a legalização da maconha e o dever à desobediência civil 2014.pdf

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    A legalizao da maconha e o dever desobedincia civil

    Marijuana legalization and the duty of civil disobedience

    1 Introduo

    Rudolf Von Ihering inicia sua obra A luta pelo direito com uma frase que

    poderia sintetizar o tels deste trabalho: O objetivo do direito a paz. Da mesma

    forma, o fim ltimo das ideias que aqui sero apresentadas a paz social. A paz de quem

    mora nos morros e sofre com o poder do trfico. A paz do policial que se expe ao

    extremo para apreender pequenas quantidades de maconha, que rapidamente sero

    repostas. A paz do usurio que mal nenhuma faz sociedade. A paz dos moradores das

    favelas que tanto sofrem com um trfico to vil quanto as leis que o geram.

    um trabalho de estmulo ao debate, que tem como viso precpua a modificao

    da mentalidade social, antes de efetuar uma mudana legislativa. Tal objetivo parte da

    ideia de que as leis so inteis se no acompanhadas de um sistema educativo que

    discorra sobre os porqus daquela norma, sobre suas consequncias, mantendo a janela

    do debate sempre aberto.

    Logo, o presente artigo no visa fazer apologia s drogas, quaisquer que sejam

    elas. Mister ter sempre em mente que qualquer substncia txica que gere dependncia

    fsica ou qumica no organismo deve ser evitada, ou usada com conscincia, tanto para o

    bem individual, quanto para o coletivo. A discusso no tem como objetivo apontar

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    somente os benefcios da cultura cannbica, mas tambm argumentar em cima dos

    malefcios, que conforme se ver adiante, so menores que outras drogas legais.

    Dessa forma, o artigo no visa ser imparcial. Tem como inteno primordial a luta

    para o exerccio de um direito, que suprimido pela sociedade por argumentos falsos,ingnuos, e por que no dizer, hipcritas. O fato de ser parcial no quer dizer fechado ao

    dilogo. Todo debate abre portas para novas discusses e novas concluses. Todavia, com

    a imensa parcialidade que as mdias mais influentes do pas tm veiculado esse tema

    durante dcadas, o combate ao falso moralismo (embasado em preceitos errneos)

    tambm deve ser parcial. Logo, mais do que um artigo acadmico, e tem carter poltico

    e social.

    A pretenso que se levanta uma mudana estrutural da conscincia social luzdo Direito, o que significa o rompimento barreiras. Esses obstculos so justamente as

    leis e atos normativos j existentes que probem o uso da maconha, e que so altamente

    questionveis, bem como a barreira moral que a sociedade impe, fruto do alto

    preconceito e ignorncia.

    Essa luta se intensifica quanto mais progressiva ela se mostra, e usualmente se

    transforma numa dicotomia: de um lado, os que desejam conservar a historicidade do

    Direito, e, portanto, advogam pela manuteno da ordem vigente, demonstrando um

    posicionamento conservador. Do outro lado, a pretenso da modificao, do

    rejuvenescimento do Direito, que se renova constantemente (IHERING, 2008) .

    nesse ltimo esprito que nasce o trabalho: a mudana social, que s possvel

    quando a balana da Justia mais imperativa que a espada.

    Maconha, marijuana, maryjane, mato, erva, ch, boldo. So vrios nomes que

    servem para difundir o nome dessa planta, originria do Afeganisto, e que cresce cadavez mais na sociedade mundial, e cujo crescimento o Brasil tambm tem acompanhado. A

    difuso dela tem como canal principal msicas que fazem apologia ao seu uso ou que

    tecem louvores erva, feita por MCs como, Marcelo D2 e ConeCrew Diretoria,

    Sabotagem, dentre outros.

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    Mesmo com a ampla difuso no universo musical, somente em 2012 a sociedade

    civil pde realizar abertamente um manifesto em favor de sua legalizao na Marcha da

    Maconha, j que em 2011 o STF autorizou a manifestao, aps a Justia de nove estados

    terem-na proibido. Conforme o ministro Cezar Peluso destacou, as marchas devem ser

    enxergadas como expresses de pensamento lcitas. O governo no pode proibir

    expresses verbais ou no verbais apenas porque a sociedade as repute desagradveis,

    ofensivas e contrrias ou incompatveis com o pensamento dominante, assim falou o

    ministro.

    2. A problemtica do termo Droga

    Quando se fala em droga, comum imaginarmos aquelas substncias com

    grande potencial de dependncia, e destruidoras de organismos: crack, cocana, herona,

    maconha, entre vrios.

    Entretanto, pode-se classificar o universo das drogas como um crculo gigante.

    Isso porque, droga , na concepo da Anvisa, substncia ou matria-prima que tenha a

    finalidade medicamentosa ou sanitria. Medicamento, por sua vez, definido como

    produto farmacutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profiltica,curativa, paliativa ou para fins de diagnstico. luz deste conceito, parece absurdo

    imaginar a maconha com finalidades medicamentosas.

    Assim, perfeitamente possvel subdividir este enorme grupo de drogas entre

    aquelas tem maior ou menor potencial danoso, em diversos aspectos. Umas podem viciar

    mais que outras. Umas destroem o organismo mais fcil e rapidamente. Outras, aplicadas

    na dose certa, podem ser a soluo. Assim, antes de se analisar o contexto da maconha,

    deve-se realizar um trabalho de dissociao entre ela e as outras drogas que ela soassociadas. Colocar a marijuana no mesmo grupo que a cocana, por exemplo, um erro

    tcnico-farmacolgico. Elas no podem estar no mesmo patamar, porque os impactos no

    organismos so diversos, o potencial de dependncia diverso, e a possibilidade do

    indivduo, mesmo o dependente, de levar uma vida normal com o uso constante da droga

    diferente.

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    Se houvesse um grupo dentro do qual poderia se incluir a maconha, em matria de

    danos sade, de uma maneira geral, ela provavelmente estaria ao lado do caf (j que

    se composto ativo uma droga conhecida h sculos: a cafena). Mas, ao contrria desta,

    que mata com uma relativa facilidade1, a maconha nunca foi causa direta da morte de um

    ser humano.

    Mesmo assim, ela continua a ser repulsada pela sociedade, sempre devido a

    preceitos equivocados e por vezes ultrapassados, enquanto outras drogas, mais letais,

    conforme se ver adiante, so usadas indiscriminadamente e sem o menor pudor pelos

    mesmos que bradam loquazmente pela represso aos maconheiros.

