resumo - desobediência civil

35
 [...]Aceito com entusiasmo a divisa: “ O melhor governo é o que menos governa “ ; e gostaria de vê-la posta em prática mais pronta e sistematicamente.[...] [...]Que cada homem faça saber a e spécie de governo que lhe mereceria o respeito: isso será o primeiro passo no sentido de obtê-lo.[...] [...]Afinal de contas, a razão prática por que, estando o poder uma vez nas mãos do povo, permite-se a uma maioria que continue a governar por um longo período, não é a de que seja mais provável que tal maioria esteja certa, nem a de que isso pareça o mais justo à minoria, e sim a de que a maioria é fisicamente mais forte. Toda via, um governo em que a maioria governe em todos os casos, não se pode basear na justiça, pelo menos naquilo que os homens entendem por tal. Não poderá, então haver um governo em que caiba à consciência, não às maiorias, decidir virtualmente o que seja certo ou errado? Em que as maiorias decidam apenas aquelas questões as quais se aplique a regra de conveniência? Deve o cidadão, mesmo por um momento, ou em caso extremo, abdicar de sua consciência em favor do legislador? Então, para que serve a consciência do indivíduo? Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e só depois súditos. Não é desejável cultivar, pela lei, respeito igual ao que nutrimos pelo direito. A única obrigação que me cabe assumir é fazer, a qualquer tempo, aquilo que julgo direito. Costuma-se dizer, com acerto, que uma corporação não tem consciência; uma corporação de homens, porém, é uma corporação com consciência, A lei nunca tornou os homens mais justos, no mínimo que fosse; e, por via de seu respeito a ela, mesmo os de boas disposições vêem-se diariamente convertidos em agentes da injustiça. Resultado natural e comum do indevido respeito pela lei, é o de se poder ver um destacamento de soldados – coronel, capitão, cabos, praças de pré, e o resto – marchando, com ordem admirável, por morros e vales, para a guerra, contra as suas vontades, ai!, contra o seu bom senso e suas consciências , o que torna deveras árdua a marcha, na verdade, e produz uma palpitação no coração. Nenhum deles tem dúvida de estar metido num negócio odioso; todos têm inclinações pacíficas. Pois bem: o que são eles? Homens de verdade? Ou pequenos fortes e paióis de munição a serviço de algum homem inescrupuloso no poder? Visitai o Estaleiro Naval e contemplai um fuzileiro – ser que o governo norte-americano pode fazer, ou um homem com suas feitiçarias – uma simples sombra, uma vaga reminiscência de humanidade, um homem ainda de pé, vivo, mas já, bem se poderia dizer, sepultado em armas, com acompanhamento fúnebre[...] [...]A maioria dos homens serve ao Estado dessa maneira, não como homens de fato, mas como máquinas, com seus corpos. São o exército permanente, os membros da milícia, os carcereiros, os policiais, os posse comitatus, etc. Na maioria dos casos, não há livre exercício nem do raciocínio nem do senso moral; eles se colocam, porém, ao nível da arvore, da terra, da pedra; talvez se possam manufaturar homens de madeira que sirvam a tal propósito de modo

Upload: jeferson-pereira

Post on 14-Jul-2015

669 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 1/35

[...]Aceito com entusiasmo a divisa: “ O melhor governo é o que menosgoverna “ ; e gostaria de vê-la posta em prática mais pronta esistematicamente.[...]

[...]Que cada homem faça saber a espécie de governo que lhe mereceria orespeito: isso será o primeiro passo no sentido de obtê-lo.[...]

[...]Afinal de contas, a razão prática por que, estando o poder uma vez nasmãos do povo, permite-se a uma maioria que continue a governar por umlongo período, não é a de que seja mais provável que tal maioria esteja certa,nem a de que isso pareça o mais justo à minoria, e sim a de que a maioria éfisicamente mais forte. Toda via, um governo em que a maioria governe emtodos os casos, não se pode basear na justiça, pelo menos naquilo que oshomens entendem por tal. Não poderá, então haver um governo em que caibaà consciência, não às maiorias, decidir virtualmente o que seja certo ouerrado? Em que as maiorias decidam apenas aquelas questões as quais seaplique a regra de conveniência? Deve o cidadão, mesmo por um momento, ou

em caso extremo, abdicar de sua consciência em favor do legislador? Então,para que serve a consciência do indivíduo? Penso que devemos ser homens,em primeiro lugar, e só depois súditos. Não é desejável cultivar, pela lei,respeito igual ao que nutrimos pelo direito. A única obrigação que me cabeassumir é fazer, a qualquer tempo, aquilo que julgo direito. Costuma-se dizer,com acerto, que uma corporação não tem consciência; uma corporação dehomens, porém, é uma corporação com consciência, A lei nunca tornou oshomens mais justos, no mínimo que fosse; e, por via de seu respeito a ela,mesmo os de boas disposições vêem-se diariamente convertidos em agentesda injustiça. Resultado natural e comum do indevido respeito pela lei, é o de se

poder ver um destacamento de soldados – coronel, capitão, cabos, praças depré, e o resto – marchando, com ordem admirável, por morros e vales, para aguerra, contra as suas vontades, ai!, contra o seu bom senso e suasconsciências, o que torna deveras árdua a marcha, na verdade, e produz umapalpitação no coração. Nenhum deles tem dúvida de estar metido num negócioodioso; todos têm inclinações pacíficas. Pois bem: o que são eles? Homens deverdade? Ou pequenos fortes e paióis de munição a serviço de algum homeminescrupuloso no poder? Visitai o Estaleiro Naval e contemplai um fuzileiro – serque o governo norte-americano pode fazer, ou um homem com suas feitiçarias– uma simples sombra, uma vaga reminiscência de humanidade, um homem

ainda de pé, vivo, mas já, bem se poderia dizer, sepultado em armas, comacompanhamento fúnebre[...]

[...]A maioria dos homens serve ao Estado dessa maneira, não como homensde fato, mas como máquinas, com seus corpos. São o exército permanente, osmembros da milícia, os carcereiros, os policiais, os posse comitatus, etc. Namaioria dos casos, não há livre exercício nem do raciocínio nem do sensomoral; eles se colocam, porém, ao nível da arvore, da terra, da pedra; talvez sepossam manufaturar homens de madeira que sirvam a tal propósito de modo

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 2/35

igualmente satisfatório. Homens que tais não merecem maior respeito que umespantalho ou um torrão de barro. Seu valor é da mesma espécie que o decães e cavalos. No entanto, indivíduos desse estofo chegam, inclusive, a sertidos por bons cidadãos. Outros – como a maior parte dos legisladores,políticos, advogados, ministros e funcionários públicos – servem ao Estadoprincipalmente com a cabeça; e como raras vezes fazem distinções morais,poderão, com tanta probabilidade, embora sem tencioná-lo, servir ao diabocomo a Deus. Uns poucos – a exemplo dos heróis, dos patriotas, dos mártires,dos reformadores no mais alto sentido, e dos homens – servem ao Estado comsuas consciências também, e por isso resistem-lhe necessariamente, na maiorparte dos casos; e são comumente tratados por ele como inimigos. Um homemsensato só poderá ser útil como homem; não se sujeitar a servir de “barro”para “tapar um buraco e vedar a entrada do vento”; deixará tal tarefa, pelomenos, para as suas cinzas[...]

[...]Aquele que se dá inteiramente aos seus semelhantes parece-lhe inútil e

egoísta; entretanto, o que se dá apenas em parte é considerado por eles umbenfeitor e um filantropo.[...]

[...]Todos os homens reconhecem o direito de revolução, isto é, o direito derecusar obediência ao governo, e resistir-lhe, quando ele se revele despóticoou sua ineficiência seja grande e intolerável. Mas quase todos sustentam queesse não é o caso atual. Mas foi-o, acreditam eles, na Revolução de 75. Sealguém me viesse dizer que este é um mau governo porque tributa certasmercadorias estrangeiras que lhe chegam aos portos, é muito provável que eunão faça bulha nenhuma a respeito, pois posso passar sem elas. Todas asmáquinas têm o seu atrito, e possivelmente haverá, aspectos bons que

compensem os maus. De qualquer modo, será um grande mal suscitaragitação por causa disso. Mas quando a fricção chega a dominar sua máquina,e a operação e o roubo se organizam, afirmo eu que não devemos maissuportar tal máquina. Por outras palavras, quando um sexto da população deuma nação que se comprometeu a ser o refúgio da liberdade se componha deescravos, e um país inteiro seja injustamente invadido e conquistado por umexército estrangeiro e sujeitado à lei militar, acho que não é cedo demais paraos homens honestos se rebelarem e promoverem uma revolução. O que tornaesse dever ainda mais urgente é o fato de que o país assim invadido não énosso: é nosso, porém, o exército invasor.

Paley, autoridade universal para muitos no que se refere a questões morais, nocapítulo que consagrou ao “Dever de Submissão ao Governo Civil”, reduz todaobrigação civil à conveniência, e prossegue dizendo que “enquanto não sepuder resistir ou mudar, sem inconveniência pública, o governo estabelecido, évontade de Deus... (...) que o governo estabelecido seja obedecido – e nãomais que isso. Uma vez admitido tal princípio, a justiça de cada caso particularde resistência se reduz ao cômputo da quantidade de perigo e agravo, de umaparte, e da probabilidade e dispêndio de reparação, de outro”. Disto, diz ele,

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 3/35

cada homem ajuizará por si próprio. Mas Paley parece nunca ter levado emconta aqueles casos em que a regra de conveniência não se aplica, em quetodo um ovo, tanto quanto um indivíduo, deve fazer justiça, custe o que custar.Se injustamente arranquei a tábua de salvação a um homem que se afogava,devo devolver-lha, embora me afogue. Isto segundo Paley, seria inconveniente.Mas aquele que quiser savar sua vida, em tal caso, a perderá. Este povo devedeixar de manter escravos e de fazer guerra ao México, embora isso lhe custesua existência como povo.[...]

[...] Há novecentos e noventa e nove patronos de virtude para cada homemvirtuoso. Mas é mais fácil tratar com o verdadeiro possuidor de algo do quecom o seu guardião temporário.[...]

[...] Um homem sensato não deixará o direito à mercê do acaso, nem quereráque triunfe pelo poder da maioria. Há escassa virtude na ação de multidões dehomens. Quando a maioria votar, por fim, pela abolição da escravatura, há deser por que lhe é indiferente a escravidão, ou porque sobrou muito pouco dela

para ser abolida pelo voto. Os votantes serão, então, on únicos escravos. Sópode apressar a abolição da escravatura o voto daquele que afirme sua próprialiberdade através desse voto.[...]

[...] Oh, para um homem que seja homem e que, como diz o meu vizinho,tenha nas costas uma espinha que não deixe dobrar![...]

[...]Não é dever de um homem, na realidade, devotar-se à erradicação denenhum mal, por maior que seja; é-lhe devidamente permitido ter outraspreocupações a solicitá-lo; mas é seu dever, pelo menos, lavar as mãos emrelação a ele e, caso não queira mais pensar a respeito, não lhe dar,

praticamente, seu apoio. Se me devoto a outras ocupações ou contemplações,cumpre-me ver, pelo manos, se não as pratico sentado sobre os ombros deoutros homem. Devo, primeiramente, apear-me, para que ele possa tambémpraticá-las. Vede que gritante contradição se tolera.[...]

[...] O soldado que se recusa a servir numa guerra injusta é aplaudido poraqueles que não se recusam a sustentar o governo injusto que faz a guerra; éaplaudido por aqueles cujos atos e autoridade ele despreza e aos quais não dánenhum valor, como se o Estado fosse um penitente que chegasse ao ponto decontratar alguém para flagelá-lo enquanto pecava, mas não ao ponto de deixar

de pecar, um momento que fosse. Desse modo, em nome da Ordem e doGoverno Civil, somos todos levados a, por fim, prestar homenagem e apoio ànossa própria mesquinhez. Após o primeiro rubor do pecado, vem aindiferença; e, de imoral, ela se torna, por assim dizer, amoral, e não de tododesnecessária àquela vida que levamos.

Quanto mais óbvio e mais comum o erro for, tanto maior deverá ser a virtudeque exige para manter-se. É muito mais provável que as pessoas nobresincorram no brando reproche a que está comumente sujeita a virtude de

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 4/35

patriotismo. Aqueles que, conquanto desaprovem o caráter e as medidas deum determinado governo, prestam-lhe sujeição e apoio, são os seus partidáriosmais conscientes, e por isso, amiúde, o mais sério obstáculo à reforma. Algunsdirigem petições ao Estado para que dissolva a União, para que não leve emconsideração as solicitações do Presidente. Por que então não a dissolvem elespróprios – a união entre eles e o Estado – e não se recusam a pagar-lhe aotesouro sua contribuição? Não estão, para o Estado, como este está para aUnião? E as razões que impediram o Estado de resistir à União não são asmesmas que os impedem de resistir ao Estado?

Como pode um homem contentar-se com apenas ter uma opinião e nela secomprazer? Haverá algum comprazimento na opinião de ser-se oprimido? Sesois roubado de um único dólar por vosso vizinho, não vos contentais em saberque fostes roubados ou em dizer que o fostes ou em demandar ao ladrão quevos pague o que vos deve; cuidais, antes, de tomar, imediatamente,providências efetivas para obter de volta a soma toda e evitar serdes roubados

novamente. A ação a partir de um princípio, a percepção e execução do queseja direito, altera coisas e relações; é essencialmente revolucionária, e nãocondiz inteiramente com nada do que existia antes de si. Não divide apenasEstados e igrejas, divide famílias; ai!, divide o indivíduo, separando nele odiabólico do divino.

