremos seu

    pensamento gil, sensvel e pleno.

    Em uma publicao da Associao Brasileira de fonoaudiologia

    2

    , foi

    apontada diversas possibilidades de se estimular a linguagem de crianas a partir de dois

    anos a trs anos:

    - Deixando-a ouvir CD ou fitas infantis;

    - Elogiando sua comunicao;

    - Descrevendo as atividades que esto fazendo, acrescentando novas palavras;

    - Utilizando palavras novas em vrias situaes (ampliao de vocabulrio);

    - Proporcionando novas experincias: teatrinho, cinema, circo... E comentando

    sobre elas;

    - Lendo histrias para elas;

    - Ensinando-lhe relaes entre palavras, objetos e idias;

    - Ensinando criana a contar histrias, utilizando livros e desenhos;

    - Permitindo que jogue com outras crianas;

    - Prestando muita ateno quando ela fala, lembrando que se ela repetir palavras

    e sons normal;

    - Fazendo jogos com rimas.

    Sabemos que a produo de significados por parte da criana um

    processo que nunca acaba, histrico. Possibilitar a ampliao desse repertrio da criana e

    mediar conhecimentos para que ela possa ir alm do que a sociedade lhe oferece

    fundamental.

    5.3. A CONTAO DE HISTRIA COMO UMA DAS MLTIPLAS

    LINGUAGENS PRESENTES NA EDUCAO INFANTIL

    Em nosso estgio utilizamos a contao histrias como uma das

    possibilidades de linguagens, pois, esteve muito presente na turma 4A da Creche Orlndia

    Cordeiro. Ora por leitura de histrias, ora por narrao sem ter um livro de apoio como na

    histria descrita abaixo, do peixinho:

    (...) a histria de um peixinho que nadava por a.

    Um dia sua me disse que no era pra o peixinho ir para aquele cantinho. Porque

    naquele cantinho havia uma cobra bem grande, bem gorda, bem feia (neste

    momento fazia movimentos que representassem as caractersticas da cobra), que

    iria comer o peixinho se ele fosse l.

    2

    Esse fragmento de um texto foi passado a nossa turma na 7 fase pela professora Gilka Girardello, na

    ocasio est no tinha referncia bibliogrfica, achamos de fundamental importncia descrevermos parte

    desse estudo aqui, porm, no ser possvel colocar a referncia.

  • Mas como o peixinho era teimoso e adorava aventuras ele nadou at l, o

    cantinho da cobra. O peixinho estava l... nadando por aqui... por ali, explorando

    o cantinho da cobra. Quando de repente a cobra, bem grande, bem gorda, bem

    feia, apareceu e... Min, min, min (fazendo movimentos de comer com as

    mos). Comeu o peixinho.

    E agora? (Pergunta Jonathan com os olhos assustados, com o que aconteceu

    com o peixinho curioso).

    Era pro peixinho ter ido l? (Denisia).

    No! (Jonathan).

    E como era a cobra? (Denisia).

    Grande! (Igor imitando o movimento de grande que Denisia havia feito

    durante a histria).

    Feia! (Alice tambm fazendo os movimentos que Denisia havia feito.).

    Gorda! (Igor tambm fazendo os movimentos).

    O que ela fez com o peixinho? (Denisia).

    Comeu! (Jonathan).

    E a mame dele ficou feliz ou triste? (Denisia).

    Feliz! (Jonathan).

    Feliz? E se voc no voltasse para casa, como a sua me ficaria Jonathan?

    (Denisia).

    Triste. (Responde Jonathan pensativo).

    E agora, o peixinho podia ir l? (Denisia).

    No, seno a cobra come ele, perigoso! (Jonathan).

    Ento, no pode desobedecer a mame n, quando ela diz que no pode fazer

    uma coisa porque no pode. (Denisia).

    . (Algumas crianas).

    (Registro de observao dia 05/06/2006)

    Segundo Girardello (s.d.), a narrativa se torna presente logo cedo na vida

    dos bebs, atravs de canes de ninar, da prpria conversa da me com a criana, das

    cantigas que muitas vezes contam histrias, como o cravo brigou com a rosa ou atirei o

    pau no gato.

    Acreditamos que dar continuidade a essas atividades, na creche muito

    importante, pois, desenvolve a linguagem, promove a imaginao, amplia o repertrio

    cultural das crianas e auxilia no desenvolvimento e construo subjetiva.

