a influência dos níveis de percepção de riscos

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A influência dos níveis de percepção de riscos Prof. Antonio Fernando Navarro Introdução: Percepção é o ato ou o efeito de perceber-se algo. De acordo com os conceitos emitidos pelos dicionários, trata-se de uma reação a um estímulo exterior, que se manifesta por fenômenos químicos, neurológicos, e por diversos mecanismos psíquicos tendentes a adaptar esta reação a seu objeto, como a identificação do objeto percebido (ou seu reconhecimento), sua diferenciação por ligação aos outros objetos. Ou seja, muito da percepção é proveniente de experiências anteriores ou mesmo de memória genética, hoje plenamente comprovada com animais, onde o filho de um predador já nasce predador. O bebê, desde que nasce, começa a perceber o que está ao seu redor através do olhar, tato, sentido degustativo, pele, enfim, por uma própria sensibilidade não de todo explicada, bastante semelhante à sensibilidade e percepção da mãe para com seus filhos. Nessa fase, leva tudo à boca, pega tudo, olha tudo com medo ou admiração, assusta-se com o desconhecido. Quando evoluímos ainda continuamos a perceber o que está ao nosso redor, quase sempre através do olhar introspectivo. Se a curiosidade é grande e não tem ninguém perto para nos explicar, ou seja, depois da fase dos porquês, procuramos as interpretações nas revistas ou livros. Quando entramos para a Faculdade, muitas coisas nos são desconhecidas. Passamos a preferir as matérias mais práticas a aquelas mais teóricas, que nos fazem pensar mais. Assim, passa a ser comum que em muitas das disciplinas temos as matérias teóricas e as práticas, para que os alunos saiam com melhor nível de aprendizado. Ao sairmos da Faculdade, já nos imaginamos conhecedores de tudo, ou quase tudo. É aí que começam os problemas. Este pequeno artigo, tratado de uma forma mais coloquial, nos conduz a uma reflexão e ao mesmo tempo nos traz alguns alertas para que tenhamos o sucesso em nossas profissões, empregando nossas percepções. Podemos estar vendo uma construção e muitas vezes não estamos percebendo que suas colunas estão desaprumadas. Podemos estar vendo uma experiência química e não estarmos percebendo que a reação produzida poderá nos atingir. Podemos estar nos debruçando sobre um projeto arquitetônico e não nos dar conta das necessidades de espaços da família.

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Page 1: A influência dos níveis de percepção de riscos

A influência dos níveis de percepção de riscos

Prof. Antonio Fernando Navarro

Introdução:

Percepção é o ato ou o efeito de perceber-se algo. De acordo com os conceitos

emitidos pelos dicionários, trata-se de uma reação a um estímulo exterior, que se manifesta por

fenômenos químicos, neurológicos, e por diversos mecanismos psíquicos tendentes a adaptar esta

reação a seu objeto, como a identificação do objeto percebido (ou seu reconhecimento), sua

diferenciação por ligação aos outros objetos. Ou seja, muito da percepção é proveniente de

experiências anteriores ou mesmo de memória genética, hoje plenamente comprovada com animais,

onde o filho de um predador já nasce predador.

O bebê, desde que nasce, começa a perceber o que está ao seu redor através do

olhar, tato, sentido degustativo, pele, enfim, por uma própria sensibilidade não de todo explicada,

bastante semelhante à sensibilidade e percepção da mãe para com seus filhos. Nessa fase, leva tudo

à boca, pega tudo, olha tudo com medo ou admiração, assusta-se com o desconhecido.

Quando evoluímos ainda continuamos a perceber o que está ao nosso redor, quase

sempre através do olhar introspectivo. Se a curiosidade é grande e não tem ninguém perto para nos

explicar, ou seja, depois da fase dos porquês, procuramos as interpretações nas revistas ou livros.

Quando entramos para a Faculdade, muitas coisas nos são desconhecidas.

Passamos a preferir as matérias mais práticas a aquelas mais teóricas, que nos fazem pensar mais.