    3- A maconha no brasil e no mundo

    O segundo Levantamento Nacional de lcool e Drogas (Lenad) realizado por

    pesquisadores da Universidade Federal de So Paulo (Unifesp), mostra que cerca de 1,5

    milhes de adolescentes e adultos usam maconha diariamente no Brasil. Em relao

    outros pases, o Brasil aparece em 17 lugar na lista de cujas pessoas j experimentaram

    maconha na vida e em 15 entre os que usaram no ltimo ano. O Canad lidera a lista,

    atrs de Nova Zelndia, Itlia, EUA e Reino Unido

    2

    .

    1Casos de overdose e morte por cafena:

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070813_cafeoverdosecg.shtml

    http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/jovem-morre-de-overdose-de-cafeina-ao-tomar-equivalente-70-energeticos.html

    http://p3.publico.pt/vicios/gula/5123/eua-investigam-relacao-entre-cinco-mortes-e-consumo-de-bebida-energetica-monster

    2 Fonte: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-

    pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.html

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070813_cafeoverdosecg.shtmlhttp://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070813_cafeoverdosecg.shtmlhttp://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/jovem-morre-de-overdose-de-cafeina-ao-tomar-equivalente-70-energeticos.htmlhttp://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/jovem-morre-de-overdose-de-cafeina-ao-tomar-equivalente-70-energeticos.htmlhttp://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/jovem-morre-de-overdose-de-cafeina-ao-tomar-equivalente-70-energeticos.htmlhttp://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.htmlhttp://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.htmlhttp://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.htmlhttp://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.htmlhttp://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.htmlhttp://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.htmlhttp://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/jovem-morre-de-overdose-de-cafeina-ao-tomar-equivalente-70-energeticos.htmlhttp://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/11/jovem-morre-de-overdose-de-cafeina-ao-tomar-equivalente-70-energeticos.htmlhttp://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070813_cafeoverdosecg.shtml
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    Seu consumo vem aumentando em todo mundo, e com ele, vrios pases

    decidiram modificar o foco do combate. A Holanda j havia optado pela legalizao em

    1976, onde existem os famosos coffee shops, onde se pode comprar a erva com

    segurana e qualidade. Ao contrrio do que muito se acredita, l o consumo restrito aos

    bares especficos e residncias particulares, no podendo utiliz-la em locais pblicos, e

    prximos a escolas. O trfico na rua tambm no permitido, sendo punido com penas

    elevadas, assim como no Brasil. A Cmara dos Deputados do Uruguai aprovou em julho

    de 2013, com apoio do presidente, a legalizao da venda da maconha. Aprovado em

    dezembro do mesmo ano pelo senado, o pas caminhou no sentido de se tornar o primeiro

    do mundo a controlar todo o processo de produo e venda da maconha, o que

    interessante para o Estado, que pode ampliar seu foco no combate ao uso, e na

    recuperao de dependentes.

    3.1- Um retrospecto da erva no Brasil

    A maconha chegou ao Brasil a partir de 1549, trazida pelos escravos, que traziam

    as sementes da Cannabis Sativaem bonecos de pano. A palavra maconha um anagrama

    de cnhamo, outra espcie da planta, muito usada para a fabricao de fibras. Ao

    contrrio de hoje, durante o sculo XVIII a coroa portuguesa incentivava a produo da

    erva, dado o poder econmico da fibra do cnhamo:

    "aos 4 de agosto de 1785 o Vice-Rei (...) enviava carta ao CapitoGeneral e Governador da Capitania de So Paulo (...)recomendando o plantio de cnhamo por ser de interesse daMetrpole (...) remetia a porto de Santos (...) dezesseis sacas com39 alqueires de sementes de maconha..." (Fonseca, 1980).(CARLINI 2006)

    Foi em 1930 que a droga atingiu seu auge, chegando a ser prescrita por mdicospara problemas de sade como asma, insnia, e como calmante. Tambm nessa poca se

    iniciou a represso, provavelmente pelo posicionamento do delegado do Brasil na II

    Conferncia Internacional do pio, que ocorreu em 1924 em Genebra. A discusso inicial

    era sobre o pio e sobre a cocana, mas o despreparo dos debatedores levou incluso da

    maconha entre as drogas mais perigosas (CARLINI 2006). Da para c, a represso se

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    intensificou pelo Decreto-Lei n 891/38 e mais tarde pela Lei n 6.368, de 1976, a lei de

    narcticos.

    Que a maconha uma droga, altera o estado natural de conscincia do ser

    humano, e pode ter efeitos prejudiciais sade, pouca discordncia existe. O que,entretanto deve ser discutido so os reais danos que ela provoca, para alm da ignorncia

    e preconceito popular, e a comparao dos respectivos riscos com outras drogas que so

    social e juridicamente aceitas.

    4- A verdadeira face da maconha

    Para tanto, o Dr. Jack E. Henningfield, servidor-chefe do Instituto Nacional de

    Abuso de Drogas dos Estados Unidos, e Ph.D em Farmacologia, classificou as seis

    substncias mais comuns e os cinco problemas relacionados elas, com traduo livre.

    Quanto mais prximo de 6, menos danosa a droga:

    Sistema de classificao: 1=Maior poder de vcio; 6=Menor poder de vcio

    Substncia Gravidadedos

    sintomasde

    abstinncia

    Reforoproduzidopela droga

    Tolerncia Dependncia Intoxicao Total Mdia

    Herona 2 2 1 2 2 9 1.8

    lcool 1 3 3 4 1 12 2.4

    Cocana 4 1 4 3 3 15 3.0

    Nicotina 3 4 2 1 5 15 3.0

    Maconha 6 5 6 6 4 27 5.4

    Cafena 5 6 5 5 6 27 5.4

    Ainda, o Comit Cientfico Independente para Drogas da Gr-Bretanha

    classificou, numa escala de 0 a 100, o nvel de periculosidade das drogas mais comuns.

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    Os riscos incluem criminalidade, dano ambiental, conflitos familiares, danos

    internacionais, custos econmicos e prejuzos coeso comunitria . Segue a lista:

    01 - lcool: 72 pontos de 100.

    02 - Herona: 55.

    03 - Crack: 54.

    04 - Metanfetaminas: 33.

    05 - Cocana: 27.

    06 - Tabaco: 26.

    07 - Anfetaminas: 23.

    08 - Maconha: 20.

    09 - Benzodiazepnicos: 15.