    Quando pensamos em histrias, muitas vezes queremos que cada uma

    tenha um significado, que como nos contos que trazem lies de moral, muitas vezes damos

    a elas funes utilitrio-pedaggicas

    5

    , deixando de lado a prtica de ouvir histrias (contar

    histrias) como prtica em si mesma, onde a criana aprender novas palavras, organizar

    seu pensamento, sonhar, sentir arrepios, medos, ter possibilidade de vivenciar novos

    sentimentos, culturas, como no exemplo a seguir que traz as manifestaes das crianas ao

    observar a contao da histria Menina Bonita do Lao de Fita:

    5

    Dentro do contexto da literatura infantil, a funo utilitrio-pedaggico implica na ao educativa da

    histria (livro) sobre a criana. (PALO & OLIVEIRA, 1998).

  • Ao terminar de tirar o cenrio da histria Denisia pergunta:

    O que ser tudo isso? (Denisia).

    Ao tirar tudo da caixa Emanuelly se exalta de alegria com tudo que v a sua

    frente.

    O coelho, coelho D! (Jonathan olhando para dentro da caixa com rabo de

    olho).

    Ento Denisia comea a contar a histria do livro Menina bonita do lao de fita.

    Em um trecho d histria tenta colocar o coelho em p e ele cai, ento ela

    comenta:

    Est com preguia.

    Todos sorriem. Emanuelly e Joo do gargalhadas

    (Registro de observao, 05/06/2006).

    Como a partir dos dois anos que a criana comea a ter a habilidade de

    narrar, importante dar espao e vez s crianas, para que elas comecem a vivenciar

    melhor essa prtica, pois esta leva a criana a reorganizar a experincia subjetiva que tem

    dela mesma e de sua relao com o outro (Girardello, s.d.).

    Foto: Cristiane Janurio Gonalves Foto: Dbora Andrade Antnio

    Ouvindo histrias sejam elas tiradas de livros ou vivncias significativas

    que a criana aprender a construir narrativamente suas experincias e assim se constituir

    um sujeito cultural, sobre isso explana Girardello (s.d.):

    Na entrega ao presente do jogo narrativo no mbito da educao infantil,

    professoras e crianas ampliam um espao simblico comum, pleno de imagens e

    das reverberaes corporais e culturais de suas vozes. Tornam-se seres narrados e

    seres narrantes, como todas as implicaes favorveis disso para a vida pessoal,

    social e cultural de cada um do grupo.

    Contar histrias tambm um gesto de carinho para com as crianas,

    encant-las proporcionando momentos de muita ludicidade possibilitar a viagem a

  • diversos mundos onde a criana ampliar sua capacidade de imaginar, criar e vivenciar

    momentos novos e aprender.

    Esperamos que essa prtica seja cada vez mais presente no s no

    cotidiano das crianas do grupo 4A, mas, no cotidiano das crianas de toda a creche e de

    todas as instituies de educao infantil.

    5.4. A LINGUAGEM AUDIOVISUAL: DIVERSO E EDUCAO

    Quando comea o clipe da lagarta e da borboleta Amanda comea a cantar a

    musica da borboletinha, mas, logo que o clipe comea e ela para de cantar por

    perceber que a msica do vdeo no a que ela estava cantando. (...) As crianas

    demonstram gostar mais do clipe da lagarta e da borboleta e do rato. Pedem para

    repetir o clipe do rato. Stefany olha para Dbora e para Eduarda e da gargalhadas.

    (...) Sentimos que as crianas gostaram da exibio dos clipes se envolvem e

    identificam elementos que compe a imagem, reconhecem os bichos que

    aparecem durante a exibio e se expressam de formas variadas, palmas,

    gargalhadas, palavras, olhares.

    (Registro de interveno, 26/6/2006).

    O recurso audiovisual possui uma linguagem prpria que instiga uma

    interpretao de seus diversos aspectos e recursos, sejam eles, projetados nos sons, cores,

    personagens, cenrios, roteiro etc. Ele uma forma de diverso, no entanto, torna-se um

    meio importantssimo no processo de educar e aprender, pois, rico em informaes, que

    prendem nossa ateno, devendo assim, ser analisado criticamente.