Leis injustas existem: devemos contentar-nos em obedecer-lhes ou empenhar-nos em corrigi-las. Obedecer até o momento em que tenhamos êxito outransgredi-las desde logo? Em governos como o nosso, os homens, de modogeral, pensam que devem esperar até o instante em que tenham logradopersuadir a maioria a alterá-las. Pensam que, se lhes resistissem, o remédio

seria pior que o mal.[...]

[...] Se a injustiça é mesmo parte da fricção necessária da máquinagovernamental, deixai que assim seja: talvez amacie com o tempo, e semdúvida alguma a máquina se desgastará. Se a injustiça em uma mola, polia,cabo ou manivela exclusivo para si, então talvez se justifique imaginardes queo remédio possa ser pior que o mal; se, porém, for de natureza tal que exija devós que sejais agente de injustiça para com outrem, então vos digo: infringialei. Que vossa vida seja a contra-fricção capaz de fazer parar a máquina. Oque me cabe fazer, em qualquer caso, é ver que eu não me preste a serinstrumento do mal que condeno.

Quanto a adotar os meios que o Estado propiciou para remediar o mal, não seinada deles. Exigem tempo extensivo, e demandariam toda uma vida. Tenhooutras ocupações a atender. Vim a este mundo não, principalmente, para fazerdele um bom lugar onde viver, mas para nele viver, seja ele bom ou mau. Nãocabe a um homem fazer tudo, mas algo; e não e porque ele não possa fazertudo que deve necessariamente fazer algo errado. [...]

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 5/35

[...] Ademais, qualquer homem que seja mais reto que os seus semelhantes jáconstitui maioria de um. [...]

[...] Dai o vosso voto integral, não uma mera tira de papel, mas toda a vossainfluência. Uma minoria é inerme enquanto se conforme à maioria; não é,então, sequer um minoria; torna-se, porém, irresistível quando obstrui com

todo o seu peso. [...]

[...] Quando o vassalo recusar sujeição e o servidor público resignar ao cargo,então a revolução estará feita. Mas suponhamos, mesmo, que deva corrersangue. Não corre algo como sangue quando a consciência é ferida? Por esseferimento esvai-se a verdadeira virilidade e imortalidade do homem, quesangra até morrer para sempre. [...]

[...] Mas o homem rico – não quero fazer nenhuma comparação invejosa – estásempre vendido à instituição que o torna rico. Falando em termos absolutos,mais dinheiro, menos virtude; pois o dinheiro se interpõe entre um homem e

seus objetivos, e os obtém para ele, não havendo, então, grande virtude emobtê-los. O dinheiro cala muitas perguntas que, de outra maneira, tal homemse veria forçado a responder, ao passo que a única pergunta que lhe impõe é aárdua, mas supérflua, de como gastá-lo.[...]

[...] A melhor coisa que um homem pode fazer pela sua cultura, quando rico,será tentar levar a cabo aqueles planos que acalentou quando pobre. [...]

[...] Quando converso com os mais livres dos meus semelhantes, percebo que,seja o que for que tenham a dizer acerca da magnitude e gravidade doproblema, e de sua preocupação com a tranqüilidade pública, o x da questão é

que não podem dispensar a proteção do governo existente e temem asconseqüências, sobre seus haveres e família, da desobediência a ele. [...]

[...] Isso torna impossível a um homem viver honestamente, e ao mesmotempo confortável, no que tange às circunstâncias do mundo exterior. [...]

[...] Deveis viver com, e depender de, vós mesmos, estar sempre prontos parapartir, e não ter muitos negócios. [...]

[...] Vi que o Estado era néscio, tímido como uma mulher solitária com suascolheres de prata, e que não sabia distinguir seus amigos de seus inimigos;

perdi, então, o resto de respeito que ainda tinha por ele, e deplorei-o.O Estado não defronta intencionalmente, pois, a consciência, intelectual oumoral, de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos. Não está dotadode inteligência ou honestidade superior, e sim de superior força física. Nãonasci para sofrer coação. Respirarei como me aprouver. Veremos quem é omais forte. Que força tem uma multidão? Só me pode coagir aquele queobedece a uma lei mais alta que a minha. Forçam-me a tornar-me igual a eles.Não ouço dizer que homens tenham sido coagidos a viver desta ou daquela

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 6/35

maneira por multidões de homens. Que espécie de vida seria essa, para viver?Quando defronto um governo que me diz “teu dinheiro ou tua vida”, por quedevo apressar-me em entregar-lhe meu dinheiro? Talvez se encontre numgrande apuro e não saiba o que fazer: não posso remediar isso. Ele tem deajudar-se a si mesmo; que faça como eu faço. Não vale a pena lamuriar-se.Não sou responsável pelo bom funcionamento da maquinaria da sociedade.Não sou filho do maquinista. Verifico que, quando uma bolota de carvalho euma castanha caem, lado e lado, uma não permanece inerte para dar lugar áoutra, mas ambas obedecem às suas próprias leis, e medram e crescem eflorescem o melhor que podem, até que uma venha, talvez, a sobrepujar edestruir a outra. Quando uma planta não pode viver de acordo com suanatureza, perece; assim também um homem. [...]

[...] Vi em que medida as pessoas com quem convivia mereciam confiançacomo vizinhos e amigos; vi que sua amizade era apenas para o bom tempo;que não se propunham muito a proceder direito; que, por força de seus

preconceitos e superstições, constituíam uma raça tão diferente de minhaquanto os chineses e os malaios; que, nos seus sacrifícios em prol daHumanidade, não corriam nenhum risco, nem mesmo no tocante a seus bens;que afinal de contas, não eram tão nobres assim, pois tratavam o ladrão comoeste os havia tratado, e esperavam, mercê de certas observâncias exteriores,de algumas preces, e de caminharem por uma via reta, embora inútil, detempos em tempos, salvar suas almas. Isto pode parecer um julgamento pordemais severo dos meus concidadãos, pois acredito que muitos deles nãoestejam cônscios de que têm uma instituição como a cadeia em sua vila. [...]

[...] Falam de sociedade movediça, mas não têm nenhum lugar de repouso fora

dela. [...]

[...] A autoridade do governo, mesmo aquela a que estou disposto a sujeitar-me – pois prazenteiramente obedecerei a quem saiba e possa fazer melhor queeu, e, em muitas coisas, mesmo a quem não saiba nem possa fazer tão bem - ,é ainda uma autoridade impura: para ser estritamente justa, tem de receber asanção e o consentimento dos governados. Não pode ter nenhum direito purosobre minha pessoa e meus bens mas apenas que lhe conceda. O progresso deuma monarquia absoluta para uma limitada, de uma democracia limitada parauma democracia, é um progresso rumo ao efetivo respeito pelo indivíduo.Mesmo o filósofo chinês foi sábio bastante para considerar o indivíduo como a

base do império. Será a democracia, tal como a conhecemos, o derradeiroaperfeiçoamento possível em matéria de governo? Não será possível avançarainda mais no reconhecimento e organização dos direitos do homem? Jamaishaverá um Estado realmente livre e esclarecido enquanto o Estado não venhaa reconhecer o indivíduo como o poder mais alto e independente, do qual seorigina todo o seu poder e autoridade, e tratá-lo correspondentemente. Apraz-me imaginar um Estado que pelo menos possa permitir-se ser justo com todosos homens, e tratar o indivíduo com respeito, como seu próximo; que chegue,

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 7/35

inclusive, a não julgar incompatível com sua própria tranqüilidade que unspoucos vivam apartados dele, não se imiscuindo nele, nem sendo abrangidospor ele, uns poucos que cumpram todos os seus deveres de seres humanos.Um Estado que produzisse tal espécie de fruto, e que lhe permitisse cair tãologo estivesse maduro, prepararia o caminho para um Estado ainda maisperfeito e glorioso, que também imaginei, mas que ainda não vi em partealguma. [...]

[...] Via de regra, quando os homens querem algo de mim, é só para saber emquantos acres eu lhes avalio a terra – pois sou agrimensor – ou, quando muito,de que triviais novidades sou portador. Nunca demandam minha polpa:preferem a casca. [...]

[...] Este mundo é um lugar de trabalho. Que infinita azáfama! Sou despertadoquase toda noite pelo arfar da locomotiva. Interrompe-me os sonhos. Não hádias de descanso. [...]

[...] Não me é fácil adquirir um caderno em branco para registrar pensamentos;os cadernos são comumente pautados para dólares e centavos. Um irlandês,ao ver0me fazer apontamentos no campo, deu por assente que eu estavacalculando minha paga. Se um homem foi atirado janela a fora, quandocriança, aleijando-se para o resto da vida, ou amedrontado até a loucura pelosíndios, lamentam-no principalmente porque ficou incapacitado para ... otrabalho! Penso que não há nada, nem mesmo o crime, que se oponha mais àpoesia, à filosofia, ai! À própria vida, do que esta incessante atividade. [...]

[...] Não obstante, como não careço da polícia do trabalho sem sentido para mepor nos trilho, a não vejo absolutamente nada de louvável na iniciativa desse

sujeito, nem em muitos cometimentos de nosso próprio governo ou degovernos estrangeiros, por mais divertidos que possam ser para ele ou eles,prefiro completar minha educação em outra escola. [...]

[...] Muitos homens se sentiriam insultados se se propusesse empregá-los paraatirar pedras por cima de um muro, e depois de atirá-las de volta, apenas paraque pudessem ganhar seu salário. Mas há muita gente que não tem empregomais meritório do que esse, atualmente. Por exemplo: certa manhã de verão,logo após o nascer do sol, vi um dos meus vizinhos a caminhar ao lado da suaparelha de animais, que puxava uma pesada pedra talhada, suspensa sob o

eixo. Esse vizinho estava circulando por uma atmosfera de operosidade: seudia de trabalho principiara... sua fronte começava a suar... ele era um reprochea todos os preguiçosos e vadios, detendo-se à frente dos seus bois e voltando-se a meio, com um floreio de seu misericordioso chicote, enquanto elesavançavam até ultrapassá-lo. Pensei comigo: Eis o trabalho para cuja proteçãoexiste o Congresso norte-americano... labor honesto e viril... tão honestoquanto o dia longo... que faz o pão saber bem e assim mantém a sociedade...que todos os homens respeitam e consagram; eis um membro da sacra coorte,levando a cabo um trabalho necessário, conquanto enfadonho. Na verdade,

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 8/35

senti uma ligeira censura, porque eu observada a cena de uma janela, e nãoestava lá fora, em atividade, a cuidar de labor semelhante. O dia se escoou, eao entardecer passei diante do pátio de outro vizinho, que tem muitos criados,e gasta muito dinheiro nesciamente, nada fazendo, todavia, pelo bem comum,e ali vi a pedra da manhã, jazendo ao lado de uma construção extravagante,destinada a adornar a propriedade daquele Lorde Timothy Dexter; toda adignidade incontinenti, a meus olhos, Na opinião, o Sol existe para iluminaresforço mais meritório do que aquele. Posso acrescentar que o patrão docondutor fugiu posteriormente, devendo a muita gente da vila, e, depois depassar por Tribunal, estabeleceu-se alhures, para tornar-se, mais uma vez,benfeitor das artes.

As maneiras pelas quais podeis ganhar dinheiro constituem, quase que semexceção, um rebaixamento. Ter feito alguma coisa pela qual ganhastesdinheiro é simplesmente ter sido vadio ou algo pior. Se o trabalhador nãoganha mais do que o salário que seu empregador lhe paga, esta sendo

roubado, rouba-se a si próprio. Se quereis ganhar dinheiro como escritor ouconferencista, deveis ser popular, o que significa descer perpendicularmente.Os serviços que a comunidade se sente inclinada a remunerar maisprontamente são os mais desagradáveis de executar. Sois pagos para serdesmenos que um homem. Via de regra, o Estado não remunera um gênio demodo mais sensato. Mesmo o poeta laureado preferiria não ter de celebrar ossucessos da realeza. É mister que o subornem com uma pipa de vinho; e talvezoutro poeta seja desviado de sua musa para medir essa mesma pipa. Quantoao meu ofício, mesmo aquela espécie de levantamento que eu poderiaexecutar com a maior satisfação, meus empregadores não a querem,Prefeririam que eu executasse meu trabalho grosseiramente e não muito bem,

ai!, não bastante bem. Quando observo que há várias espécies de medição,meu empregador pergunta, habitualmente, qual a que lhe dará mais terra, nãoa mais correta. [...]