    10 - Ketamina: 15.

    Ora, por que o lcool - a droga mais consumida do mundo, e segundo a pesquisa,

    a mais degradante, nas mais variadas formas - social e juridicamente permitido? Afinal,

    se o argumento de que a proibio da maconha se baseia na proteo ao sujeito e

    sociedade, ento, pelo mesmo raciocnio, todas as drogas do ranking acima tambmdeveriam ser banidas do meio social.

    Ademais, se a aceitabilidade do lcool est fundada somente no fato do costume

    social, ento a maconha tambm deveria ser permitida, uma vez que seu uso amplo em

    todo mundo, e s no despontou como cultura dominante por ter sido proscrita pelas

    potncias mundiais.

    Fato que o lcool gera overdoses intensas, podendo at levar morte, enquanto a

    maconha no possui tal efeito colateral, dada as devidas propores (a dose letal de

    maconha varia de 15 a 70g, uma quantidade muito difcil de ser consumida). Assim

    sendo, por que a sociedade leniente com uma droga com um potencial destrutivo

    grande, e no com uma com menorpotencial danoso?

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    Vieira (1988) diferenciou o lcool das outras drogas por no ser alucingena, e

    como possuindo valor alimentcio, ingerido com moderao. Traz tambm o seu uso

    milenar como critrio de diferenciao de outras drogas, e ainda a socializao que ele

    permite:

    O bebedor de lcool, a maioria deles o ingere com moderao,dentro do ambiente social em que vive e para tornar-se maissocivel. Esporadicamente, pode exceder-se, mas isso, no fardele um dependente. Existe o bebedor contumaz que no se limitaa reunies por ocasies sociais. Bebe por satisfao pessoal, semo sentimento de culpa ou fuga, e no utiliza o lcool como umadroga, no sentido especfico do termo. Sem haver presses, passadias ou semanas sem beber, sem apresentar sintomas deabstinncia [...].

    O autor, ao defender o uso do lcool, se olvida que o mesmo processo descrito

    acima ocorre com milhes de consumidores de cannabisem todo o mundo. No fumam a

    erva para fugir de problemas, ou buscar novas sensaes (chamados popularmente de

    baratos), mas sim por prazer pessoal e ntimo, muitas vezes com um sentido religioso.

    Passam dias ou semanas sem consumir a droga, sem sentir falta dela, e tambm sem

    apresentar sintomas de abstinncia.

    O debate extenso, e h muitas controvrsias, tanto na psicologia quanto na

    medicina sobre o real impacto da droga no ser humano. Conforme elucidado, a sociedade

    ainda se mostra extremamente ignorante e fechada quanto aos reais efeitos da maconha,

    existindo vrios mitos sobre ela. interessante notar que praticamente inexiste discursos

    no meio-termo. Os defensores da legalizao muitas vezes se vestem de outros mitos (s

    vezes falsos) para defenderem suas causas. Cabe aqui uma breve explicao sobre tais

    mitos.

    3. Mitos e verdades

    3.1. A Maconha uma erva natural, e portanto no pode fazer mal

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    Muito se argumenta sobre o malefcio de uma erva, que por ser natural no faz

    mal sade. A frase um mito. Assim como a maconha, o tabaco, a cocana e outras

    drogas tambm so de origem natural, e so sim prejudiciais sade. Ademais, mesmo as

    substncias altamente sintticas tm origem natural. O veneno de uma cobra tambm

    natural, e nem por isso no prejudicial. Dentre os danos que a Cannabis apresenta, sem

    muitos estudos conclusivos, est o cncer dos rgos respiratrios, pois muitas vezes a

    maconha consumida sob a forma de cigarro, que raramente so enrolados com filtro,

    fazendo com que o usurio inale mais alcatro e monxido de carbono do que nos

    cigarros convencionais3. Outros possveis danos sero apresentados abaixo.

    3.2. Maconha pode curar o cncer

    Este um ponto controverso. Enquanto alguns afirmam que a maconha causa

    cncer, outros afirmam que ela pode cur-lo. Um estudo publicado no British Journal of

    Cancer4 aponta que o Tetrahydrocannabinol (THC), e outros cannabinides inibem o

    crescimento do tumor no crebro, embora ainda no se tenha realizado testes em

    humanos. Outro, lanado pelo Oncogene, pelo Harvard Medical Schools Experimental

    Medicine Department5aponta no mesmo sentido.

    Entretanto, um efeito no impede o outro. A cura para o cncer no est em um

    cigarro de maconha, mas sim no tetrahidrocanabinol isolado. A erva fumada pode ser

    mais letal que o tabaco tradicional, posto que aquela raramente inalada com filtros, e

    geralmente tragada por mais tempo, aumentando o depsito de substncias txicas na

    parede do sistema respiratrio. Logo, no ela em si que causa os problemas citados, mas

    a forma como ela consumida. Como existem outras formas de ser usada, como em

    bongs (em que a fumaa resfriada pela gua), e podendo at mesmo ser ingerida

    oralmente na forma de biscoitos e bolos (j que o THC lipossolvel), este problema

    3 http://www.bbc.co.uk/news/health-18283689

    4 http://www.nature.com/bjc/journal/v95/n2/abs/6603236a.html

    5 http://www.nature.com/onc/journal/v27/n3/abs/1210641a.html

    http://www.bbc.co.uk/news/health-18283689http://www.bbc.co.uk/news/health-18283689http://www.bbc.co.uk/news/health-18283689http://www.nature.com/bjc/journal/v95/n2/abs/6603236a.htmlhttp://www.nature.com/bjc/journal/v95/n2/abs/6603236a.htmlhttp://www.nature.com/onc/journal/v27/n3/abs/1210641a.htmlhttp://www.nature.com/onc/journal/v27/n3/abs/1210641a.htmlhttp://www.nature.com/onc/journal/v27/n3/abs/1210641a.htmlhttp://www.nature.com/bjc/journal/v95/n2/abs/6603236a.htmlhttp://www.bbc.co.uk/news/health-18283689
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    pode ser contornado, e no empecilho para sua legalizao. Para alm disso, mesmo os

    malefcios causados por ela no seriam entrave para a sua liberao, posto que o prprio

    cigarro, responsvel por 200 mil mortes no Brasil por ano (sendo 85% das mortes

    causadas por bronquite crnica e enfisema pulmonar)6 regulamentado, mesmo com

    todos malefcios. Isso ocorre porque cada indivduo tem a propriedade sobre seu corpo, e

    dele pode dispor para consumir substncias nocivas maneira que quiserem.