    O recurso audiovisual na maioria das vezes tem uma linguagem temporal

    que diferente da real. Anos correm em apenas um minuto. Tambm por meio da anlise

    de produes audiovisuais que proporcionamos a educao do olhar do educando sobre

    as imagens, filmes, programas, documentrios, fotos etc.

    Neste sentido, a reflexo sobre esse recurso fundamental, porque retrata

    a nossa sociedade em diversos tempos e, sobretudo, por tratar-se de uma produo humana

    cuja ao est permeada de ideologias, questes polticas, econmicas, etc, como assin-la

    GUTIERREZ, (1978, p. 67):

    (...) os meios de comunicao nos pem em contato com a realidade, porm,

    com uma realidade prpria dos meios, recriada pelo autor da obra. Nos pomos em

    contato com a realidade atravs das formas escolhidas pelo artista, pelo homem

    ou pelo grupo de homens que so os autores desta recriao da realidade que

    temes diante de ns. Isto significa que a realidade nos chega deformada ou

  • dignificada atravs da personalidade deste ou daquele pintor, cineasta,

    fotgrafo, jornalista, etc. A leitura das imagens nos pe em contato com uma

    realidade dupla: com o mundo dos seres que representam e com os homens ou

    homem-autor dessas imagens ou sons. Tanto a realidade como os homens

    recriadores da realidade no so seres ideais nem tampouco vivem num mundo

    ideal. O comunicador em uma ideologia e est inserido num determinado

    contexto social. Embora seja verdade que todo comunicador pretenda influenciar

    o sistema, o mais comum que o sistema determine as condies do produto do

    comunicador. A comercializao, os interesses criados, a tecnificao so

    condicionantes dos meios de comunicao social que no podem escapar de uma

    viso crtica do receptor.

    A necessidade de uma postura crtica frente a produes audiovisuais

    uma preocupao que deve vir de bero. Ensinar uma criana pequena a ler narrativas

    audiovisuais responsabilidade inerente educao infantil.

    Fotos: Cristiane Janurio Gonalves

    Entendemos que na educao infantil alm do encantamento que a

    linguagem udio visual proporciona, sobretudo, na exibio de desenhos animados, filmes

    ou clipes, como mencionamos em nosso registro, h uma srie de informaes daquilo que

    os olhos no podem ver.

    As imagens e o som do recurso audiovisual um suporte na compreenso

    do texto, traz a possibilidade de relao do que esto ouvindo com o que esto vendo e

    funcionam para as crianas como pistas para a recontagem de histrias, possibilitando o

    desenvolvimento da narrativa e da fala letrada (Nogueira, 2003).

    A linguagem audiovisual proporciona a ressignificao das imagens, a

    construo de novos textos, a busca pela curiosidade e ateno, a busca pelo prazer visual

    do dilogo entre formas e as cores, em um constante exerccio de leitura que tece as

  • relaes entre as lembranas: e da trama final emerge um novo sentido (PAULA, 2005, p.

    40).

    Ao assistir e ouvir a uma produo audiovisual a criana pode estabelecer

    uma relao com aquilo que conhece e o que novo para ela. Como descrevemos no

    fragmento acima, quando comea o clipe da lagarta e da borboleta Andria comea a cantar

    a msica da borboletinha, mas, logo que o clipe comea e ela para de cantar por perceber

    que a msica do vdeo no a que ela estava cantando. A relao com o velho e o novo se

    estabelece e alm da ampliao do seu repertrio cultural, a criana vai ampliando seu

    repertrio de linguagem oral.

    Nesse processo de aquisio de novas imagens, sons e novas palavras com

    a mediao visual e musical, h um ganho muito significativo no processo de aquisio da

    linguagem oral, pois uma funo primordial para o desenvolvimento da criana, j que

    alm de promover aspectos relacionados sociabilidade e comunicao, esse processo pode

    promover tambm o conhecimento de mundo.

    Mencionamos que as crianas gostaram da exibio dos clipes, pois, se

    envolveram e identificavam elementos que compe a imagem, reconhecendo os bichos que

    apareciam durante a exibio. Expressaram-se de formas variadas: com palmas,

    gargalhadas, palavras e olhares. Pretendemos ressaltar, que o recurso audiovisual possibilita

    ainda, a ampliao na criana de diferentes formas de expresso de seus sentimentos, de

    suas vontades e de seus pensamentos.