[...] O propósito do trabalhador deveria ser, não ganhar a vida, arranjar “umbom emprego”, mas executar bem um determinado trabalho; mesmo emsentido pecuniário, seria economia para uma cidade pagar seus trabalhadorestão bem, que eles não sentissem que estavam trabalhando para fins inferiores,apenas para ganhar o sustento, mas para fins científicos, ou mesmo morais.Não contrateis um homem que faça vosso trabalho por dinheiro, mas um que o

faça por amor dele.É digno de nota que haja poucos homens empregados tão bem, tão a seugosto, que um pouco de dinheiro ou de fama não os faça abandonar aocupação presente. Vejo anúncios pedindo moços ativos, como se a atividadefosse todo o capital de um jovem. No entanto, fiquei surpreso quando alguémme propôs confiantemente, a mim, homem maduro, que embarcasse numa desuas empresas, como se eu não tivesse absolutamente nada que fazer, comose a minha vida tivesse sido um completo malogro até antão. Que discutível

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 9/35

cumprimento para fazer-me! Como se ele me tivesse encontrado em meio dooceano, a lutar contra o vento, sem rumo algum, e me tivesse proposto que oacompanhasse! Se o fizesse, que pensais que os subscritores teriam dito? Não,não! Não estou desempregado a esta altura da viajem. Para dizer a verdade, vium anúncio pedindo marujos de primeira classe, quando era moço e andava avadiar pelo porto de minha vila natal, e tão logo atingi a maioria embarquei.

A comunidade não dispõe de um suborno que possa tentar um homemsensato. Podeis levantar dinheiro bastante para escavar um túnel numamontanha, mas não conseguireis levantar dinheiro bastante para assoldadarum homem que esteja tratando se sua própria vida. Um homem eficiente e devalor faz o que pode, quer a comunidade o pague por isso, quer não. Osineficientes oferecem sua ineficiência a quem dê o lance mais alto, e estãosempre à espera de serem contratados. Seria de se supor que raramentefossem desapontados.

 Talvez eu tenha, pela minha liberdade, um zelo maior do que o habitual! Sinto

que os meus vínculos e as minhas obrigações para com a sociedade são aindamuito frágeis e transitórios. Aqueles ligeiros labores que me proporcionam o deque viver, e por via dos quais me é permitido ser útil aos meuscontemporâneos, são quase sempre um prazer para mim, e não é amiúde queme recordam que se trata de uma necessidade. Até aqui, tenho tido êxito. Masprevejo que se minhas carências aumentassem muito, o trabalho necessáriopara supri-las se tornaria uma servidão enfadonha. Se eu vendesse àsociedade tanto minhas manhas quanto minhas tardes, como a maioria parecefazer, estou certo de eu não me restaria nada por que valesse a pena viver.Confio em que nunca tenha de vender meu direito de primogenitura por um

prato de sopa. Desejo sugerir que um homem pode ser deveras industrioso e,no entanto, não gastar bem seu tempo. Não há equívoco mais fatal que o dequem despende a maior parte da vida para ganhar a vida. Todos os grandesempreendimentos se sustentam a si próprios, O poeta, por exemplo, devenutrir seu corpo com sua poesia, assim como uma plaina a vapor alimenta suascaldeiras com as maravilhas que produz. Deveis ganhar a vida amando. Masassim como se diz dos negociantes, que de cada cem noventa e setemalogram, assim também a vida dos homens, de modo geral, medida por essepadrão, é um malogro, podendo-se prever com segurança a bancarrota.

Surgir neste mundo apenas como herdeiro de uma fortuna não é nascer, mas

ser natimorto. Manter-se à custa da caridade dos amigos ou de uma pensão dogoverno – contanto que continueis a respirar – é entrar para um asilo depobres, quaisquer que possam ser os belos sinônimos usados para descreveressas relações. Aos domingo, o devedor pobre vai à igreja fazer uma contagemde inventário, e constata, naturalmente, que sua despensa foi maior do quesua receita. Na Igreja Católica, especialmente, os fiéis vão a julgamento, fazemuma confissão completa, renunciam a tudo, e pensam em começar de novo.

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 10/35

Dessarte, ficam os homens confortavelmente deitados, a falar acerca da quedado homem, e nunca fazem um esforços para erguer-se.

Quando às exigências relativas que os homens fazem à vida, há uma diferençaimportante: um se satisfaz com um êxito medíocre e suas metas podem sertodas atingidas com tiros de alça zero, ao passo que outro, por mais abjeta e

malograda que sua vida possa ter siso, constantemente eleva sua mira,embora em ângulo muito pequeno em relação ao horizonte. Eu preferiria muitomais ser este último mais ser este último homem – embora, como dizem osorientais, “A grandeza não se acerca de quem esteja sempre a olhar parabaixo; e todos quando estejam olhando para o alto vão se tornando pobre.”

É singular que haja pouco ou nada digno de lembrança escrito acerca do temade como ganhar a vida; de como tornar a obtenção do sustento uma atividadenão meramente honesta e honrosa, mas do todo sedutora e magnificente; poisse ganhar a vida não for isso, então a própria vida não o será. Chega-se apensar, examinando a literatura, que tal pergunta jamais perturbou as cismas

de um indivíduo solitário. Será que os homens estão assim tão desgostosos desua experiência que não querem falar dela? A lição de valor que o dinheiroensina, que o Criador do Universo teve tanto trabalho para nos ensinar – nóstendemos a esquecê-las inteiramente. Quanto aos meios de subsistência, émaravilhoso quão indiferentes se mostram homens de todas as classes a seurespeito, mesmo os chamados reformadores – quer os herdam, ganhem ouroubem. Creio que a Sociedade nada fez por nós neste particular, ou que, pelomenos, desfez o que havia feito. O frio e a fome parecem mais propícios àminha natureza do que os métodos adotados e recomendados pelos homenspara evitá-los.

O título de sábio é, na maioria dos casos, erroneamente aplicado. Como podeser sábio um homem que não sabe, melhor que os outros homens, como viver?Que é apenas um pouco mais esperto e intelectualmente sutil? Será que aSabedoria trabalha num treadmill, ou ensina, pelo seu exemplo, aplicada àvida? Será cabível perguntar se Platão ganhou a vida de maneira mais bemsucedida que a de seus contemporâneos – ou se sucumbiu às dificuldades davida, como outros homens? Será que pareceu triunfar sobre alguns deles,simplesmente pela indiferença, ou assumindo ares de importante? Ou queachou mais fácil viver porque sua tia o havia lembrado em seu testamento? Osmeios pelos quais a maioria dos homens ganha o sustento, isto PE, vive, são

meros expedientes circunstanciais, e um fuga à verdadeira ocupação da vida –em grande parte porque eles não conhecem, mas em parte também porquenão querem, nada melhor.

A corrida para a Califórnia, por exemplo, e a atitude, não apenas decomerciantes, mas dos chamados filósofos e profetas, em relação a ela,espelha a maior das desgraças da Humanidade. Que tantos estejam dispostosa viver em função da sorte, e, Dessarte, a conseguir meios de dirigir o trabalho

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 11/35

de outros menos afortunados, sem contribuir com nenhum valor para asociedade ”e a isto se chama iniciativa”. Não sei de mais alarmante expansãoda imoralidade do comércio e de todas as maneiras comuns de ganhar a vida.[...]

[...] A conclusão a tirar é a de que a Humanidade acabará por se enforcar numa

árvore. E todos os preceitos da Bíblia ensinaram aos homens apenas isso? Eserá a última e mais admirável invenção da raça humana tão somente umaperfeiçoamento de tal fossar na lama? Será esse o terreno onde orientais eocidentais se encontram? Então Deus nos mandou ganhar o sustentoescavoucando onde nunca plantamos – e Ele nos recompensaria, porventura,com montões de ouro?

Deus outorgou ao homem reto um certificado que lhe dá direito a comida eroupa, mas o homem iníquo descobriu um fac-símile do mesmo certificado noscofres de Deus, apropriou-se dele, e obteve comida e roupa, como o outro. Trata-se de um dos mais amplos sistemas de falsificação que o mundo já viu.

Eu não sabia que a Humanidade sofria por falta de ouro. Vi um pequenaquantidade dele. Sei que é muito maleável, mas não tão maleável como oentendimento, Um grão de ouro dará para dourar uma grande superfície, masnão tanto quanto um grão de sabedoria.

O cavador de ouro nas ravinas das montanhas é muito mais jogador que seuparelho nos salões de jogo de São Francisco. Que diferença faz que jóqueisdados ou sujeira? Se ganhardes, a sociedade será a perdedora. O cavador deouro é inimigo do trabalhador honesto, quaisquer que possam ser osobstáculos e as compensações. Não basta dizer-me que trabalhastes

duramente para conseguir vosso ouro. O diabo também trabalha duramente. Ocaminho dos transgressores pode ser árduo em muitos respeitos. O maishumilde dos observadores que vá às minas, observa e afirma que cavar ouro éuma atividade que tem caráter de loteria; o ouro assim obtido não é a mesmacoisa que a paga de um trabalho honesto. Mas, na prática, ele esquece o queviu, pois viu apenas o fato, não o princípio, e ingressa no comércio local, valedizer, compra um bilhete para o que demonstra ser, comumente, outra loteriaonde o fato não é tão óbvio. [...]

[...] por que não poderia eu lavar algum ouro diariamente, embora fossemapenas partículas minúsculas – por que não poderia eu cavar um poço até o

ouro que havia em mim, e explorar essa mina. [...]

[...] De qualquer modo, eu poderia seguir algum caminho, por solitário, estreitoe tortuoso que fosse, pelo qual andasse com amor e veneração. Onde quer queum homem se separe da multidão, e siga seu próprio caminho dessa maneira,haverá certamente uma encruzilhada da estrada, embora os viajantes comunspossam ver apenas uma brecha na paliçada. Seu solitário caminho através dasterras se revelará e real estrada real.

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 12/35

Os homens acorrem à Califórnia a à Austrália como se o verdadeiro ouro fosseencontrável nessa direção; isso, porém, é encaminhar-se para o ladoexatamente oposto àquele em que jaz o ouro. Vão prospectando cada vez maislonge do verdadeiro rumo, e são desafortunados quando se julgam mais bemsucedidos. [...]

[...] Carreguem para onde queiram sua riqueza mal adquirida, continuo semprea pensar que é na “Planície do Asno” ou na “Barra do Assassino” que vivem.[...]

[...] É digno de reparo que, entre tantos pregadores, haja tão poucospregadores morais. Os profetas se ocupam em justificar o comportamento doshomens. Muitos reverendos decanos, os iluminati da época, dizem-me, com umsorriso afável de remembrança, entre uma aspiração e um estremecimento,que não me impressione com tais coisas – que as conglobe, isto é, que façadelas um torrão de ouro. Os mais eminentes conselhos que ouvi sobre essesassuntos foram vis. A essência deles era: não vale a pena procurar reformar o

mundo nesse ponto. Não queria saber de onde vem a manteiga para o seu pão;ficaria enojado se soubesse – e coisas que tais. Seria preferível a um homemperecer imediatamente de fome que perder a inocência no processo de ganharseu pão. Se dentro do homem vivido e experimentado não houver um ingênuo,então ele só poderá ser um dos anjos do diabo. Conforma envelhecemos,vamos vivendo mais grosseiramente, relaxamos um pouco em nossasdisciplinas, e, em certa medida, deixamos de obedecer aos nossos maisapurados instintos. Mas deveríamos ser exigentes até o extremo da razão,menosprezando as chacotas daqueles que são mais desafortunados que nós.[...]

[...]Acabais de assistir ao Funeral da Humanidade quando assistis a umfenômeno natural. Um pouco de reflexão é coveira de todo o mundo.

Quase não conheço um homem intelectual de mentalidade tão arejada everdadeiramente liberal que se possa pensar em voz alta em sua companhia. Amaior parte daqueles com quem tentais conversar detêm-se ao chegar aalguma instituição a que parecem dar crédito – isto é, a alguma maneiraespecífica, não universal, de encarar as coisas. A todo instante, interpõem seupróprio e baixo teto, com sua estreita clarabóia, entre vós e o céu, quando oque desejais contemplar são os céus desobstruídos. Digo-vos: fora do caminho

com vossas teias de aranha; lavai vossas vidraças! Contam-me que, emalgumas sociedades de conferências, votara favoravelmente no sentido deexcluir os temas de religião. Mas como saberei o que seja a sua religião, equando me aproximo ou me distancio dela? Já ingressei em arenas assim e fizo melhor que pude para explicar com franqueza qual a religião de que tenhotido experiência própria, sem que a audiência jamais suspeitasse sequer deque falava eu. A conferência lhe foi tão inofensiva quanto um devaneio.Enquanto que, se eu tivesse lido para meus ouvintes a biografia dos maiores

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 13/35

patifes da História, eles poderiam ter pensado que eu escrevera as vidas dosdiáconos de sua igreja. A pergunta comumente feita é: De onde vindes? Ou:Para onde ides? Uma pergunta mais pertinente foi a que entreouvi um dosmeus ouvintes fazer a outro: “Em favor do que é que ele faz preleções?” Elame fez tremer dentro dos sapatos.

Falando imparcialmente, os melhores homens que conheço não são serenos,não constituem um mundo por si sós. Na maioria, apegam-se às experiências,e cuidam apenas de exaltar e estudar os efeitos mais apuradamente que asdemais pessoas. Escolhemos o granito para apuradamente que as demaispessoa. Escolhemos o granito para calcadura de nossas casas e colcheias;construímos muros de pedra; mas nós mesmos não nos apoiamos numacalcadura de verdade granítica, a mais vulgar das rochas primitivas. Nossassoleiras estão podres. De matéria é feito o homem que não seja coexistente,em nosso pensamento, com a mais pura e sutil das verdades? Amiúde, acusode imensa frivolidade as minhas melhores amizades; pois, enquanto há

maneiras e cumprimentos em que não incidimos, não ensinamos uns aosoutros as lições de honestidade e sinceridade que as feras ensinam, ou defirmeza e solidez que as rochas ensinam. A falta é comumente mútua, todavia,pois, de ordinário, não exigimos mais uns dos outros.