Assim, passa a ser comum que em muitas das disciplinas temos as matérias teóricas e as práticas,

para que os alunos saiam com melhor nível de aprendizado.

Ao sairmos da Faculdade, já nos imaginamos conhecedores de tudo, ou quase

tudo. É aí que começam os problemas.

Este pequeno artigo, tratado de uma forma mais coloquial, nos conduz a uma

reflexão e ao mesmo tempo nos traz alguns alertas para que tenhamos o sucesso em nossas

profissões, empregando nossas percepções.

Podemos estar vendo uma construção e muitas vezes não estamos percebendo que

suas colunas estão desaprumadas. Podemos estar vendo uma experiência química e não estarmos

percebendo que a reação produzida poderá nos atingir. Podemos estar nos debruçando sobre um

projeto arquitetônico e não nos dar conta das necessidades de espaços da família.

Page 2: A influência dos níveis de percepção de riscos

Foto 1 – Arquivo pessoal de AFANP-2011

A foto 1 apresenta uma atividade em uma obra. Somente pela fotografia vê-se que

há três operários envolvidos na atividade a qual, presume-se, seja a da verticalização de uma forma

de pilar de concreto armado. Todos os três envolvidos na atividade estão com cintos de segurança.

Todavia, não se observa uma linha de vida onde os talabartes desses cintos estejam “atracados”, ou

seja, não se encontram protegidos contra o risco de queda. Também se vê que há um dos operários

correndo mais risco de queda do que os demais. Para um engenheiro/arquiteto que esteja iniciando

suas atividades, qual deverá ser a abordagem de proteger os trabalhadores sem, contudo, o assustá-

los, aumentando os riscos? Situação difícil essa, não é?

O risco deixa de existir, ou passa a ser mitigado, quando há planejamento da

atividade e no planejamento discutem-se as estratégias, proteções e riscos. É nessa fase, sem riscos,

que se discutem os riscos. Ë bom esclarecer que uma coisa é eliminar um risco – algo bem difícil –

outra, de mitigá-lo – quando são empregados meios que atenuam os efeitos dos mesmos,

principalmente sobre o ser humano. Mitigam-se riscos quando se fornece o EPI – equipamento de

proteção individual correto.

Não queremos apresentar um texto que retrate questões de segurança do trabalho,

mas sim, que envolve as percepções individuais como um fator importante para o sucesso

profissional.

Page 3: A influência dos níveis de percepção de riscos

Foto 2 – Arquivo pessoal de AFANP - 2010

Na fotografia 2, vê-se que há um trabalhador sobre um imóvel, demolindo parte

de uma parede. Percebe-se, contudo, que ele está com cinto de segurança e o talabarte do cinto está

preso atrás de si. Todavia, ele está manuseando uma marreta pesada e batendo contra a parede. Um

simples desequilíbrio pode fazer com que ele venha a baixo, mesmo com o cinto e sofra lesões.

Mais uma vez vem a questão: Como abordá-lo para que ele não se machuque? A

resposta pode estar no planejamento da atividade.

Foto 3 – Arquivo pessoal de AFANP - 1979

A foto 3 retrata um operário trabalhando na desfôrma de lingotes de aço, exposto

não só às elevadas temperaturas como também a outros riscos provocados pela excessiva

proximidade dos materiais, a mais de 350°C.

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Mesmo considerando a época em que a fotografia foi tirada, a visão da

“percepção” é a mesma. A falta de um adequado planejamento, associada à cultura da empresa

podem ser um grande diferencial para o agravamento dos riscos.

Foto 4 – Arquivo pessoal de AFANP - 1985

A foto 4 representa uma situação bastante comum, a de trabalhadores passando

próximo a cargas içadas ou sob essas. Neste caso, peças que seriam incorporadas à Usina de Angra

II. Pela foto os riscos são muito claros, não só para quem observa a atividade, como também para

quem encontra-se exposto a ela. A questão da abordagem ainda é a mesma: como evitar que alguém

sofra lesões? Uma das respostas é a do planejamento das atividades.