    Ainda existem outras propriedades mdicas pouco estudadas da cannabis. A

    planta possui aplicaes medicinais que so conhecidos h milnios no Oriente Mdio e

    na China. Alguns estudos mostram que a planta tem capacidade anestsica, e eficcia

    contra artrite, fibromialgia, HIV, cncer e dores crnicas.7

    3.3. Maconha enfraquece a memria

    Os efeitos da maconha sobre a memria existem, bloqueando a de curto prazo,

    aquela utilizada para lembrar nmeros telefnicos, logo aps serem ditos, por exemplo. O

    Prof. Dr. Elisaldo Carlini8, membro do Expert Advisory Panel on Drug Dependence and

    Alcohol Problems explica o impacto:

    Esse efeito, que de fato existe, pode trazer grande prejuzoespecialmente para os estudantes. Quem vive chapado o tempotodo no consolida a memria de longo prazo, uma vez que ela sesolidifica pela repetio do que registrado na memria de curtoprazo. Trata-se, porm, de um efeito transitrio quedesaparece quando a pessoa se afasta da droga . (grifo meu)

    6 Disponvel em http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=atento&link=doencas.htm

    7 Disponvel em http://www.cmaj.ca/content/182/14/E694.full.pdf+html?sid=49f4cf78-4598-46ab-a419-

    994bc3ce8f77

    8 http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/maconha/

    http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/maconha/http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/maconha/http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/maconha/http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/maconha/
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    3.4. Maconha aumentaa chance de cometer crimes

    Esse argumento deve ser analisado mais sob o aspecto sociolgico do que o

    mdico. Conforme j visto, a maconha chegou no Brasil atravs dos escravos, que

    utilizavam-na em rituais de candombl. poca, a droga no era nem social nem

    juridicamente criminalizada, e seu uso, juntamente com o consumo de pio, era comum.

    Todavia, por ser consumida principalmente pelas baixas classes sociais, ela comeou a

    ser repudiada. Como a violncia maior entre as camadas mais baixas, por fatores

    histrico-sociais, seu uso comeou a ser ligado prtica de crimes. A ttulo de

    curiosidade, a palavra assassina deriva etimologicamente de hashashin, que, em

    rabe, significa consumidor de haxixe, resina da maconha que contm altas taxas de

    THC.

    3.5. Maconha vicia

    Embora no haja doses formais definidas de THC que possam gerar dependncia,

    LEUNG (2011)9, mostrou que a maconha possui de fato um potencial de dependncia,

    que ocorre em 1 a cada 10 pessoas que a utilizam. Segundo RIBEIRO et al (2005), a

    maioria dos usurios no se torna dependente e uma minoria desenvolve uma sndrome

    de uso compulsivo semelhante dependncia de outras drogas. Os autores ainda

    apresentam uma tabela sobre os sintomas de abstinncia da droga:

    9 Disponvel em http://www.jabfm.org/content/24/4/452.full.pdf+html

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    Fonte: RIBEIRO et al(2005)

    H de se analisar tambm que o fato da maconha viciar pode ser utilizada de

    forma benfica. Muitos adictos em drogas mais pesadas como herona, crack e cocanaconseguem se ver livres dessas drogas se viciando em outra. J sabido pelos estudos

    mostrados acima, que a maconha tem um potencial danoso menor que outras substncias

    txicas, e se for possvel escolher dentre os males, o menor, muitos dependentes qumicos

    poderiam ser ressocializados e voltar a ter uma vida normal, j que estariam consumindo

    em uma substncia menos danosa.

    Embora tal fenmeno seja pouco estudado, na Sua, dois teros do nmero de

    usurios de herona que aderiram o programa de tratamento governamental mudaram seu

    vcio para a metadona, e depois largaram a droga (VERGARA, 2003). O mesmo poderia

    ser feito com a maconha, se houvesse orientao profissional.

    3.6. A maconha a porta de entrada para outras drogas

    A afirmativa parcialmente correta, mas depende do contexto social. Estudo

    realizado na Nova Zelndia, citado por Furtado de Melo (2012), observou que o uso de

    maconha entre sujeitos de 14 a 25 anos est associado ao incio de uso de outras drogas

    especialmente entre adolescentes (Fergusson et al, apud Furtado de Melo, 2012). Hall et

    al apud Furtado de Melo (2012) tambm sugerem a maconha como porta de entrada para

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    outras drogas, mas estipulam que o contexto social e caractersticas individuais tambm

    influem.

    A meu ver, o que se comumente afirma a respeito da escadinha est mais ligado

    com o ambiente em que o consumidor vive do que com os efeitos psicolgicos da drogaem si. No a busca por novas sensaes, ou baratos que faz o usurio buscar a

    cocana ou o crack, mas o contato com o traficante, que lhe oferece novas ondas de

    graa, apenas para experimentar. Como qualquer relao de consumo, o consumidor

    hipossuficiente, mais ainda por no haver regulamentao. O traficante no tem

    compromisso com a verdade, ou com a qualidade. O seu interesse a venda, e ele, na

    posio de vendedor, utilizar de todos os meios para prender o usurio na rede de uso,

    estimulando cada vez mais o consumo de drogas mais pesadas, que geram uma real

    dependncia qumica e fsica.

    A metodologia de anlise da maconha como porta de entrada para outras drogas

    falha. Se olharmos para os dependentes de crack e cocana, a maioria teria comeado com

    a maconha. Entretanto, analisando o lado contrrio, a maior parte dos usurios de

    maconha nunca sequer chegou a consumir outras drogas10. Os que j usaram,

    provavelmente o fizeram pelo contato com o traficante, conforme explicado acima. Sob

    um ponto de vista comparativo, seria como culpar o caf pelo tabagismo, j que a maioria

    dos fumantes tomaram caf antes de comear a fumar. Isso porque o caf, assim como a

    maconha, tambm uma droga, uma vez que possui entre seus compostos, a cafena, um

    potente estimulante, utilizado em todo o mundo sem prescrio mdica ou bula.

    4. O direito penal no combate maconha

    Graa (1971) apresentou em seus estudos resposta nica para a soluo do

    problema das drogas: a represso. Nas palavras do autor, dizer-se que o problema

    10Fonte: http://www.drugfreeworld.org/drugfacts/marijuana/on-the-road-to-drug-abuses.html

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    resolvido, apenas, pela educao, TESE DE MACONHEIRO (sic). O ttulo do

    captulo dessa frase Reprimir para Recuperar.