 Todo aquele alvoroço acerca de Kossuth atentai para o quão característico,mas superficial, não era ele – apenas outra espécie de política ou dança. Muitoshomens fizeram-lhe discursos em todo o país, mas cada qual se contentou emexpressar o pensamento, ou a carência de pensamento, da multidão. Nenhumse fundava na verdade. Formavam um simples ajuntamento, um se apoiandono outro, como de hábito, e todos juntos se apoiando em nada, a exemplo dos

hindus, que concebiam o mundo sustentado por um elefante colocado sobreuma tartaruga, colocada, por sua vez, sobre uma serpente, e que nãodispunham de nada sobre que apoiar a serpente. De toda essa agitação, oúnico fruto que nos restou foi o chapéu de kossuth.

De igual modo vazia e ineficaz é, na maioria dos casos, nossa conversaçãoordinária. O superficial defronta o superficial. Quando nossa vida deixa de serinterior e pessoal, a conversação degenera em mera bisbilhotice. Raras vezesencontramos um homem que nos possa contar alguma notícia que não tenhalido num jornal ou que não lhe tenha sido contada por um vizinho; e quasesempre a única diferença entre nós e nosso companheiro é a de que ele leu o

 jornal, ou saiu de casa para tomar chá, e nó não. Na proporção em que nossavida interior decline, vamos mais constante e desesperadamente ao correio.Podeis estar certo de que o pobre-diabo que dele sai com o maior número decartas, ufano de sua extensa correspondência, não tem tido notícias de sipróprio há muito tempo.

Não sei, mas acho excessiva a leitura de um jornal por semana. Experimenteifazê-lo recentemente, e durante todo o tempo pareceu-me que não vivi na

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 14/35

minha região natal. O Sol, as nuvens, a neve, as árvores, já não me diziamtanto. Não se pode servir a dois amos. Faz-se mister mais que a devoção deum dia para conhecer e possuir a riqueza de um dia.

È bem possível que nos envergonhemos de contar que coisas lemos ououvimos durante nosso dia. Eu não sabia por que minhas notícias tinham de

ser tão triviais; considerando o que são os sonhos e expectações de umapessoa, por que seus desenvolvimentos tinham de ser tão triviais;considerando o que são os sonhos e expectações de uma pessoa, por que seusdesenvolvimentos tinham de ser tão reles. A novidade que ouvimos, na maioriados casos não é novidade para o nosso espírito. É a mais sediça repetição.Amiúde, senti-vos tentados a perguntar por que tanta ênfase é posta numaexperiência particular que tivestes – a de que, após vinte e cinco anos,encontrásseis Hobbis, Oficial do Registro de Títulos, novamente na rua. Nãovos movestes sequer uma polegada, então? São tais as novidades diárias.Seus fatos parecem flutuar na atmosfera, insignificantes como espórulos de

fungos; colidem com algum esquecido talo ou superfície de nosso espírito, quelhes propicia uma base, e ali vicejam parasiticamente. Devemos lavar-nos detais novidades. Que importância teria que nosso planeta explodisse, se não hácaráter envolvido na explosão? Sãos, não temos a menor curiosidade por taisacontecimentos. Não vivemos por diversão ociosa. Eu não dobraria umaesquina para ver o mundo ir pelo ares.

Quiçá durante todo o verão, e pelo outono adentro inconscientementedesprezastes os jornais e as novidades, e agora descobris que foi porque amanhã e a tarde estavam cheias de novidades para vós. Vossos passeios foramprenhes de incidentes. Cuidastes, não dos assuntos da Europa, mas de vossos

próprios assuntos, nos campos de Massachusetts. Se por acaso viveis, movei-vos e tendes vosso ser naquele tênue estrato em que os acontecimentosconstitutivos das notícias se propagam – estrato mais tênue que o papel emque são impressas - , então tais coisas preenchem o mundo, para vós; se ,porém, pairais muito acima, ou mergulhais abaixo desse plano, não asconseguis lembrar ao ser lembrados delas. Na verdade, ver o Sol nascer oupôr-se todos os dias, de modo a vincular-se a um fato universal, é quandobasta para preservar para sempre nossa sanidade. Nações” Que são nações? Tártaros, e hunos, e chineses! Como insetos, enxameiam. O historiador procuraem vão torná-los dignos de memória. É por falta de um homem que existem

tantos homens. São os indivíduos que povoam o mundo. [...][...] Por Deus, vivamos sem ser puxados por cães, à maneira esquimó, a correrpor colinas e baixadas, mordendo-se as orelhas uns dos outros.

Não sem um ligeiro estremecimento à lembrança do perigo, percebofrequentemente quão perto estive de admitir à minha mente os pormenores dealgum assunto trivial – as notícias de rua; e espanto-me ao observar quãopropensos são os homens a atravancar a mente com tal lixo – a permitir que

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 15/35

rumores frívolos e incidentes da mais insignificante espécie se intrometamnum terreno que deveria ser sagrado para o pensamento. Tem de ser oespírito, então, uma arena pública, onde os assuntos de rua e a tagarelice demesa de chá sejam os principais temas de discussão? Ou deveria ser umquadrante de próprio céu – um templo hipetro consagrado ao culto dosdeuses? Constato ser tão difícil haver-me com os poucos fatos que sãosignificativos para mim, que hesito em sobrecarregar minha atenção comaqueles que sejam insignificantes, e que só o espírito divino poderia ilustrar.Na maioria, é o que são as notícias de jornal ou conversação. Impõe-sepreservar a castidade da mente nesse particular. Imagine-se admitir ospormenores de um só caso de tribunal criminal aos nossos pensamentos;passear profanamente pelo seu sanctum sanctorum por uma hora, ai!, pormuitas horas; transformar em sala de bar o mais íntimo aposento da mente,como se por todo esse tempo o pó das ruas nos tivesse ocupado – e a própriarua, com todo o seu movimento e imundície, tivesse atravessado o santuáriode nossos pensamentos! Não seria isso um suicídio intelectual e moral? Nas

vezes em que fui compelido, como espectador e ouvinte, a ficar sentado numasala de tribunal durante algumas horas, e em que vi meus concidadão, que nãotinham obrigação de estar presentes, ali surgirem sub-repticiamente dequando em quando, a andar na ponta dos pés, com mãos e caras lavadas,afigurou-se-me, aos olhos da imaginação, que, quando tiravam os chapéus,suas orelhas se expandiram subitamente em vastos funis ou pavilhões, entreos quais se comprimiam suas pequenas cabeças. Como velas de moinhos devento, apanhavam o amplo, mas frívolo, fluxo sonoro, que, após alguns girostitilantes pelos seus cérebros tacanhos, saía do outro lado. Perguntei-me se,quando chegavam à casa, teria, em lavar os ouvidos, o mesmo cuidado que

haviam tido em lavar as mãos e o rosto. Parecia-me, àquela altura, que osouvintes e as testemunhas do júri e os advogados, o júri e o criminoso em julgamento – se é que posso presumi-lo culpado antes de ser assim declarado –eram todos igualmente criminosos, e que seria de esperar-se que um raiodespencasse de céu e os destruísse a todos.

Mercê de toda sorte de armadilhas e cartazes de aviso, ameaçando com apenalidade extrema da lei divina, expulsai todos os intrusos da única área quedeve ser sagrada para vós. É tão difícil esquecer o que é mau quanto inútillembrá-lo! Se tenho de ser uma via de comunicação, prefiro que por mimpassem os arroios da montanha, os regatos do Parnaso, e não os esgotos da

cidade. Há a inspiração, a palavra que, vinda das cortes do Céu, chega aoouvido do espírito atento. Há a revelação profana e viciada da sala de bar e daPolice court. Cabe ao mesmo ouvido receber ambas as comunicações. Somenteo caráter do ouvinte determinará a qual delas se abrirá e a qual permaneceráfechado. Acredito que a mente possa ser permanentemente profana pelohábito de atentar para as coisas triviais, hábito que faz com que nossospensamentos se impregnem de trivialidade. Nosso próprio intelecto semacadamizará, por assim dizer; sua base se esfacelará em fragmentos para

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 16/35

que as rodas viageiras possam rodar sobre ele; e se quiserdes saber qual apavimentação mais durável, superior a pedras aplanadas, blocos alinhados easfalto, bastará examinar o interior de alguns espíritos que foram submetidos aesse tratamento por bastante tempo.

Se nos dessagrarmos de tal maneira – e quem não se dessagrou? - , o remédio

será, com devota circunspecção, cuidar de nos reconsagrarmos, fazendo damente outra vez um templo. Devemos tratar nosso espírito, isto é, nósmesmos, como uma criança inocente, de que somos os guardiões, e tomarcuidado com os objetos e assuntos que lhe ofereçamos à atenção. Não leiais os Templos. Lede as Eternidades. Ao fim e ao cabo, os convencionalismos são tãonocivos quanto as impurezas. Mesmo os fatos da Ciência podem empoeirar oespírito com sua secura, a menos que, em certo sentido, sejam delitos, ouantes, tornado férteis pelo orvalho da verdade fresca e viva. [...]

[...] Então não temos nenhuma cultura, nenhum refinamento? Somentehabilidade bastante para viver grosseiramente e servir ao diabo; para adquirir

alguma riqueza mundana, ou fama, ou liberdade, e dela fazer falsa exibição,como se fossemos só casca e concha, sem nada de tenro e vivo? Deverãonossas instituições ser como aqueles ouriços de castanhas, que contêm apenasfrutos abortivos, perfeitos apenas para picar os dedos?

Diz-se que os Estados Unidos são a arena onde será travada a batalha daliberdade; decerto, porém, não se trata de liberdade em sentido meramentepolítico. Mesmo que admitamos ter-se o norte-americano libertado de umtirano político, continua ele escravo de um tirano econômico e moral. Agoraque a república – a res-pública – foi instaurada, é tempo de cuidar de res-

privada – a vida privada - , de ver, como o senado romano incumbia aos seuscônsules “nequid res-privada detrimenti caperet”, que a existência privadanão sofra prejuízo.

Chamamos a esta terra dos livres? De que adianta livrar-se de Rei Jorge paracontinuar escravo do Rei Preconceito? De que adianta nascer livre para nãoviver livre? Qual o valor da liberdade política, senão o de ser um meio deliberdade moral? É de uma liberdade de ser escravos, ou de uma liberdade deser livres, que nos jactamos? Somos uma nação de políticos, preocupadosapenas com a extrema defesa da liberdade. Serão os filhos de nossos filhosque talvez poderão ser realmente livres. Tributamo-nos de modo injusto. Há

uma parte de nós que não está representada. Trata-se de tributação semrepresentação. Alojamos tropas, alojamos néscios e gado de toda sorte em nósmesmo. Alojamos nossos corpos obesos em nossas pobres almas, até eles lhedevorarem a substância.

No que respeita à verdadeira cultura e humanidade, somos aindaessencialmente provincianos, não metropolitanos – meros Jonathans. Somosprovincianos porque não encontramos em casa nossos padrões, por que nãoveneramos a verdade, e sim o reflexo da verdade; por que somos deformados

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 17/35

e restringidos por uma devoção exclusivista aos negócios, ao comércio, àsmontanhas e a coisas que tias, que são apenas meio, não fim.

O Parlamento inglês é também provinciano. Meros labregos, os parlamentaresse traem como tais quando lhes cabe resolver alguma questão importante,como, por exemplo, a questão irlandesa ou, por que não dizer, a questão

inglesa? Suas naturezas estão subordinadas àquilo em que trabalhem. Sua“boa educação” respeita apenas objetos secundários. As mais refinadasmaneiras mundanas não passam de desajeitamento e fatuidade quandocontrastadas com uma inteligência superior. Parecem ser apenas modas dedias pretéritos – mera cortesania, sapatos de fivela e calções justos, fora demoda. È defeito, não virtude, das maneiras o perderem continuadamente ecaráter; são roupas ou cascas rejeitadas, a exigirem o respeito que pertencia àcriatura viva. São-vos mostradas cascas, em vez de carne, e não é justificativaque, de modo geral, no caso de alguns peixes, as conchas valham mais que acarne. O homem que me impõe suas maneiras procede como se estivesse

insistindo em apresentar-me seu gabinete de curiosidades, quando o que eudesejava era conhecê-lo a ele próprio. Não foi nesse sentido que o poetaDecker chamou a Cristo “o primeiro cavalheiro de verdade que jamais houve”.Repito que, nesse sentido, a mais esplêndida corte da Cristandade éprovinciana, tendo autoridade para deliberar apenas acerca de interessestransalpinos, e não acerca dos assuntos de Roma. Um pretor ou procônsulbastaria para resolver as questões que absorvem a tenção do parlamentoinglês e do Congresso norte-americano.

Governo e legislação! Pensei que fossem profissões respeitáveis. Ouvimos falarde Numas, Licurgos e Solons de nascimento divino, na história do mundo, cujos

nomes, pelo menos, podem representar os legisladores ideais; mas pensaiportação de tabaco! Que têm os legisladores divinos a ver com a exportaçãoou a importação de tabaco? E os humanos com a criação de escravos?Suponhamos que fôsseis fazer tal pergunta a qualquer filho de Deus – e nãotem Eles filhos no Século Dezenove? Trata-se acaso de uma família extinta? - ,em que condição a teríeis novamente? Que terá a dizer em seus próprio favor,no ultimo dia, um Estado como o de Virgínia, em que foram essas as produçõesprincipais, mais importantes? Estados meus dados de quadros estatísticos queos próprios Estados publicaram.