A percepção é fruto da soma de experiências passadas e apreendidas,

conhecimento, discernimento, entre outros aspectos. Muitas vezes vai-se ao campo com o

encarregado de uma planta industrial e ele ao passar por um motor em funcionamento “percebe”

algo estranho. Esse algo é fruto de uma audição acurada para a percepção de defeitos, que

decodifica os ruídos.

Quando estávamos terminando o curso de engenharia civil, no início da década de

70, recebemos como missão analisar um projeto de escoramento metálico para a construção de uma

ponte ferroviária. Como já éramos graduado em física e matemática, pela atual Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (antiga Universidade do Estado da Guanabara), e estávamos concluindo

Engenharia Civil, não queríamos “dar o braço a torcer”, ainda mais para um desenhista projetista. O

que hoje podemos chamar de “cadista”, com capacidade de realizar projetos.

Pois bem, ficamos com aquelas pranchas sobre a mesa por uma semana, no início,

sem entender bem a que se referiam. Depois, sem entender o encadeamento entre elas, e por fim

sem saber o que analisar.

Page 5: A influência dos níveis de percepção de riscos

Depois de uma semana de sofrimento, pois era um projeto complexo, empregando

um tipo de estrutura denominado vigas Bailey, nossos conhecimentos na universidade já nos

propiciavam algum entendimento.

Quando o desenhista projetista, com 65 anos de idade e quase 50 de experiência

aproximou-se de nós, perguntou: “engenheiro”, o que está errado? Balbuciamos: Por enquanto não

vimos nada de errado. A estrutura está boa, os encaixes e apoios também e a seqüência de

montagem está OK. Ele sorriu e perguntou? O senhor conferiu se os parafusos de ligação dos

painéis suportam todo esse peso? Naquele momento relutamos a confessar. Por fim dissemos: não,

não verificamos. Ou seja, o principal item da estrutura de suportação não havia sido analisado. Seria

algo como o alpinista avaliar a qualidade da corda e não se preocupar com os nós.

Ele então se sentou ao nosso lado e juntos começamos a analisar os esforços

atuantes sobre os parafusos, pois havia o risco de cisalhamento da estrutura.

Não precisamos dizer que a conversa ficou só entre nós, e agora com vocês, mas,

naquele dia, entendemos que a primeira lição que um engenheiro tinha que ter era a da humildade,

pois seu conhecimento não era maior do que a experiência acumulada por muitos daqueles que

trabalhavam na mesma obra. Essa humildade era representada não só por permitir que outros

podessem ter mais conhecimento do que nós, assim como o de ouvir e aceitar o que nos diziam.

Seguindo sábias orientações (Pr: 9, 8-9) passamos a entender melhor o sentido

dessa humildade: não repreenda o zombador, porque ele odiará você. Repreenda o sábio, pois ele o

agradecerá. Dê conselhos ao sábio e ele se tornará mais sábio ainda. Dê instruções ao justo e ele

aprenderá ainda mais.

Muitas vezes o profissional recém graduado não tem condições de perceber aquele

que o ajudará a subir ou galgar espaços maiores e aquele que o ajudará a perder esses espaços.

Em empreendimentos muito grandes isso é muito comum. Assim, o melhor é

antes de tudo, familiarizar-se com a cultura e empreendimentos da empresa e como é composta sua

estrutura funcional.

A postura do Profissional

Quando dissemos que a percepção é fruto da soma de experiências passadas e

apreendidas, conhecimento, discernimento, etc., dizemos que a graduação fornece o conhecimento

necessário para a compreensão ou entendimento dos problemas.

As experiências passadas vêm com os estágios, leituras, discussões e aprendizado

com o que é dito ou escrito por profissionais experientes. O discernimento surge com o bom senso,

Page 6: A influência dos níveis de percepção de riscos

com a visão comparativa ou o equilíbrio de decisões. A humildade, é demonstrada com a certeza de

que, apesar de termos acumulado muito conhecimento, esse por si só ainda não é o suficiente.