    Contudo, nossa inteno com essa discusso foi salientar a importncia

    desse recurso na educao infantil, no como mera diverso ou passatempo para os dias de

    chuva e sim como uma rica fonte de conhecimento e aprendizagens para as crianas e para

    as educadoras. Considerando que:

    Isso exige da professora, enquanto mediadora, um conhecimento prvio daquilo

    que estar trazendo ou oferecendo para as crianas assistirem, e mais, estar junto,

    atenta, para poder discutir e muitas vezes se contrapor a determinados valores,

    concepes ou falsas verdades que veiculam como verdades. Ou seja, uma

    postura crtica e reflexiva diante desta linguagem para que ela possa servir como

    instrumento de ampliao de conhecimentos e no de pura alienao

    3

    .

    3

    Fragmento extrado da conversa coma orientadora Arlete de Costa Pereira.

  • 5.5. A LINGUAGEM DAS ARTES VISUAIS: MODELAGEM, COLAGEM E

    PINTURA.

    A linguagem est presente na educao infantil de formas diversas. Muitas

    professoras acabam priorizando a linguagem verbal e escrita na educao das crianas, no

    entanto, pensamos que isto vem sendo superado em favor de uma prtica que busque o

    desenvolvimento pleno dos pequenos, considerando ainda, que estes se comunicam por

    meio de mltiplas linguagens.

    Colocamos em discusso, pautadas nos fragmentos acima descritos, as

    artes visuais, especialmente a escultura ou modelagem, a colagem e a pintura como

    algumas das mltiplas linguagens presentes na educao das crianas, abordaremos a

    importncia de trabalhar com essas formas de arte visual na educao das crianas

    pequenas.

    Iniciamos ressaltando que ambas so artes plsticas, so tcnicas de

    representar figuras e imagens (objetos, pessoas, animais ou formas abstratas). Podem ser

    produzidas com a combinao de elementos cores, formas, linhas, textura (BONA, 2005).

    Na pr-histria, o homem modelava os animais, pintava no fundo das

    cavernas e as cenas representavam aquilo que se desejava que acontecesse na realidade. O

    homem usou todas as matrias disponveis para produzir esculturas e pinturas e produzir

    arte (BONA, 2005).

    As artes visuais foram at bem pouco tempo atrs, figurativas e

    representativas, reproduzia-se realidade. A partir do sculo XX que mudou toda a forma

    de pensar essas artes. Esculturas e pinturas foram criadas, sem representar nenhuma forma

    real (BONA, 2005).

    As artes tm o poder de provocar os sentidos das pessoas, de nos tirar do

    cho. Diante dessa magia, como trabalhar essas linguagens na educao das crianas?

    Cada vez mais as crianas vivenciam suas infncias em um espao

    coletivo de educao e cuidado que ainda estamos conhecendo e procurando transformar.

    Chamamos de creche, ncleo ou centro de educao infantil, jardim de infncia. As

    denominaes na verdade so muitas, no entanto, a importncia desse lugar para o ser

    social criana que , ou ao menos deveria ser, um lugar de descobertas, de escolhas, de

    encontros, de desenvolvimento e de aprendizagens.

  • Mas, o que infncia e o que ser criana e hoje, para a educao

    infantil?

    A Infncia uma condio social, segundo Kuhlmann Jr (1997 apud

    Rocha 1999) :

    (....)uma condio da criana. O conjunto de experincias vividas por elas em

    diferentes lugares histricos, geogrficos e sociais, muito mais do que uma

    representao dos adultos sobre esta fase da vida. preciso conhecer as

    representaes de infncia e considerar as crianas concretas, localiz-las nas

    relaes sociais, etc, reconhec-las como produtoras da histria.

    Essa condio est sempre em transformao porque constituda

    histrica e culturalmente. A criana um ser humano de pouca idade que sonha, deseja,

    tm objetivos, um ser social de direitos, produz cultura e histria e produto delas.