Um comércio que branqueja todos os mares, à procura de nozes e passas, e

que para alcançar Atal propósito, escraviza seus marinheiros! Vi, outro dia, umbarco que soçobrou: muitas vidas se perderam e sua carga de trapos, bagas dezimbro e amêndoas amargas estava espalhada ao longo da praia. Não pareciaque valesse a pena enfrentar os perigos do mar, entre Liorne e Nova Iorque,por causa de um frete de bagas de zimbro e amêndoas. Os Estados Unidosmandando buscar ao Velho Mundo seus amargos! Será que a salmoura dooceano e o naufrágio não são amargos bastante para fazer a copa da vida ai aofundo aqui? No entanto, esse, em grande medida,é o nosso gabado comércio; e

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 18/35

há os que se intitulam a si mesmos estadistas e filósofos, que são cegos aponto de pensar que o progresso e a civilização dependem precisamente dessaespécia de intercâmbio e atividade – a atividade de moscas à volta de umbarril de melado. Isso estaria muito bem, observa alguém, se os homensfossem ostras. E muito bem, observo eu, se os homens fossem mosquitos. [...]

[...] A principal carência, em todos os Estados que visitei, era uma vontadeconvicta e superior em seus habitantes. Somente isto é que pode extrair àNatureza suas “grandes riquezas” e que, por fim, a onera além de suacapacidade; pois o homem morre, naturalmente, por causa dela. Quandocarecemos mais de cultura que de batatas, mais de iluminação que debombons, então as grandes riquezas do mundo são oneradas e extraídas, e oresultado, ou produção mais importante, é, não escravos ou operários, mashomens – aqueles frutos raros chamados heróis, santos, poetas, filósofos eredentores. [...]

[...] Aquilo a que se chama política é algo comparativamente tão superficial e

inumano que, praticamente, numa reconheci, de fato, que me dissesserespeito. Segundo noto reconheci, de fato, que me dissesse respeito. Segundonoto, os jornais devotam algumas de suas colunas especialmente à política eao governo, sem ônus; e isto, dir-se-ia, é tudo quanto a redime; mas como euprezo a literatura e, em certa medida, a verdade também, nunca leio essascolunas. Não quero embotar o meu senso de retidão a tal ponto. Ninguém mepode acusar de ter lido uma única Mensagem presidencial. Que estranha épocado mundo esta, em que impérios, reinos a repúblicas vêm esmolar à porta dohomem privado e expressar-lhe suas queixas! Não posso pegar um jornal semque constate que algum infortunado governo, sob forte pressão e já nas

últimas, vem implorar a mim, o leitor, que vote em seu favor – mais importunoa mim, o leitor, que vote em seu favor – mais importuno que um mendigoitaliano; e se eu estiver disposto a dar olhada no seu certificado benévolo, oupelo capitão do navio que o trouxe, pois ele mesmo não sabe falar uma únicapalavra de inglês, lerei provavelmente acerca da erupção de algum Vesúvio ouda inundação de algum Pó, verdadeira ou forjada, que o pôs naquele estado.Não hesito, num caso assim, em sugerir trabalho ou um asilo de pobres; ou porque não manter seu castelo em silêncio, como eu faço comumente? O pobrePresidente, que quer preservar sua popularidade e cumprir o seu dever, estácompletamente atônito. Os jornais são o poder dominante. Qualquer outro

governo está reduzido a uns poucos fuzileiros navais no Forte Independence.Se um homem negligenciar a leitura do Daily Times, o governo irá até ele de joelhos, pois essa é a única traição nos dias que correm.

 Tais coisas, que mais solicitam a tenção dos homens, como a política e a rotinadiária, são, é bem verdade, funções vitais da sociedade humana; deveriam,porém, ser executadas inconscientemente, como as funções correspondentesde corpo físico. São infra-humanas, uma espécie de vegetação. Por vezes,chego à semiconsciência de que andam à minha volta, assim como um homem

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 19/35

pode tornar-se, em estado mórbido, consciente do processo da digestão, esofrer por isso de dispepsia, segundo a denominam. É como se um pensador sesubmetesse a ser limado pela grande moela da criação. Os políticos são, porassim dizer, a moela da sociedade, cheia de saibro e cascalho, e os doispartidos políticos são suas duas metades opostas – por vezes, partem-se emquadros, talvez, que se moem uns aos outros. Não apenas os indivíduos, mastambém os Estados, sofrem assim de uma dispepsia confirmada, que se nuncadeveríamos ter estado conscientes, pelo menos em nossas horas despertas.Por que não deveríamos nos encontrar, não sempre como dispépticos, paracontar nossos sonhos maus, mas, algumas vezes, como eupépticos, para noscongratularmos mutuamente pela esplêndida manhã? Certamente, não é umpedido exorbitante o que eu faço. [...]

[...] Não nos estorvemos a nós próprios, pois essa é a maior fricção. Temescassa importância que um nuvem obstrua a visão do astrônomo, comparadacom a sua própria cegueira. O outro quer reformar a natureza e as

circunstâncias para que o homem possa viver bem. [...][...] Quem sabe em que direção irá soprar o vento amanhã? Não sucumbamosà natureza. Dirigimos as nuvens e reprimiremos as tempestades; conteremosas exalações pestilentas; sondaremos os terrenos, desencatá-los-emos, edaremos vazão aos gases perigosos; desentranharemos o vulcão e extrairemosseu veneno, arrancaremos fora sua semente. Lavaremos a água eaqueceremos o fogo e esfriaremos o gela e sustentaremos a terra.Ensinaremos os pássaros a voar, os peixes a nadar, os ruminantes a ruminarseu alimento. Já é tempo de atentarmos para tais coisas.

E cabe ao moralista, também, indagar o que poderia o homem fazer paramelhorar e embelezar o sistema; que fazer para as estrelas terem mais brilho,o sol tornar-se mais alegre, animado e jubiloso, a lua mais plácida e contente.Não poderia ele realçar os matizes das flores e a melodia dos pássaros? Seráque ele cumpre seu dever para com as raças inferiores? Não lhe cumpriria serum deus para elas? Qual deve ser a sua parte de magnanimidade com a baleiae o castor? Não deveríamos temer trocar de lugar com eles, um dia que fosse,de medo de que sua conduta nos envergonhasse? Não deveríamos tratar commagnanimidade o tubarão e o tigre, descer a encontrá-los em seu próprionível, com chuços de dente de tubarão e broqueis de pele de tigre? Difamamosa hiena. O homem é o mais feroz e o mais cruel dos animais. Ah” tem pouca fé;

mesmo os cometas e meteoros errantes lhe agradeceriam e lhe retribuiriam abondade à sua maneira.

Quão mesquinha e grosseiramente nos havemos com a Natureza! Nãopoderíamos ter um labor menos grosseiro? Que mais sugerem estasrequintadas invenções; o magnetismo, o daguerreótipo, a eletricidade? Seráque não podemos fazer mais do que cortar e desdobrar a floresta? Nãopoderíamos estar presentes em sua economia interior, na circulação da seiva?

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 20/35

Atualmente , laboramos de modo superficial e violento. Não suspeitamos oquanto poderia ser feito para melhorar nossa relação com a Natureza animada;que benignidade e refinada cortesia poderiam existir. [...]

[...] É mister confessar que, presentemente, os cavalo trabalham comdemasiada exclusividade para os homens, e raras vezes os homens para os

cavalos; e os animais degeneram na companhia do homem. [...]

[...] Ver-se-á que cogitamos de um tempo em que o homem há de ser lei para omundo físico, e em que não mais o tolherão abstrações como tempo e espaço,altura e profundidade, peso e dureza; em que ele está, de fato, o senhor dacriação. “Bem”, diz o leitor incrédulo, “a vida é curta, mas a arte é longa”;onde está a força motriz que levará a cabo tais transformações? È exatamenteo objetivo do livro do Sr. Etzler mostrá-lo. De momento, ele nos recordaráapenas que inúmeras e incomensuráveis forças já existem na Natureza, aindadesaproveitadas em larga escala para fins magnânimos e universais, e que sãoamplamente suficientes para atender a tais propósitos. Ele se contenta em

apostar-lhes somente a existência, como o hidrógrafo que dá conhecimento daexistência de uma força hidráulica em qualquer curso d’água; quanto à suaaplicação, porém, remete-nos a uma continuação de seu livro intituladaSistemas Mecânicos. Algumas dessas forças mais obvias e familiares são oVento, as Mares, as Ondas, o Sol. Consideremos o seu respectivo valor. [...]

[...] Eis aí energia bastante, pensar-se-ia, para realizar muita coisa. Estas sãoos Poderes cá embaixo. Ó” vós, maquinista de moinhos, vós maquinistas delocomotivas, vós mecânicos e teóricos de toda espécie, nunca vos queixeisnovamente de falta de força motriz: essa é a mais gritante forma de

infidelidade. O problema não é decidir como executaremos, mas o quê. Nãousemos de modo mesquinho aquilo que nos é tão generosamente ofertado. [...]

[...] Esta é daquelas instâncias em que se verifica que a índole individualconcorda, como de fato sempre o faz, finalmente, com o universal. Esta últimasentença tem uma certa verdade dolorosa e sóbria, que nos recorda a escriturade todas as nações. Toda expressão da verdade assume, ao fim e ao cabo, talprofunda forma ética. Eis a sugestão de um lugar que é o mais elegível dequantos existam no espaço, e de um servidor comparado ao qual todos osoutros criados se reduzem à insignificância. Esperamos ouvir mais a seurespeito logo adiante, pois mesmo um Palácio de Cristal seria deficiente sem os

seus inapreciáveis serviços. [...]

[...] Eis a vida reservada para a verdadeira inteligência, mas recusada àignorância, ao preconceito e à estúpida aderência ao hábito.

Assim é o Paraíso a ser Recobrado, e o velho e severo decreto por fim semodificará radicalmente. O homem não mais terá de ganhar o pão com o suorde seu rosto. Todo trabalho se reduzirá a um “ligeiro movimento de algummanípulo” e a “retirar os objetos prontos”. Mas há uma manivela – oh!, quão

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 21/35

dura de girar! Não poderia haver uma manivela para uma manivela – ummanivela infinitamente pequena? – de bom grado perguntaríamos. Não –infelizmente não. Mas há uma certa energia divina em todo homem,pouquíssimo empregada por enquanto, a que se pode chamar manivela interna– a manivela das manivelas – o primeiro motor de toda maquinaria –absolutamente indispensável a todo trabalho. Fosse-nos dado pôr-lhe a mão!Na verdade, nenhum trabalho pode ser evitado. Pode ser indefinidamenteadiado, mas não infinitamente. Tampouco pode qualquer trabalhoverdadeiramente importante ser facilitado por cooperação ou maquinaria.Nenhuma partícula de trabalho que ora ameace qualquer homem pode serobviada sem antes ter sido executada. Não pode ser expulsa das cercanias,como se expulsam chacais e hienas. Não fugirá. Podeis começar por serrar osgalhos pequenos, ou podeis serrar desde logo os galhos grandes, mas, maiscedo ou mais tarde, tereis de serrar ambos.

Não nos deixaremos embair por essa vasta aplicação de forças. Acreditamos

que a maioria das coisas terá ainda de ser feita pela aplicação da forçachamada Diligência. Apraz-nos deveras, afinal, considerar a pequena forçaindividual, mas constante e acumulada, que há por detrás de cada pá nocampo. È ela que faz os vales luzirem e os desertos realmente florescerem. Àsvezes, confessamo-los, somos degenerados o bastante para pensar, comprazer, nos dias em que os homens eram jungidos como bois e arrastavam umgalho recurvo à guisa de arado. Afinal de contas, os grandes interesses emétodos eram os mesmo. [...]

Há pressa e afobação em demasia, e pouquíssima paciência e recato, em todosos nossos métodos, como se fôssemos levar séculos para concluir algo. O

verdadeiro reformador não precisa de tempo, nem de dinheiro, nem decooperação, nem de conselhos. Que é o tempo senão a matéria de que sefazem as demoras? E, crede, nossa virtude não se sustentará dos juros denosso dinheiro. Ele não espera nenhuma renda, mas a supera; tão logocomeçamos a calcular o custo, o custo começa. E quanto a conselhos, ainformação que flutua na atmosfera da sociedade é-lhe tão evanescente einservível quanto uma teia de aranha para Hércules como maça. Não existe,absolutamente, senso comum; o que há é contra-senso comum. Se temos dearriscar um centavo ou uma gota de nosso sangue, quem então nos poderáaconselhar? A nós mesmos, que somos jovens demais, falta-nos experiência.

Quem será bastante idoso? Somos mais idosos de fé que de experiência. Nodistender do braço que vai realizar o feito há uma experiência que vale todasas máximas do mundo.

“Ver-se à claramente, agora, que a execução das propostas não é tarefa paraindivíduos. Que o seja para o governo a esta altura, antes de o assunto ter-setornado popular, é problema a ser resolvido, tudo quanto cumpre fazer éadiantar-se, após madura reflexão, confessar em voz alta suas própriasconvicções, e formar sociedades. O homem é poderoso, mais somente quando

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 22/35

se une a muitos. Jamais se poderá realizar, através de iniciativa individual,nada de grande em prol da melhoria se sua condição, ou da de seussemelhantes.”