    Ora, como o reprimido ser recuperado? O Estado no o trata como enfermo, mas

    sim como marginal, bandido, o que o afasta cada vez mais das autoridades. Repressonada mais gera do que represso, conforme ilustra a tabela abaixo.

    Fato que a guerra s drogas, que veio com fora na dcada de 70, quando o

    presidente Nixon declarou-as o inimigo nmero 1 dos Estados Unidos, fracassou. A

    Comisso Global de Polticas de Drogas, composta por cones mundiais como Fernando

    Henrique Cardoso, Kofi Annan,Csar Gaviria,entre outros, j declarou: hora de acabar

    com a guerra s drogas11. O presidente do Uruguai, Pepe Mujica, que liderou a

    legalizao da maconha em seu pas tambm se pronunciou: Vamos regular um mercado

    que j existe. No podemos fechar os olhos para isso. A via repressiva fracassou12.

    11 Disponvel em http://www.globalcommissionondrugs.org/

    12Disponvel em http://www.cbdd.org.br/blog/2013/12/03/uruguai-nao-tera-fumo-livre-diz-mujica/

    http://www.globalcommissionondrugs.org/bios/cesar-gaviria/http://www.globalcommissionondrugs.org/bios/cesar-gaviria/
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    Hodiernamente o Direito Penal Brasileiro consolidou a represso na Lei

    11.343/06. Tal Lei se diferencia da revogadalei 6368/76 pelas diferentes penas. O antigo

    texto trazia no seu artigo 16 a pena de deteno de seis a dois anos e pagamento de multa

    para as condutas de adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso prprio, substncia

    entorpecente (...) e nas palavras de Gomes (2008), igualava a situao do mero usurio,

    e do bandido, porquanto ambas estavam sujeitas a penas restritivas de liberdade. A lei

    atual traz a distino no seu art. 28, considerando o uso/porte para consumo prprio um

    crime de menor potencial ofensivo, e no art. 33, relativo ao trfico. Segundo o art 28,

    quem adquirir, guardar, tiver em depsito, transportar ou trouxerconsigo, para consumo pessoal, drogas sem autorizao ou emdesacordo com determinao legal ou regulamentar sersubmetido s seguintes penas:

    I - advertncia sobre os efeitos das drogas;

    II - prestao de servios comunidade;

    III - medida educativa de comparecimento a programa ou cursoeducativo.

    Somente o crime de trfico, do art. 33 passvel de pena privativa de liberdade,

    qual seja a recluso de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a

    1.500 (mil e quinhentos) dias-multa para aquele que

    importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,adquirir,vender, expor venda, oferecer, ter em depsito, transportar,trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumoou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorizao ouem desacordo com determinao legal ou regulamentar.

    Em deciso indita, no dia 28/01/2014 o juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel13,

    da 4 Vara de Entorpecentes do Distrito Federal considerou inconstitucional a proibio

    da maconha, violando os direitos fundamentais da igualdade, liberdade e dignidade

    13Disponvel em http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-juiz-trata-proibicao-maconha.pdf . Acessado em

    03/02/2014

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.368-1976?OpenDocumenthttp://s.conjur.com.br/dl/sentenca-juiz-trata-proibicao-maconha.pdfhttp://s.conjur.com.br/dl/sentenca-juiz-trata-proibicao-maconha.pdfhttp://s.conjur.com.br/dl/sentenca-juiz-trata-proibicao-maconha.pdfhttp://s.conjur.com.br/dl/sentenca-juiz-trata-proibicao-maconha.pdfhttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.368-1976?OpenDocument
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    humana. Declarou ainda que o art. 33, caput, da lei 11343/06 uma normal penal em

    branco, que necessita de complemento normativo de regulamentao. Segundo Maciel,

    A portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo querestringe direitos, carece de qualquer motivao por parte doEstado e no justifica os motivos pelos quais incluem a restriode uso e comrcio de vrias substncias, em especial algumascontidas na lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra ailegalidade do ato administrativo. Sem motivao, tal norma ficaincapaz de poder complementar a norma penal do art. 33, caput,da lei 11343/06. Ademais, ainda que houvesse qualquerjustificativa ou motivao expressa do rgo do qual emanou oato administrativo restritivo de direitos, a proibio do consumode substncias qumicas deve sempre atender aos direitos

    fundamentais da igualdade, da liberdade e da dignidade humana.

    Tanto o art. 28 quanto o 33 so regulamentados pela portaria supracitada, que,

    segundo o juiz, pouco fundamentada. Sendo uma norma restritiva de direitos, deveria

    ser emanada de um poder constitucional e originariamente competente para tal, como o

    Legislativo, e no de um rgo administrativo.

    Para a descriminalizao da maconha, seria ento possvel a revogao da portaria

    da Anvisa, tomando como base o argumento acima, ou a retirada da cannabis da lista E, e

    do THC da lista F. Outra sada seria suprimir o artigo 28 da lei 11343/06, deixando de

    punir qualquer usurio de substncias ilcitas. Todavia, tal medida seria no caminho de

    legalizar todas as drogas, no somente a maconha, o que j despenderia do Estado uma

    ao mais enrgica, no sentido de criar centros de uso de entorpecentes e de

    acompanhamento, evitando assim as famosas cracolndias e possveis overdoses, j que o

    usurio teria acompanhamento mdico. O ideal seria comear pela maconha, uma droga

    de menor potencial lesivo, para depois partir para substncias mais pesadas.

    Hoje entende-se que a lei antitxicos visa proteger no a sade individual, posto

    que a lei no pode punir a conduta direcionada autoleso, tanto que no incrimina a

    conduta de usar a droga (PACHECO FILHO; THUMS, 2005). Nesse sentido, escreveu

    VIANNA (2011):

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    H um princpio fundamental do Direito Penal que impede quecondutas sejam criminalizadas simplesmente por questes morais.Crimes s podem existir em um Estado Democrtico de Direitopara evitar condutas que lesem ou coloquem em risco interessesjurdicos de terceiros. No se pode punir algum por uma auto-

    leso. O uso da maconha por pessoas maiores e capazes no lesamais que a prpria sade.

    Assim sendo, h de se aplicar ao usurio o princpio da insignificncia, uma vez

    que possibilidade de leso sociedade da maconha to baixa que no justifica os custos

    e esforos de toda uma Ao Penal, que poderiam ser canalizados para o combate s

    grandes organizaes criminosas.