    Nesse sentido, antes de iniciarmos qualquer reflexo a cerca do que

    pretendemos para a educao infantil, necessrio considerar que as crianas tm suas

    prprias impresses e idias, que elas tem suas prprias interpretaes sobre o fazer

    artstico. Elas exploram, sentem, agem, refletem e elaboram sentidos de suas experincias e

    a partir da constroem significaes sobre como se faz, o que , e para que serve sua

    produo. Diante disso, como respeitar as manifestaes e necessidades das crianas e

    oportunizar a elas o contato com suas mltiplas linguagens?

    O poema de Loris Malaguzzi revela-nos que a infncia persiste em

    seus modos de ser. O criar, o brincar, o sonhar, o estar com o outro, e tantas outras

    expresses contnuas das crianas esbarram nos mandos e desmandos dos adultos, no

    entanto, as crianas transgridem, vo alm, para nos dizer que as cem linguagens existem

    e que devem sem consideradas, especialmente na educao infantil.

    Essas cem linguagens so no geral ainda pouco conhecidas na

    educao das crianas e conseqentemente, pouco priorizadas e trabalhadas pelas

    instituies de educao infantil, arriscamos atribuir os mais diversos motivos, entre eles, a

    falta de formao profissional, o pouco recurso material e pessoal, a desmotivao devido

    desvalorizao da profisso docente, a m remunerao, etc.

    Por vezes o uso da linguagem por meio da arte na educao infantil

    entendido como um mero passatempo. Muitas propostas com artes visuais so destitudas

  • de significados ou assumem conotao decorativa servindo como enfeite para as paredes ou

    ainda, comum que os adultos faam grande parte do trabalho, uma vez que no

    consideram que a criana tenha competncia para elaborar a atividade.

    Foto: Dbora Andrade Antnio Foto: Cristiane Janurio Gonalves

    Pensamos que superar formas descompromissadas e sem

    intencionalidades do trabalho com as linguagens, por meio da arte, constitui um desafio

    para ns educadoras, uma vez que as artes visuais esto presentes no cotidiano da educao

    infantil. A todo o momento, a criana cria: Ao rabiscar e desenhar no cho, na areia, no

    papel, ao utilizar materiais encontrados ao acaso (gravetos, folhas, pedras) e montar uma

    escultura, ao pintar os objetos e at mesmo seu prprio corpo, a criana pode utilizar-se das

    artes visuais para se expressar. Como sintetiza ROTTA (2005 apud Bona et al, 2005):

    Se a gente conseguisse que a arte dentro da educao infantil, levar ela nesse

    sentido, de que ela pode criar, pode romper com o que est estabelecido, que a

    gente vai dar a questo de autoria, mas geralmente a arte vista dentro das

    atividades pedaggicas, ento tem um momento especfico para a arte.

  • As artes, especialmente, as esculturas, colagem e pintura so formas de

    linguagem que expressam, comunicam e atribuem sentidos as sensaes, sentimentos,

    pensamentos e a realidade por meio da organizao de vrios elementos como linhas,

    formas, pontos, tridimensionalmente estruturados ou no, alm de volume, espao, cor e luz

    (R.C.N.E.I., 1998). Nesse sentido, uma importante fonte de saberes.

    Analisando mais a fundo as artes visuais como linguagem, qual a sua

    efetiva importncia para a educao das crianas?

    As artes visuais na educao infantil tm um papel fundamental.

    Dispe para a criana uma experincia esttica que a sacode, agua a sua sensibilidade,

    alm de envolver aspectos cognitivos e culturais.

    Observamos em nossa prtica que possibilitar momentos em que a

    criana possa se expressar e se colocar dentro de uma produo artstica tambm fazer

    com que ela se envolva e se sinta parte da obra, se sensibilize com a sua construo e com a

    dos outros, sejam crianas, adultos ou artistas consagrados.

    (...) Elas puderam pintar o arco ris cada uma a sua maneira. As crianas

    mesmo iam misturando as cores e descobrindo cores novas. Ficaram muito tempo

    curtindo a brincadeira com as tintas. Ao terminarem, cada criana no seu tempo,

    ia brincar no parque.

    (Registro de interveno, no dia 06/07/2006).

    As artes visuais possibilitam s crianas que, por meio do contato

    com suas prprias obras, com a das outras crianas e as obras de artistas reconhecidos,

    amplie seu conhecimento do mundo e de cultura. Oferece para a criana, que ela ao

    produzir arte, na atividade de desconstruir e construir peas, pintar, rabiscar, colar,

    descolar, sobrepor materiais, desenvolva o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de

    produo e criao como forma de comunicao e expresso.