Ai! Este é o gritante pecado da época, esta falta de Fe na prevalência de umahomem. Nada poderá ser realizado a não ser que por um homem. Quem quer

ajuda, quer tudo. È bem verdade que essa é a condição de nossa fraqueza,mas jamais poderá ser o meio de nossa recuperação. Devemos primeiramenteter êxito sozinhos, para que o possamos desfrutar juntos. Confiamos em que osmovimentos sociais que testemunhamos indicam uma aspiração que não há deser satisfeita tão facilmente assim. Nessa questão de reformar o mundo, temospouca fé em corporação; não foi dessa maneira que o mundo foi criado.

 Todavia, nosso autor é sensato bastante para declarar que as matérias-primaspara a realização de seus propósitos são “ferra, cobre, madeira, barroprincipalmente, e uma união de homens cujos olhos e entendimentos nãoestejam obnubilados por preconceitos”. Sim, este último item pode ser aquilo

de que principalmente carecemos – uma sociedade de “sujeitos ímpares”,verdadeiramente. [...]

[...] Vemos, porém, duas principais dificuldades em tudo isso: primeiramente, autilização bem sucedida das forças pela maquinaria (não lemos ainda oMerchanical System), e, em segundo lugar, o que é infinitamente mais difícil, ohomem aplicar-se ao trabalho por pura fé. É isso que, receamos, irá prolongaros dez anos a dez mil anos pelo menos. Será mister uma força “80000 vezesmaior do que aquela que todos os homens da Terra poderiam produzir comseus nervos” para persuadir os homens a usarem aquilo que lhes é oferecido.

Será mister, mesmo, que uma maior do que essa força física venha influenciaraquela força moral. A fé, na verdade, é tudo de que necessita a reforma: ela é,por si só, uma reforma. Indubitavelmente, somos tão morosos no conceber oParaíso, e o Céu, como um mundo natural, como o perfeito mundo espiritual,“Estará acaso a nossa geração isenta de irracionalidade e do erro? Alcançamosacaso, agora, o cimo da sabedoria humana, e não mais carecemos de buscar amelhoria mental ou física? É fora de dúvida que nunca somos tão visionáriosque estejamos preparados para aquilo que a próxima hora possa trazer-nos.[...]

[...] O Divino está prestes a realizar-se, e essa é a sua natureza. Nos momentos

de maior discernimento, secretamos uma matéria que, como o calcário domarisco, nos incrusta completamente, e sorte nossa se, como o marisco, nosdesfazemos de nossas conchas, de tempo em tempo, embora sejam nácar demais belo matiz. Reflitamos em que condições desfavoráveis a Ciênciatrabalhou até agora, antes de nos pronunciar, de maneira tão confiante, acercado seu progresso. [...]

[...] É com certa frieza e apatia que vagueamos em torno do atual e dochamado prático. Quão pouco nos detêm as mais maravilhosas invenções dos

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 23/35

tempos modernos! Elas insultam a Natureza. Toda máquina, ou aplicaçãoespecífica, parece um ligeiro ultraje contra leis universais. Quantas esplêndidasinvenções não existem a atravancar o solo? Julgamos bem sucedidas somenteaquelas que atendem às nossas necessidades sensíveis e animais, que cozemou preparam, lavam ou aquecem, ou coisas assim. Mas não são antes dignasde consideração aquelas que a fantasia e a imaginação patenteiam, e quelogram êxito tão admirável em nossos sonhos, a ponto de colorirem até nossospensamentos acordados? Já a natureza está atendendo todas aquelas funçõesque a Ciência lentamente infere, numa escala muito maior e mais importante,a quem queira ser atendido por ela. Quando a luz do Sol ilumina o cominho dopoeta, este desfruta todos os puros prazeres e benefícios que as artes sólogram realizar, lenta e parcialmente, ao longo de século. As brisas que lherefrescam as faces trazem-lhe todo o proveito e felicidade que as demoradasinvenções delas propiciam.

O principal defeito deste livro é procurar meramente assegurar o mais alto

grau de conforto e prazeres vulgares. Pinta ele um céu maometano e sedetém, com singular brusquidão, quando pensávamos que se ia acercar dasfronteiras do céu cristão – e confiamos em que não fizemos, neste ponto, umadistinção sem diferença. Sem dúvida alguma, se fôssemos reformar esta vidaexterior de maneira efetiva e total, verificaríamos que nenhum dever domundo interior poderia ser omitido. Tal empresa requereria o empenho de todaa nossa natureza; e o que faríamos depois seria perguntar tão vã quantoperguntar a um pássaro o que irá fazer depois de ter construído seu ninho ecriado sua prole. Deve-se fazer primeiro a reforma moral, porém: estão, nãohaverá necessidade da outra, e velejaremos e lavraremos tão-somente pelasua força. Há uma maneira mais rápida do que a que o Mechanical System

pode mostrar, de entulhar pântanos, abafar o bramir das ondas, domar hienas,obter arredores agradáveis, diversificar a terra e refrescá-la com “arroios deágua doce”., e essa maneira é pela força da retidão e conduta correta. Só porpouco tempo, só ocasionalmente, parece-me, precisamos de um jardim.Certamente, não carece um homem de bem de afanar-se a nivelar uma colinasomente para aprimorar a paisagem, ou cultivar frutos e flores, e construirilhas flutuantes, apenas por amor de um paraíso. Ele desfruta de vistas maisbelas do que as que ficam para além de uma colina. Por onde quer que umanjo voe, ali será paraíso, mas por onde anda satã será terra escaldante ecinzas. Que é que diz Vixenu Sarma? “Quem possui o espírito tranqüilo é dono

de todas as riquezas. Para quem tenha o pé apertado num sapato, não é comose toda a superfície da Terra estivesse recoberta de couro?

Quem é íntimo das forças sobrenaturais não vai adorar as deidades inferioresdo vento, das ondas, das marés ou da luz solar. Mas não queremosmenoscabar a importância de cálculos como os que descrevemos. Sãoverdades da Física, porque são verdades da Ética. Ninguém se atreveria acalcular as forças morais. Imaginai se fôssemos comparar o moral com o físicoe dizer a quantos cavalos de força a força do amor, por exemplo, soprando em

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 24/35

cada pá quadrado da alma de um homem, seria igual. Temos, sem dúvida,perfeita noção dessa força; números não aumentariam o nosso respeito porela; a luz solar é igual a apenas um raio do seu calor. A luz do Sol é apenas asombra do amor. “As almas dos homens que amam e temem a Deus”, dizRaleigh, “recebem influência da própria luz divina, pelo que a claridade do Sole das estrelas é por Platão considerada apenas uma sombra. A luz é a sombrado fulgor de Deus, que é a luz das luzes”, e, podemos acrescentar, o calor doscalores. Amor é o vento, as marés, as ondas, a luz solar. Sua energia éincalculável; tem muitos cavalos de força. Nunca cessa, nunca afrouxa; podemover o globo sem um ponto de apoio; pode aquecer som fogo; podealimentar sem carne; pode vestir sem roupas; pode abrigar sem teto; podecriar um paraíso interior que dispensará um paraíso exterior. Mas embora oshomens mais sagazes de todas as épocas tenham lutado por divulgar estaforça, e todo coração humano venha a senti-la mais cedo ou mais tarde, quãopouca dela se aplica, de fato, a fins sociais!

Na verdade, é a força motriz de toda maquinaria social bem sucedida; masassim como em Física fizemos os elementos executar para nós apenas umaspoucas tarefas enfadonhas – o vapor tomar o lugar de alguns cavalos, o ventode alguns remos, a água de alguns sarilhos e moinhos manuais - , assim comoas forças mecânicas ainda não foram ampla e generosamente aplicadas parafazer o mundo físico corresponder ao ideal, assim também, por enquanto, aforça do amor foi mesquinha e parcialmente aplicada. Patenteou tão-somentemáquinas como o asilo de pobres, o hospital e a Sociedade Bíblica, ao passoque seu vento infinito ainda continua a soprar, e a deitar abaixo taisconstruções, de tempos em tempos. Menos ainda lhe estamos acumulando aforça, e preparando-nos para agir com maior energia num tempo futuro. Não

deveremos então entrar com nossas cotas nessa empresa? [...]

[..] “No seu acampamento”, alguém escreveu recentemente, e eu próprio oouvi dizer, “não permita qualquer irreverência; a nenhum homem de morallicenciosa era consentido ali permanecer, a menos, é claro, que se tratasse deum prisioneiro de Guerra.” “Preferiria antes ter”, afirmou ele, “varíola, febreamarela e cólera, todas juntas, em meu acampamento, do que um homem semprincípios. (...) É em engano, senhor, que nosso povo comete quando julga queos fanfarrões sejam os melhores combatentes, ou os homens adequados paracontrapor a estes sulistas. Dai-me homens de bons princípios – homens

tementes a Deus – Homens que se respeitem a si mesmos, e com uma dúziadeles farei frente a qualquer centena de homens como esses desordeiros deBuford.” Dizia ele que se alguém se oferecesse para ser soldado sob seucomando, e se apressurasse a declarar o que poderia ou iria fazer tão logotivesse o inimigo a vista, ele confiaria muito pouco em tal pessoa. [...]

[...] Todavia, ele não atribuía nesciamente seu êxito à sua estrela ou algumamágica. Afirmou, na verdade, que a razão por que número tão superior deinimigos se intimidava diante dele era a de que, conforme um de seus

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 25/35

prisioneiros, careciam de uma causa – tipo de armadura que jamais faltou a eleou ao seu partido. Quando chegou a hora, verificou-se que poucos homensestavam dispostos a sacrificar suas vidas em defesa daquilo que saibam sererrôneo; não gostariam que esse fosse seu derradeiro ato neste mundo. [...]

[...] No geral, meu respeito pelos meus semelhantes, exceto na medida em que

um possa prevalecer sobre um milhão, não tem aumentado estes dias. Repareina maneira insensível com que os redatores de jornal e as pessoas falam,geralmente, acerca do evento, como se algum malfeitor ordinário, embora deincomum “denodo” – consta que o Governador da Virgínia declarou, usandolinguagem de arena, que se tratava “do homem mais animoso que jamais vira”-, tivesse sido capturado e estivesse prestes a ser enforcado. Ele não estavasonhando com seus adversários quando o governador achou que parecia tãobravo. Qualquer doçura que eu tenha se converte em fel quando ouço, ditas oureferidas, as observações de meus concidadãos. Ao sabermos, a princípio, queele estava morto, um deles observou que “morreu como morrem os tolos”; o

que, perdoai-me, por um momento sugeriu uma parecença entre o morrer delee o viver de meu concidadão. Outros, pusilânimes, dizem, desdenhosamente,que “ele atirou fora sua vida” por que resistiu ao governo. De que maneira,dizei-me, atiraram eles suas vidas fora? – os que louvariam um homem poratacar sozinho um bando comum de ladrões ou assassinos. Ouço outroperguntar, à maneira ianque, “Que é que ele vai ganhar com isso?”, como seele esperasse encher os bolsos com tal empresa. Gente assim não tem idéia deganho que não seja neste sentido material. Se não proporciona reuniõessociais, se a pessoa não ganha um novo par de botas, ou um voto deagradecimentos, então deve ter sido um fracasso. “Mas ele não veio ganharquatro pence e seis por dia para ser enforcado, nem trabalhar nisso o ano todo;

mas ele tem uma oportunidade de salvar parte considerável de sua alma – eque alma! – enquanto vós não. Não há dúvida de que podeis obter mais, emvosso mercado, por um litro de leite do que por um litro de sangue, mas não éao mercado que os heróis levam seu sangue.

Gente assim não sabe que igual à semente é o fruto, e que, no mundo moral,quando se planta a boa semente, o bom fruto é inevitável, e não depende denos o regarmos e adubarmos; que quando plantais, ou sepultais, um herói emseu campo, com certeza nascerá uma safra de heróis. É uma semente de talforça e vitalidade que não nos pede permissão para germinar. [...]

[...] “Foi bem feito” – “Um homem perigoso” – “Fora de dúvida que estáinsano”. E, dessarte, eles continuam a viver suas vidas sadias, sensatas edeveras admiráveis, lendo trechos de seu Plutarco, mas detendo-se, sobretudo,naquele feito de Putnam, que foi arriado até a toca de um lobo; e desta sortese inspiram para bravos e patrióticos feitos em algum tempo futuro. ASociedade de Propaganda Religiosa pode-se permitir imprimir essa história dePutnam. Podeis inaugurar as aulas das escolas distritais com a leitura dele,

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 26/35

pois não há ali nada contra a Escravidão ou a Igreja; a menos que ocorra aoleitor que certos pastores são lobos em pele de cordeiro. [...]

[...] Nossos inimigos estão em meio a nós e à nossa volta, Dificilmente haveráuma casa que não esteja dividida, pois o nosso adversário nada é maisuniversal obduração da cabeça e do coração, a falta de vitalidade no homem,

que é efeito de nosso vício; e daí nascem o temor, a superstição, a intolerância,a perseguição, e toda espécie de escravidão. Somos meras figuras de proanum caso de navio, com fígados em lugar de corações. A maldição é o cultodos ídolos, que por fim converte o próprio adorador em imagem de pedra; e onatural da Nova Inglaterra é tão idólatra quanto um hindu. [...]