    4.1. Os caminhos possveis

    Se a via repressiva falhou, alternativas devem ser procuradas em

    substituio ao caos que hoje existe. O problema da via repressiva que ela concentra os

    esforos em uma nica meta: impedir que a droga chegue ao usurio. Todavia, conforme

    VERGARA (2003) mostrou, impossvel a existncia de uma sociedade sem drogas, que

    esto, h pelo menos 8.000 anos, presentes em quase todas as culturas. Elas esto tointrnsecas no cotidiano, que o cidado mdio mal se d conta de que todos os dias ele

    ingere vrias drogas. Comeando pelo caf, tomado logo pela manh (cafena). No

    almoo, uma aspirina para aliviar a dor de cabea. Nos intervalos do trabalho, um cigarro

    para relaxar. Ao fim da noite, uma taa de vinho, uma cerveja gelada, ou um whisky.

    Todas so drogas, e conforme visto, umas mais potentes e danosas que a maconha.

    As estratgias de represso so, ainda segundo Vergara, baseadas em trs metas:

    1) Combater o produtor

    2) Atacar a oferta de distribuidores e traficantes

    3) Reprimir o usurio

  • 8/11/2019 A legalizao da maconha e o dever desobedincia civil 2014.pdf

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    A falha da primeira estratgia clara: bilhes de dlares so gastos todos os anos

    para destruir plantaes, mas elas sempre voltam, com novas tecnologias e tcnicas de

    cultivo. A tentativa de retirar a droga de circulao, causando um aumento no seu preo

    tambm nfima. Um aumento de 200% da folha da coca causa somente um incremento

    de 2% no varejo (VERGARA, 2003).

    A segunda forma de combate tambm nunca funcionar: os traficantes, prevendo

    as aes policiais, sempre guardam estoques de droga, para que as apreenses de um lote

    no comprometam todo seu negcio. Por trs de uma apreenso de drogas, h sempre um

    montante maior. Ademais, as guerras contra faces criminosas alimentam no s o setor

    de drogas, mas tambm o de armas, o que tambm responsvel pelo aumento da

    violncia, tanto nas favelas quanto nos centros urbanos.

    A terceira via costuma funcionar, mas no da maneira necessria. Impor penas

    altas ao consumidor da droga diminui o nmero total de usurios, mas no o de usurios

    pesados, que so os que realmente causam problemas. Estes consumidores no deixariam

    de usar a droga independentemente das penas, pois, segundo Vergara, a imensa maioria

    nem sabe qual a pena para esta ou aquela substncia. Assim sendo, os programas de

    combate ao usurio s atingem aqueles que ocasionalmente usam a droga. Estes, em

    contrapartida, no representam um perigo sociedade.

    Existem, entretanto, outras formas possveis de se lidar com o problema das

    drogas. O primeiro passo aceitar a sua existncia, e aprender a conviver com elas. Foi

    pensando nisso que alguns pases europeus mudaram o foco do combate. Em Portugal e

    na Espanha, a conduta de usar drogas deixou de ser infrao penal (que tem como sano

    a priso), e se tornou infrao administrativa. O uso foi descriminalizado, e quem for

    pego usando drogas tem de pagar uma multa pesada, em vez de ir preso.

    O Uruguai tornou-se o primeiro pas do mundo a legalizar totalmente a Cannabis

    Sativa. A estratgia baseia-se em criar um concorrente poderoso para o narcotrfico: o

    prprio Estado. Todos os uruguaios maiores de 18 anos e que se registrem como

    consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha podem compra-la em

    farmcias autorizadas. O acesso droga se dar pelo cultivo pessoal (at seis ps e at

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    480g por colheita por ano) ou por clubes de culturas (mnimo de 15 membros, mximo de

    45, podendo plantar at 99 ps por ano). Cada cidado pode portar at 40g, e tambm h

    um limite que o cidado pode gastar por ms com o produto. O uso cientfico e medicinal

    foi liberado via receita mdica, e o cnhamo industrial (presente em hidratantes e diversas

    fibras) tambm passa a ser permitido no pas. Ainda cedo para especular sobre as

    consequncias desta atitude por parte de nossos vizinhos sulamericanos. Fato que

    atitude corajosa, ao desafiar no s os cartis da droga, mas pases poderosos que ainda

    adotam como bandeira a represso14.

    Em outro espectro, a Sua criou em 1987 um parque isolado em Zurique, onde a

    venda e o uso da droga era legalizada, com agentes de sade para orientao. O plano no

    deu certo, posto que toda a criminalidade relativa s drogas foi concentrada em um s

    lugar. O uso aumentou, j que viciados de todo o pas foram para l, e o preo da droga

    ainda caiu, j que no havia mais trfico. Em 1994, a experincia foi aprimorada, e um

    novo modelo foi implantado. Criou-se um centro de fornecimento de herona e mescalina,

    que distribua gratuitamente tais drogas, em qualquer quantidade desejada, em at trs

    vezes ao dia. Como a quantidade no era regulada, os usurios passaram a ter uma

    relao de confiana com os agentes de sade, que aplicavam as injees em agulhas

    esterilizadas e em consultrios limpos. Inicialmente, o consumo mdio aumentou

    drasticamente, uma vez que, com o uso liberado, os drogaditos se fartavam. Entretanto,

    pouco depois o uso caiu para um dcimo do uso inicial (quantidade que possibilita ao

    usurio ter uma vida social normal), provavelmente porque os usurios se davam contam

    que quantidades grandes de herona no satisfaziam seus problemas pessoais. A

    experincia se mostrou um sucesso: nenhum consumidor tinha contato com o traficante,

    nenhuma overdose foi registrada, e muitos usurios comearam a utilizar a metadona

    (uma droga derivada do pio, menos danosa) em lugar da herona (VERGARA, 2003).

    O Brasil possui problemas semelhantes, mas com o crack em lugar da herona.

    Todavia, o usurio internado compulsoriamente, e submetido a tratamento de

    abstinncia. A experincia sua poderia ser aplicada aqui, com as correes necessrias.