  • Fotos: Cristiane Janurio Gonalves

    Que atravs da apreciao das suas obras e dos outros, por meio da

    observao e leitura de alguns dos elementos da linguagem plstica: ponto, linha, forma,

    cor, volume, contrastes, luz, texturas, trabalhe a leitura de obras de arte a partir da

    observao, narrao, descrio e interpretao de imagens e de objetos.

    Entendemos que ao ampliar significativamente o repertrio cultural

    das crianas estaremos contribuindo para a ampliao de significados, inclusive para o

    estabelecimento de relao das obras com as suas experincias pessoais de forma crtica.

    Nesse sentido, encontraremos nos referenciais curriculares nacionais para a educao

    infantil (1998) consideraes importantes sobre esse aspecto:

    A arte da criana, desde cedo, sofre influncia da cultura, seja por meio de

    materiais e suportes com que faz seus trabalhos, seja pelas imagens e atos de

    produo artstica que observa na TV, em revistas, em gibis, rtulos, estampas,

    obras de arte, trabalhos artsticos de outras crianas etc. Embora seja possvel

    identificar espontaneidade e autonomia na explorao e no fazer artstico das

    crianas, seus trabalhos revelam: o local e a poca histrica em que vivem; suas

    oportunidades de aprendizagem; suas idias ou representaes sobre o trabalho

    artstico que realiza e sobre a produo de arte qual tm acesso, assim como seu

    potencial para refletir sobre ela.() Tais construes so elaboradas a partir de

    suas experincias ao longo da vida, que envolvem a relao com a produo de

    arte, com o mundo dos objetos e com seu prprio fazer.

    Os referenciais curriculares nacionais para a educao infantil (1998)

    nos dizem, ainda que:

    O trabalho com as Artes Visuais na educao infantil requer profunda ateno

    no que se refere ao respeito das peculiaridades e esquemas de conhecimento

    prprios a cada faixa etria e nvel de desenvolvimento. Isso significa que o

    pensamento, a sensibilidade, a imaginao, a percepo, a intuio e a cognio

    da criana devem ser trabalhadas de forma integrada, visando a favorecer o

    desenvolvimento das capacidades criativas das crianas. No processo de

    aprendizagem em Artes Visuais a criana traa um percurso de criao e

  • construo individual que envolve escolhas, experincias pessoais,

    aprendizagens, relao com a natureza, motivao interna e/ou externa. O

    percurso individual da criana pode ser significativamente enriquecido pela ao

    educativa intencional; porm, a criao artstica um ato exclusivo da criana.

    no fazer artstico e no contato com os objetos de arte que parte significativa do

    conhecimento em Artes Visuais acontece. No decorrer desse processo, o prazer e

    o domnio do gesto e da visualidade evoluem para o prazer e o domnio do

    prprio fazer artstico, da simbolizao e da leitura de imagens. O ponto de

    partida para o desenvolvimento esttico e artstico o ato simblico que permite

    reconhecer que os objetos persistem, independentes de sua presena fsica e

    imediata. Operar no mundo dos smbolos perceber e interpretar elementos que

    se referem a alguma coisa que est fora dos prprios objetos. Os smbolos

    reapresentam o mundo a partir das relaes que a criana estabelece consigo

    mesma, com as outras pessoas, com a imaginao e com a cultura.

    Pode-se considerar ainda conforme os objetivos descritos pela Secretaria

    de educao de Santa Catarina (1981), que trabalhar especialmente com a tcnica de

    modelagem na escultura :

    () proporcionar o desenvolvimento muscular, melhorar a coordenao

    motora, desenvolver a noo espacial, a memria visual, descobrir os valores

    estticos, utilizar corretamente diversos materiais no entalhe, no alto e baixo

    relevo, discriminar formas e volumes, criar livremente, agir com iniciativa e

    sociabilidade.

    Como percebemos a brincadeira com a modelagem, com a colagem e com

    a pintura, a partir do jogo de construo e desconstruo na produo, com massa, por

    exemplo, vai dando forma vai sendo transformada pelo imaginrio da criana e assim,

    ganhando novos significados. A fantasia do real entra e cena, e parafraseando SARMENTO

    (2004), essa mistura entre o mundo real e o imaginrio permite a criana construo de

    novas significaes e uma forma diferente de se relacionar com o mundo. Para

    VYGOTSKY (1991), a essncia do brinquedo a criao de uma nova relao entre o

    campo do significado e o campo da percepo visual, ou seja, entre situaes no

    pensamento e situaes reais.