[...] Uma igreja não pode passar sem excomungar Cristo, enquanto existir! Foracom vossas largas e chatas igrejas, com vossas igrejas altas e estreitas! Daí um passo avante e inventai um novo estilo de privada. Inventai um sal que vossalve e defenda nossas narinas.

O cristão moderno é um homem que concordou em rezar todas as preces asliturgia, desde que lhe permitais ir direto para a cama e dormir em paz, depois. Todas as preces começam com “Agora vou=me deitar” e ele está sempre naexpectativa da hora em que partirá para o seu “longo descanso”.

Consentiu também em levar a cabo algumas caridades tradicionais, de certomodo, mas não quer ouvir falar de nenhuma caridade novel; não quer que seacresçam ao contrato quaisquer artigos suplementares, para adequá-la aotempo presente. Mostra o branco dos olhos no domingo, e o negro deles nosdemais dias da semana. O mal não é apenas uma estagnação do sangue, masuma estagnação do espírito. Muito, sem dúvida, são bem intencionados, mas

indolentes por natureza e por hábito, e não podem conceber que um homemseja movido por motivos mais altos que os deles. Por conseguinte, declarameste homem insano, pois sabem que eles jamais poderiam agir como ele age,enquanto forem o que são.

Suponhamos com países estrangeiros, com outras épocas e raças de homens,colocando-os à distancia na História ou no espaço; todavia, basta que umevento significativo com o atual ocorra em nosso meio, e logo descobriremos,amiúde, este distanciamento, esse estranhamento em nós e nossossemelhantes mais chegados. Eles são nossas Áustrias e Chinas , nossas lhas

dos Mares do Sul. Nossa populosa sociedade se torna de pronto bemespaçada, lima e agradável à vista – uma cidade de magníficas distâncias.Descobrimos por que antes, em nossas relações com eles, jamais fomos alémdos cumprimentos e das aparências; damo-nos conta de que entre nós e eleshá tantas verstas quanto entre em tártaro nômade e uma vila chinesa. Ohomem meditativo converte-se em eremita nas apinhadas ruas da praça domercado. Mares intransponíveis subitamente se erguem entre nós, mudasestepes ali se estendem. São as diferenças de natureza, de inteligência e de fé,e não rios e montanhas, que constituem as verdadeiras e intransponíveis

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 27/35

fronteiras entre indivíduos e Estados. Só os espíritos semelhantes ao nosso éque se podem tornar enviados plenipotenciários à nossa corte. [...]

[...] Passar das vozes e feitos de homens sérios para o cacarejo de convençõespolíticas! Cavadores de cargos e fazendeiros de discursos, que nem sequerpõem um honesto ovo, mas que ficam de peito à mostra, sobre um ovo de giz!

O grande jogo deles é o jogo das palhas, ou melhor, aquele universal jogoindígena dos pratos, no qual os índios gritavam hub, hub! Excluí os informesacerca de convenções políticas e religiosas e publicai as palavras de umhomem vivo.

Mas minha objeção não é tanto àquilo que omitiram como àquilo queinseriram. Mesmo o Libertador chamou-o de “mal orientado, tumultuoso eaparentemente insano... esforço”. Quanto à chusma de jornais e revistas, nãoconheço nenhum diretor de jornal, no país, que deliberadamente publiquequalquer coisa que saiba que irá reduzir permanentemente, ao fim e ao cabo, onúmero de seus assinantes. Não acham que isso fosse prudente. Como podem,

então, publicar a verdade? Se não dissermos coisas agradáveis, argumentam,ninguém os ouvirá. E, assim, procedem como certos leiloeiros ambulantes, quecantam um canção obscena para reunir uma turba à sua volta. Redatoresrepublicanos, obrigados a ter suas sentenças alinhavadas para a ediçãomatinal, e acostumados a encarar tudo à meia-luz da política, não exprimemadmiração ou sequer verdadeiro pesar, mas chamam esses homens de“fanáticos iludidos”, “homens equivocados”, “insanos” ou “aloucados”. Istosugere com que bando de ajuizados redatores temos a ventura de contar; nãosão “ homens equivocados”, pois sabem muito bem, pelo menos, de que ladode seu pão está a manteiga.

Um homem leva a cabo um feito valoroso e humano, e prontamente, por todaparte, ouvimos pessoas e partidos declararem: “Não fui eu quem fez isso, nemo encorajei a fazer, de modo algum. Ninguém pode inferir isso de minhacarreira passada.” De minha parte, não tenho qualquer interesse em ouvir-vosdefinir vossa posição. Não sei o que jamais fui ou o que jamais serei. Consideroisto mero egoísmo, mera irrelevância, a esta altura. Não precisais dar-vos atanto trabalho para lavar as mãos no concernente a ele. Nenhum homeminteligente jamais se convencerá de que fosse criatura da vossa laia. Ia evinha, conforme ele próprio nos informa, “ sob os auspícios de John Brown e deninguém mais”. O Partido Republicano não se dá conta de quantos eleitores o

malogro dele não fará votar mais corretamente, mais corretamente do que osrepublicanos desejariam. Estes contaram os votos do Capitão Brown, Ele lhestirou das velas o vento – o ventinho – que as enfunava, e eles podem agoramentir para remediar a situação.

Que importa que ele não pertencesse à vossa panelinha! Embora possais nãoconcordar com seu método ou seus princípios, reconhecei-lhe a

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 28/35

magnanimidade. Não gostaríeis de afirmar vosso parentesco com ele nesseparticular, embora em nenhuma outra coisa ele seja igual, ou parecido, avós?

Achais que dessa maneira iríeis perder a reputação? O que perdêsseis noespicho, ganharíeis no batoque.

Se eles não pretenderem dizer tudo isto, então não falam a verdade nemdizem o que pensam. Estão simplesmente aplicando seus velhos truques,ainda.

“Sempre se lhe reconheceu”, diz um que o chama de doido, “que era homemconsciencioso, muito moderado no seu modo de proceder, aparentementeinofensivo, até que o assunto da Escravidão fosse trazido à baila, quando entãomanifestava um inaudito sentimento de indignação.”

O navio negreiro está em viagem, atulhado de vítimas agonizantes; novascargas são-lhe adicionadas em meio do oceano; uma pequena tripulação de

senhores de escravos, apoiada por um grande número de passageiros, estáasfixiando quatro milhões dentro dos portões, e, no entanto, os políticosafirmam que a única maneira adequada para se obter a libertação é por meioda “ordeira difusão dos sentimentos de humanidade”, sem qualquer“insurreição”. Como se jamais se encontrassem sentimentos de humanidadedesacompanhados de feitos correspondentes, e os pudésseis difundir, perfeitose consumados, sob encomenda, artigo legítimo, tão facilmente quanto seespalha água com um regador para fazer assentar o pó. Que é que vejoatirarem pela borda afora? Os corpos dos mortos que encontraram alibertação. Essa é a maneira de “difundir” a humanidade e seus sentimentos.

 Jornalistas proeminentes e de influência, habituados a lidar com políticos,homens de grau infinitamente inferior, dizem, na sua ignorância, que ele agiubaseado “no princípio da vingança”. Não conhecem o homem. Devem alargar-se para poder ideá-lo. Não tenho dúvidas de que tempo virá em quecomeçarão a vê-lo como realmente era. Têm de concebê-lo como um homemde fé e de princípios religiosos, e não como um político ou um índio; umhomem que não esperou ser obstado ou contrariado em algum negócioinofensivo para dar a vida à causa dos oprimidos. [..]

[...] Para que Massachusetts e o Norte enviaram alguns representantesajuizados ao Congresso, nestes últimos anos? Para expressar, com efeito, que

sentimentos? Reunidos e recozidos todos os seus discursos – e provavelmenteeles mesmos o confessarão - , não estão à altura, no que respeita à direitura eenergia viril, e à simples verdade, das poucas observações ocasionais que odoido John Brown fez no primeiro andar da casa das máquinas de Harpers Ferry– o mesmo homem que estais a pique de enforcar, de mandar para o outromundo, embora não para representar-vos lá. Não, ele não era nossorepresentante em nenhum sentido. Era um espécime de homem belo demaispara nos representar. Quais, então, eram os seus eleitores? Se lerdes

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 29/35

compreensivamente as palavras dele, descobrireis. Em seu caso, não háeloqüência vã, nem canhestra, não há cumprimentos ao opressor. A verdade éa sua inspiradora, e o fervor é quem lhe dá lustro às sentenças. Ele podiapermitir-se perder seus rifles Sharp, desde que conservasse a faculdade da fala– rifle Sharp de alcance infinitamente mais longo e mais certeiro. [...]

[...] Não tenho respeito algum pelo discernimento de um homem que, lendo orelato dessa conservação, ainda possa chamar de insano seu interlocutorprincipal. Tem ela o timbre de uma sanidade mais sã de que aquela que adisciplina e os hábitos de vida ordinários, do que qualquer organizaçãoordinária, possa assegurar. Tomai qualquer sentença dela: “Responderei atodas as perguntas a que honradamente possa responder, de outra maneira,não. No que me concerne, tudo contei de modo veraz. Prezo minha palavra,senhor”. Os poucos que falam acerca do seu espírito vindicativa, embora lheadmirem realmente o heroísmo, não possuem meio de prova para detectar umhomem nobre, nem amálgama para combinar com o seu puro ouro. Misturam-

lhe sua própria escória. [...][...] Com um filho morto ao lado, e outro baleado, apalpava com uma mão opulso do filho agonizante, e com a outra segurava o rifle, comandando seushomens com extrema compostura e encorajando-os a se manterem firmes, avenderem a vida tão caro quanto pudessem. [...]

[...] Quando um governo põe seu poder a serviço da injustiça, como o nosso,que mentem a escravidão e mata os libertadores de escravos, revela-seapenas uma força bruta, ou pior, uma força demoníaca. É o chefe dos rufiões. Torna-se mais evidente do que nunca que a tirania domina. [...]

[...] Ali está sentado um tirano que mantém em cativeiro quatro milhões deescravos; aqui vem o heróico libertador deles. Este que é o mais hipócrita ediabólico dos governos, do alto do seu trono olha para os quatro milhões deseres arquejantes e pergunta, com pretensões de inocência: “Por que meatacais? Pois não sou um homem honesto? Cessai a agitação acerca desteassunto, ou farei de vós também um escravo, ou vos enforcarei. [...]

[...] Falamos de governo representativo; mas que monstro de governo esse emque as mais nobres faculdades do espírito, e todo o coração, não estãorepresentados! [...]

[...] Heróis continuaram a combater sobre os tocos das pernas quando estasforam cortadas a tiro, mas nunca ouvi referido nenhum bem realizado por umgoverno como este.

O único governo que reconheço – e não importa quão poucos lhe estejam àtesta, ou quão pequeno seja o seu exército – é aquele poder que estabelece a justiça no país, nunca o que estabelece a injustiça. Que pensar de um governopara o qual todos os homens verdadeiramente bravos e justos do país são

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 30/35

inimigos, interpostos entre ele e aqueles a quem oprime? Um governo quepretende ser Cristão e crucifica um milhão de Cristos todos os dias!

 Traição! Onde tem origem tal traição? Não posso deixar de pensar a vossorespeito como o mereceis, governos. Podereis acaso secar a fonte dopensamento? A alta traição, quando se trata de resistência a tirania cá de

baixo, tem origem no, e é principalmente cometida pelo, poder que cria e estásempre a recriar o homem. Depois de terdes agarrado e enforcado todos essesrebeldes humanos, não consumastes nada que não fosse vossa própria culpa,pois não consumastes nada que não fosse vossa própria culpa, pois nãoatingistes o manancial. Presumis combater um inimigo contra o qual nãoapontam os cadetes e o canhões de West Point. Poderá toda a arte dosfundidores de canhões induzir a matéria a voltar-se contra seu criador? Seráque a forma na qual o fundidor julga que a fundiu é mais essencial que aprópria constituição dela e dele próprio? [...]

[...] Suponhamos que haja uma sociedade neste Estado que, mercê de sua

própria bolsa e magnanimidade, salve todos os escravos fugitivos que corrampara cá, proteja nossos concidadãos de cor, e deixe o outro trabalho a cargo dochamado governo. Não irá perder esse governo, rapidamente, sua ocupação ese tornar desprezível à Humanidade? Se os homens privados forem obrigados arealizar as tarefas do governo, para proteger os fracos e dispensar justiça,então o governo se tornará apenas um homem assolado, ou empregado, paralevar a cabo serviços subalternos ou indiferentes. É claro que será apenas asombra de um governo aquele cuja existência depender de um Corpo deVigilantes. Que deveríamos pensar do Cádi Oriental, atrás de quem funcionavaem segredo o Corpo de Vigilantes? Mas esse é, de modo geral. O caráter de

nossos Estados nortistas; cada um deles tem um Corpo de Vigilantes. E atécerto ponto, esses governos néscios reconhecem e aceitam tal relação. Dizemvirtualmente: “Teremos gosto em trabalhar para vós nesses termos, mas nãofaçam estardalhaço a respeito”. E, dessarte, o governo, com seu salárioassegurado, retira-se para o fundo da loja, levando a Constituição consigo, eutiliza a maior parte do seu labor em reparar isso. Quando o ouço ao trabalho,nas vezes em que passo por ali, ele me lembra, quando muito, aqueleslavradores que, no inverno, conseguem ganhar algum dinheiro exercendoofício de tanoeiros. E que espécie de espíritos seu barril servirá para guardar?Especulam os governos com títulos e abrem buracos em montanhas, mas não

são competentes para sequer traçar uma estrada decente. A única estradalivre, a Ferrovia Subterrânea, pertence ao Corpo de Vigilantes e é por elemantida. Eles cavaram um túnel subterrâneo que atravessa todo o país. Talgoverno está perdendo seu poder e respeitabilidade tão seguramente quanto aágua se escoa de um recipiente furado e é retida por outro que possa contê-la.