    14Disponvel em

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/12/131210_maconha_legalizacao_uruguai_lgb.shtml

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    Por exemplo, o dinheiro utilizado para reprimir poderia ser canalizado para clnicas de

    uso, onde o usurio teria direito uma quantidade de crack, assistida por um agente de

    sade, que tentaria de vrias maneiras convencer o usurio a usar outra droga menos

    danosa (como a maconha, por exemplo). Com a oferta de uma droga de qualidade, de

    graa, e em um local apropriado, as cracolndias deixariam de existir. Assim, o governo

    poderia catalogar mais facilmente o usurio, traar um perfil de uso, para assim combater

    o foco, por meio de programas educacionais. Outra vantagem que o sujeito seria

    ressocializado, pois com o governo ao seu lado, e no contra ele, sua auto-estima se

    eleva, aumentando as chances de cura.

    Se o sistema suo funcionou melhor que a via repressiva com as drogas mais

    pesadas, provvel que ela tambm v funcionar com usurios de maconha, que so, em

    geral, um problema menor para a sociedade. Se as outras drogas no puderem ser

    legalizadas e as possibilidades acima no forem ser aplicadas, ao menos parte do

    problema poderia ser resolvido com a permisso da maconha. Enquanto o sistema

    judicirio continua a tratar dependentes como traficantes, e o Legislativo insiste em

    reprimir para recuperar, necessrio uma nova ferramenta de luta: a desobedincia

    civil.

    5. A desobedincia civil como meio de luta

    Embora a maconha seja amplamente consumida no Brasil, a sua presena costuma

    ser um tabu para a sociedade, que, abolindo-a socialmente tambm a proibiu

    juridicamente (ou talvez foste o contrrio). O que se pretende a transgresso da norma

    como forma de educao social, para que as modificaes legislativas sejam realizadas

    com mais fluidez. Todavia, conforme visto, somente em 2011 a sociedade pde realizar

    seu direito liberdade de expresso, expressando sua vontade de legalizar a cannabis,por

    meio da marcha da maconha.

    notrio que a legalizao da maconha em nosso pas seria matria de

    demonizao, como j o , pela comunidade conservadora brasileira, que engloba desde

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    setores ligados Igreja, como partidos de direita15. Sendo assim, sua aprovao no

    Congresso Nacional seria de grande desagrado populao em geral, o que

    consequentemente reduziria a popularidade de polticos que apoiassem essa causa.

    Ora, em um Estado Democrtico de Direito, no pode uma maioria impedir no sa voz, como a realizao das vontades de uma minoria, sendo estas vontades menos

    danosas sociedade em geral do que as que j existem (vide exemplo do lcool

    mencionado acima). nesse contexto que entra a desobedincia civil.A desobedincia

    civil um ato pblico lcito, pois, embora ilegal, no antijurdico, ou seja, embora no

    preserve a legalidade do Direito, levanta uma pretenso de legitimidade do mesmo, o que

    o difere de um crime (REPOLS 2003). Assim sendo, o que se procura com a

    desobedincia da ordem jurdica de no se fumar maconha16 no a simples e pura

    transgresso da regra, mas configura um ato poltico contra a ordem vigente.

    No se trata, contudo, da possibilidade de se descumprir todas as regras j

    existentes, ao bel prazer de cada um. A desobedincia civil fundada em uma ordem

    injusta, como o banimento da maconha, que, conforme j visto, das drogas mais

    consumidas pelo pblico, uma das menos danosas. Ela (a desobedincia) ato extremo,

    que tem, ainda nas palavras de Repols (2003):dois fins precpuos: primeiro, sensibilizar

    a opinio publica em torno de questes que at ento no eram apresentadas como

    prioritrias ou crticas; e, segundo, atingir o crculo oficial do poder poltico (...),

    tentando provocar uma mudana no direcionamento da produo legislativa, das polticas

    governamentais ou da interpretao como medida (Paramount law) de estabelecimento

    do jurdico (grifos meus).

    Sendo uma luta poltica, que visa a alterao de um dispositivo legal injusto, que

    atenta contra as liberdades individuais, ela no pode ser violenta, nem se basear na fora

    bruta para alcanar o seu objetivo. O extremismo da atitude tem como finalidade chamar15

    Movimentos ligados Igreja e setores conservadores:

    http://maconhanao.com.br/index.php?pag=detalhe&codconteudo=139&codmenu=211

    http://noticias.gospelprime.com.br/igreja-batista-luta-contra-maconha/

    16 Conforme j visto, o ato de fumar em si no crime. Todavia, para se fumar, deve-se primeiramente

    adquirir, guardar ou trazer consigo a droga, condutas criminalizadas.

    http://maconhanao.com.br/index.php?pag=detalhe&codconteudo=139&codmenu=211http://maconhanao.com.br/index.php?pag=detalhe&codconteudo=139&codmenu=211http://noticias.gospelprime.com.br/igreja-batista-luta-contra-maconha/http://noticias.gospelprime.com.br/igreja-batista-luta-contra-maconha/http://noticias.gospelprime.com.br/igreja-batista-luta-contra-maconha/http://maconhanao.com.br/index.php?pag=detalhe&codconteudo=139&codmenu=211
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    a ateno para um fato que tabu na conservadora sociedade brasileira. Se a justificativa

    da desobedincia a falta de dilogo, o agir violentamente estaria em sentido oposto

    estratgia da luta, que justamente chamar a sociedade para o debate, enquanto a

    violncia a renncia do dilogo.

    Tambm mister salientar que no se trata de uma luta de direito resistncia.

    Grande parte dos apoiadores da luta pela descriminalizao e legalizao da maconha so

    simpatizantes ou defensores do Estado Democrtico de Direito, fundado na livre

    expresso do pensamento, no direito de ir e vir, na pluralidade, na autodeterminao, e

    principalmente na legalidade. No se discute aqui a legitimidade deste sistema, mas sim a

    correo de uma falha dele, qual seja a imposio moral e jurdica de condutas, de

    maneiras injustificveis. A maconha no lesa a sociedade menos que o lcool, no

    podendo invocar o princpio da proteo coletiva. Ela no lesa o indivduo menos que o

    tabaco ou anfetaminas, no podendo tambm arguir a autoproteo, que papel do

    Estado. O trfico, nas atuais propores, s existe porque no h um mercado legtimo. A

    violncia s ocorre pelo mesmo motivo.