    Em vrios momentos de nossa atuao percebemos que as crianas

    recriam, ressignificam espaos, materiais, objetos e no caso da brincadeira com massinha,

    proporcionada por ns estagirias, essas manifestaes se fizeram presentes:

  • (...) Elas cada uma do seu jeito deram formas, modelaram bichos, corao, bolas

    esculpiram, se concentraram, e deram as massas formatos variados utilizando os

    instrumentos que fornecemos ou utilizando as mos. A mistura das massas deu

    margem tambm para descoberta de novas cores.

    (Registro de interveno do dia 05/07/2006)

    na brincadeira que a criana transpe-se para um outro mundo, o

    mundo ilusrio e imaginrio onde os desejos no realizveis podem ser realizados como

    assinala VYGOTSKY (1991).

    Temos clareza, pautadas em nossas trs semanas de atuao, que trabalhar

    com artes visuais na educao infantil de forma ldica desenvolver, a criatividade nas

    crianas, a imaginao, a fantasia, a realidade, a inovao e a sensibilizao. Assim como a

    brincadeira, a arte desestabiliza, abre novos horizontes e o envolvimento da criana na

    produo de esculturas, colagem ou pinturas pode, inclusive ser para ela, um momento de

    relaxamento, de contato consigo mesma, j que para a criana no associao ao

    trabalho, como para ns adultos, para elas tem sentido de entrega ROTTA (2005 apud

    Bona, 2005).

  • Fotos: Cristiane Janurio Gonalves

    Percebemos aqui trs formas de interao diferentes quando trabalhamos

    com as artes visuais com as crianas. A interao dela com as obras, com o material

    trabalhado e com seus pares.

    A linguagem por meio da arte vai estabelecendo uma forma de interao

    entre a obra produzida pela criana com a prpria criana, essa comunicao entre a

    imaginao e a linguagem vai enriquecendo o pensamento da criana tornando-o mais gil,

    sensvel e pleno, influenciando diretamente nas suas produes artsticas.

    A outra interao possvel na produo de artes visuais em especial da

    colagem e da modelagem, da criana com o material trabalhado. Vejamos o fragmento de

    nossos registros de interveno:

    (...) diversos materiais para a colagem nas mscaras, tais como: pedaos de l,

    de tecido, eva, vrios tipos de papeis picados e raspas de lpis. Alguns enchem de

    cola as mscaras e depois colocam quase todos os materiais disponveis, outros

  • colocam pouca cola e muitos materiais ou colocam muita cola e pouco material

    ou pouca cola e pouco material. Ao final todas as mscaras ganharam

    caractersticas de cada criana

    (Registro de interveno do dia 03/07/2006).

    Percebemos em nossa prtica que esse tipo de interao fundamental ao

    desenvolvimento das crianas. Sobre isso, os referenciais curriculares nacionais para a

    educao infantil (1998), nos colocam que:

    As atividades em artes plsticas que envolvem os mais diferentes tipos de

    materiais indicam s crianas as possibilidades de transformao, de re-utilizao

    e de construo de novos elementos, formas, etc. A relao que a criana pequena

    estabelece com os diferentes materiais se d, no incio, por meio da explorao

    sensorial e da sua utilizao em diversas brincadeiras. () A construo de

    objetos tridimensionais nascem do contato com novos materiais, no fluir da

    imaginao e no contato com as obras de arte. Para construir, a criana utiliza-se

    das caractersticas associativas dos objetos, seus usos simblicos, e das

    possibilidades reais dos materiais, a fim de, gradativamente, relacion-los e

    transform-los em funo de diferentes argumentos.

    Uma outra possibilidade de troca pode acontecer quando trabalhamos a

    produo artstica com um grupo de crianas. Elas, no momento da atividade interagem

    umas com as outras trocando materiais, informaes e por meio da imitao, funo

    importante no processo de aprendizagem, a criana no contato com seus pares

    4

    , vai

    conquistando habilidades fundamentais para o seu desenvolvimento, conquistando a

    capacidade de resolver sozinha um problema que at ento para ela no era possvel.