Ouço muitos condenarem esses homens por serem tão poucos. Quando jamaisforam os bons e os bravos maioria? Preferiríeis que ele esperasse até chegaresse dia? Até que eu e vós nos fôssemos juntar a ele? O simples fato de ele

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 31/35

não ter à sua volta nenhuma turba ou tropa de mercenários bastaria por si sópara distingui-los dos heróis comuns. Sua companhia era, de fato, pequena,porque poucos foram julgados dignos de serem aceitos. Cada um dos que nelasacrificava sua vida em prol dos oprimidos e dos pobres era um homemescolhido, selecionado entre milhares, se não milhões; aparentemente, umhomem de princípios, de rara coragem e devotada humanidade; pronto asacrificar sua vida a qualquer momento em benefício de seus semelhantes.Pode-se duvidar de que existissem muitos outros iguais a ele, em todo o país –falo somente dos seus partidários - , pois seu chefe o esquadrinhou, semdúvida, de alto a baixo, procurando aumentar sua tropa. Somente essesestavam dispostos a intrometer-se entre o opressor e o oprimido. Certamente,eram os melhores homens que poderíeis selecionar para enforcar. Era o maiorcumprimento que este país poderia fazer-lhes. Estavam maduros para os seuspatíbulos. Ele vem experimentando de há muito, enforcou um bom número,mas não achara até agora a vítima certa. [...]

[...] Era sua doutrina pessoal a de que um homem tem perfeitamente direito deopor-se pela força ao senhor de escravos, a fim de salvar o escravo. Concordocom ele. Aqueles que se horrorizam constantemente com a escravidão têmalgum direito de horrorizar-se com a morte violenta do senhor de escravos,mas não outros. Tais pessoas ficarão mais horrorizadas com a sua vida quecom a morte dele. Não me apressarei a considerar errado no seu método aquem logre mais prontamente libertar o escravo. Falo em favor do escravoquando digo que prefiro a filantropia do Capitão Brown àquela filantropia quenem me mata nem me liberta. [...]

[...] Preservamos a chamada paz de nossa comunidade através de feitos de

mesquinha violência, a cada dia. Vede o cassetete e as algemas do policial!Vede a cadeia! Vede os patíbulos! Vede o capelão do regimento! Temos tão-somente esperança de viver em segurança na fímbria deste exércitoprovisório. E assim nos defendemos a nós mesmos e aos nossos poleiros degalinhas, e mantemos a escravidão. Sei que a grande maioria de meuscompatriotas julga que a única maneira honrada por que se podem usar osrifles e os revólveres Sharp é em duelo, quando sejamos insultados por outrasnações, ou para caçar índios e alvejar escravos fugitivos, ou para coisassemelhantes. Penso que, por uma vez, os rifles e revólveres Sharp foramutilizados numa causa justa. As armas estavam em mãos de aluem que as

podia usar.A mesma indignação que se diz ter limpado o templo uma vez os limparánovamente. O problema não é a arma, mas o espírito com que a ireis usar.Homem nenhum apareceu nos Estados Unidos, ainda, que amasse tanto o seusemelhante e o tratasse com tanta ternura. Ele viveu para ele. Tomou da vidae lha entregou. Que espécie de violência é essa que é encorajada, não porsoldados, mas por cidadãos pacíficos; não tanto leigos como por ministros do

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 32/35

Evangelho; não tanto por seitas combatentes como pelo quacres, e não tantopelos homens quacres como por suas mulheres?

Esse evento me adverte de que existe um fato que se chama morte – apossibilidade de um homem morrer. É como se homem algum tivesse antesmorrido nos Estados Unidos; pois, para morrer, deveis primeiro ter vivido. Não

creio nos carros fúnebres, nem nos panos mortuários, nem nos funerais queeles costumam usar. Não houve morte, no caso, pois não houvera vida; elesmeramente apodreceram ou se desfizeram, como sempre ocorreu. Não searrancou a cortina de templo algum; cavou-se apenas um buraco, algures. Queos mortos enterrem seus mortos. O melhor entre eles parou completamente,feito um relógio. Franklin... Washington... foram-se, sem morrer; simplesmente,sentiu-se a falta deles, certo dia. Ouço muitos alegarem que vão morrer; ouque morreram, pelo que sei. Tolice! Desafio-os a fazerem isso. Não têm vidabastante dentro de si. Irão liquefazer-se como fungos, e manter uma centenade panegiristas a enxugar-lhes o lugar em que se desfizeram. Apenas meia

dúzia de homens morreu desde que o mundo começou. Achais que idesmorrer, senhor? Não! Não há esperança para vós. Ainda não aprendestes vossalição. Tereis de ficar depois de terminada a aula. Fazemos inútil atordoada emtorno da pena capital – tirando vidas, quando não há vida que tirar. Mementomori! Não entendemos essa sublime sentença que alguma notabilidademandou esculpir certa feita em sua pedra tumular. Interpretamo-la numsentido rasteiro e choramingas; esquecemo-nos completamente de comomorrer.

Mas assegura-vos de que ireis morrer, não obstante. Fazei vosso trabalho eterminai-o. Se souberdes como começar, sabereis como acabar.

Esses homens, ensinando-nos como morrer, ensinaram-nos, ao mesmo tempo,como viver. Se os atos e palavras deste homem não suscitaram umarevivificação, isso será a mais severa das sátiras possíveis à palavras e atoscapazes de criá-la. É a melhor nova que os Estados Unidos jamais ouviram. Jáavivou o débil pulso do Norte e infundiu-lhe muito mais generoso sangue àsveias e ao coração do que qualquer número de anos da chamada prosperidadecomercial e política poderia fazê-lo. Quantos homens que vinham ultimamentepensando em suicídio não terão agora algo por que viver!

Certa articulista diz que a monomania peculiar de Brown fê-lo ser “temido pelo

missourianos como um ser sobrenatural”. Decerto que um herói nomeio denós, covardes, é sempre para ser temido. Ele é exatamente isso. Mostrar-sesuperior à Natureza. Traz em si uma centelha divina. [...]

[...] Os redatores de jornais argumentam que é prova de sua insanidade o fatode ele julgar-se escolhido para o trabalho que executou; de não ter ummomento sequer duvidado de si próprio! Falam como se fosse impossível queum homem pudesse ser “divinamente escolhido”, nos dias que correm, paraexecutar qualquer trabalho que seja; como se promessas solenes e religião

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 33/35

fossem coisas obsoletas no que concerne ao trabalho cotidiano de qualquerhomem; como se o agente da abolição da escravidão só pudesse ser alguémdesignado pelo Presidente ou por algum partido político. Falam como se amorte de um homem constituísse um malogro e sua vida ininterrupta, qualquerque seja o seu caráter, um êxito.

Quando reflito na causa a que este homem se devotou, tão religiosamente, e,depois, na causa a que seus juízes, e todos quantos o condenaram tão raivosae espontaneamente, se dedicam, constato que estão tão distanciados entre siquando os céus e a terra.

 Tudo isto resulta em que nossos “homens de direção” são uma espécieinofensiva de sujeitos, que sabem muito bem que não foram apontadosdivinamente, mas eleitores pelos votos de seu partido.

Quem é a pessoa cuja segurança exige que o Capitão Brown seja enforcado?Será isso indispensável a qualquer homem do Norte? Será que não há outra

alternativa senão atirar este homem ao Minotauro? Se não desejais que talaconteça, dizei-o claramente. Enquanto coisas assim estão sendo feitas, abeleza permanece velada e a música não passa de uma mentira guinchante.Pensai nele – nas suas raras qualidades! – um homem que são precisos séculospara fazer e outros tantos para compreender; não um herói de fancaria, nem orepresentante de qualquer partido. Um homem que talvez o Sol não venhailuminar outro igual, novamente dispendioso material, a mais pura adamas;que foi enviado para ser o redentor dos que estejam em cativeiro; e o únicouso que dele podeis fazer é enforcá-lo na ponta de uma corda! Vós, que fingisimportar-vos com o Cristo crucificado, considerai o que estais a pique de fazer

àquele que se ofereceu para ser o salvador de quatro milhões de homens.Qualquer homem sabe quando tem razão, e toda a perspicácia de mundo não opode esclarecer acerca desse ponto. O criminoso sempre sabe que sofre justapunição, mas quando o governo tira a vida a um homem sem consentimentode sua consciência, mostra-se um governo audacioso, que está dando umpasso para a sua própria extinção. Pois não é possível que um indivíduo possaestar certo e um governo errado? Será que as leis devem ser aplicadassimplesmente porque foram feitas? Ou consideradas boas, por qualquernúmero de homens servir de instrumento à realização de atos que sua melhornatureza desaprova? Será intenção dos legisladores que todos os homens bons

sejam sempre enforcados? Cumprirá aos juízes interpretar a lei de acordo coma letra a não com o espírito? Que direito tendes vós de estabelecer um pactoconvosco de que fareis isto ou aquilo, em desacordo com a luz que existe emvosso íntimo? É a vós que cumpre decidir – tomar qualquer resolução que seja -, e não aceitar as convicções que vos são impostas e que ultrapassem semprevossa compreensão? Não acredito em advogados, em tal modo de atacar oudefender um homem, porque desceis para encontrar o juiz em seu próprioterreno, e, nos casos da mais alta importância, é irrelevante que um homem

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 34/35

haja ou não violado uma lei humana. Que os advogados decidam os casostriviais. Os homens de negócio podem arranjar isso entre eles mesmos. Sefossem os intérpretes das leis perenes , que legitimamente obrigam o homem,seria outra coisa, Uma falsa fábrica de leis, que está situada metade em terraescrava e metade em terra livre! Que espécie de leis para homens podeisesperar disso?

Aqui estou para pleitear sua causa convosco. Não estou instando pela sua vida,mas pelo seu caráter – sua vida imortal; e, dessarte, ela se torna inteiramentea vossa causa, não a dele, de modo algum. Há cerca de mil e oitocentos anos,Cristo foi crucificado; hoje de manhã, talvez o Capitão Brown tenha sidoenforcado. Estas são as duas pontas de uma cadeia a que não faltam seus elos.Ele não é mais o Velho Brown; é um anjo de luz.

Vejo agora que foi necessário que o mais bravo e o mais humano dos homensde todo o país fosse enforcado. Talvez ele próprio o tenha compreendido. Euquase receio ouvir ainda dizer que foi libertado, e ponho-me a duvidar de3 que

uma vida prolongada, de que qualquer vida, lhe possa ser tão benéfica quantoa morte.

“Transviado!”, “Gárrulo!”, ”Insano!”, “Vingativa!”. Isto escreveis em nossaspoltronas, e ele, ferido, responde do chão da armaria, límpido como um céusem nuvens, verdadeiro como a voz da Natureza; “Homem nenhum memandou aqui; trouxe-me minha própria inspiração e ao meu Criador. Nãoreconheço nenhum senhor sob forma humana.”

E em que brando e nobre tom ele continua, dirigindo-se aos seus captores, queestão sobre ele: “Creio, meus amigos, que sois culpados de grave erro contra

Deus e a Humanidade, e seria perfeitamente justo que qualquer um lutassecontra vós para libertar aqueles que iníqua e deliberadamente mantéis emcativeiro.”

E, referindo-se ao seu movimento: “É, na minha opinião, o maior serviço queum homem pode prestar a Deus.” “Apiado-me dos pobres cativos que não têmninguém para ajudá-los; é por isso que estou aqui; não para satisfazer qualqueranimosidade, vingança ou espírito de retaliação. Trouxe-me a minha simpatiapelos oprimidos e pelos injustiçados, que são tão bons quanto vós, eigualmente preciosos aos olhos de Deus.”

Não lhe reconhecereis o testamente, ao vê-lo.

“Quero que entendais que respeito os direitos dos mais pobres e dos débeismembros do povo negro, oprimidos pelo poder escravocrata, tanto quantorespeito os direitos dos mais abastados e poderosos.”

“Desejo dizer, outrossim, que melhor seria, a todos vós, gente do Sul, que vospreparásseis para uma solução desse problema, que deverá vir antes de queestejais preparados para ela. Quanto mais cedo estiverdes preparados, melhor.

5/13/2018 Resumo - desobedi ncia Civil - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-desobediencia-civil 35/35

Podeis dar-me fim muito facilmente. Estou quase no fim, já; mas este problemaainda aguarda solução – este problema do negro, quero dizer; o fim dele aindanão chegou.”

Antevejo o tempo em que o pintor pintará essa cena, não mais precisando ir aRoma em busca de temas; o poeta a cantará; o historiador a registrará; e,

 juntamente com o Desembarque dos Peregrinos e a Declaração deIndependência, será ela o ornamento de alguma futura galeria nacional, a umtempo em que pelo menos a atual forma de escravidão não mais exista aqui.Então, teremos liberdade para prantear o Capitão Brown. Então, e só então,teremos nossa vingança.