    Nesse sentido, o maior prejudicado pela criminalizao da erva o prprio

    Estado. A sociedade continuar consumindo de maneira ilegal a droga, incentivando o

    trfico, a violncia, cartis ilegais, entre outros crimes que esto acorrentados

    criminalizao da droga. Logo, desobedecer a norma no agir contra o Estado. lutar

    para a proteo do mesmo, posto que os benefcios da legalizao atingem no s o

    indivduo, mas toda a coletividade, uma vez que combate os males supracitados. Se assim

    o , a desobedincia civil, aplicada legalizao da maconha, no um direito, mas sim

    um dever de todo cidado.Isso no quer dizer que todo cidado deva fumar maconha,

    muito pelo contrrio. Seu uso, assim como o de qualquer outra droga deve ser evitada,

    dado os riscos de problemas de sade e dependncia. Entretanto, a criminalizao

    alimenta uma rede de trfico, e impede a pesquisa em torno dos seus benefcios. Logo, o

    cidado tem o dever no de usar a droga, mas de lutar pela sua descriminalizao.

    Expoente terico no debate da desobedincia civil o filsofo Henry David

    Thoureau. E ainda no dever do cidado de lutar contra as injustias, o norte-americano

    tratou o tema com preciso:

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    De fato, nenhum homem tem o dever de se dedicar erradicaode qualquer mal, mesmo o maior dos males; ele pode muito bemter outras preocupaes que o mobilizem. Mas ele tem no mnimoa obrigao de lavar as mos frente questo e, no caso de nomais se ocupar dela, de no dar qualquer apoio prtico injustia.

    Se me dedico a outras metas e consideraes, preciso ao menosverificar se no estou fazendo isso custa de algum em cujosombros esteja sentado (grifo meu).(THOREAU 1849)

    claro que os que se ope legalizao da maconha quase sempre apresentam

    argumentos de cunho moral, e de uma maneira genrica e simplista afirmam ser errado

    fumar maconha. notrio que a maioria dos opositores no so os que sofrem

    cotidianamente com o trfico17, mas sim uma classe mdia-alta, alicerada historicamente

    nas injustias sociais, e que temem a disseminao da erva pelos seus filhos, destruindo atradicional famlia brasileira. Em sntese, so os que se opem s custas de algum cujo

    ombros esto sentados. Por fim, ainda acrescenta o filsofo:

    Deve o cidado desistir da sua conscincia, mesmo por um nicoinstante ou em ltima instncia, e se dobrar ao legislador? Por quento estar cada homem dotado de uma conscincia? Na minhaopinio devemos ser em primeiro lugar homens, e s entosditos. No desejvel cultivar o respeito s leis no mesmonvel do respeito aos direitos. (THOUREAU 1849).

    brilhante a colocao do autor, que se enquadra no problema atual em questo. As

    manifestaes que ocorreram em solo ptrio em junho trouxeram novos ares no s de

    debate, mas da fora que a sociedade, unida, tem em prol de um objetivo comum (ainda

    que estes objetivos no tenham sido bem delimitados durante as passeatas). Tais

    manifestaes so provas de que o brasileiro tem cada vez menos se dobrado ao

    legislador, e fazendo valer a vontade de suas conscincias.

    Nesse sentido, importante para a consolidao da cidadania, mecanismos de

    participao que vo alm da mera escolha direta de representantes. necessrio o

    amadurecimento da sociedade como um todo, no sentido que ela quem define as regras

    17 Idem nota 13

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    que eles mesmos tm de seguir, e no um grupo restrito. Logo, se convencer do fato de

    que a maconha uma droga amplamente utilizada, e com danos menores do que o lcool,

    ela tm de agir em direo sua legalizao.

    5 Concluso

    A maconha no representa uma ameaa comunidade, na proporo em que a

    grande parte da sociedade acredita. Entretanto, no se pode descartar seus riscos, que,

    conforme visto, so menores ou equivalentes, se comparado s demais drogas. No pode,

    nesse sentido, o Estado proibir cidados civilmente capazes, no pleno gozo de sua

    personalidade jurdica, de exercerem livremente suas vontades. Em 1933, quando os EUAproibiram o lcool, seu consumo no reduziu, a violncia relacionada ao trfico da bebida

    aumentou, e curiosamente, a popularidade da maconha (que ainda no era proibida)

    cresceu18. Pode-se traar slidos paralelos entre a experincia norte-americana com o

    lcool, com o resto do mundo com a marijuana. A represso no funcionou, e hora de se

    aplicar as alternativas que j existem.

    Muito se argumenta que a sociedade brasileira no est preparada para a legalizao

    das drogas, posto que, conforme argumentao destes, o Brasil um pas atrasado, comuma populao ignorante e que no tem condies suficientes de arcar com os nus que a

    legalizao poderia trazer. Nada mais falso.

    A sndrome de vira lata do brasileiro muitas vezes o impede no s de visualizar

    as polticas pblicas bem sucedidas, como tambm o amedronta de tomar novas decises.

    O brasileiro um dos povos mais preparados para lidar com as drogas, porque j teve

    sucesso no combate outra, muito mais malfica que a maconha: o cigarro.

    Em menos de 25 anos, a populao tabagista do Brasil passou de 31% para 16,8%

    (fonte: Fundao Sanepar). Os brasileiros fumam cada vez menos graas s campanhas

    publicitrias contra o cigarro, s restries nas propagandas, a vedao de propaganda na

    18Disponvel em http://www.cato.org/pubs/pas/pa-157.html

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    causar, bem como a qualidade da erva. Tal medida de extrema importncia para o

    tratamento de dependentes, pois aproxima o usurio do Estado, ao passo que no sistema

    atual ele criminalizado e marginalizado. Junto legalizao, campanhas antidrogas

    ajudariam na preveno do uso, assim como j foi feito com o cigarro nas dcadas de 70,

    80 e 90, pois, ao contrrio do que alguns autores afirmam, a educao ainda o melhor

    caminho para a formao de uma populao.

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    VERGARA, Rodrigo. Drogas. Coleo Para Saber Mais, Superinteressante. So Paulo:

    Ed. Abril, 2003.

    VIANA, Tlio. (2011). Legalizar a maconha. Disponvel em

    http://tuliovianna.org/2011/05/29/legalizar-a-maconha/

    VIEIRA, Joo. Txicos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1988.

    Site da Anvisa http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/conceito.htm#1.1

    http://tuliovianna.org/2011/05/29/legalizar-a-maconha/http://tuliovianna.org/2011/05/29/legalizar-a-maconha/http://tuliovianna.org/2011/05/29/legalizar-a-maconha/http://tuliovianna.org/2011/05/29/legalizar-a-maconha/http://tuliovianna.org/2011/05/29/legalizar-a-maconha/