    Esse aspecto fundamental da interao para o desenvolvimento da criana

    refere zona de desenvolvimento proximal e o nvel de desenvolvimento potencial, que

    para Vygotsky, citado por WAJSKOP (1999): (...) a zona de desenvolvimento proximal que

    no outra coisa seno distncia entre o nvel atual de desenvolvimento, determinado

    pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nvel de

    desenvolvimento potencial, determinado atravs da resoluo de um problema, sob a

    orientao de um adulto, ou de um companheiro mais capaz.

    4

    A expresso pares foi utilizada por Sarmento no livro: CERISARA, Ana Beatriz. SARMENTO, Manuel

    Jacinto. Crianas e midos: Perspectivas socio-pedaggicas da infncia e educao. Porto: Asa, 2004. Ele se

    refere nessa expresso interao ou contato da criana ou das crianas com outra criana ou com outras

    crianas nas brincadeiras, nas conversas, ou seja, nas relaes que estabelecem umas com as outras.

  • Por fim, as crianas esto a nos mostrar que existem vrios caminhos,

    vrias possibilidades, para estabelecermos uma pedagogia da infncia que trabalhe no

    cotidiano das crianas por meio das brincadeiras e das interaes, todas as mltiplas

    dimenses: corporal, expressivas, esttica, ldica, sexual, psicolgica, social, afetiva,

    cognitiva e as mltiplas linguagens possveis: musical, plstica, corporal, dramtica, oral,

    proporcionando as crianas construo de suas identidades da forma mais rica possvel.

    Tornando o espao da creche um lugar de pertencimento e de vivncias scio-culturais.

    Onde as crianas se sintam vontade para viajar no imaginrio e construir conhecimento,

    caminhando para a construo efetiva da cidadania e do bem comum.

    5.6. CONSIDERAES FINAIS

    Pensamos que todas as formas de linguagens que abordamos neste artigo

    so ricas e possveis no trabalho com a educao infantil, possibilitam uma gama de novas

    vivncias e de novas experincias que ampliam com veemncia o repertrio cultural das

    crianas, oportunizando diversas interaes dela com as obras, com o material utilizado e

    com seus pares.

    Muitas vezes ns educadoras nos prendemos a rotina idealizada, com

    atividades propostas a crianas idealizadas, em um espao idealizado, desconsiderando a

    realidade de nosso cotidiano e de nossas crianas. No querendo ver o que visvel. Isso

    acarreta em projetar nas crianas aquilo que elas no so e desconstruir isso acaba sendo

    um caminho difcil, porm, necessrio.

    Uma prtica que respeite os direitos das crianas, que busque conhec-las

    melhor para trabalhar com elas. Pensando na criana como um campo frtil para instigar e

    desenvolver, consider-la como um ser social que tem muito a nos ensinar, que nos d

    pistas a cada segundo de sua especificidade, ao mesmo tempo, de sua multiplicidade, nos

    convida a tomar distncia para refletir sobre nossas aes para entender o vai-e-vem

    imprevisvel de suas vontades, fundamental para cumprir nosso papel na educao

    infantil.

    Nos educadoras assumimos um compromisso com a mudana e com a

    transformao da realidade, nesse sentido, mudar a organizao do espao, da rotina, nossas

  • prticas na educao das crianas, mudar a atitude, reconhecer e buscar uma pedagogia

    que respeite a condio de ser criana em sua plenitude.

    A educao vem avanando e superando desafios no que tange o trabalho

    com as mltiplas linguagens presentes na educao das crianas. Esperamos num tempo

    no muito distante uma pedagogia que trabalhe no cotidiano das crianas por meio das

    brincadeiras e das interaes, todas as mltiplas dimenses: corporal, expressivas, esttica,

    ldica, sexual, psicolgica, social, afetiva, cognitiva e as mltiplas linguagens possveis:

    musical, plstica, corporal, dramtica, oral, proporcionando as crianas construo de

    suas identidades da forma mais rica possvel.

    Tornando o espao da creche um lugar de pertencimento e de vivncias

    scio-culturais. No qual as crianas se sintam vontade para viajar no imaginrio e

    construir conhecimentos, caminhando para a construo efetiva da cidadania e do bem

    comum.

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