Discernir parece ser algo fácil, já que depende de escolhas. Pode ser o certo ou o

errado, o direito ou esquerdo, o bom ou o mau. Mas, há o discernimento de que algo pode não estar

certo. Algumas vezes, o professor ao ser consultado pelo aluno a respeito de um exercício, olha o

raciocínio inicial e já diz: está errado. Será? A experiência dele já é suficiente para discernir que o

resultado não será o esperado.

E a humildade? Como se consegue?

É muito difícil tratar-se do tema, já que envolve sentimentos, como orgulho,

soberba, nível salarial, educação familiar, e outras causas. Em nossos anos de trabalho como

engenheiro ou coordenador de QSMS (qualidade, segurança, meio ambiente e saúde), verificamos

que muitos dos acidentes pessoais, ou envolvendo uma obra, encontra-se relacionada ao tratamento

e a forma de como o trabalhador é tratado. Em programas de auditoria comportamental nos anos de

2007 e 2008, com mais de 42.000 desvios apontados, em mais de 15% desses a causa básica

provinha da insatisfação do trabalhador com suas chefias.

O engenheiro recém graduado sente-se orgulhoso de haver galgado mais um

degrau em sua formação. Chega às obras bem intencionado, e com algum conhecimento para por

em prática. Todavia, ainda há uma longa caminhada para se chegar ao estágio de evolução

necessário.

Somente no ano passado, no município de Niterói estavam sendo construídos mais

de 80 empreendimentos, além daqueles em execução nos Campi da UFF. O COMPERJ será um dos

grandes sorvedouros de mão de obra especializada, com capacidade de absorver minimamente

3.000 engenheiros, direta e indiretamente, e um número pelo menos cinco vezes maior de técnicos

de todos os níveis. Na falta dessa mão de obra especializada, entendida como aquela onde o

trabalhador possui experiência profissional de 3 a 5 anos, muitos recém formados são postos na

“fogueira” tendo que exercitar seus conhecimentos de modo rápido.

É natural que muitos pequenos deslizes ocorram. Entretanto, temos que ter em

mente que o nosso sucesso ou fracasso depende mais de nós mesmos do que dos outros. Dizemos

que é a época em que ouvir é ouro e calar é prata.

A postura do Profissional, fiscal

Em excelente apresentação sobre a postura da fiscalização de construção e

montagem, elaborada pelos profissionais Carlos Manzano e Júlio Almeida, ambos da Petrobras,

neste ano, eles apresentam, em uma visão macro, como ressalte, a eficiência e eficácia, as

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competências individuais, os desempenhos individuais e coletivos, ou seja, o trabalho harmonioso

com os colegas, a produtividade, postura e capacidade de liderança positiva.

Continuando, associam palavras chave: Eficiente com Prontidão, Efetividade com

Inovação, Eficácia com Resultados, Eficiência com Procedimentos.

De maneira bem simples eles nos dizem quais são as qualidades de um bom

profissional, qual seja: a de estar pronto a aprender, a de ter capacidade de inovar, a de ter objetivos

e metas associados a obtenção de resultados e a de conhecer e saber cumprir os procedimentos.

À reboque das necessidades da Petrobras vêm as necessidades das empresas que

trabalham em seus projetos. A relação entre pessoas envolvidas diretamente nos projetos e aqueles

que atuam para os projetos segue uma relação de 1:6 a 1:12, dependendo nos níveis de

especialização exigidos.

Nosso futuro profissional deve estar atento ao que o mercado espera dele. As

empresas nutrem expectativas de que as Universidades Públicas preparam melhor seus alunos do

que outras. Também avaliam seus candidatos abordando questões como trabalhos sociais, entre

outros. A visão da percepção, do nível de amadurecimento de tomar-se uma decisão, mesmo que

não seja a melhor, de saber conviver harmoniosamente com as equipes não são relevantes assim. As

universidades, antigamente, formavam engenheiros melhor preparados para as adversidades. Hoje

as universidades formam profissionais cada vez mais voltados para atividades específicas. Há

espaços para os profissionais generalistas e para os especialistas. Quem dirá se se enquadra melhor

em uma área ou em outra é o próprio profissional e sua capacidade de empreendimento e

aprendizado.